Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2638/16.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/19/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PSP
ACIDENTE EM SERVIÇO
«SERVIÇOS REMUNERADOS»
Sumário:- O abono por serviços remunerados tem caráter precário e variável, pois varia em função do serviço prestado; sobre ele não incide desconto para a Caixa Geral de Aposentações e é pago pela entidade, privada ou pública, que o requisita.
- Tais serviços são prestados em horas de folga do trabalhador e só na exata medida da disponibilidade e vontade deste, uma vez satisfeita a sua prestação na própria PSP.
- O pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração (art 93º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 131º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 70º da Lei nº 12-A/2008/ art 150º da Lei nº 35/2014), nem o de suplemento remuneratório (art 101º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 142º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 73º da Lei nº 12-A/2008/ art 159º da Lei nº 35/2014).
- Trata-se de gratificação do pessoal policial afeto à sua prestação, considerando - se como não atribuída pela respetiva Força de Segurança, ainda que paga pelo seu intermédio, como dispõe o art 8º, nº 1 da Portaria nº 298/16, de 29.11.
- Assim, nos termos do art 15º do DL nº 503/99, o valor dos serviços remunerados não é devido pela PSP ao agente sinistrado, no período de faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Relatório

L.... recorre da sentença proferida a 26.3.2019, que julgou improcedente a ação administrativa de impugnação de ato administrativo e de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido, instaurada contra o Ministério da Administração Interna, e, nessa medida, não reconheceu ao autor o direito a receber o montante equivalente aos serviços remunerados que deixou de realizar, no quadro do direito à remuneração no período de faltas ao serviço, em resultado de acidente em serviço, nem anulou a decisão do Diretor Nacional Adjunto/ UORH da Polícia de Segurança Pública (PSP), de 11.7.2016, que negou esta pretensão do autor.

Nas alegações que apresentou o recorrente concluiu:

«1. A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação administrativa intentada pelo recorrente e absolveu o recorrido do pedido. Contudo e com o devido respeito, não fez a correta aplicação da lei, pelo que se torna indispensável interpor o presente recurso.
2. A absolvição do recorrido não se sustenta em presunção imposta por lei ou pelas regras de experiência a que se chegue através dos factos apurados, conforme exige a parte final do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, pelo que estamos perante um erro que deve ser corrigido.

3. Relativamente à natureza jurídica do pagamento dos serviços remunerados, torna-se necessário dizer que estes serviços só podem ser realizados por elementos das Forças de Segurança, no âmbito de uma relação jurídica de emprego público, que estão obrigados a cumprir todos os deveres que caracterizam esta relação jurídica e sob a autoridade da entidade empregadora, que, no caso em apreciação, realiza o pagamento regular e periódico ao recorrente. Neste quadro jurídico, o pagamento dos serviços remunerados integrará sempre o conceito de remuneração, pelo que o seu abono é devido ao recorrente quando se encontra impedido de exercer funções por motivo de acidente em serviço.

4. Por seu turno, o ordenamento jurídico português não prevê a existência de gratificações ou de suplementos remuneratórios como meio de pagamento deste trabalho. O artigo 146.º da LTFP estipula que “A remuneração dos trabalhadores com vínculo de emprego público é composta por:” remuneração base; suplementos remuneratórios e prémios de desempenho. De acordo com o artigo 150.º da LTFP, a remuneração ase é o …montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na categoria de que é titular ou do cargo exercido em comissão de serviço.”

Por suplementos remuneratórios, entende o artigo 159.º desta Lei que são “… os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados

por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.” Quanto aos prémios de desempenho, o n.º 1 do artigo 167.º da LTFP diz-nos que “São elegíveis para a atribuição de prémios de desempenho os trabalhadores que, cumulativamente, exerçam funções no órgão ou serviço e, na falta de lei especial em contrário, tenham obtido, na última avaliação do seu desempenho, a menção máxima ou a imediatamente inferior a ela.”

Já o trabalho suplementar é considerado pelo artigo 226.º do Código do Trabalho como aquele que é “… prestado fora do horário de trabalho.”

5. No caso sub judice, o recorrente presta serviços remunerados fora do seu horário normal de trabalho. Só pode prestar tais serviços por ser membro de uma Força de Segurança e na sua prestação está obrigado ao cumprimento de todas as regras impostas pela sua condição de elemento integrado no efetivo da Polícia de Segurança Pública. Por tratar-se de serviço prestado fora do seu horário normal de trabalho, o respetivo pagamento não está incluído no vencimento base. Mas também não pode ser considerado um suplemento remuneratório, na medida em que não é devido “… pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria.” Nem é um prémio de desempenho por não ter sido atribuído na sequência do processo de avaliação do desempenho. Também não é uma gratificação porque não se encontra legalmente prevista a sua atribuição (Para além de que as gratificações são liberalidades atribuídas sem caracter obrigatório por alguém que assim quer reconhecer o trabalho prestado. Na função pública, tendo em conta diversos princípios que norteiam esta atividade, como são exemplo os princípios da igualdade, transparência e imparcialidade, as gratificações não são permitidas).

Assim, por respeitar ao mesmo tipo de funções que caracterizam a categoria profissional do recorrente, o referido trabalho por si prestado só pode ser considerado como trabalho suplementar pago.

6. Assim, tratando-se de trabalho suplementar, não tem sustentação a invocação do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99 para fundamentar que a lei não permite satisfazer a pretensão do autor. Esta norma apenas exclui do direito à remuneração os suplementos de carácter permanente sobre os quais não incidam descontos para o regime de segurança social. De facto, o pagamento dos serviços remunerados não pode ser considerado um suplemento remuneratório, na medida em que estes serviços não consistem no “… exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou por idênticas carreira e categoria”. O seu pagamento só pode ter a natureza jurídica de trabalho suplementar pago e, por isso, não pode ser considerado um suplemento ou uma gratificação.

7. Caso se entenda de forma diversa, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, vertida no Acórdão prolatado em 5 de junho de 1996, no processo n.º 39745, torna evidente o direito revindicado pelo recorrente.

8. O que torna claro que não existe qualquer fundamento para que não sejam pagos ao recorrente os valores correspondentes à média da remuneração recebida a título de serviços remunerados nos dois anos anteriores ao sinistro que o vitimou.

9. Como já vimo, as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente não mereceram acolhimento pela douta sentença recorrida. Decorre da Constituição que o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando são vítimas de acidente de trabalho é encarado como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que apenas pode ser restringido pela lei ordinária em termos razoáveis, proporcionados e de forma que não atinjam o seu núcleo essencial, conforme estipula o n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Assim, contrariamente ao julgado na douta sentença recorrida, o ato impugnado viola o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, na medida em que a justa reparação consagrada nesta norma obriga a entidade responsável pelo ressarcimento dos danos a assegurar ao trabalhador uma remuneração mensal igual àquela que o mesmo auferia antes do acidente. Remuneração essa que tem de ser fixada de acordo com a remuneração média mensal dos 12 meses anteriores à data do acidente. Por isso, aos valores abonados ao recorrente entre 30 de janeiro de 2014 e 31 de março de 2016 devem acrescentar-se mais 570€ por cada mês, o que totaliza 14.820€ (570€ x 26 meses). Não podemos esquecer que as restrições legais ao direito de reparação, consagrado aos trabalhadores sinistrados pela Constituição, apenas são admissíveis quando razoáveis, proporcionados e não atinjam o seu núcleo essencial. Não cumpre esta obrigação a restrição que impede o trabalhador sinistrado de receber os valores que recebia antes da ocorrência do acidente em serviço. Não se conhece qualquer fundamento válido que justifique o não pagamento ao trabalhador sinistrado do valor correspondente à média dos serviços remunerados prestados durante o período que se encontra ausente ao serviço por motivo do sinistro. Assim, a interpretação do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99 que permite não pagar o referido valor ao trabalhador ausente por motivo de acidente em serviço viola o direito consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

10. Quanto à violação do princípio da igualdade (Artigo 13.º da Constituição), em primeiro lugar é indispensável dizer que a responsabilidade resultante de acidentes causados por veículos enquadra-se no domínio da responsabilidade pelo risco, ou objetiva, prevista nos artigos 499.º e seguintes do Código Civil. Não se trata de responsabilidade por factos ilícitos.

Em segundo lugar, se tivermos em conta o exemplo acima referido, quer no caso do Agente C..... quer no caso do Agente D....., estamos perante acidentes considerados em serviço. Mas o Agente C....., durante o período de convalescença, recebe o valor correspondente à média do pagamento dos serviços remunerados, ao passo que o Agente D..... não recebe tal valor. Este tratamento diferenciado de duas situações idênticas configura uma violação do princípio da igualdade. O dever de reparar os danos resultante de um acidente em serviço deve ter o mesmo alcance independentemente de o responsável pela reparação ser o Réu ou uma companhia de seguros. A atuar de forma diferente está a ser violado o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

11. Por tudo, não restam dúvidas de que o recorrente tem direito a ser abonado com o valor correspondente à média mensal de remunerados durante o período em que esteve ausente das suas funções por motivo de acidente em serviço. Este direito é conferido pelas disposições conjugadas dos artigos 59.º, n.º 1, alínea f) e 13.º da Constituição e artigos 4.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), e 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99, o que torna ilegal o despacho impugnado.

12. É por isso que, com o devido respeito, se defende a anulação da douta sentença recorrida, na medida em que efetuou uma errada aplicação do Direito, padecendo, por isso, de erro de julgamento, por violação da parte final do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil. Consequentemente deve ser conferido provimento ao pedido do aqui recorrente, anulando o ato impugnado, com fundamento na violação de lei e, consequentemente, reconhecer o direito do recorrente a ser abonado, durante os 26 meses em que esteve impedido de exercer as suas funções por motivo de acidente, como o valor mensal de 570€, correspondente à média mensal da remuneração recebida a título da prestação de serviços remunerados entre junho de 2012 e 30 de janeiro de 2014, o que totaliza 14.820€ (catorze mil oitocentos e vinte euros).

Termos em que devem V. Exas. proferir acórdão que, ao abrigo da parte final do n.º 4 do artigo 607.º do CPC anule a douta sentença recorrida, condene o recorrido nos pedidos formulados pelo aqui recorrente, anulando o ato impugnado, por vício de violação de lei, e reconhecendo o direito deste ser abonado, durante os 26 meses em que esteve impedido de exercer as suas funções por motivo de acidente, com o valor mensal de 570€, correspondente à média mensal da remuneração recebida a título da prestação de serviços remunerados entre junho de 2012 e 30 de janeiro de 2014, o que totaliza 14.280€.

Não foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art 146º do CPTA, não se pronunciou.

Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.

Fundamentação

De facto
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
a) «O autor, L…., pertence ao efetivo do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), com a categoria de Agente, a prestar serviço, à data dos articulados, no efetivo da Divisão de Loures, do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP — cfr. processo administrativo (PA).
b) O A. sofreu um acidente quando se encontrava no desempenho das suas funções, a 30.1.2014, que foi considerado em serviço por despacho, de 24.11.2014, do Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e a que correspondeu o processo administrativo de sanidade NUP2014LSB00079SAN ─ cfr. despacho aposto a fls. 6 do PA.
c) O Autor solicitou – por requerimento recebido a 19/5/2015 ─ ao Diretor Nacional da PSP o pagamento da média dos serviços remunerados, que deixou de auferir por via do acidente em serviço, conforme fls. 4 a 6 do PA.
d) Sobre aquele requerimento foi produzida a informação/proposta nº 2287/DARH/2016, de 24 de março, tendo sido projetado o indeferimento, conforme despacho aposto a 29 de março de 2016 pelo Diretor Nacional Adjunto/UORH, de que o Autor tomou conhecimento a 03 de maio de 2016, para exercício do seu direito de audição ─ cf. Expediente a fls. 13 a 15 e 31 a 36 do PA, que se dá por integralmente reproduzido, incluídas as referências dele constantes a normas de execução permanente (NEP) disponíveis no site da PSP .
e) Por despacho do Diretor Nacional Adjunto/UORH da Polícia de Segurança Pública (PSP), de 11 de julho de 2016, que acolheu os fundamentos constantes daquela informação, foi indeferida a pretensão do Autor mencionada em c) ─ cfr. Despacho aposto na informação/proposta a fls. 45 do PA.
f) Daquele despacho foi dado conhecimento ao Autor a 16 de agosto de 2016, conforme expediente de notificação a fls. 48 do PA.
g) O Autor prestou serviços remunerados ininterruptamente desde junho de 2012 e auferia em média €: 570 mensais com estes serviços ─ cfr. DOC 2 junto com a PI.
h) O Autor esteve ausente do serviço por motivo do acidente em serviço mencionado em b) até ao dia 30 de maio de 2016 ─ cfr. fls. 134 e 135 do PA.
i) Nas situações de acidente em serviço de agentes da PSP cuja reparação esteja a cargo de terceiro que haja transferido essa responsabilidade para companhia seguros, é prática comum o superior declarar, para efeitos de ser presente à companhia de seguros em causa, qual o montante em que o agente sinistrado ficou prejudicado por não ter prestado serviços remunerados durante o período em que tenha estado inativo ─ cfr. Documento junto sob requerimento de 18/2/2019, registo SITAF 577770, a fls. 264-269 do processo eletrónico.


De Direito
Objeto do recurso:

A questão suscitada pelo recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduz-se em apreciar se a sentença recorrida errou ao não ter condenado o Ministério da Administração Interna a pagar-lhe o montante equivalente aos serviços remunerados que deixou de realizar no período de faltas ao serviço, em resultado de acidente em serviço.

Erro de julgamento de direito

O recorrente sustenta assistir-lhe o direito a receber o montante equivalente aos serviços remunerados que deixou de realizar no período de faltas ao serviço, em resultado de acidente em serviço, com três fundamentos. A saber: (1) os serviços remunerados têm natureza jurídica de trabalho suplementar e o respetivo pagamento integra o conceito de remuneração; (2) a justa reparação consagrada no art 59º, nº 1, al f) da CRP obriga a entidade responsável pelo ressarcimento dos danos a assegurar ao trabalhador uma remuneração mensal igual àquela que o mesmo auferia antes do acidente; (3) o princípio da igualdade manda que o dever de reparar os danos resultantes de um acidente em serviço deve ter o mesmo alcance independentemente de o responsável pela reparação ser o serviço ou uma companhia de seguros.

A sentença recorrida, na parte aqui relevante, assentou a aplicação do direito na seguinte fundamentação:

XI. É certo que, ao ter sido vítima de acidente em serviço, está abrangido e deve beneficiar do regime de proteção constante daquele Decreto-Lei n.º 503/99 e, em particular da que resulta dos preceitos já citados; e desse regime deriva que o trabalhador deve ver garantidos a remuneração/prestações que o mesmo auferia à data do acidente por forma a que ao dano físico resultado do acidente não venha a juntar-se um dano económico decorrente, nomeadamente, de perdas remuneratórias derivadas da situação de baixa.

XII. Todavia, aquele regime de proteção visa garantir a integridade da remuneração, abrangendo, a par desta, «os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social». Ora, os valores que o Autor vinha auferindo a título de “serviços remunerados” nem tinham um carácter permanente ─ desde logo, só se referiam a 11 meses em cada ano e não apresentavam um valor mensal uniforme pois variavam em função do serviço prestado como decorre da própria caracterização legal e regulamentar dos “serviços remunerados” ─ nem sobre eles incidia desconto para a Caixa Geral de Aposentações ─ cfr. informação mencionada em d).

XIII. Acresce que estão em causa serviços prestados a entidades públicas ou privadas (requisitantes), que são responsáveis pelo seu pagamento [cfr. art.º 14.º/4 da Lei 53/2007, de 31 de agosto]; com efeito, são serviços prestados em horas de folga do trabalhador e só na exata medida da disponibilidade e vontade deste, uma vez satisfeita a sua prestação na própria PSP.

XIV. Donde se retira uma consequência decisiva para o caso dos autos: embora os “serviços remunerados” beneficiem da organização garantida pela força policial requisitada ─ são serviços autorizados e organizados por esta ─, são prestados a um terceiro e estão fora do âmbito da obrigação de trabalho a que o agente policial se vinculou.

XV. Ao ser de outrem ─ que não da entidade empregadora ─ a obrigação de remunerar aqueles serviços, não pode ser assacada à entidade empregadora a responsabilidade de pagar pelos mesmos em caso de ausência motivada por acidente em serviço; se não era ela que os remunerava quando o trabalhador se encontrava ao serviço e os prestava, não lhe é exigível que pague por eles em situação de acidente em serviço. Tal exigência excede a equiparação exigida pelo art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 503/99 [e concretizada, no que ao direito à remuneração diz respeito, no art.º 15.º do mesmo diploma] pois esta contém-se nos quadros da relação de trabalho; exigir que o empregador pague os “serviços remunerados” durante a baixa por acidente em serviço seria exigir que pagasse mais ao trabalhador quando sinistrado do que quando a prestar serviço efetivo. E esse resultado a lei não quis.

XVI. E esta última questão permite distanciar o caso dos autos de outros casos já tratados pela jurisprudência superior atinentes, designadamente, a subsídios de turno [cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/01/2015, proc. 0969/14, disponível em www.dgsi.pt (consultado a 11/10/2018)], porquanto aí sempre estava em causa uma prestação regular abonada pela própria entidade empregadora.

XVII. De igual modo, e porque não foram avançados quaisquer argumentos específicos sobre os quais cumpra tomar partido, também a garantia constitucional não extravasa os contornos da relação laboral, pelo que a interpretação daquele art.º 15.º, do Decreto-Lei n.º 503/99, aplicada pela Administração não incorreu em violação do art.º 59.º da Constituição da República Portuguesa.

XVIII. Quanto à violação do princípio da igualdade, a alegação aduzida pelo Autor não permitiu a este Tribunal encarar duas situações análogas e que pudessem efetivamente ser comparadas pelo que não se vislumbra a violação aventada. Com efeito, pretende o Autor comparar a sua situação com a de colegas seus sinistrados, em serviço, em acidentes de viação em que a culpa do acidente é de terceiros ─ responsáveis, nessa medida, pelos danos ─ cuja responsabilidade foi transferida para companhias de seguros, invocando para tanto que, nesses casos, é a companhia de seguros que assegura o pagamento do valor dos serviços remunerados. E, nessa medida, nos demais casos, deveria a PSP «reparar os danos sofridos com o mesmo alcance e abarcar o valor correspondente aos serviços remunerados». Ora, como supra se evidenciou, a prestação de serviços remunerados está fora da relação laboral, embora a tenha como pressuposto. O que fica a cargo da companhia de seguros nos casos evidenciados pelo Autor é uma indemnização por facto ilícito que deve recobrir todos os danos causados pelo atuação ilícita do segurado; nestes danos, a título de danos patrimoniais, hão de incluir-se, pois, os lucros cessantes, como por exemplo os montantes que o agente da PSP deixou de auferir por estar incapacitado para prestar “serviços remunerados”; e mais, essa indemnização incluirá também danos não patrimoniais que se provem resultar do sinistro ─ cfr. todas as menções constantes do documento mencionado em i). A relação em que se fundamenta este dever de indemnizar não é a relação laboral, é uma relação extracontratual decorrente da prática de um ato ilícito (pelo segurado) do qual decorreram danos para o agente da PSP ─ que estava em serviço. Não seria distinto, neste particular, se o agente da PSP sofresse um acidente de viação, cuja responsabilidade fosse imputada a terceiro, no quadro da sua vida privada. Também aí os “serviços remunerados” que tivesse deixado de realizar durante o período de incapacidade para o trabalho teriam de ser contabilizados como lucros cessantes para efeitos indemnizatórios.

XIX. Todavia, no quadro da relação laboral e da proteção assegurada em caso de acidente em serviço, não está em causa garantir, pecuniariamente, mais do que, no que para o caso releva, a integridade da remuneração ─ estendendo a lei este conceito de modo a abranger ainda «os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social». A reparação garantida pelo regime constante do Decreto-Lei n.º 503/99 nem tem uma natureza ressarcitória (não abrangendo a reparação integral do dano provocado pelo acidente), nem parte do reconhecimento de que à entidade empregadora seja imputável um dano (a título lícito ou ilícito). De resto, nesse quadro não se abrangem danos não patrimoniais que sempre estarão legalmente cobertos nas situações de indemnização por facto ilícito. Por fim, o dano (lucro cessante) resultante da impossibilidade de prestação de serviços remunerados durante a baixa é um dano que ocorre fora da relação laboral e não pode, pois, ter cobertura no âmbito do regime de proteção próprio daquela. Daí que a situação invocada pelo Autor não seja passível de analogia e o resultado diferenciado não redunde numa violação do princípio da igualdade.

Como resulta da fundamentação da sentença, que se acolhe, o recorrente não tem direito à reparação, em dinheiro, correspondente à média mensal da remuneração recebida a título de serviços remunerados entre junho de 2012 e 30.1.2014, no período de faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço [entre 30.1.2014 e 31.3.2016], porque tal abono – de serviços remunerados - não tem características de remuneração permanente, nem sobre o mesmo incidem descontos para o respetivo regime de proteção social.

O estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) determina que o pessoal policial, quando afeto à prestação de serviços remunerados, desenvolvidos no quadro do disposto na lei orgânica da PSP - Lei nº 53/2007, de 31 de agosto – tem direito a auferir uma remuneração pela participação efetiva nesses serviços (cfr art 99º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 139º do DL nº 243/2015, de 19.10).

O abono por serviços remunerados tem, no então, caráter precário e variável, pois varia em função do serviço prestado; sobre ele não incide desconto para a Caixa Geral de Aposentações e é pago pela entidade, privada ou pública, que o requisita (cfr art 99º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 139º do DL nº 243/2015, de 19.10; arts 14º, nº 4 e 16º, nº 1 e 3 da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto; Portaria nº 289/2012, de 24.9, alterada pela Portaria nº 68/2014, de 13.3/ Portaria nº 298/2016, de 29.11 (que regula o regime dos serviços remunerados, designadamente a sua requisição, autorização, duração, organização e modos de pagamento, bem como os valores devidos pela prestação desses serviços remunerados pelos militares da GNR e pelo pessoal policial da PSP).

É verdade que o planeamento, nomeação, controlo, fiscalização, cobrança e pagamento desses serviços ao pessoal policial é efetuado por intermédio da PSP, mas, como dispõe a Portaria nº 298/2016, inclusive, os custos administrativos associados passaram a ser suportados pela entidade que requisita o serviço (cfr art 6º, nº 3 da Portaria).

Tais serviços são prestados em horas de folga do trabalhador e só na exata medida da disponibilidade e vontade deste, uma vez satisfeita a sua prestação na própria PSP.

Mas, os serviços remunerados diferem do trabalho suplementar – cfr arts 73º da Lei nº 12-A/2008, de 27.2/ art 159º e 162º da Lei nº 35/2014, de 20.6 – porque são prestados a um terceiro e por ele são pagos, ainda que por intermédio da PSP, enquanto o trabalho suplementar é prestado à PSP e é abonado por esta entidade.

Aliás, os serviços remunerados só serão prestados se forem pagos pelo requisitante com antecedência mínima relativamente ao seu início.

As razões que alicerçam a diferença entre os serviços remunerados e o trabalho suplementar também explicam a diferença em relação ao trabalho/ subsídio de turno, este claramente tem natureza jurídica de suplemento remuneratório (como compensação pela sujeição a prestação de trabalho na entidade patronal por turnos, o que, como vimos, não é o caso dos autos), o que não sucede com o pagamento dos serviços remunerados.

O pagamento dos serviços remunerados não integra o conceito de remuneração (art 93º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 131º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 70º da Lei nº 12-A/2008/ art 150º da Lei nº 35/2014), nem o de suplemento remuneratório (art 101º do DL nº 299/2009, de 14.10/ art 142º do DL nº 243/2015, de 19.10/ art 73º da Lei nº 12-A/2008/ art 159º da Lei nº 35/2014).

Trata-se, constitui gratificação do pessoal policial afeto à sua prestação, considerando- se como não atribuída pela respetiva Força de Segurança, ainda que paga pelo seu intermédio, como dispõe o art 8º, nº 1 da Portaria nº 298/16, de 29.11.

O que significa que o estipulado nos arts 4º, nº 1 e nº 4, al a) e 15º do DL nº 503/99, de 20.11, ao contrário do defendido pelo recorrente, encontra-se observado.

E assim sendo, a sentença recorrida e bem decidiu estar respeitado o preceito constitucional, do art 59º, nº 1, al f) da CRP, que tutela o direito dos trabalhadores a justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho, uma vez que os serviços remunerados não integram o direito à remuneração protegido pelo art 15º do DL nº 503/99.

Ou seja, se os valores pagos a título de serviços [de segurança] remunerados não cabe à entidade patronal/ PSP, mas às entidades que os requisitam e a quem são prestados, esses valores não integram o conceito de justa reparação, que o legislador expressamente disse incluir a remuneração e os suplementos remuneratórios de caráter permanente devidos pela entidade recorrida como contrapartida pelo trabalho recebido do ora recorrente.

Por fim, a sentença recorrida também decidiu corretamente ao julgar não existir violação do princípio da igualdade por as situações fundamento de tal violação não serem idênticas. A pretensão do recorrente, de lhe ser pago o valor correspondente à média mensal da remuneração recebida a título de serviços remunerados entre junho de 2012 e 30.1.2014, no período de faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço [entre 30.1.2014 e 31.3.2016], não é comparável com a dos colegas que alegadamente sofreram acidente de viação em serviço. Pois, estes foram ressarcidos dos danos pela companhia de seguros do responsável pelo acidente e o recorrente foi ressarcido pela PSP. Se a relação jurídica que fundamenta o ressarcimento – num caso, relação extracontratual – no caso do recorrente, relação de emprego público – é diferente, não pode o recorrente pretender tratamento igual, pois, o princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença (cfr art 13º da CRP).

Em conclusão, nos termos do art 15º do DL nº 503/99, o valor dos serviços remunerados não é devido pela PSP ao agente sinistrado, no período de faltas ao serviço, de 30.1.2014 a 31.3.2016, motivadas por acidente em serviço.

Donde a decisão sob recurso não incorre em erro de julgamento.

Decisão.

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

*

Lisboa, 2019-06-19,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos)