Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:414/10.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA POR DÍVIDAS DE COIMAS.
ÓNUS PROBATÓRIO DE RECORRENTE
ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I. O artigo 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa, daí que recaia sobre a AT o ónus de, em conformidade com o disposto no artigo 74º n.º 1 da LGT, provar a culpa da revertida na delapidação do património societário, sob pena de ilegitimidade do revertido para a execução.
II. A AT não está, assim, dispensada de alegar no despacho de reversão a factualidade com vista a integrar a culpa do revertido ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda
III. Na impugnação da decisão da matéria de facto apurada de 1ª. Instância a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, devendo, nas alegações de recurso, especificar, obrigatoriamente não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
IV. A alteração da matéria de facto pressupõe assim a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

R....., melhor identificada nos autos, veio na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial contra a execução fiscal n.º 35……., para a qual foi citada para proceder ao pagamento do montante de € 1.571,51, relativa a dívidas de coima e despesas legais, instaurado contra a sociedade devedora originária “D......., S.A.”.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 04 de julho de 2019, julgou procedente a oposição.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido na al. b) do n.º 1 do art. 8.º do RGIT; art. 23.º, al. b) do n.º 1 do art. 24.º e art. 74.º, todos da LGT; al. a) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT; art. 186.º do CIRE; art. 64.º, 65.º, 191º, 192º, 193º, 248º, 249º, 250º, 252º, 259º, 260º, 261º entre outros do CSC, tudo assim,

B) devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade, do Princípio da prevalência da verdade material sob a formal, o Principio da Aquisição Processual de Prova e dos Factos, e o Principio da Justiça, que a todos os outros abarca.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido no despacho de reversão sub judice , de fls. 47 a 51 dos autos),

D) Ao que acresce a vicissitude de terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente (mormente a vertida no item G do probatório).

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela inexistência de uma qualquer falta de alegação quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a divida exequenda e, por sua vez, pela verificação nos autos de prova da culpa exigida pelo art. 8.º do RGIT.

F) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

G) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 16º ao 40º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,

I) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.

J) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.

K) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e a costumada JUSTIÇA!»


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A Recorrida, R....., devidamente notificada para o efeito, não contra alegou.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artºs 639.º, do NCPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões a apreciar são as de saber se a sentença recorrida incorre de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito por errada valoração da prova.


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2 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) . Por deliberação de 25.02.2003 foi a Oponente nomeada vogal da sociedade “D......., S.A.”, nipc 50….., pelo mandado de 2001/2003 [cf. cópia de certidão do registo comercial a fls. 67 dos autos].

B) . A 30.08.2004 a Oponente procedeu à renúncia ao cargo de administração da sociedade “D......., S.A.”, nipc 50…., identificado no ponto anterior [cf. cópia de certidão do registo comercial a fls. 67 dos autos].

C) Em 29.04.2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 35….., no Serviço de Finanças de Oeiras 3, contra a sociedade “D......., S.A.”, para cobrança de dívida de coima, pela quantia exequenda de €1.571,51 [cf. fls. 33 dos autos].

D) O PEF identificado no ponto anterior foi apensado ao PEF n.º 35…, instaurado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 [cf. fls. 32 dos autos].

E) Por despacho de 18.12.2008 da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Oeiras 3, em sede do processo de execução fiscal n.º 35….. e apensos, para efeitos de início do procedimento de reversão contra os responsáveis subsidiários [cf. fls.35 a 37 dos autos].

F) Por ofício n.º 18…., de 30.12.2008, do Serviço de Finanças de Oeiras 3, foi remetida notificação à Oponente para efeitos audição prévia em sede do procedimento de reversão do processo de execução fiscal n.º 35… e apensos [cf. fls. 34 dos autos].

G) Por despacho de 29.01.2009 da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Oeiras 3 foi proferido despacho de reversão, em sede do processo de execução fiscal n.º 35….. e apensos, onde consta nomeadamente, o seguinte:
“(…)

Face ao alegado e aos elementos existentes nos serviços e que incorporam os autos, designadamente:

a) Certidão da matrícula da Conservatória do Registo Comercial de Cascais e correspondente informação, disponível a folhas 139 dos presentes Autos,

b) Cópia das declarações de IVA arquivadas nestes serviços e disponível a folhas 233 e seguintes dos presentes autos.

c) Pesquisa informática da aplicação informática tributária (cfr. Pag. 100 dos presentes autos).

d) Informação prestada peia Conservatória do Registo Comercial de Cascais, disponível a folhas 219 dos presentes Autos, da qual consta “A referida sociedade não efectuou qualquer prestação de contas do ano de 2000 a 2002, só estão depositados os anos de 1995 e 1998”.

Verifica-se:

1 - Validade da citação pessoal.

2 - Cumpridas as demais formalidades legais.

3 - Uma gestão com reflexos negativos na actividade da devedora. Os responsáveis de tal conduta, “administradores de direito e de facto" contribuíram para o estado de insolvência da devedora agora executada;

Os responsáveis subsidiários não exerceram uma gestão criteriosa e ordenada; Não foram cumpridos os “deveres fundamentais ” de lealdade, cuidado, disponibilidade, competência, “ no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

24. Dispõe o artigo 391° do código das Sociedades Comerciais a forma e condições para a “designação” da função de administrador das sociedades. Estabelece ainda o número 5 daquela norma que a “aceitação do cargo pela pessoa designada pode ser manifestada expressa ou tacitamente”.

25. Por esta administração não foi cumprido o dever de relatar a gestão e apresentar contas, estabelecido no artigo 65° do Código das Sociedades Comerciais. Nos termos do artigo 186° do CIRE esta insolvência é ainda culposa porquanto as contas não foram depositadas na Conservatória do Registo comercial de Cascais.

26. Por os elementos carreados para os autos comprovarem a gerência dos revertidos administradores, sem prejuízo de as testemunhas arroladas serem inquiridas numa fase processual posterior, é de concluir, de acordo com a proposta de decisão e os elementos constantes do processo, que a gerência de facto e de direito foi exercida pelos Administradores I......., níf 11…., J......., nif 16…., S......., nif 19….., M......., nif 12…., R....., nif 22….., M......., nif 11….. e compreende o período da dívida.

27. Por força do disposto no(s) artigo(s) 23° n°s 1 e 2, al. b) do n° 1 do 24° da LGT e alínea a) do n° 2 do 153° dó CPPT e ainda al. b) do n° I do 8° do RGIT são delimitadas as situações passíveis de enquadrar a responsabilidade subsidiária dos corpos sociais das sociedades, cooperativas e empresas públicas

28. Tal responsabilidade é do tipo “ex-lege”, isto é, caracteriza uma fiança legal, e os seus pressupostos assentam no exercício de funções de administração, direcção ou gerência, de facto ou de direito, e na presunção da existência de culpa funcional.

29. Demonstrada a gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado da inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres com a sociedade enunciados no artigo 64° do Código das Sociedades Comerciais.

30. E, exteriorizando o gerente, director ou administrador, a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cfr., artigos 248°, 249° e 250° do Código Comerciais, artigos 64° 191°, 192°, 193°, 252°, 259°, 260°, 261°, 390°, 405°, 408°, 470°. 474° e 478° todos do código das sociedade comerciais) é licito que este seja responsabilizado peto cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.

Assim,

Constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto nos artigos al. b) do n° 1 do 24° da LGT, art. 153°, n.° 2 alínea a) do CPPT e ainda al. b) do n° 1 do 8° do RGIT e 186° do CIRE e 78° n° 1 do CSC, ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra os subsidiários responsáveis administradores/gerentes:

(…) R....., nif 22….., Periodo: 24.03.2003 a 30.08.2004 pelo valor de €1.571,51 (…)

[cf. fls. 47 a 51 dos autos].

H) Através do ofício n.º 1…., de 30.01.2009, do Serviço de Finanças de Oeiras 3, recebido a 09.09.2009, foi a Oponente citada, na qualidade de responsável subsidiária, em sede do procedimento de reversão do processo de execução fiscal n.º 35….. e apensos (no qual foi apenas revertido contra a Oponente o processo n.º 35….., pela quantia exequenda de €1.571,51 [cf. fls. 52 e 53 dos autos].

I) A 05.03.2009 foi recebida a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 8 dos autos].


*

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição por considerar verificada a ilegitimidade da Oponente para responder pela divida exequenda.

Para assim considerar louvou-se o texto decisório no entendimento de que: “… a factualidade que o oponente alegou com vista a provar que não teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA e IRS (dada a presunção de culpa contida na al. b) do art. 24º da LGT) e que não conseguiu provar, não contende, de forma alguma, com a factualidade que a administração devia ter positivado no acto de reversão para evidenciar (e depois poder provar) que aquele tinha tido culpa nessa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade à luz do art. 8º do RGIT, tendo em conta que, nesta matéria, a administração não dispõe de presunção legal de culpa para efectivar essa responsabilidade.
Não tendo a administração alegado qualquer factualidade nesse sentido, e tendo o revertido suscitado essa questão em sede de oposição, ficou imediatamente patenteada a ilegitimidade do oponente para a execução no que se refere a estas dívidas.” – fim de citação.

A questão substantiva que subjaz ao decidido reporta-se, assim, a uma situação de reversão de dividas de coima, no montante de €1.571,51, da sociedade “D......., S.A.”, para a oponente “R.....”, administradora/gerente da referida sociedade no período que decorreu entre 24/03/2003 e 30/08/2004.

Antes de prosseguir recordemos que, em traços gerais, o instituto da reversão operado no âmbito do processo de execução fiscal, constitui, como é sabido, um regime exclusivo deste, com tradução na modificação subjetiva da instância concretizada no respetivo despacho de reversão através do chamamento à execução de outrem que não o devedor principal, a fim de ocupar ali, o lugar deste, sempre com o fim de conseguir a cobrança, no mesmo processo executivo, de dívidas de impostos exigida ao devedor originário.

Trata-se de um mecanismo processual justificado pela natureza da dívida e dos interesses coletivos em jogo - (vide neste sentido, por todos o ac. deste TCAS proferido em 25/05/2017 no processo n.º 4/16.1BEBJA).

Na concretização do regime, preceitua o n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT) na redação introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12) que:

“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. – O sublinhado e o destacado são nossos.

No mesmo sentido o artigo 8.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), vem dizer que:

“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento."

Decorre assim das normas citadas que, e independentemente de se saber, qual das duas alíneas foi aplicada na situação em apreço, deve entender-se face ao n.º 1 do artigo 8.° do RGIT que ali não se consagra qualquer presunção de culpa o que faz, desde logo recair sempre sobre a AT essa demonstração, isto é, cabe à AT, no momento em que chama o revertido à ação, o que se verifica com a prolação do despacho de reversão, a demonstração da culpa deste, pela insuficiência do património social (nos termos da regra geral da distribuição do ónus da prova a que se refere o artigo 342.°, n° 1, do Código Civil).

Donde se infere que “… a AT não está dispensada de alegar no despacho de reversão a factualidade com vista a integrar a culpa do gerente ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda.” (conforme despendido no acórdão do STA, proferido no processo n.º 0775/10, em 30/05/2012, e disponível em www.dgsi.pt ).

Assim, e como bem referiu a sentença recorrida, cabe à Fazenda Pública, enquanto exequente, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos que, lhe permitem reverter as dívidas relativas a coimas, contra o/a administrador/gerente da sociedade, nomeadamente, a culpa pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer os compromissos tributários (artigo 8.°, n.°1 do RGIT; 342.°, n.°1 do Código Civil e 74.°, n.°1 da LGT), nos mesmos termos se tem pronunciado unanimemente a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (1).

A Fazenda Pública discorda do julgamento que foi feito na sentença recorrida, principiando nas conclusões A) e B) por invocar, de forma genérica, várias normas e vários princípios de direito, sem retirar qualquer consequência jurídica ou concretização, capaz de levar o tribunal a descortinar respetiva relevância para o caso concreto.

No âmbito da matéria de facto, vem invocar, segundo entendemos, erro de julgamento, alicerçado na ideia de que o tribunal deveria “… ter melhorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido no despacho de reversão …)” ao que. refere “… acresce a vicissitude de terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente (mormente a vertida no item G do probatório)” – concl. C) e D).

Do que se deixa dito e da leitura que se faz do salvatério pode, desde já, afirmar-se que os fundamentos aduzidos são, manifestamente insuficiente, porque dispersos e pouco precisos, para os fins visados pela recorrente, quando com eles pretende atacar o julgamento da matéria de facto.

Recordemos que, tal como temos vindo a dizer, a impugnação da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso.

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas.

Por seu lado ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.

Acolhemos, quanto a esta matéria e, bem assim, quanto ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal de recurso a posição largamente adotada neste TCA Sul transcrevendo parte do acórdão deste Tribunal, proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS,

Diz-se ali:

“(…)
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada e menciona os documentos ou pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc. 118/18.3BELRS).
Por último, deve vincar-se que o Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285).
(…)” - fim de citação

Tal como temos vindo a dilucidar a alteração da matéria de facto pressupõe, nos termo explanados, a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorreu erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo, sendo certo que na situação em análise, pese embora venha alegado erro de julgamento, a recorrente não logrou enunciar qualquer situação em que, de facto, se conteste a materialidade fixada no probatório.

Com efeito, a recorrente não cumpre o ónus que lhe impõe a norma citada (artigo 640.º n.º 1 do CPC) que lhe impõe a obrigatoriedade de individualizar, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, e bem assim os concretos meios probatórios, que, em seu entender, ditavam decisão sobre a matéria de facto impugnados, diferente daquela que foi perfilhada pela decisão recorrida, quedando-se com afirmações genéricas e inconsequentes, como sendo, repete-se, que, deveria ter sido melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constantes dos autos, maxime o teor vertido no despacho de reversão.

Ora o despacho de reversão foi transcrito no ponto G) do probatório, não vislumbrando este tribunal que erradas ilações jurídico-factuais, dele possam ter sido extraídos quanto à oponente, sendo que, no que respeita ao exercício da gestão o mesmo se limita a referir de forma genérica que se verifica, «[U]uma gestão com reflexos negativos na actividade da devedora. Os responsáveis de tal conduta, “administradores de direito e de facto" contribuíram para o estado de insolvência da devedora agora executada;
Os responsáveis subsidiários não exerceram uma gestão criteriosa e ordenada; Não foram cumpridos os “deveres fundamentais” de lealdade, cuidado, disponibilidade, competência, “no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.» nada dizendo quanto à culpa que a oponente aqui recorrida possa ter tido pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer os compromissos tributários.

Sendo certo que, no trilho da fundamentação de despacho de reversão, também as conclusões recursivas se limitam a contestar genericamente a valoração da prova realizada pelo Tribunal recorrido, mas sem força capaz de evidenciar o erro manifesto ou grosseiro em que incorreu o decisor ao valorar a prova da forma como o fez e, do mesmo modo, incapaz de mostrar o caminho que conduziria a valoração diferente.

Termos em que, in casu, o recurso não pode deixar de estar condenado ao insucesso dada a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, por falta de análise critica da prova e da indicação daquela que, em seu entender impunham decisão diferente da adotada pela decisão recorrida.

Assim, sem necessidade de mais amplas considerações, negamos provimento ao recurso, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022


­­­Hélia Gameiro Silva -Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta


(1) Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão deste TCAS proferido em 14/01/2021 no processo 2986/12.3BELRS e do STA proferido no processo 0186/10 em 08/09/2010.