Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1484/14.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO.
IMPUGNAÇÃO.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A apresentação de uma declaração de substituição não obsta, “per se” a que o contribuinte impugne a liquidação que dela resulta.

2. Não obsta se forem invocados fundamentos de desconformidade da liquidação com a declaração realizada, nem quando essa apresentação apenas “formalmente” é voluntária por ter na sua origem uma ação de inspeção levada a cabo pela AT.

3. A declaração de substituição, como a declaração inicial, não priva o contribuinte de vir posteriormente demonstrar que alguns dos dados que indicou não correspondem à verdade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA
RECORRIDOS: J.......
OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que manteve a decisão de indeferimento da reclamação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.° ....... e de juros compensatórios n.° ....... e n.° ......., referentes a 2008.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente, e, em consequência, anulou a liquidação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») n.° ....... e de juros compensatórios n.° ....... e n.° ......., referentes ao ano de 2008, no montante total de €7.122,43, com as legais consequências.
b. No âmbito do procedimento de inspeção e ao abrigo do dever de colaboração, foi enviada notificação ao ora Impugnante para, querendo, regularizar a sua situação tributária, designadamente, para declarar o montante de € 23.702,38 que auferiu em 2008 a título de “ajudas de custo”, mas que, na verdade, essa quantia “não assume natureza compensatória mas sim remuneratória, estando sujeita a IRS nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do CIRS”.
c. Com efeito, o ora Impugnante assim fez, em 14/05/2012, entregou voluntariamente uma declaração de substituição (identificada com o número …………… ), na qual declarou que auferiu rendimentos da empresa CMN no montante de € 31.677,14 e que veio dar origem à liquidação n.° ......., que deu valor a pagar de € 7.122,43, em causa nos autos.
d. A liquidação ora em crise teve por referência os montantes inscritos na declaração de rendimentos de substituição, nos termos do artigo 59.°, do CPPT, e não em qualquer correção oficiosa efetuada pela AT com base em elementos apurados em sede de inspeção, a qual, não teve continuidade com a subsequente entrega da declaração de substituição, por entretanto a situação ter sido regularizada pelo sujeito passivo, em que os montantes em causa foram declarados pelo mesmo, ainda que, eventualmente, tenha entregue tal declaração a contragosto.
e. Tanto assim é que no despacho proferido no final da ação inspetiva, expressamente se menciona que “foram regularizadas por parte do Sujeito Passivo as inexactidões declarativas detectadas" (ver fls. 71 do PAT) - facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados.
f. É certo que a AT notificou o Impugnante para, querendo, regularizar a sua situação tributária, designadamente, para declarar o montante de € 23.702,38 por ter natureza remuneratória, estando sujeita a IRS nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do CIRS”, no entanto, esta notificação em nada altera a natureza da liquidação de IRS resultante da declaração de substituição.
g. Tendo o Impugnante apresentado voluntariamente a declaração de substituição, a liquidação em causa não poderia deixar de assentar nessa nova declaração do contribuinte e importa ainda salientar que tal declaração continua a presumir-se verdadeira e de boa fé, nos termos do artigo 75.° da LGT.
h. A presunção legal de veracidade consagrada no artigo 75.° da lei Geral Tributária traduz uma inversão do ónus probatório.
i. Ao apresentar uma declaração de substituição em conformidade com os elementos que constavam da notificação da AT, tal constituiu manifestação de concordância com o entendimento da AT sobre a natureza do rendimento que havia sido pago como ajudas de custo.
j. Admitindo, no entanto, que o ora Impugnante entregou a declaração de substituição modelo 3, sem concordar com os valores que mencionou, então deveria ter vindo fazer a competente prova, ilidindo a presunção de veracidade dos dados e elementos mencionados nessa declaração, nos termos do art.° 73.° da mesma LGT, o que não fez.
k. Contrariamente ao que o tribunal a quo decidiu, cabia ao Impugnante apresentar elementos que demonstrassem que o montante de € 23.702,38 dizia respeito a ajudas de custo, no entanto não foi junta qualquer prova pelo que é forçoso concluir que o Impugnante não ilidiu a presunção de veracidade que recai sobre a declaração de substituição.
l. Assim, entende a Fazenda Pública que, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida no caso sub judice pois face à prova produzida nos autos o Impugnante não ilidiu a presunção de veracidade e boa-fé da declaração de substituição apresentada voluntariamente por si e era ao Impugnante a quem cabia o ónus da prova, nos termos do artigo 74.° da LGT.
m. Face ao exposto, a liquidação de imposto sindicada é legal, pelo que se deve manter na ordem jurídica e o tribunal a quo ao ter decidido como decidiu violou os artigos 74.°, n.° 1, e 75.°, n.° 1, ambos da LGT e alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do CIRS (na redação à data dos factos), pois deveria ter decidido pela legalidade da liquidação de IRS em causa por o Impugnante não ter ilidido a presunção da veracidade da sua declaração, designadamente por não ter provado que o montante de € 23.702,38 dizia respeito a ajudas de custo como alega.
n. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial.
Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente,
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

CONTRA-ALEGAÇÕES.
A - A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação adicional de IRS por erro nos seus pressupostos e vício de violação de lei consubstanciado na insuficiência de fundamentação por parte da Recorrente e errónea qualificação dos factos imputados ao RECORRIDO, nomeadamente no que diz respeito à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo RECORRIDO, a título de ajudas de custo, por parte da Administração Tributária (AT).
B - O objecto do recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública impende precisamente sobre as seguintes questões:
a. Considera a Recorrente que a liquidação adicional se deverá manter, atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao RECORRIDO constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato de trabalho e, nessa medida, é considerado rendimento de trabalho dependente;
b. A liquidação adicional de IRS que foi objecto de impugnação decorre directamente da declaração de substituição apresentada voluntariamente pelo Impugnante (aqui RECORRIDO) e não em qualquer correcção oficiosa efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Assim, cabia ao Impugnante ilidir a presunção de veracidade dos valores que declarou na declaração de substituição.
C - Alega, ainda, a Fazenda Pública que a entrega da declaração de substituição em conformidade com os elementos que constavam da notificação da AT, “constituiu uma manifestação de concordância com o entendimento da AT sobre a natureza do rendimento que havia sido pago como ajustas de custo".
D - Importa sublinhar que, conforme resulta da sentença recorrida, nem os serviços de Inspecção Tributária, nem, numa fase posterior, a própria Representação da Fazenda Pública, lograram demonstrar e fundamentar se as quantias percebidas a título de ajudas de custo foram consideradas remunerações porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, ou por entenderem que as quantias pagas a este título não estavam conexionadas com as deslocações efectuadas pelo Impugnante (aqui RECORRIDO).
E - É pacífico - e jurisprudencialmente incontroverso - que à Fazenda Pública cabe o ónus da prova, em casos como o que aqui está em causa.
F - Em sede de IRS, a determinação do rendimento colectável tem por base a Declaração Modelo 3, a qual deve ser entregue pelo sujeito passivo, vigorando, portanto, o princípio da verdade declarativa.
G - "Preceitua, neste âmbito, o artigo 75.°, n.° 1, da LGT, no sentido de que se presumem verdadeiras as deslocações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados".
H - Recai sobre a AT, ao abrigo do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento colectável declarado pelo sujeito passivo, apontando os elementos factuais demonstrativos de que as verbas pagas pela entidade empregadora constituem um rendimento do trabalho sem fim compensatório.
I - Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-07-2019, processo 150/05.7BECTB; de 04-06-2020, processo 15/14.1BEALM; e de 16-12-2004, processo 00130/04.
J - Tendo sido aceite pela AT a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica a criação de gastos acrescidos, incumbia-lhe demonstrar que o montante auferido pelo RECORRIDO a título de ajudas de custo era totalmente independente das deslocações efectuadas por este e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes excediam as despesas normais ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer, bastando-se com a alegação de meros indícios que em nada contribuem para concluir conforme concluiu.
L - Conforme a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul suprarreferida, de 04-05-2020, "para ser clara a fundamentação do relatório de inspecção tributária tinha que se mostrar capaz de criar no intérprete (julgador) a convicção de que as ajudas de custo pagas ao trabalhador (recorrido), não tiveram por finalidade, a compensação de despesas realizadas com a sua efectiva deslocação ao serviço e no interesse da sua entidade patronal".
M - Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, e bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
N - O mesmo é dizer que não conseguiu a AT, em definitivo, fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
O - Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, veja-se, entre muitas outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN, nos processos ns.° 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN, nos processos ns.° 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nesse mesmo sentido, quanto ao trabalhador da CMN, no processo n.° 1176/13.2BESNT; e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto ao trabalhador da CMN, no processo n.° 764/13.1BEPNF.
P - As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa CMN, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.
Q - No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos ns.° 803/13.6BEALM, 766/13.8BEALM, 430/13.8BEALM e 583/13.5BEALM que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (que ao deante se juntam como Docs. 1 a 4, e se dão por integrados para os legais efeitos).
R - No entendimento do RECORRIDO, a prova produzida nestes autos é concordante com a decisão de anulação da liquidação adicional de IRS. Contudo, para quem entenda em sentido contrário, restando qualquer dúvida quanto aos factos provados, os mesmos terão de se revelar desfavoráveis à AT, pois a ela lhe cabia o ónus probatório da ocorrência de circunstancialismo justificativo de uma não aceitação da declaração de rendimentos do RECORRIDO, como seja a ausência de menção a determinada importância como sujeita a tributação em sede de I RS.
S - No que diz respeito à declaração de substituição apresentada, entende o RECORRIDO que a mesma não retira o ónus da prova que impende sobre a AT de alegar e demonstrar que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar o RECORRIDO de despesas decorrentes da sua deslocação, por estas não terem existido ou por não terem ocorrido com a extensão apresentada.
T - A declaração de substituição surge, "isso sim, na sequência de uma ação inspetiva e após ter sido instado pela AT para corrigir os valores, nos precisos termos que ela indicou, com o objetivo de evitar que a falta de apresentação da referida declaração no prazo fixado determinasse a correção dos rendimentos declarados, com base nos elementos disponíveis nestes serviços, e o levantamento do competente auto de notícia para aplicação da coima prevista, para o referido ano" - sombreado nosso.
U - Ora, quanto a este tópico em concreto, principia a Ilustre Representante da Fazenda Pública por afirmar que a liquidação adicional de IRS impugnada resulta única e exclusivamente de uma declaração de substituição apresentada pelo RECORRIDO, a qual traduz uma regularização voluntária da sua situação tributária.
V - Quanto a isto, diga-se, desde logo, que a declaração de substituição de que aqui falamos foi entregue pelo ora RECORRIDO na sequência de uma notificação perpetrada pelos serviços de Inspeção da AT, no dia 09-05-2012, pelo Ofício n.° 38149, a qual consubstanciou uma proposta de apresentação de declaração de substituição relativa ao IRS de 2008.
X - Diga-se, ainda, que não se aceita, de forma alguma, que do simples facto de o RECORRIDO ter "optado" por entregar uma declaração de substituição nos estritos termos da referida proposta dirigida pela AT, se infira a sua vontade de, voluntariamente e em consciência, corrigir ou regularizar a sua situação tributária.
Z - O RECORRIDO nunca reputou incorreta a sua situação tributária no ano em questão. Aliás, o aqui RECORRIDO considera, e considerava nessa altura, que nada haveria a corrigir por referência à declaração de rendimentos original.
AA - Isto é, a apresentação da referida declaração de substituição não decorreu de acto de iniciativa do RECORRIDO, como se este quisesse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos - conforme alega a Fazenda Pública -, mas sim na sequência da instauração de uma acção inspectiva e após ter o RECORRIDO sido instado pela Administração Tributária para corrigir os valores nos termos que ela própria o indicou.
BB - Recorde-se que a proposta contida no Ofício suprarreferido não era sindicável, restando ao RECORRIDO uma de duas opções:
a. Aceder à mesma - apresentando uma declaração nos termos propostos pela Autoridade Tributária - e aguardar pela respetiva liquidação adicional;
b. Nada fazer e aguardar pelos ulteriores trâmites do procedimento, o qual culminaria, com toda a certeza, numa liquidação adicional nos exatos termos desta missiva, e posterior levantamento de auto de notícia para aplicação da coima prevista no artigo 116.° do RGIT.
CC - Ao proceder conforme procedeu, o RECORRIDO demonstrou uma atuação de acordo com a boa-fé e com os princípios da participação e da colaboração nos procedimentos administrativos - não podendo nunca da mesma resultar, para si, qualquer preclusão de direitos.
DD - Acrescente-se que, a discordância do RECORRIDO com os termos da proposta da AT resulta patente do facto de, uma vez recebida a liquidação adicional que plasmou o entendimento AT, se ter feito valer de todos os meios conferidos por lei de forma a contrariar os seus fundamentos, conseguindo inclusivamente fazer valer em juízo a sua tese.
EE - Ou seja, em conclusão, a opção pela adesão a uma proposta endereçada pela AT, e na estrita medida da mesma, - embora em discordância com os seus fundamentos - não poderá significar que passará a caber ao RECORRIDO o ónus de sustentar facticiamente a liquidação adicional que daí resultar, uma vez que esta plasmará, unicamente, entendimentos que a Administração, e só a Administração, pretende fazer valer.
FF - Um entendimento neste sentido seria absolutamente contrário às regras da distribuição do ónus da prova no procedimento tributário, nomeadamente ao previsto no artigo 74.° da Lei Geral Tributária.
GG - Ora, para além do Acórdão já referido na sentença (do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-01-2015, processo n.° 0901/14), veja-se, neste sentido, com data mais recente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11-04-2019, processo n.° 2160/13.1BELRS, que dispõe o seguinte:
"(...) é entendimento pacífico na jurisprudência que a apresentação de uma declaração de substituição per se não obsta a que o contribuinte/apresentante impugne a liquidação que na sequência da apresentação dessa declaração de substituição foi apresentada. Não obsta, seguramente, se são invocados fundamentos de desconformidade da liquidação com a declaração realizada. E também não deve obstar quando essa apresentação, como é o caso, resulta de uma apresentação que apenas "formalmente" é voluntária uma vez que, efectivamente, na origem dessa apresentação esteve a realização de uma inspecção ou investigação criminal”.
HH - Acrescenta, ainda, que "a presunção de legalidade de veracidade não está legalmente instituída para beneficiar a Administração Tributária mas o contribuinte que dela se pode valer (ou tentar valer) para afastar um acto de tributação que dela se afasta ou que a posterga, como linearmente resulta do regime consagrado no artigo 75.° da Lei Geral Tributária. (...)
Embora seja certo que a presunção legal de veracidade traduz, conduz, efectivamente, a uma inversão do ónus probatório, contrariamente ao que a Recorrente pretende ora fazer valer, não se pretendeu, através da sua consagração, fazer recair sobre o contribuinte (até pelas razões anteriormente aduzidas), a prova de que não é verdade o que consta da sua declaração, antes instituir um regime que o beneficia, verificados que sejam os pressupostos que o determinam, o que significa que, mesmo nas situações como a que apreciamos, persiste o dever/ónus da Administração Tributária de alegar e provar os factos em que sustentou a liquidação que emitiu e cuja manutenção na ordem jurídica defende" - sombreado nosso.
II - Donde, e como na sentença recorrida fica evidenciado, tudo se resume nestas situações a uma questão do ónus da prova, cujo enquadramento o Supremo Tribunal Administrativo também já por diversas vezes realçou, ao afirmar que na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos, competindo à Administração Fiscal demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas nesta sede.
JJ - Por conseguinte, entende o RECORRIDO não se verificar qualquer erro de julgamento de facto e/ou de direito, porquanto os elementos apurados pela AT são insuficientes para dar como cumprido o ónus da prova que recai sobre si, sendo que a decisão do tribunal não poderia ser outra.
LL - Sem prejuízo, ficou provado nestes autos que os montantes pagos ao RECORRIDO constituem verdadeiras ajudas de custo e que, como tal, a liquidação adicional impugnada padece de ilegalidade.
MM - Por todo o exposto, deve ser mantida a douta sentença recorrida, anulando-se a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008.
Nestes Termos,
Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA foi devidamente notificado e pronunciou-se pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação deduzida contra liquidação de IRS, ajudas de custo, efetuada com base em declaração de substituição apresentada no decurso de uma ação de inspeção ao sujeito passivo.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

a) Em 15-04-2008, o Impugnante, J......., e a «C......., Lda.», com sede na Rua…………….. , Amora, assinaram acordo escrito denominado de «Contrato de Trabalho a Termo Incerto», no qual foram acordadas as seguintes cláusulas:

«(…)

Primeira

(Objecto e funções)

A CMN, que tem a actividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas, tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2.° Outorgante, para exercícios das funções inerentes à categoria profissional de Serralheiro Civil de 1a, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com a sua qualificação de acordo com a lei aplicável.

(...)

Terceira

(Horário de trabalho)

O período normal de trabalho é de 40 horas semanais, distribuídas de Segunda-feira a Sexta-feira, no horário das 08h00 às 17h00, com intervalo para descanso e refeição das 12h00 às 13h00, e com descanso semanal ao Sábado e Domingo, ou outro a definir pela CMN, dentro dos condicionalismos legais.

Quarta

(Local de trabalho, deslocações e destacamento)

1. O 2.° Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da CMN, obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a CMN exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada.

2. No início da execução do presente contrato, o 2.° Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da S....... s.r.l. em Southampton, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.

3. O 2.° Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da CMN.

4. Em eventual situação de destacamento, o 2.° Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.

(…)»

(provado por documento, registado no SITAF com o n.° 006246581);

b) No ano de 2008, o Impugnante tinha a sua residência e domicílio fiscal na Rua…………….., em Casal de Cambra, Portugal [facto não controvertido, alegado na conclusão c) do artigo 131.° da petição inicial, e confirmado pela consulta do processo administrativo tributário, apenso aos autos, nomeadamente a fls. 71 e 74);

c) Durante o ano de 2008, e ao abrigo do contrato identificado na alínea a), o Impugnante foi contrato para exercer funções em Portugal, tendo efetuado deslocações para fora do País (facto não controvertido, alegado nos artigos 71.°, 77.°, 78.° e 131.° da petição inicial, e confirmado pelos extratos de recibos de vencimento, a fls. 92 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

d) No ano de 2008, a «C......., Lda.» pagou ao Impugnante o valor de €23.702,38, a título de ajudas de custo (provado por documento, a fls. 92 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

e) Em 17-03-2009, o Impugnante apresentou declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos de 2008, onde declarou, no anexo A referente a trabalho dependente e pensões, rendimentos de trabalho dependente o valor total de €7.964,76 (provado por documento, de fls. 80 a 83 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

f) Na sequência da declaração identificada na alínea anterior, ao Impugnante foi emitida a liquidação de IRS n.°…………. , da qual resulta um valor a reembolsar de €54,33 e onde se pode ler o seguinte:







(provado por documento, a fls. 84 do procedimento administrativo tributário, apenso aos autos);

g) Por despacho de 20-07-2012, a AT, credenciada pela ordem de serviço n.° OI201203560, deu início a uma ação de inspeção tributária, de âmbito parcial delimitado ao IRS de 2008, tendo por base a informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, I.P. sobre os elementos recolhidos da «C......., Lda.» (provado por documento, a fls. 74 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

h) No âmbito da ação de inspeção referida na alínea anterior, o Impugnante foi notificado do ofício n.° 38149, de 09-05-2012, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, onde se pode ler:

«De acordo com a informação recolhida junto da sociedade C....... Lda, NIF:…………, auferiu no ano de 2008 a quantia de € 23702,38 a título de “ajudas de custo” a qual não assume natureza compensatória mas sim remuneratória, estando sujeita a IRS nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 2° do CIRS.

Consultada a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, verificámos que os referidos rendimentos não foram declarados na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, prevista no artigo 57° do CIRS.

Assim, ficam notificados para no prazo de 10 (dez) dias, entregar ou submeter electronicamente, a declaração de rendimentos de substituição, na qual deverão acrescer os referidos rendimentos.

A falta de apresentação da referida declaração no prazo ora fixado, determina a correcção dos rendimentos declarados, com base nos elementos disponíveis nestes serviços, nos termos do n° 4 do art.° 65.° e levantar-se-á o competente auto de noticia para aplicação da coima prevista, nos termos do art° 116° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), para o referido ano.»

 (provado por documento, a fls. 69 e 70 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

i) No dia 14-05-2012, o Impugnante apresentou declaração modelo 3 de IRS, de substituição, referente aos rendimentos de 2008, onde declarou, no anexo A referente a trabalho dependente e pensões, rendimentos de trabalho dependente o valor total de €31.677,14 (provado por documento, de fls. 86 a 89 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

j) Em 23-06-2012, ao Impugnante foi emitida a liquidação n.° ......., relativa aos rendimentos de 2008 sujeitos a IRS, com um valor a pagar de €7.122,43, onde se pode ler:







(provado pelo documento n.° 1 junto à petição inicial);

k) Foram ainda emitidos os atos de liquidação de juros compensatórios n.° ......., no valor de €781,00, e de liquidação de juros compensatórios n.° ......., por recebimento indevido, no valor de €6,56 (provado pelo documento n.° 2 junto à petição inicial);

l) No âmbito da ação de inspeção credenciada pela ordem de serviço n.° OI201203560, foi elaborado, em 17-08-2012, relatório de inspeção tributária, onde se pode ler:

«(…)

II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

II. 1 - Credencial e período em que decorreu a acção

Foi aberta a Ordem de Serviço OI201203560, com despacho de 20/07/2012, para a acção inspectiva ao seguinte sujeito passivo;

Contribuinte: ……….. - J.......

Morada: R …………. Localidade: CASAL CAMBRA

Código Postal: …….CASAL DE CAMBRA

Distrito: 11 - LISBOA

Concelho: 11 - SINTRA

Freguesia: 15 - CASAL DE CAMBRA

País Residência Portugal Serviço de Finanças: 3166-SINTRA-4 QUELUZ

II.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal

Motivo:

A acção de inspecção resultou de informação do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social que apurou serem de natureza remuneratória os valores pagos a titulo de “ajudas de custo" ao sujeito passivo, enquanto trabalhador dependente da empresa C......., LDA - NIPC: ......., e não declarados, artigo 57.° n.° 4 do CIRS, no ano de 2008.

Âmbito:

Parcial em sede de IRS.

Incidência Temporal:

Ano 2008.

II.3 - Outras Situações Diligências Efectuadas

Ao abrigo do dever de colaboração, foi enviada através do ofício n.° 38149 de 09/05/2012 sob o Registo N° ………. PT para a morada do cadastro, a notificação ao sujeito passivo para regularizar a situação tributária.

Obrigações declarativas

Para o ano em análise, o sujeito passivo submeteu, dentro do prazo legal estabelecido para o efeito, a declaração de rendimentos Modelo 3/IRS, identificada através do lote 3166 - 2006 - I1066 - 28.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Não aplicável.

(...)

VI - REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO SUJEITO PASSIVO NO DECURSO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

Na sequência das diligências efectuadas por estes Serviços de Inspecção, em particular a notificação remetida e mencionada no ponto II.3 do presente Relatório, na data de 14/05/2012 o sujeito passivo substituiu a declaração de rendimentos Mod.3 de IRS/2008, procedendo à correcção do valor auferido enquanto trabalhador dependente da empresa C......., LDA - NIPC: ......., conforme a seguir demonstrado:´


«imagem no original»


De referir que a investigação desenvolvida pelos Inspectores do Instituto da Segurança Social, com base na consulta e apreciação exaustiva de documentos fiscalmente relevantes, nomeadamente contratos de trabalho, mapas de vencimento, recibos de vencimento, mapas de controlo de ajudas de custo e boletins itinerários resultou na conclusão de que as ajudas de custo pagas no âmbito da actividade da empresa não assumem natureza compensatória, mas remuneratória, pelo que devem ser consideradas rendimento sujeito a tributação, nos termos do art. 2.° n.° 1 a) do Código do IRS.

De acordo com os valores constantes dos recibos de vencimento enviados pela Direcção de Finanças de Setúbal, verifica-se a concordância com o valor corrigido e declarado pelo sujeito passivo, o qual inclui a quantia alegadamente paga a título de ajudas de custo no montante de €23.712,38.

Deste modo, o rendimento colectável regularizado voluntariamente pelo sujeito passivo é o seguinte:

A regularização voluntária deu origem à liquidação N° ………….  de 23/06/2012.

 (…)»

(provado por documento, de fls. 74 a 76 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

m) Na sequência do relatório de inspeção tributária identificado na alínea anterior, foi emitido, em 20-08-2012, parecer de concordância pelo Chefe de Equipa do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, onde se pode ler:

«(…)

De acordo com os elementos remetidos pela Direcção de Finanças de Setúbal o s.p. auferiu € 23712,38 a título de ajudas de custo, sem que tal montante tivesse natureza compensatória, mas sim remuneratória, enquadrando-se por este motivo na alínea a) do n°1 do art° 2° do CIRS.

Na sequência do n/ ofício n° 38149 de 09/05/2012 o S.P. procedeu à regularização da situação tributável em 14/05/2012, por entrega da Declaração Modelo 3 com n° 3166-200815528-30.

Esta declaração originou a liquidação n° ……………  de 23/06/2012, a qual apurou uma correcção ao Rendimento Colectável no montante de € 23712,38.

Não resultando do referido procedimento, qualquer correcção ou apuramento de imposto em falta, ou qualquer acto desfavorável, dado a opção do sujeito passivo em regularizar voluntariamente a falta verificada, propõe-se o encerramento da presente acção de inspecção sem correcções, e ainda assim, propõe-se a dispensa do exercício de Audição Prévia, nos termos da alínea a), n.° 2 do artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e do n.° 1 do artigo 60.° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária - RCPIT (a contrário).

(…)»

(provado por documento, a fls. 71 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

n) Sobre o parecer e o relatório de inspeção tributária identificados nas alíneas precedentes, o Chefe da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa proferiu, em 06-09-2012, despacho de concordância (provado por documento, a fls. 71 do processo administrativo tributário, apenso aos autos);

o) Em 23-11-2012, na sequência da notificação dos atos de liquidação referidos nas alíneas j) e k), o Impugnante apresentou reclamação graciosa, o qual correu termos sob o n.° …………. (provado por documento, de fls. 4 a 17 e a fls. 157-A do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos);

p) No dia 26-02-2013, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa proferiu, em subdelegação de competências, despacho de concordância com a informação elaborada pelos serviços, a propor o indeferimento da reclamação graciosa identificada na alínea anterior, além de determinar a notificação do Impugnante para efeitos de exercício do direito de audição prévia (provado por documento, de fls. 164 a 168 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

q) Na sequência da notificação do projeto de indeferimento referido na alínea antecedente, o Impugnante exerceu audição prévia (provado por documento, de fls. 171 a 184 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

r) No dia 15-04-2013, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa proferiu, em subdelegação de competências, despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.°………….. , com base na informação datada de 10-04-2013 (provado por documento, de fls. 185 a 191 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

s) Na sequência da notificação do despacho de indeferimento expresso de reclamação graciosa referido na alínea anterior, o Impugnante interpôs recurso hierárquico, o qual correu termos sob o n.° …………(provado por documento, de fls. 2 a 25 e 26 do procedimento de recurso hierárquico, apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

t) Em 03-02-2014, a Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IRS, por subdelegação de competências, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico identificado na alínea anterior, com fundamento na informação n.° 309/14 de 13-01-2014 (provado por documento, de fls. 32 a 43 do procedimento de recurso hierárquico, apenso aos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).

*

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos considerados como não provados.

*

Para a formação da convicção do Tribunal na fixação da matéria de facto, provada e não provada, foram determinantes os elementos documentais constantes dos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas.

No que se refere ao alegado na alínea c) do probatórios, e além da motivação da fundamentação de facto já referida na própria alínea, os factos também foram considerados como provados tendo em consideração que a AT não impugna a realização das deslocações, nem o facto de o mesmo ter estado deslocado para fora de Portugal, antes sindicando que de acordo com o estipulado contratualmente o abono de tais despesas configure ajudas de custo. Ou seja, a AT coloca em causa a natureza das despesas, mas não refuta que as deslocações se tenham realizado.
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Vem o presente recurso interposto pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS, ajudas de custo.
Entende o ERFP que a sentença errou com base nos seguintes fundamentos:
O Impugnante, na sequência de ação inspetiva foi notificado para querendo regularizar a sua situação tributária, designadamente para declarar o montante de € 23.702,38 que auferiu em 2008 a título de ajudas de custo. O Impugnante assim fez, o que deu origem à liquidação impugnada.
Tendo o Impugnante apresentado voluntariamente a declaração de substituição, a liquidação não poderia deixar de assentar nessa nova declaração, continuando a presumir-se verdadeira e de boa fé nos termos do art. 75º LGT. (Conclusões a) a f).
Ao apresentar a declaração de substituição, manifestou concordância com o entendimento da AT sobre a natureza do rendimento pago a título de ajudas de custo.
Se não concordava com os valores que mencionou, deveria fazer a competente prova, ilidindo a presunção de veracidade nos termos do art. 73º LGT, o que não fez, pelo que a liquidação é legal, devendo improceder a impugnação judicial (Conclusões g) a n).

Sendo estas as questões que nos cumpre conhecer, passemos então à sua apreciação. A primeira questão é saber se o Impugnante pode impugnar a liquidação emitida pela AT decorrente de uma declaração de substituição, apresentada pelo contribuinte após ter sido notificado pela AT para regularizar a sua situação tributária.

Ora, tem a jurisprudência[1] entendido que a apresentação de uma declaração de substituição “per se” não obsta a que o contribuinte/apresentante impugne a liquidação que na sequência da apresentação dessa declaração de substituição foi apresentada.

Não obsta, seguramente, se são invocados fundamentos de desconformidade da liquidação com a declaração realizada. E também não deve obstar quando essa apresentação apenas “formalmente” é voluntária uma vez que, efetivamente, na sua origem esteve uma ação de inspeção levada a cabo pela AT.

Como já salientou o STA não estamos, nestas situações perante uma verdadeira “confissão de dívida, nem de uma confissão de rendimento, muito menos de uma confissão da sua ocultação. Movemo-nos no âmbito do direito tributário em que o legislador entendeu que, nestes casos, deve ser apresentada uma declaração de substituição e a sua não apresentação é punível com coima. Mas da apresentação dessa declaração não decorre que, sem possibilidade de discussão contenciosa do que dela conste, o contribuinte afirma e aceita a legalidade da tributação que com base nela ocorre. A declaração de substituição, como a declaração inicial não priva o contribuinte de vir posteriormente a demonstrar que alguns dos dados que dela constam, pese embora hajam por si sido indicados, não correspondem à verdade.” [2]

Nesas situações, tudo se resume a uma questão de ónus da prova cujo enquadramento o Supremo Tribunal Administrativo também já por diversas vezes realçou, ao afirmar que na estrutura do IRS pretende-se tributar apenas o rendimento efetivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efetivos possam ser presumidos, competindo à Administração Fiscal demonstrar a existência dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, a verificação de situações suscetíveis de serem tributadas nesta sede.

Por isso, a Administração Tributária nas suas alegações deu elevado relevo à presunção legal de veracidade da declaração (de substituição) de rendimentos, consagrada no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, tentando demonstrar que os dados inscritos na declaração – e que posteriormente fundam a liquidação - só podiam ser afastados se o Recorrido tivesse demonstrado a falta de veracidade da mesma.
Mas sem razão, a nosso ver.
 
Desde logo, porque a presunção legal de veracidade não está instituída para beneficiar a Administração Tributária mas sim o contribuinte que dela se pode valer (ou tentar valer) para questionar um acto de tributação que dela se afasta ou que a posterga, como linearmente resulta do regime consagrado no artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Mas também porque, embora seja certo que a presunção legal de veracidade conduz, efetivamente, a uma inversão do ónus probatório, a sua consagração não visa onerar o  Contribuinte com a prova de que o conteúdo da sua declaração não é verdadeiro, mas sim instituir um regime que o beneficia verificados que sejam os pressupostos que o determinam.

Significa isto que, mesmo nas situações como a que apreciamos, persiste o dever/ónus da Administração Tributária de alegar e provar os factos nos quais sustentou a liquidação que emitiu e cuja manutenção na ordem jurídica defende.
Ou, como muito bem se diz na sentença:
“O facto de o Impugnante ter apresentado declaração de substituição na decorrência da notificação efetuada no âmbito do procedimento de inspeção tributária [cfr. alínea i) dos factos provados] não briga com a natureza da norma de incidência em apreço e muito menos com o ónus probatório que impende sobre a AT de alegar e provar que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar o Impugnante de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada.
Desde logo porque a entrega da referida declaração de substituição pelo Impugnante no caso dos autos, como resulta dos factos provados, não decorreu de ato de iniciativa do sujeito passivo que com ele visasse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos. Ela surge, isso sim, na sequência de uma ação inspetiva e após ter sido instado pela AT para corrigir os valores, nos precisos termos que ela indicou, com o objetivo de evitar que a falta de apresentação da referida declaração no prazo fixado determinasse a correção dos rendimentos declarados, com base nos elementos disponíveis nestes serviços, e o levantamento do competente auto de noticia para aplicação da coima prevista, para o referido ano”.
(...)
Aliás, nas relações da AT com os contribuintes é necessário que haja a maior clareza para que os equívocos se mostrem anulados pelo uso de uma linguagem simples. Assim, se a AT entendia que com a apresentação da declaração de substituição ficava, igualmente, precludida a possibilidade de o mesmo poder exercer os seus direitos em toda a sua plenitude e que, por exemplo, a norma de incidência que justificou as correções propostas pelos serviços de inspeção tributária passaria a ser lida de outra forma, com a inversão do ónus da prova para o lado do contribuinte, então deveria colocar tal entendimento de forma clara, percetível, sem sombras, o que efetivamente não fez.

O princípio da colaboração é isso mesmo, tendo em conta a fragilidade e o desconhecimento frequente, por parte dos contribuintes dos meandros, sobretudo processuais do direito               tributário, dar-lhes conta de todas as alternativas possíveis para que possam escolher em liberdade que só se mostra assegurada em condições de completa informação.”

Assim, como se refere no já referido ac. do STA n.º 0901/14 de 28-01-2015

           

“Compete à Administração Tributária demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.

O artigo 2º do Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, na redacção em vigor à data dos factos, estabelecia que são considerados rendimentos do trabalho dependente «As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício».

Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não exceda.

A tributação das ajudas de custo como rendimentos do trabalho, pode ainda decorrer da inobservância dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, ou da não prestação de contas até ao termo do exercício.

Tratando-se, como se trata, de uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, competia à Administração Tributária alegar, para poder provar em seguida, ou, que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar os recorridos de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada, o que não decorre simplesmente da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou, que ultrapassaram os limites legais estabelecidos para a exclusão da respectiva tributação, dado que estes elementos são ainda factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário.

Nada disso foi sequer alegado. A Administração Tributária, como se constata das suas informações referenciadas na matéria dada como provada tendo verificado que vários dos trabalhadores da mesma empresa recebiam ajudas de custas em montantes repetidos ao longo dos meses, qualificadas como reembolso de despesas de deslocação, não curou de saber se efectivamente existiram deslocações, se as deslocações causaram despesas, se as despesas foram pagas pelos trabalhadores que as efectuaram, se, seguidamente foram pagas a estes pela empresa, se as que foram pagas excederam os limites legais para estarem contidas na exclusão de tributação, e, qual o excesso, concluindo, na ausência de todos estes elementos, que, se se repetiam, não tinham carácter compensatório e eram um estratagema da empresa para aumentar o salário dos seus trabalhadores de forma a privar o estado da tributação devida.

Além disso, sempre o objecto social da empresa e a qualificação dos referidos trabalhadores indiciava que o mais plausível é que os trabalhadores tivessem, regularmente que se deslocar junto dos seus clientes para lhes prestar trabalho de assistência técnica.

Tal como concluiu a sentença recorrida, não estando demonstrado que o valor das ajudas de custo pagas excedia o limite legal que determinava a exclusão da sua tributação, ou a ausência de qualquer outro dos pressupostos determinativos dessa mesma exclusão e antes mencionados, não era legalmente admissível a sua tributação. “

Aqui chegados, o recurso tem necessariamente de improceder uma vez que a AT mobiliza a argumentação  do seu desacordo contra a sentença baseando-se na presunção de veracidade da declaração de substituição e do incumprido ónus do Impugnante em ilidir essa presunção.

Apesar disso, reconhecido o dever de a AT provar, neste caso, os pressupostos para a tributação, dir-se-á, como na douta sentença, que nesta matéria se mostra bem fundamentada e em relação à qual nada temos a acrescentar, tanto mais que em situações com idêntica factualidade, este TCA tem-se pronunciado no sentido delineado na sentença (como também nela se salientou com referência jurisprudencial):
“...no relatório inspetivo que sustenta a correção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspeção tributária constataram que, na sequência de investigação desenvolvida pelos inspetores do Instituto da Segurança Social, I.P., o Impugnante recebeu ajudas de custo no montante de €23.712,38.
Da referida fundamentação não é sequer percetível se as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei.
Ora, para ser clara a fundamentação do relatório de inspeção tributária tinha que se mostrar capaz de criar no interprete (julgador) a convicção de que as ajudas de custo pagas ao trabalhador (recorrido), não tiveram por finalidade, a compensação de despesas realizadas com a sua efetiva deslocação ao serviço e no interesse da sua entidade patronal.

Acresce que, compulsado o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.a, que o mesmo foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da «C......., Lda.», obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que aquela sociedade exercesse ou viesse a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada.

Resultando ainda da matéria de facto que a «C......., Lda.», tem sede na Amora, concelho do Seixal.
Ou seja, é certo que o ponto 2. da cláusula 4.ª do mencionado contrato refere que no início da execução do contrato o Impugnante se deslocará para as instalações da obra de S………. s.r.l. em Southampton [Inglaterra], mas também refere que a entidade empregadora pode, a todo o tempo, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.
No mesmo contrato, também se refere que o Impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da «C......., Lda.», na Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da referida sociedade [cfr. cláusula 4.a do contrato transcrita na alínea a) dos factos provados].
Logo, da leitura do citado contrato resulta que o Impugnante foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a sua entidade empregadora exercesse ou viesse a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua atividade funcional é nas oficinas de Amora, Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a sua entidade empregadora tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.
Sendo que, em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o Impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais [cfr. ponto 4. da cláusula 4.a do Contrato, transcrita na alínea a) dos factos provados].
Ainda neste âmbito, cumpre salientar que não releva, nem pode relevar o argumento de que as ajudas de custo superam o valor das remunerações e isto porque do preceituado na alínea d) do n.° 3 do art.° 2.° do Código do IRS, não resulta qualquer valor limite que permita descaracterizar as verbas auferidas como ajudas de custo como remuneração. O que se encontra consignado é que ultrapassados os montantes legais deve ser tributada a importância correspondente ao excesso.
(...)
Tudo visto e ponderado, o que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras que implicavam a sua deslocação do seu local de trabalho. E, efetivamente, mostra-se provado nos autos que o Impugnante celebrou contrato de trabalho com a «C......., Lda.» para exercer a sua atividade profissional, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em diversos locais, incluindo na sede e fora da sede daquela sociedade.
Assim sendo, a AT não ilidiu o ónus probatório que sobre a mesma recaía, uma vez que os indícios por si recolhidos não permitem suportar a conclusão a que chegou de que as ajudas de custos auferidas efetuadas consubstanciam vencimentos ou que devem ser tributadas enquanto rendimentos do trabalho dependente.
Caberia, por isso, à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do art.° 74.° da LGT. O que não foi feito.”

Atento o exposto, e sem mais considerações, impõe-se julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de maio de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)



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[1] Com a devida vénia, seguimos de perto o ac. do TCAS n.º 2160/13.1BELRS de 11-04-2019 -Relator:               ANABELA RUSSO.

[2] Ac. do STA n.º 0901/14, de 28-01-2015 Relator:   ANA PAULA LOBO