Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:708/14.3BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PRODUÇÃO DA PROVA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
NEXO DE CAUSALIDADE NORMATIVA
ACIDENTE EM SERVIÇO
Sumário:I - A produção da prova em juízo, cujo objeto são apenas factos, visa criar no juiz uma convicção assente na suficiente probabilidade ou verosimilhança de ocorrência dos factos relevantes essenciais (a inserir na fundamentação de facto da sentença) e dos factos instrumentais (a inserir na motivação da decisão sobre a matéria de facto).
II - No cumprimento do artigo 607º/3/4 do CPC e do artigo 94º/3/4 do CPTA, o tribunal deve fazer uma análise crítica das provas para dar como provado ou não provado um facto essencial à causa de pedir e não para dar como provado um meio de prova.
III - Produzida a prova (sobre factos), o juiz procede a uma fundamentada valoração dos meios de prova produzidos, valoração ou avaliação que é feita “de modo livre e racional” (isto é, em conformidade com as regras da experiência e da razão), salvo no caso de meios de prova com força vinculativa fixada na lei, isto é, de prova tabelada (ou legal ou tarifada; vd. artigos 358º/1, 358º/2, 371º/1, 376º/1 e 377º do CC). Depois disso, o juiz fará o julgamento da matéria de direito e recorrerá então às regras gerais, especiais ou excecionais sobre a repartição do chamado ónus objetivo da prova, assim julgando a ação. Este julgamento é exteriorizado como manda o artigo 607º do CPC ou o artigo 94º do CPTA.
IV - Os meios de prova não servem para responder direta ou imediatamente aos artigos 499º e 563º do CC. Servem apenas para estabelecer o nexo causal empírico, mas não o nexo causal (juridicamente) adequado entre facto (acidente) e dano.
V - Esse juízo de causalidade, numa perspetiva meramente naturalística e lógica de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual.
VI – A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
VII - Só depois de assente esse nexo causal naturalístico (aqui, médico) é que a questão jurídica do nexo de causalidade adequada surge, já que se prende com a interpretação-aplicação do artigo 563.º do Código Civil. Será já matéria de direito.
VIII - Um facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa jurídica se não se mostrar idóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis, devendo atender-se aos interesses concretamente tutelados pela norma legal ou contratual infringida.
IX - Na responsabilidade civil pelo risco, de acordo com o artigo 499º do CC e a natureza das coisas, o artigo 563º do CC exige apenas uma correspondência entre o dano e a perigosidade (ou melhor, o risco), dependendo a concretização de tal juízo do tipo específico em causa de responsabilidade objetiva.
X - Havendo o modo de imputação objetiva específico do DL 503/99, a reconstrução do facto-risco e da causalidade exigidas pelo artigo 499º do CC impõem, aqui, uma exigência ainda mais suave do que a da fórmula negativa da teoria da causalidade adequada aparentemente consagrada no artigo 563º.
XI - Em sede de DL 503/99 sob a égide dos artigos 483º/2 e 499º do CC, pode-se dizer que a esfera de risco pela qual deve responder outrem, que não o lesado, é referida de modo quase automático ao risco-proveito ou ao risco de autoridade. A pessoa, aqui o serviço público, deve responder pelos danos surgidos nas atividades de que o serviço público tira proveito, ou deve responder pelos danos resultantes das ou nas atividades que o serviço público tem sob seu controlo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO

M… interpôs no TAC de Lisboa a presente ação administrativa ao abrigo do DL 503/99 contra o MUNICIPIO DE …..

A pretensão formulada na p.i. (excluindo a referente à inconstitucionalidade, da competência do TC) foi a seguinte:

Condenar o Município:

- No pagamento do subsídio de refeição no montante de € 5.063,22,

- No pagamento das férias não gozadas, no montante de € 3.810,42,

- No pagamento do subsídio de piquete de águas, no montante de 17.654,00,

- No pagamento das despesas médicas e medicamentosas (exames médicos, operações, transportes, fisioterapia, consultas) realizadas pelo A. e que o Município não comparticipou, no valor de 6.406,32; o que soma a quantia de € 32.933,96 e a que devem acrescer juros de mora, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações parcelares, e ainda a sanção pecuniária compulsória conforme acima vai explicitado e requerido.

Após a discussão da causa, o TAC decidiu absolver o réu do pedido.

*

Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. O A. sofreu um acidente em serviço no dia 04.12.2007, que o incapacitou para o trabalho desde aquela data, tendo sido reformado em consequência do mesmo pela CGA, conforme documentos juntos aos autos, pelo que não pode aceitar que a sentença recorrida declare a inexistência de nexo de causalidade entre o sinistro e as sequelas que apresenta.

2. Em consequência do acidente de 04.12.2007 o A. fez despesas que o R. se recusou a pagar ao A. e deixou de receber verbas a que julga ter direito tais como subsídio de refeição, férias não gozadas e subsídio de piquete; subsídio este que o 1º R. declarava como horas extraordinárias.

3. O A. entende que o Tribunal "a quo" errou, de facto e de direito, porque não apreciou a matéria de facto de acordo com a melhor prova produzida e que as alegações que agora apresenta e aqui dá por integralmente reproduzidas demonstram, cabalmente, o erro de julgamento.

4. O A. entende que face à prova produzida ficou demonstrado que o 1º R. omitiu a verdade ao afirmar que não recebeu os documentos de despesas médicas e medicamentosas, cujo pagamento lhe foi solicitado; sendo que a sentença recorrida evidencia apenas alguns nas al. T a CC) dos Factos Provados, pelo que deve ser reconhecido que todos os documentos referentes a despesas reclamadas foram entregues ao 1º R.

5. O A. salientou, em sede de alegações os pontos "nevrálgicos" que devem levar à alteração da resposta aos Factos Provados constantes das als. H, I, J, S, T a CC; sendo que acima de tudo está em causa aferir se o acidente dos autos é ou não é a causa do dano físico que o A. sofreu e ostenta.

6. Assim, com fundamento no depoimento da testemunha Prof. Dr. Duarte Nuno Pessoa Vieira, feito em audiência de julgamento, no dia 21.03.2017, quando disse:

"Eu não tenho nenhum relato operatório da operação feita em 1992, tenho apenas relatórios médicos de colegas ...; cfr depoimento registado em suporte digital de 32.37 a 33.08; prosseguindo mais adiante dizendo:

"Uma intervenção tem registos ... são uma obrigatoriedade no nosso país e tem de existir em algum lado onde isto foi feito'', conforme relato registado em suporte digital de 36.49 a 37.10.

"Nunca fiz cirurgia porque faço autópsias ... nunca tratei objetivamente um joelho”, conforme registo gravado em suporte digital de 47.57 a 48.11,

devem as respostas constantes das al. H e I) ser alteradas e passar a ler-se:

H) - Consta do Boletim de Exame e Alta, datado de 07/03/2008, assinado pelo médico Dr. D…., em ''Observações e Tratamentos'', o seguinte: ''Mantém acentuada l imitação para o trabalho. Como é funcionário Municipal a I.P.P. deve ser resolvida pelo C.N. Pensões, devendo dirigir-se a esta instituição por agravamento das queixas." - cfr. doe. nº 4, junto com a contestação da Chamada …...

I) - Consta do Boletim emitido pelo Dr. David ..., médico da Companhia de Seguros, data do de 07/03/2008, recebido em 10/03/2008 pelos serviços do R. Município, o seguinte: 110 Sr. Manuel ..., apresenta um processo de gonartrose esquerda, relacionada com um acidente de trabalho (...). Como é funcionário municipal a l.P.P. deve ser resolvida pela C.  N.  de Pensões, devendo dirigir-se a esta instituição por agravamento das queixas." - cfr. doc. nº 5, junto com a contestação da Chamada …..

7. Com funda mento nos documentos juntos aos autos (carta do A. para o 1º R, datada de 17.09.2008 e cartas do 1º R. para a 2º R. datadas de 15.09.2008 e 06.10.2008) e no depoimento da testemunha J… quando questionada acerca da razão por que não deu seguimento aos pedidos do A.  para o encaminhar para tratamento conveniente no período compreendido entre 07.03.2008 e dezembro de 2008, como vinha sugerido na carta que o 1º R. recebeu, em 10.03.2008, d o médico, Dr. D…, ao serviço d a 2º R. (Doc. 5 junto com a contestação da 2. R. e doc. 1junto com a resposta do A. à contestação do 1.º R.); admitiu que recebeu a carta, que o colega deve ter contactado a Companhia de Seguros, conforme despacho do Presidente, mas não se lembra o que foi feito ao M….; registo gravado no suporte digital de 5.02.27 a 5.09.43, da audiência de julgamento do dia 20.01.2007, deve na al. J) dos Factos Provados passar a ler-se apenas o seguinte:

J) - O A. foi assistido pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros ….Mundial Seguros, tendo esta do na situação de ITA desde 14/12/2007 até data incerta.

8. No que ao nexo de causalidade importa referir, temos de mostrar o que disse o senhor Prof. M…, único médico cirurgião ortopedista, ex-consultor do I…., e com competência em dano no âmbito da Segurança Social e da CGA, e depoente em audiência de julga mento com experiência cirúrgica e de tratamento de situações similares à que apresenta o A., o qual:

A Instâncias da Meritíssimo Juiz: -   Referiu o nome, cfr. suporte digital de 4.00 a 4.05; e prosseguiu informando as suas competências técnicas e médicas, cfr. suporte digital de 4.32 a 5.24. Depois, a instâncias do mandatário do A. quando este lhe disse: - Sabendo que observou M… e face a o relatório que elaborou diga ao Tribunal o que encontra no M…..

Resposta: O Sr. M… no dia 05.12.2007 sofreu uma contusão grave no joelho esquerdo ... com patologia aguda ... em 09.03.2008 apesar de continuar com queixas dolorosas é lhe dada alta ... precoce indo depois procurar apoio na Clínica de St.0 António e outros ortopedistas ... mais tarde é operado e depois a vem a colocar uma prótese. A política ortopédica não é colocar prótese ... tenta-se minimizar ... a prótese deveria ser colocada aos 60 anos ... é uma artrose uma destruição do joelho inexorável que implica a prótese ... CGA é visto é presente a uma junta que vai decidir em relação a esse acidente em serviço ... devido às sequelas do joelho esquerdo e perante isto penso que foi aposentado ... chamo a atenção de uma coisa ... muitas vezes isto existe ... dificuldades de entendimento por quem não é ortopedista 60% da patologia pós traumática é dolorosa e o que faz o traumatismo, neste caso concreto, ... o traumatismo de 2007 é estabelecer ou tomar um joelho que era perfeitamente compatível com o dia a dia, com a função, ... e se já estivesse destruído ele não teria o acidente porque provavelmente não andava a trabalhar, é um joelho que exerce a sua função em todas as atividades ... não podia trabalhar ..,. é depois disso que se cria uma patologia dolorosa completa que faz que depois em 2009 o joelho esteja completamente delapidado; cfr. depoimento em suporte digital de 8.35 a 14.41 da audiência de julgamento do dia 28.04.2017.

E depois acrescentou:

Basta a rotura ligamentar que aconteceu para ter condenado este joelho ... é de um trabalhador de força ... algumas imagens que eles interpretam ... é uma máquina velha ... é preciso não confundir envelhecimento com artrose ... porque artrose à a alteração do meio ambiente articular e mais grave ... é incapacitante ... se tivesse urna artrose grave não era ... não trabalhava como canalizador ... não teria o acidente e aqui começa a história ... a contusão cartilagínea que vemos aqui, ainda muito aparente na ressonância, ... 17 dias depois ... é uma lesão que só por si era suscetível de causar artrose e nós temos aqui duas que vai justificar evolução dolorosa que faz com que em 2009 este homem precise da colocação de uma próteses. Durante muito tempo foi muito discutível se as contusões cartilagíneas poderiam dar uma evolução para artrose isso foi resolvido há uns anos pelo Prof. ... que ... contundia as cartilagens dos joelhos dos coelhinhos e ... verificou nessa investigação com coelhos ... que nas pancadas mais fortes eles iam desenvolver uma artrose porque a cartilagem meramente morria e acabou com uma discussão ... com repercussões médico­ legais ... nós temos aqui dois elementos ... possíveis de causar a evolução que vamos ver ... que é atestada pelos médicos não da Seguradora ... Dr. D…. dá alta intempestiva ... perante uma recidiva, uma recaída ... ele tinha retomado o processo e reconhecido o seu erro ... ; cfr. depoimento registado no suporte de 20.00 a 24.14, da audiência de julgamento do dia 28.04.2017.

Se tudo isto não bastasse pode ouvir-se ainda o médico ortopedista, cirurgião, dizer, em análise ao documento nº 7, que suporta a al. Q) dos Factos Provados, datado de 05.03.2008, que a sintomatologia manifesta-se depois ... como tinha havido contusão condiliana o joelho encontrava-se desviado ... a tal cartilagem que desaparece com uma pancada profunda que o Prof ... coelhos dele ... é um joelho  rígido, sem  provas  meniscais  ... gonartrose  tricompartimentai   ... e três  meses  depois temos um joelho completamente delapidado ... temos uma RM (21.12.2007- doc. 6 al. G) da sentença] em que é referida uma lesão ligamentar do joelho e uma contusão grave condiliana ... e o que vamos ter nesta altura é um joelho já em desvio ... joelho desequilibrado, mais este esquerdo e o que nós vamos ter este joelho perde-se em três meses ... temos na RM um joelho ... de trabalhador nesta altura temos artrose tricompartimentai ... o joelho tem três compartimentos .... o interno tinha sido atingido pelo tal traumatismo grave da cartilagem e denota uma artrose rapidamente evolutiva ... o joelho toma-se balseiro toma-se instável perde coesão é grave a lesão Iigamentar compreende-se ... intervenções dos meus colegas para safar o joelho até à prótese ... sim, sim, sim, a perda da cartilagem de um côndilio ... o incêndio porque houve alteração do meio biológico articular ... não tenho dúvida alguma ... não sei qual é a competência ortopédica ... há aberração é que uma Junta da CGA ... que tem poder para ir buscar todos os antecedentes ... se existisse uma incapacidade anterior eles iam buscar essa incapacidade ... há uma aberração neste processo é que uma junta da CGA ... tenha atribuído uma incapacidade não tenham ido buscar uma incapacidade anterior e depois não tem qualquer duvida em ... Junta essa que foi homologada a CGA ... rever o processo e isso não aconteceu ... chamo atenção que foi única e exclusivamente aposentado devido às sequelas do traumatismo do joelho esquerdo o que é raro acontecer ... é precisamente o acidente e .. as sequelas delas ... incapacidade absoluta para o exercício das suas funções; cfr. depoimento gravado em suporte digital de 16.10 a 36.08, da audiência de julgamento do dia 28.04.2017.

9. Defende-se ainda a existência de nexo da causalidade entre o acidente dos autos e as sequelas que ostenta, pelos depoimentos das testemunhas:

A…, sendo que este, a instâncias do mandatário do A., garantiu que o M… "era um trabalhador 5 estrelas, que não evitava trabalho algum, fazia tudo, "posso jurar por tudo quanto é sagrado, fosse em avarias, em trabalho normal, ... abrir valas ..."; depoimento gravado em suporte digital de 4.36.10 a 4.38.09, audiência de 20.01.2017.

J…, também a instâncias do mandatário do A. garantiu que o M…. foi sempre um bom trabalhador, que não era malabarista, que não se escusava ao trabalho, que a título particular e profissional era um homem de palavra; depoimento registado em suporte digital de 5.14.18 a 5.15.10, audiência de 20.01.2017.

10. Ora, se o A. não trabalhou mais para o 1º R., por incapacidade física, desde o acidente dos autos, sofrido em 04.12.2007, não se percebe, nem se pode aceitar, que o Tribunal "a quo" possa ter dado como provado que, «ponto n.º 4 da al. S) dos Factos Provados», "Não há lugar a atribuição de incapacidade permanente parcial resultante do acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007."- cfr. Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF [2ª  Perícia]  e esclarecimentos da Sr. Perita Dr." Rosário Silva."; com o que contraria em absoluto a decisão da CGA, lavrada em "Auto de Junta Médica", que atribuiu, única e exclusivamente , ao acidente de 04.12.2007 (por lapso escrito 05.12.2007) a razão da incapacidade que levou o A. ser reformado.

11. Aliás, este facto é bem referido pelo Dr. A…  [único especialista de ortopedia chamado a depor (cirurgião que conhece e sabe tratar um joelho naquelas condições) e que depôs em audiência de julgamento, quer no seu parecer junto aos autos, quer nas justificações que deu em audiência de julgamento, quando relacionou  a existência de gonartrose tricompartimentai com o traumatismo grave que o A. sofreu, derivado da contusão óssea provocada pela queda do A na vala onde trabalhava, o que provocou a rotura do ligamento cruzado anterior e desenvolveu de forma rápida e quase inexplicável o desaparecimento da cartilagem [teste do Prof. M… com coelhos) (factos referidos no documento nº 6 anexo à al. G) dos Factos Provados)], depoimento gravado em suporte digital de 16.10 a 36.08, da audiência de julgamento do dia 28.04.2017.

12. A al. S) dos Factos Provados deve, naturalmente, ser alterada de forma a considerar que há nexo de causalidade e que, por isso mesmo, é atribuída incapacidade permanente ..., como fez a CGA.

13. Nos autos existem documentos produzidos pelo próprio Município, que o A. juntou com a PI (Doc. 6 - páginas 32, 39 e 42), que provam terem sido entregues comprovativos de despesas médicas e está provado, também por depoimento testemunhal acima referido, que o 1º R. perdia documentos importantes, pelo que é razoável dar-se como provado também que os documentos identificados nas al. T a CC) dos factos Provados foram entregues.

14. O A. mantém o afirmado na Pi, designadamente no respeitante à existência de dois regimes de proteção social,  ditos um público (CGA) e outro provado (Segurança Social),que há muito tempo, atento  o direito constitucional (art. 63 da CRP), deveriam ter convergido num único sistema de proteção social, a bem do princípio da igualdade de tratamento de todos os cidadãos nacionais, pelo que é entendimento do A. que a aplicação do preceito consignado no art. 15 do D.L. 503/99, quando condiciona o pagamento de suplementos salariais ao trabalhador acidentado em função da existência ou inexistência de descontos para o regime de proteção social da CGA sobre os mesmos, deve ser declarada inconstitucional.

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A recorrida seguradora ….. contra-alegou, concluindo assim:

1. O essencial do recurso do A., em face tanto quanto transparece das conclusões que formula (art.º 639º, n.º 1 do CPC), é a alteração das respostas aos factos provados sob as alíneas H), I), J) e S), com o que, no seu entendimento, decorrerá o nexo de causalidade entre o acidente em serviço ocorrido no dia 04-12-2017 e as patologias que veio a acusar e das quais resultou a sua reforma por invalidez.

2. Sobre a natureza do recurso em matéria de facto, a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se no sentido que só é sindicável o erro notório na apreciação da matéria de facto, não a convicção formada pelo tribunal ou, por outras palavras, carece de fundamento o recurso sempre que o recorrente discorda apenas da interpretação que o Tribunal deu às provas, como é o caso dos autos.

3. As alterações que o A. sustenta, quanto às alíneas H), I), J) e S), nem sequer fazem sentido, pois que nestes pontos da matéria de facto, a douta sentença limita-se a fazer a transcrição do teor dos documentos a que tais alíneas se reportam.

4. A situação clínica atual do A., relacionada com a necessidade de colocação de prótese total do joelho, com descolamento posteriormente verificado não pode ser relacionado com o evento traumático ocorrido em 04/12/2007, sendo antes decorrente da existência de estado patológico anterior.

5. Não sendo possível estabelecer um nexo de imputação juridicamente relevante entre o acidente em serviço sofrido pelo A. em 04/12/2007 e as lesões de que atualmente padece, têm necessariamente de improceder os pedidos do A. concernentes ao pagamento do subsídio de refeição e das despesas médicas e medicamentosas (exames médicos, operações, transportes, fisioterapia, consultas), já que se situam fora da data da cura médico-legal, fixada em 09/03/2008.

6. Pelo que, confirmando a douta sentença da 1ª instância, será feita a costumada justiça.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito[1] que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

A. Entre o A. …e o R. MUNICÍPIO DE …. foi celebrado, em 09 de abril de 1991, contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado – acordo/cfr. doc. nº 1, junto com a p.i.

B. Em 04 de Dezembro de 2007 o A. sofreu um acidente, no exercício das suas funções como canalizador no Município de ..., com lesão do joelho esquerdo – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i.

C. Em consequência do acidente resultou a rutura do ligamento cruzado anterior (LCA), contusão óssea a nível do côndilo femoral interno traduzida por hipersinal no respetivo osso subcondral e moderado derrame intra-articular – cfr. doc. nº 6 junto com a contestação da Chamada …..

D. Tal acidente foi participado à Companhia de Seguros …. SEGUROS, para a qual o R. transferiu a sua responsabilidade, titulado pela apólice nº …, constando das respetivas condições contratuais, o seguinte: “CONDIÇÕES GERAIS – SEGURO DE ACIDENTES EM SERVIÇO SUBSCRITORES DA CAIXAGERAL DE APOSENTAÇÕES

(…)

Artigo 2º Objeto e Âmbito do contrato 1. (…)

2.(…)

3. Esta Apólice garante exclusivamente os riscos traumatológicos resultantes de acidentes em serviço. 4.(…)

5.(…)

Em consequência de acidente ao serviço do Tomador do Seguro, conforme definido anteriormente, esta Apólice garante as seguintes prestações:

Prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida ativa. Estas prestações têm como conteúdo:

Assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;

Assistência farmacêutica;

Enfermagem;

Hospitalização e tratamentos termais;

Hospedagem;

Transportes para observação ou tratamento;

Fornecimento de aparelhos de prótese ou ortopedia;

Reabilitação funcional.

As referidas prestações serão atribuídas ao próprio acidentado até ao momento em que os serviços clínicos da Seguradora o considerarem curado das lesões ou em que o acidentado passar à situação de reformado, considerando-se destes dois casos aquele que primeiro ocorrer.

Os quantitativos a indemnizar relativamente a alimentação, alojamento (hospedagem) e transportes (quando não forem fornecidos pela Seguradora), terão por limite o valor da correspondente ajuda de custo a que o acidentado tenha legalmente direito.

Pagamento de uma indemnização correspondente aos dias de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.), excluído o dia do acidente, até ao máximo de 3 anos, seguidos ou interpolados, por acidentado, considerando, para efeitos de cálculo, o vencimento normal ilíquido, sem qualquer redução, que o acidentado auferia à data do acidente, e que tiver sido declarado para efeitos desta Apólice, ou a percentagem desse vencimento que tiver sido segura de harmonia com aquilo que se estabelecer nas Condições Particulares da Apólice.

Pagamento até ao vencimento mensal ilíquido (ou da parte dele que tiver sido segura) do acidentado falecido por acidente em serviço, como reparação das despesas por funeral, sendo este valor elevado para o dobro se houver trasladação.

(…)

Artigo 4º Modalidades de Cobertura

O presente contrato de seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades:

Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de salários antecipadamente conhecido;

Seguro a prémio variável, quando a Apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com salários seguros também variáveis, sendo considerados pela Seguradora as pessoas e os salários identificados nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo Tomador de Seguro.

(…)

Artigo 10º Salário Seguro

A determinação do salário seguro, ou seja, do valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta Apólice, é sempre da responsabilidade do Tomador de Seguro, e deverá corresponder, tanto na data de celebração do contrato como em qualquer momento da sua vigência, a tudo o que a lei considera como elemento integrante do salário, incluindo o equivalente ao valor da alimentação e da habitação, quando a Pessoa Segura a estas tiver direito, bem como outras prestações em espécie ou dinheiro que revistam carácter de regularidade, e ainda os subsídios de férias e de Natal.

(…)

CONDIÇÃO ESPECIAL – SEGURO DE ACIDENTES EM SERVIÇO SUBSCRITORES DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES SEGUROS DE PRÉMIO VARIÁVEL

Nos termos desta Condição Especial, e de acordo com o disposto na alínea b) do Artigo 4º das Condições Gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do Tomador de Seguro de acordo com as folhas de salários periodicamente enviadas à Seguradora nos termos da alínea c) do nº 1 do Artigo 15º das Condições Gerais da Apólice. (…).”. – cfr. doc. nº 1 e 2, juntos com a contestação da Chamada ….

E. À data do acidente o A. fazia serviço de piquete, cerca de semana e meia por mês, trabalho que era pago a título de horas extraordinárias – cfr. depoimento das testemunhas A…..

F. À data do acidente o A. auferia a remuneração base de € 555,48, acrescido de subsídio de refeição de € 4,03/dia, e a título de “Horas Extraordinárias” o valor de € 185,16/mensal, sendo que sobre este último valor não incidiam descontos para a Caixa Geral de Aposentações – cfr. doc. nº 1 e 3, juntos com a p.i.

G. Consta da Ressonância Magnética realizada ao joelho esquerdo, datada de 21/12/2007, o seguinte:


(Texto no Original)

(…)” - cfr. doc. nº 6, junto com a contestação da Chamada….

H. Consta do Boletim de Exame e Alta, datado de 07/03/2008, assinado pelo médico Dr. D…, médico da Companhia de Seguros, em “Observações e Tratamentos”, o seguinte:

Dado o tempo decorrido, deve ser considerado curado deste episódio. Mantém acentuada limitação para o trabalho, mas provocada pelo processo artrósico do joelho esquerdo, operado há cerca de 15 anos. Como é funcionário Municipal a I.P.P. deve ser resolvida pelo C.N. Pensões, devendo dirigir -se a esta instituição por agravamento das queixas.”, conforme consta do doc. nº 4 junto com a contestação da Chamada Fidelidade.

I. Consta do Boletim emitido pelo Dr. D…, médico da Companhia de Seguros, datado de 07/03/2008, recebido em 10/03/2008 pelos serviços do R. Município, o seguinte:

O Sr. M…, apresenta um processo de gonartrose esquerda, relacionada com um acidente de trabalho (…) a que foi operado, há cerca de 15 anos. Como é funcionário municipal a I.P.P. deve ser resolvida pela C. N. de Pensões, devendo dirigir -se a esta instituição por agravamento das queixas.” – conforme consta do doc. nº 5 junto com a contestação da Chamada….

J. O A. foi assistido pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros  …, tendo estado na situação de ITA desde 14/12/2007 até 09/03/2008, data em que lhe foi dada alta, na situação de curado e sem desvalorização conforme consta do doc. nº 4 junto com a contestação da Chamada ….

K. No período compreendido entre a data da alta, em 09/03/2008, até 23 de dezembro de 2008, o A. não prestou serviço ao R. Município – cfr. doc. junto pelo R. em 10/03/2017; “Relatório de Baixas Médicas” juntas pelo R. em 21/03/2017 (2ª sessão audiência final) e doc. junto com o req. do R. de 31/03/2017 e depoimento das testemunhas A…, A… e A….

L. O A. apresentou certificados de incapacidade temporária para o trabalho, de 24/12/2008 até 21/05/2013, data em que passou à situação de aposentado – acordo/cfr. doc. nº 4, junto com a p.i. e doc. nº 4 a 9, juntos com o req. do R. Município de 27/10/2014.

M. Com exceção dos períodos entre 23/01/2009 a 22/02/2009, 02/05/2012 a 31/05/2012, 20/01/2013 a 18/05/2013, em que a classificação da situação de impedimento/doença registada pelo médico nos respetivos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, foi de “Doença natural”, nos períodos restantes o A. esteve incapacitado para o trabalho por “Doença direta” – cfr. doc. nº 4, junto com a p.i. e doc. nº 5 a 9, juntos com o req. do R. Município de 27/10/2014 e depoimento da testemunha J….

N. O A. recebeu o subsídio de férias correspondente ao período compreendido entre 16/07/2008 a 31/07/2008 de 1/08/2008 a 06/08/2008 de 27/10/2008 a 31/10/2008 e de 03/11/2008 a 11/11/2008, num total de 27 dias – cfr. depoimento da testemunha J… e doc. junto pelo R. em 10/03/2017; “Relatório de Baixas Médicas” juntas pelo R. em 21/03/2017 (2ª sessão – audiência final) e doc. junto com o req. do R. de 31/03/2017.

O. Em 11/12/2008 os serviços do R. Município remeteram ao A. cópia do ofício da companhia de seguros …, datado de 26 /11/2008, dirigido ao R. Município, onde consta o seguinte:

Vimos informar V.Exas., que no dia 07/03/2008 o sinistrado acima mencionado se encontrava ainda de ITA.

Período de incapacidade e situação desde 14/12/2007; ITA de 14/12/2007 a 09/03/2008.

10/03/2008 alta, transferido para a Caixa Geral de Aposentações, conforme consta no Boletim emitido pelo Sr. Dr. D…, da Casa de Saúde de …, e já enviado em 30/10/2008.” - cfr. doc. nº 2, junto com a réplica.

P. Consta do Auto de Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, de 20/11/2012, homologado pelo Conselho Diretivo em 30/11/2012, o seguinte:


(Texto no Original)


(…)” – cfr. doc. nº 4, junto com o requerimento do A. de 08/09/2014 [fls. 119, do SITAF].

Q. Consta do Relatório Médico, datado de 10 de abril de 2008, assinado pelo médico ortopedista Dr. PEDRO ..., o seguinte:


(Texto no Original)

- cfr. doc. nº 7 junto com a contestação da Chamada Fidelidade.

R. Por Ofício da Caixa Geral de Aposentações de 21 de maio de 2013 foi comunicado ao A. que, “(…) lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 2013-05-21, da Direção da CGA (…), tendo sido considerada a situação existente em 2013-04-09” – cfr. doc. nº 2, junto com a p.i.

S. Consta do Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF, pela Perita Médica, Dr.ª R…, Assistente de Medicina Legal com Grau de Consultor, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, da Delegação do Centro, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., o seguinte:

“(…)

C. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO - Exame ortopédico efetuado nesta Delegação, pelo Médico Ortopedista Dr. F…:”, o seguinte: “Após observação do sinistrado e análise da documentação clínica facultada, onde consta RMN do joelho esquerdo datada de 21-12-2007, que revela lesões degenerativas graves do joelho esquerdo e sinais de anterior cirurgia, não nos é possível estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007 e as sequelas que atualmente apresenta (prótese total do joelho esquerdo dolorosa, com rigidez na flexão a 40º e sinais de descolamento, cirurgia subsequente a artrose grave), admitindo-se contudo entorse do joelho esquerdo com incapacidade temporária.” (…)

Do acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007 resultou entorse do joelho esquerdo, tendo sido seguido desde 14-12-2007, em tratamento médico e de fisioterapia, nos serviços clínicos da Companhia de Seguros F até 09-03-2008, data em que teve alta, curado sem desvalorização.

(…) tendo em conta a informação imagiológica (alguns dias após o evento) e clínica disponível, o sinistrado tem antecedentes de patologia osteoarticular do joelho esquerdo, designadamente artrose grave e sinais de cirurgia anterior a esse nível, decorrente de acidente de trabalho em 1992, bem como terá realizado em 2000 diversas infiltrações articulares e em 2004 tratamentos de fisioterapia ao joelho esquerdo através de seguradora, contrariamente ao que nos referiu aquando da realização do exame médico-legal, em que negou quaisquer antecedentes médicos e/ou cirúrgicos naquele segmento corporal.

Face ao exposto e conjugando a informação clínica facultada com a prestada pelo sinistrado, a sua observação aquando da realização do exame médico-legal em 04-01- 2016 e o resultado do exame complementar de Ortopedia realizado nesta Delegação pelo Médico Ortopedista Dr. F…, não nos é possível admitir o nexo de causalidade entre o acidente em apreço e a situação clínica atual do sinistrado, designadamente acentuada rigidez na flexão do joelho esquerdo e sinais imagiológicos de aparente descolamento de prótese total do joelho colocada em 2009 que será, no nosso entendimento, subsequente a gonartrose grave prévia.

Admite-se, no entanto, o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e a entorse do joelho esquerdo, que evoluiu favoravelmente para a cura.

A data da cura médico-legal das lesões é fixável em 09-03-2008, tendo em conta a data da alta da seguradora, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.

No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:

- Incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 05- 12-2007 até 09-03-2008, fixável num período total de 96 dias.

Não há lugar a atribuição de incapacidade permanente parcial resultante do acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007.”  –  Conforme o Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF [2ª Perícia] e os esclarecimentos da Sr. Perita Dr.ª R….

T. O A. suportou em consultas médicas as seguintes quantias:

em 25/01/2008 (nos H.U.C. – Hospitais da Universidade de…) - € 4,40.

em 30/05/2008 (no Centro de Saúde de…) - € 3,60

em 18/07/2008 (no Centro de Saúde de…) - € 2,15

em 09/12/2008 (na CLISA – Clínica de…, S.A.) - € 3,99

em 23/12/2008 (na CLISA – Clínica de…, S.A.) - € 3,99

em 24/12/2008 (no Centro de Saúde de…) - € 3,60

em 10/02/2009 (na CLISA – Clínica de…, S.A.) - consulta e penso - € 5,31

em 23/06/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 2,20

em 08/07/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 2,20

em 10/07/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 2,20

em 23/07/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 2,20

em 23/07/2009 (no Hospital…) - € 3,99

em 24/08/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 2,20

em 08/09/2009 (na CLISA – Clínica de…, S.A.) - € 3,99

em 18/09/2009 (no Centro de Saúde de…) - € 3,70

em 24/09/2009 (no Hospital ...) - € 3,99

em 22/10/2009 (no Hospital ...) - € 3,99

em 23/10/2009 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 19/11/2009 (no Hospital ...) - € 3,99

em 26/01/2010 (na CLISA – Clínica de ..., S.A.) - € 3,99

em 22/02/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 22/03/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 24/05/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 19/07/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 13/08/2009 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 23/04/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 17/09/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 3,70

em 18/10/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 16/11/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 17/12/2010 (no Centro de Saúde de ...) - € 2,20

em 09/08/2011 (na CLISA – Clínica de ..., S.A.) - € 3,99 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

U. O A. suportou em exames médicos as seguintes quantias:

em 12/12/2008 (no I… – Clínica Imagiologia…., Lda.) – RM Joelho - € 30,00

em19/01/2009 no CCC–    Centro de Cardiologia de …)

Eletrocardiograma simples - € 15,00

em 19/01/2009 (na ..., Lda.) – tórax 1 plano - € 2,14

em 02/09/2009 (na ..., Lda.) – joelho 2 planos - € 2,14

em 15/06/2009 (na…, Laboratório de Análises Clínicas, Lda.) – serviços laboratoriais - € 2,55

em 11/08/2011 (P…, em…) – eletromiografia - € 90,00

em 02/08/2011 (na …- Clínica de ..., S.A., na…) – RX Joelho – 2 incidências e RX Coluna lombar – 2 incidências - € 5,58

em 11/09/2012 (na ..., Lda.) – joelho 2 planos - € 2,14

em 14/09/2012 (na …– Centro Tomografia Computorizada, S.A., em…) – Cintigrafia óssea (corpo inteiro) - € 21,45 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

V. O A. suportou, na sequência de internamento na …- Clínica de ..., S.A., na…, de 02/02/2009 a 05/02/2009, para realização de cirurgia (artrotomia ou artroscopia), a quantia de € 555,47 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

W. O A. suportou, na sequência de internamento na …- Clínica de ..., S.A., na…, de 29/06/2009 a 04/07/2009, para realização de cirurgia (artroplastia total), a quantia de € 249,46 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

X. O A. suportou, a título de adiantamento para despesas, na …- Clínica de ..., S.A., em 02/02/2009, 05/02/2009 e 04/08/2009, a quantia total de € 1317,78 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

Y. O A. suportou em 18/08/2009, a quantia de € 29,90, correspondente ao pagamento da taxa moderadora dos meios complementares de diagnóstico efetuados no Centro Hospitalar de…, E.P.E. – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

Z. Em tratamentos médicos no Hospital ..., em A…, o A. suportou as quantias seguintes:

- em 18/09/2009, a quantia € 33,60;

- em 22/10/2009, a quantia € 35,80;

- em 19/11/2009, a quantia de € 35,20 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

AA. Em tratamentos de fisioterapia (3 sessões), em 19/08/2009, o A. suportou a quantia de € 135,00 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

BB) Na aquisição de canadiana de braço móvel, o A. suportou em 05/02/2009, a quantia de € 12,31 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

CC) Em despesas de farmácia o A. suportou as quantias seguintes:

em julho de 2008 a quantia total de € 51,85

em abril de 2010, a quantia de € 10,85

em outubro de 2010, a quantia total de € 91,81 – cfr. doc. nº 6, junto com a p.i.

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

São as seguintes as questões a resolver contra a decisão recorrida, tendo presentes as conclusões do recurso:

1- Erro de julgamento quanto à inexistência de nexo de causalidade entre o acidente em serviço e os danos provados;

2- Erro de julgamento quanto ao montante real das despesas médicas;

3- Erro de julgamento quanto à não inconstitucionalidade do artigo 15º do DL 503/99.

*

1 – Sobre o erro quanto à inexistência de nexo de causalidade entre o acidente em serviço e os danos provados

1.1.

A presente ação assenta no artigo 48º do DL 503/99 - regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas:

1 - O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, ação para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os atos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.

2 - Nas ações referidas no número anterior, o interessado está isento de custas, sendo representado por defensor oficioso a nomear pelo tribunal, nos termos da lei, salvo quando tiver advogado constituído.

3 - O prazo referido no n.º 1 conta-se:

a) Da data da notificação, em caso de ato expresso;

b) Da data da formação de ato tácito de indeferimento da pretensão formulada.

Vejamos ainda os artigos 4º/1, 5º, 6º, 7º, 11º, 15º, 19º, 20º, 34º, 38º e 45º desse mesmo DL:

Artigo 4º/1

Os trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma.

Artigo 5º

1 - O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.

2 - O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.

3 - Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.

Artigo 6º

4 - Os estabelecimentos da rede oficial de saúde que prestem assistência aos trabalhadores abrangidos pelo presente diploma devem, no prazo de seis meses a contar da mesma, apresentar a faturação das despesas efetuadas ao respetivo serviço ou organismo para efeitos de pagamento.

5 - As despesas com saúde resultantes de acidentes em serviço e doenças profissionais não são abrangidas pelo esquema de benefícios concedidos pela Direcção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, adiante designada por ADSE, devendo as despesas por esta suportadas ser objeto de reembolso nos termos do número seguinte.

6 - As despesas com acidentes em serviço e doenças profissionais, que tenham sido eventualmente suportadas pelo próprio ou por outras entidades, são objeto de reembolso pelas entidades legalmente responsáveis pelo seu pagamento, no prazo, respetivamente, de 30 e de 90 dias consecutivos, contado a partir da data da apresentação dos documentos.

Artigo 7º

1 - Acidente em serviço é todo o que ocorre nas circunstâncias em que se verifica o acidente de trabalho, nos termos do regime geral, incluindo o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho.

2 - Se a lesão corporal, perturbação funcional ou doença for reconhecida a seguir a um acidente, presume-se consequência deste.

3 - Caso a lesão corporal, perturbação funcional ou doença não seja reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.

4 - Pode considerar-se ainda como acidente em serviço o incidente ou o acontecimento perigoso de que venha a resultar lesão corporal, perturbação funcional ou doença, em que se comprove a existência do respetivo nexo de causalidade.

5 - A predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas.

6 - Não se considera acidente em serviço aquele em que se verifique qualquer das condições de descaracterização do acidente de trabalho previstas no regime geral, sem prejuízo da obrigação de o empregador garantir a prestação dos primeiros socorros ao trabalhador e o seu transporte ao local onde possa ser clinicamente assistido.

7 - A qualificação do acidente compete à entidade empregadora, no prazo máximo de 30 dias consecutivos, contado da data em que do mesmo teve conhecimento e, nos casos previstos no n.º 4, da data em que se comprovou a existência do respetivo nexo de causalidade.

Artigo 11º

1 - A assistência médica, com exceção dos socorros de urgência, deve ser prestada, sempre que possível, em instituições ou serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, tendo em conta a natureza das lesões e a proximidade da residência do sinistrado.

8 - O sinistrado pode escolher o cirurgião privado que o venha a operar, suportando o acréscimo dos encargos eventualmente daí resultantes.

11 - Quando o sinistrado optar por assistência médica particular, tem direito ao pagamento da importância que seria despendida em estabelecimento do serviço nacional de saúde, devendo, para efeitos de reembolso, apresentar os documentos justificativos de todas as despesas efetuadas com o tratamento das lesões, doença ou perturbação funcional resultantes do acidente.

Artigo 15º

No período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição.

Artigo 19º

1 - As faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito.

2 - As faltas por acidente em serviço devem ser justificadas, no prazo de cinco dias úteis, a contar do 1.º dia de ausência ao serviço, mediante apresentação dos seguintes documentos:

4 - No caso de a ausência ao serviço por motivo de acidente exceder 90 dias consecutivos, é promovida, pela entidade empregadora, a apresentação do sinistrado a exame de junta médica com competência para justificar as faltas subsequentes, sem prejuízo da possibilidade de verificação do seu estado de saúde pela mesma junta, sempre que a entidade empregadora o julgue conveniente.

5 - Para efeitos do n.º 1, consideram-se motivadas por acidente em serviço as faltas para realização de quaisquer exames com vista à qualificação do acidente ou para tratamento, bem como para a manutenção, substituição ou reparação de próteses e ortóteses a que se refere o artigo 13.º, desde que devidamente comprovadas, e as ocorridas até à qualificação do acidente nos termos do n.º 7 do artigo 7.º ou entre o requerimento e o reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída previsto no artigo 24.º

Artigo 20º

1 - Quando o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte, exceto se lhe tiver sido reconhecida uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho, caso em que se consideram justificadas as faltas dadas até à realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.

2 - Se após a alta concedida pelo médico assistente o trabalhador não se sentir em condições de retomar a sua atividade habitual, pode requerer à entidade empregadora a sua apresentação à junta médica prevista no artigo 21.º, que deverá realizar-se no prazo máximo de 15 dias úteis, considerando-se justificadas as faltas dadas até à sua realização.

3 - A junta médica prevista no número anterior deve declarar se o sinistrado está em condições de retomar o serviço ou indicar a data de apresentação a nova junta médica, devendo a respetiva decisão ser notificada pessoalmente ao interessado, no próprio dia, e à entidade empregadora, pela via mais expedita, no prazo de dois dias úteis.

5 - Após a alta, se for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações, que o submeterá a exame da respetiva junta médica para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente resultante do acidente e de avaliação do respetivo grau de desvalorização.

Artigo 34º

1 - Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral.

2 - Quando a lesão ou doença resultante de acidente em serviço ou doença profissional for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente ou doença profissional, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, salvo se, por lesão ou doença anterior, o trabalhador já estiver a receber pensão ou tiver recebido um capital de remição.

3 - No caso de o trabalhador estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente ou doença profissional, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente ou doença profissional.

Artigo 38º

1 - A confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações, que terá a seguinte composição:

a) No caso de acidente em serviço, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado;

b) No caso de doença profissional, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um médico do Centro Nacional e um médico da escolha do doente.

2 - Se o sinistrado ou o doente não indicar o médico da sua escolha no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela Caixa Geral de Aposentações.

3 - A composição e funcionamento das juntas médicas é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, que requisitará o perito médico-legal ao respetivo instituto de medicina legal ou o médico ao Centro Nacional e suportará os inerentes encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente.

Artigo 45º

1 - Os serviços e organismos não devem, em princípio, transferir a responsabilidade pela reparação dos acidentes em serviço prevista neste diploma para entidades seguradoras.

2 - Os serviços e organismos referidos no artigo 2.º que entendam vantajosa a celebração de contratos de seguro podem realizá-los, excecionalmente, mediante autorização prévia dos Ministros das Finanças e da tutela ou dos competentes secretários regionais, sob proposta devidamente fundamentada, sendo tal autorização igualmente exigível em caso de alteração dos mesmos.

3 - Os serviços e organismos da administração local podem transferir a responsabilidade por acidentes em serviço prevista neste diploma para entidades seguradoras.

4 - Os contratos de seguro que venham a ser celebrados devem respeitar a apólice uniforme de seguro de acidentes em serviço para os trabalhadores da Administração Pública, a estabelecer mediante convenção entre o Instituto de Seguros de Portugal, o membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública e o Ministro das Finanças.

5 - É aplicável à apólice uniforme referida no número anterior o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.

6 - A apólice uniforme deve garantir as prestações e despesas previstas neste diploma, sendo nulas as cláusulas adicionais que impliquem a redução de quaisquer direitos ou regalias.

1.2.

Quanto à questão 1, o recorrente centra-se sobretudo na cit. al. S) dos factos provados. Tal como a sentença recorrida.

Porém, esta alínea, como aliás sublinha a ora recorrida, contém apenas a reprodução documentada de uma opinião médica, o que também parece ignorado pela sentença ao justificar por que reproduziu o teor de um documento com uma opinião médica, como se fosse um facto essencial concreto provado.

Igualmente os factos censurados pelo recorrente referidos nas cits. alíneas H, I e J são meras reproduções de documentos não autênticos, isto é, não são factos.

O recorrente faz, assim, uma aplicação de Direito Processual Civil igual à do TAC, no que diz respeito a 4 realidades processuais distintas:

(i) “matéria de facto provada” (é que a al. S dos factos provados não é a afirmação do nexo causal médico ou empírico, mas sim a reprodução de um documento – pericial - sobre essa questão),

(ii) “meio de prova” (que é o documento acolá reproduzido, ou melhor, a perícia a que se reporta),

(iii) “motivação da decisão sobre a matéria de facto” (onde o juiz deve expor o processo racional de obtenção da sua convicção sobre a realidade ou não realidade de um facto essencial a provar, valorando livre ou tabelarmente os meios de prova produzidos) e

(iv) “enquadramento jurídico dos factos provados” (onde o juiz deve expor as conclusões jurídicas impostas pelos factos essenciais concretos provados) – cf., i.a., PAULO PIMENTA, P.C.D., 2ª ed., pp. 365-378 e 342 ss; J. LEBRE DE FREITAS/I.A., CPC Anotado, vol. 2º, 3ª ed., no comentário ao artigo 607º; e J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, nº 21.1, 21.2 e 14.4.

O recorrente, ante a sentença recorrida, afirma e tenta justificar, socorrendo-se de outra prova pericial, documental e testemunhal produzida, a existência de nexo causal entre o acidente em serviço (provado) e aquilo que sofreu depois no seu joelho. Discorda das opiniões de alguns médicos contidas em tais alíneas H, I, J e S. E discorda da idêntica conclusão do TAC quanto a essa questão central.

Ora, desde já adiantamos que as alíneas H, I, J e S dos “factos provados” não são factos (essenciais: cf. artigos 5º/1 e 607º/3/4 do CPC), sendo assim irrelevantes para aferir da procedência da causa de pedir e do correspondente pedido.

Factos não são meios de prova; são acontecimentos e circunstancias concretos, reais ou hipotéticos, determinados no espaço e tempo, pertencentes ao mundo exterior e à vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico (cf. ROSENBERG, citado por PAULO PIMENTA, in P.C.D., 2ª ed., p. 368; J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, nº 13.2.2; e A. VARELA et alli, Manual…, 2ª ed., pp. 408-409). São caracteristicamente objeto, objeto de alegação processual e objeto da prova feita em juízo.

Factos essenciais ou principais são os factos que, integrando a fatispécie normativa produtora do efeito pretendido com o pedido formulado na p.i., são indispensáveis à produção desse efeito (cf. J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, nº 14.2).

Mas, foi com base em tais alíneas - não fácticas - H, I, J e S dos “factos provados” que o TAC afirmou a não demonstração de um nexo causal entre o acidente em serviço provado e os danos de saúde e patrimoniais aqui apurados, onde se inclui a colocação de uma prótese no joelho cit.

A falta de nexo causal foi afirmada pelo TAC na “motivação do julgamento da matéria de facto” e na “fundamentação de direito”, com referência a um não-facto, o da al. S).

1.3.

Como se sabe hoje, o problema do nexo causal entre um facto e um dano tem dois momentos ou lados:

(i) um naturalístico, que se socorre essencialmente da teoria da “conditio sine qua non”, e que é matéria de facto (vd. o artigo 10 da p.i.[2] e as als. B) e C) dos factos provados); e

(ii) um jurídico ou normativo, resultante do disposto no artigo 563º do CC[3] (vd. o artigo 11 da p.i.[4]), razão pela qual se considera ser matéria de direito (cf. A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, vol. VIII, 2010, § 52º, e a muita jurisprudência alemã e portuguesa aí indicada, bem como § 65º, nº 261-I-II. Este autor considera a teoria da causalidade adequada como não consagrada no CC e uma fórmula vazia, podendo defender-se, também entre nós, uma teoria da causalidade normativa que apela ao escopo da norma que tutela o bem jurídico atingido pelo evento danoso. Aliás, tal teoria aventada na Alemanha após 1950 e hoje praticada nos tribunais alemãs após a aplicação da fórmula negativa da causalidade adequada, terá sido exposta entre nós em 1944 pelo Prof. GOMES DA SILVA, in O Dever de Prestar…, pp. 166 e 232-233[5]. Nas notas de rodapé nºs 1809 a 1812 e na p. 727, o ilustre autor do Tratado de Direito Civil sustenta a perfeita aplicabilidade, com o artigo 563º do CC, da doutrina da causalidade normativa também à responsabilidade civil pelo risco, como é o caso presente – para o que bastará a correspondência entre o dano e a perigosidade -, e ainda à responsabilidade civil derivada da violação de deveres acessórios).

Sobre a matéria de direito nesta sede, o artigo 563º do CC, é, aliás, o próprio ANTUNES VARELA (Das Obrigações…, I, 5ª ed., nº 247, pp. 856 ss) a afirmar que a letra do texto legal não exprime a tese da causalidade adequada (seja na fórmula negativa, apropriada para a responsabilidade por culpa[6], seja na fórmula positiva[7], que o autor crê ser de aplicar aos casos regulares de responsabilidade civil sem culpa), embora, assevera, fosse essa a intenção do legislador material, obtida a partir dos trabalhos preparatórios do CC/1966. Conclui ser “defensável” (sic) que o artigo 563º adotou a doutrina, uma doutrina, da causalidade (juridicamente) adequada.

O mesmo autor afirma que este problema não se resolve com uma fórmula unitária e aponta uma séria limitação àquela tese, acabando por falar em “causalidade jurídica” numa das notas de rodapé do nº 245 da cit. obra. Aparta ainda da formulação negativa - e até da teoria da causalidade adequada - os casos de responsabilidade pelo risco, em nota de rodapé do nº 246 da cit. obra. E em vários momentos o cit. autor aponta para a normatividade do nexo causal, apelando à interpretação das normas em questão no caso concreto, tal como faz a teoria do escopo ou fim tutelar da norma invocada pelo lesado. No nº 248 da cit. obra afirma que, afinal, é útil atender aos interesses concretamente tutelados pela norma legal ou contratual infringida.

Em síntese, para quem considere a doutrina da causalidade adequada uma fórmula vazia, a verdade é que o artigo 563º do CC admite perfeitamente a interpretação dada pela teoria da causalidade normativa, assente no escopo da norma jurídica que protege a esfera jurídica do lesado, como defende A. MENEZES CORDEIRO no Tratado: o nexo de causalidade resulta essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser uma condição juridicamente adequada do dano em termos de normalidade social.

Perante isto, devemos apurar se aquilo que o recorrente ataca - e aquilo que o TAC analisou - diz respeito ao nexo causal

(i) como matéria de facto (desencadear natural do processo causal, causa-efeito in concreto; “condição sem a qual não”) ou

(ii) como matéria de direito (cf. o artigo 563º do CC e o Ac. do STJ de 03-02-1999, proc. nº 66/99, CJ, 1999, I, p. 73), onde o facto deve ser uma conditio sine qua non do dano, este deve ser objetivamente previsível como resultado daquela condição e o facto deve ter aptidão geral para produzir o dano (cf. A. VARELA, ob. cit., nº 246).

Isso tem relevo, porque o julgamento da matéria de facto tem regras próprias (cf., por ex., os artigos 5º/1/2[8], 607º/4/5[9] e 662º do CPC), muito diferentes do julgamento da matéria de direito (cf. cf. J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, nº 13.2.2), com consequências ao nível (i) da estrutura e validade ou regularidade da sentença e (ii) dos poderes do tribunal de recurso.

1.4.

A matéria de facto provada ou não provada, como é óbvio, resulta dos meios de prova (cf. artigos 341º do CC[10] e 410º do CPC[11]), ao contrário da matéria de direito. Foi abordada pelo TAC nos “factos provados” e na “motivação da decisão sobre a matéria de facto”, como tinha de ser.

É por isso que a censura do ora recorrente pode desembocar na violação dos artigos 607º/4/5 e 513º a 645º do CPC e 341º a 396º do CC. E, talvez depois, em erro de direito na aplicação do artigo 563º do CC nesta responsabilidade civil pelo risco.

Assim, no caso de estar em causa a vertente naturalística ou empírica do nexo causal, teremos de estar especialmente atentos às muitas regras resultantes do previsto nos artigos 5º/1/2 e 607º/4/5 do CPC. Trata-se de matéria de facto, como tal dependente de meios de prova e a expor como tal na fundamentação de facto da sentença.

Poderá haver ali (i) erros ou omissões em sede de cumprimento do artigo 5º/1/2 e do nº 4 do artigo 607º do CPC, bem como (ii) erros ou omissões em sede de cumprimento do nº 5 do artigo 607º do CPC.

Já a vertente a que se refere o artigo 563º do CC, essa, por ser matéria de direito (sindicável também em recurso de revista), não pode constar do probatório, podendo ser sindicada pelo critério normativo contido no cit. artigo e nunca ao abrigo do artigo 607º/4/5 do CPC, por se tratar de um juízo jurídico-normativo (assim: Ac. do STJ de 26-11-1987, BMJ 371, 1987, pp. 402-407; Ac. do STJA de 26-02-1991, BMJ 404, 1991, pp. 424-429; Ac. do STJ de 03-12-1992, BMJ 422, 1993, pp. 365-381; Ac. do STJ de 03-02-1999, proc. nº 66/99; Ac. do STJ de 21-09-2006, proc. nº 03B2757; Ac. do STJ de 17-04-2007, proc. nº 07A71; Ac. do STJ de 13-03-2008, proc. nº 08A369; Ac. do STJ de 23-04-2009, proc. nº 292/04.6TBVNC.S1), isto é, de um juízo não baseado em meios de prova. Os juízos de direito assentam na aplicação do Direito substantivo aos factos provados.

Poderá haver agora um erro de direito (na aplicação do artigo 563º do CC em sede de responsabilidade objetiva).

1.5.

Note-se que, quanto à cit. al. S) (afinal, uma mera reprodução de um parecer médico), o TAC escreveu o seguinte na sua motivação sobre a decisão de facto (ou seja, fundamentando a reprodução de um documento contendo um parecer médico, mas não fundamentando a convicção sobre um qualquer facto essencial concreto):

“Quanto à matéria da al. S), constam dos autos,

(1) Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 452-462, do SITAF, pelo Perito de Medicina Legal, Dr. M…, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, do Gabinete Médico-Legal e Forense da B Beira Interior Sul, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.;

(2) dois pareceres médicos, a fls. 394-419 e 558-568, do Dr. M… e do Dr. D…, juntos pelo A. e pela Chamada, respetivamente; e

(3) Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF, pela Perita Médica, Dr.ª R…, Assistente de Medicina Legal com Grau de Consultor, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, da Delegação do Centro, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

O Sr. Dr. M… de Medicina Legal, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, do Gabinete Médico-Legal e Forense da Beira Interior Sul, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. concluiu no Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 452-462, do SITAF, por referência à documentação clínica aí referida, pela “existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a pós-traumático desenvolvido após o acidente. Nesta conformidade a CGA reconheceu a existência de um acidente em serviço (…). Em Junta Médica realizada pela Caixa Geral de Aposentações, em vinte de novembro de dois mil e doze, foi atribuída ao sinistrado uma Incapacidade Permanente Parcial de CINQUENTA E DOIS VÍRGULA CINCO POR CENTO. Tal incapacidade era consequência do acidente em serviço ocorrido em cinco de dezembro de dois mil e sete (…). Foi deliberado ainda que das lesões ocasionadas pelo acidente de cinco de dezembro de dois mil e sete resultava uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções (…).

Nesta conformidade e depois da homologação das decisões da Junta da CGA ocorrida em vinte de novembro de dois mil e doze, o examinado foi aposentado em vinte e um de maio de dois mil e treze devido ao acidente em serviço ocorrido em cinco de dezembro de dois mil e sete que o incapacitou para o exercício da sua profissão (Canalizador).

Desta forma a situação incapacitante atualmente apresentada pelo examinado (PTJ descolada) é médico-pericialmente total e diretamente imputável ao traumatismo de cinco de dezembro de dois mil e sete.”.

Na audiência final, referiu este médico que, na sua opinião, foi o acidente que delapidou o joelho do A. e que levou à colocação da prótese em 2009, que se complica depois com o seu descolamento. Só depois do acidente é que se criou uma patologia dolorosa complexa, pois que antes o A. trabalhava. Reforçou o seu entendimento com a decisão da Junta Médica da CGA que não teve dúvidas em aposentar o A., tendo reconhecido uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, referindo que se houvesse uma incapacidade anterior teria com toda a certeza sido considerada.

Em sentido contrário,  isto é,  afastando a  existência  de  nexo de causalidade entre o traumatismo de 2007 e a situação clínica atual do A., está o parecer médico do Dr. D…, a fls. 558-568, do SITAF, junto pela Chamada, e o Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF, pela Perita Médica, Dr.ª R…, Assistente de Medicina Legal com Grau de Consultor, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, da Delegação do Centro, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

Na opinião do Dr. D…, os exames complementares efetuados na sequência do acidente “evidenciaram claramente a existência de patologia prévia, nomeadamente alterações “compatíveis com gonartrose tricompartimental” e “osteofitose marginal traduzindo sinais de artrose”;

“1º) Estamos claramente perante caso de sinistrado portador de estado anterior, nomeadamente de patologia degenerativa a nível do joelho esquerdo prévia ao acidente verificado em 04/12/2007, (…);

2º) Existem elementos que permitem admitir terem decorrido do acidente verificado em 04/12/2007 novas lesões traumáticas deste joelho já fragilizado por patologia prévia. Está descrita contusão óssea a nível do côndilo femoral interno (trauma recente), bem como rutura do Ligamento Cruzado Anterior e moderado derrame intra-articular, patologias estas que não se pode excluir terem igualmente decorrido do evento de 2007.

3º) O diagnóstico de gonartrose tricompartimental a nível do joelho esquerdo que motivou a proposta de artroplastia total do joelho, foi concretizado cerca de três meses após o evento traumático sofrido em 04/12/2007, podendo pois afirmar-se que tal patologia não resultou  deste  evento,  mas  que  era  sim  já  pré-existente,  sendo  aceitável  que  a sintomatologia dolorosa dela decorrente possa ter sofrido alguma exacerbação em virtude do trauma resultante deste novo acidente; (…), para que seja possível o estabelecimento de um nexo de causalidade médico, é necessário que se cumpram os seguintes pressupostos científicos:

1º) Natureza adequada do ato ou evento para produzir as lesões ou sequelas evidenciadas; 2º) Natureza adequada das lesões à etiologia traumática em causa; 3º) Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão; 4º) Encadeamento anátomo-clínico; 5º) Adequação temporal; 6º) Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao traumatismo; 7º) Exclusão de causa estranha ao traumatismo.

Analisando a situação em causa, diríamos que não se cumprem claramente os critérios 5º), 6º) e 7º), (…). (…) não pode deixar de se sublinhar é que se persiste, lamentavelmente, no erro grave de considerar que a situação de necessidade de prótese total do joelho e o respetivo descolamento posteriormente verificado, é medicamente imputável ao evento traumático ocorrido em 04/12/2007. (note-se aqui que este médico não é ortopedista, ao contrário do Dr. M… – esclarecimento deste TCAS).Isto quando não existe (…) qualquer elemento clínico que permita fundamentar tal afirmação, existindo sim dados absolutamente claros e inequívocos, de que a necessidade desta prótese terá resultado de patologia absolutamente pré-existente e, muito provavelmente, imputável a sinistro anterior assinalado no processo, o qual terá motivado até a necessidade de anterior procedimento cirúrgico. Não estamos, pois, perante uma situação de agravamento de patologia pré-existente (…), mas sim de algo que resulta necessariamente dessa patologia pré-existente e não do trauma sofrido em 04/12/2007 e dos danos dele resultantes.”.

Na audiência final, referiu este médico (não ortopedista, repete-se) que os elementos clínicos disponíveis, designadamente a RM ao joelho esquerdo, realizada em 21/12 /2007 [cfr. al. G)], exatamente no mês em que o acidente ocorreu, as únicas lesões traumáticas correlacionáveis com o acidente foram contusão óssea a nível do côndilo femoral interno, rutura do Ligamento Cruzado Anterior e moderado derrame intra-articular. Tudo o resto respeita a patologia grave anterior: adelgaçamento da cartilagem; osteofitose marginal traduzindo sinais de artrose e osteocondromatose sinovial, que não aparece menos de 15 dias depois do acidente.

Mais referiu que existem ainda dois exames objetivos ao doente, feitos por médicos especialistas da área [referindo-se ao relatório médico do Dr. D…, de 07/03/2008 e do Dr. C…, de 12/04/2008 [cfr. al. I) e Q)], (ambos médicos “da” ré seguradora, lembre-se) que estão em consonância com a RM realizada em 21/12/2007, e que convergem nesse mesmo sentido, daí se retirando que o A. já tinha uma “gonartrose tricompartimental esquerda” - uma gonartrose ao nível dos 3 compartimentos do joelho, tratando-se de uma patologia evolutiva e degenerativa; não constituindo patologia traumática, isto é, resultante do acidente; esta patologia “gonartrose tricompartimental esquerda”, que é constatada meses depois do acidente, não é relacionável com o evento de 2007, porque exige muito mais tempo, uma gonartrose resulta de anos de patologia e evolução. Admite uma exacerbação dolorosa temporária, decorrente do acidente, mas do qual não resultaram quaisquer sequelas permanentes. Exclui que a necessidade da prótese tenha resultado do traumatismo ocorrido em 2007, concluindo pela falta de adequação temporal quanto à patologia detetada.

A Perita Médica Dr.ª R…, Assistente de Medicina Legal com Grau de Consultor, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, da Delegação do Centro, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., que elaborou o Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF, concluiu também no sentido de não ser possível admitir o nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica atual do A.

Suportou a sua opinião, na análise da documentação clínica, no exame objetivo e no exame ortopédico realizados.

Consta do Relatório da Srª Perita, o seguinte:

“C.  EXAMES  COMPLEMENTARES  DE  DIAGNÓSTICO  -  Exame  ortopédico efetuado nesta Delegação, pelo Médico Ortopedista Dr. F…:”, o seguinte: “Após observação do sinistrado e análise da documentação clínica facultada, onde consta RMN do joelho esquerdo datada de 21-12-2007, que revela lesões degenerativas graves do joelho esquerdo e sinais de anterior cirurgia, não nos é possível estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço ocorrido em 04 -12-2007 e as sequelas que atualmente apresenta (prótese total do joelho esquerdo dolorosa, com rigidez na flexão a 40º e sinais de descolamento, cirurgia subsequente a artrose grave), admitindo-se contudo entorse do joelho esquerdo com incapacidade temporária.”

(…)

1 – Do acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007 resultou entorse do joelho esquerdo, tendo sido seguido desde 14-12-2007, em tratamento médico e de fisioterapia, nos serviços clínicos da Companhia de Seguros … até 09 -03-2008, data em que teve alta, curado sem desvalorização.

(…) tendo em conta a informação imagiológica (alguns dias após o evento) e clínica disponível, o sinistrado tem antecedentes de patologia osteoarticular do joelho esquerdo, designadamente artrose grave e sinais de cirurgia anterior a esse nível, decorrente de acidente de trabalho em 1992, bem como terá realizado em 2000 diversas infiltrações articulares e em 2004 tratamentos de fisioterapia ao joelho esquerdo através de seguradora, contrariamente ao que nos referiu aquando da realização do exame médico-legal, em que negou quaisquer antecedentes médicos e/ou cirúrgicos naquele segmento corporal.

Face ao exposto e conjugando a informação clínica facultada com a prestada pelo sinistrado, a sua observação aquando da realização do exame médico-legal em 04-01-2016 e o resultado do exame complementar de Ortopedia realizado nesta Delegação pelo Médico Ortopedista Dr…., não nos é possível admitir o nexo de causalidade entre o acidente em apreço e a situação clínica atual do sinistrado, designadamente acentuada rigidez na flexão do joelho esquerdo e sinais imagiológicos de aparente descolamento de prótese total do joelho colocada em 2009 que será, no nosso entendimento, subsequente a gonartrose grave prévia.

Admite-se, no entanto, o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e a entorse do joelho esquerdo, que evoluiu favoravelmente para a cura.

A data da cura médico-legal das lesões é fixável em 09-03-2008, tendo em conta a data da alta da seguradora, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.

No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:

Incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 05 -12-2007 até 09-03-2008, fixável num período total de 96 dias.

Não há lugar a atribuição de incapacidade permanente parcial resultante do acidente em serviço ocorrido em 04-12-2007.”.

Na audiência final esclareceu a Srª Perita que no âmbito da perícia pediu um exame complementar ao consultor de ortopedia Dr. F…, da Delegação do Centro do IML, tendo aquele sido do mesmo entendimento que o seu, no sentido de que não há nexo de causalidade entre o acidente e o atual estado clínico do A.

Afirmou a Srª Perita que o RX realizado em 11/12/2007 mostra já sinais degenerativos graves do joelho, sendo corroboradas pela RM feita também alguns dias depois, em 21/12/2007, sendo aí também patentes alterações degenerativas graves, com sinais de anterior cirurgia.

Referiu que o A. tinha uma gonartrose grave ao nível do joelho esquerdo e que do acidente não há lesões que permitam dizer que fossem agravar esse estado. Admitiu danos temporários, mas houve uma cura.

Mais referiu que não foi em consequência do acidente que teve que ser colocada a prótese. Os dados clínicos mostram que o A. tinha artrose. A artrose não pode ser do acidente, pois que esta demora vários anos a estabelecer-se.

Asseverou que o A., do acidente, o que sofreu foi contusão/entorse do joelho. Afastou, em consequência do acidente, qualquer agravamento de dano pré-existente/artrose. Admitiu que a situação clínica atual do A. é grave. As cintigrafias mostram que há alterações compatíveis com deslocamento aparente da prótese [isto é, uma complicação decorrente da colocação da prótese] e por isso com limitação mais acentuada da mobilidade do joelho e com dor, mas que não relaciona com o acidente. A contusão/entorse, depois dos tratamentos, evoluiu para a cura.

Perante a conjugação de todos os elementos úteis de prova existentes nos autos, concretamente

a Ressonância Magnética realizada ao joelho esquerdo, em 21/12/2007, feita poucos dias após o acidente,

o Boletim de Exame e Alta, datado de 07/03/2008, do Dr. D… (a trabalhar para a seguradora, acrescenta este TCAS), e

o Relatório Médico, de 10/04/2008, do médico ortopedista Dr. P… (a trabalhar para a seguradora, acrescenta este TCAS) [cfr. al. G), I) e Q)], e

os raciocínios em que se apoiou a Sr. Perita Dr.ª R…, constantes do seu relatório, aliado a exames complementares de diagnóstico [não se podendo olvidar que esta 2ª perícia visou exatamente dissipar as dúvidas relativas à apreciação dos factos em causa, considerando a divergência dos relatórios médicos carreados para os autos, corrigindo-se eventuais inexatidões (latu sensu) da 1ª perícia, com vista a contribuir para a formação mais adequada do juízo de avaliação do Tribunal],

e bem assim os esclarecimentos prestados pela Srª Perita na audiência final,

formou o Tribunal a convicção que a situação clínica atual do A. não se pode relacionar com o acidente ocorrido em 2007. O A. apresentava antecedentes de patologia osteoarticular do joelho esquerdo, designadamente artrose grave, sendo que, conforme foi explicado, a entorse ou contusão do joelho sofrida em consequência do acidente não permite agravar esta artrose.

De notar que o parecer médico junto pelo A., elaborado pelo Sr. Dr. M…, suporta-se essencialmente no resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações [ato que não está aqui a ser sindicado], que atribuiu ao A. uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, com um grau de incapacidade atribuído de 52,5%.  Contudo, desconhecem-se nos autos os elementos clínicos que permitiram à Junta Médica da CGA suportar a sua opinião técnica, capazes de infirmar o exame efetuado e conclusões alcançadas pela Sr. Perita Dr.ª R….”.

A “matéria” da “al. S) dos Factos Provados” não é, na verdade, matéria (de facto), mas sim um meio de prova, como já dissemos. O que se confirma pela necessidade que o TAC teve de a repetir na motivação da decisão sobre a matéria de facto controvertida. Repetição que, aliás, consta de novo na fundamentação de direito.

Já relativamente aos meios de prova de sentido contrário ao meio de prova constante da cit. al. S), o TAC já estruturou bem a sentença, ao referi-los apenas na motivação da decisão sobre a matéria de facto controvertida. Era o que devia ter feito com o que colocou como al. S) dos “factos provados”.

Por outro lado, em sede de fundamentação de direito, o tribunal a quo escreveu o seguinte, (o que constitui simples repetição da motivação sobre a decisão de facto quanto à al. S cit., cujo teor, como se disse, não é um facto, mas sim um meio de prova):

“A questão sub judice prende-se, pois, em saber se as sequelas que o A. apresenta atualmente no joelho acidentado estão relacionadas com esse evento.

Da matéria de facto provada resulta que a resposta é negativa (cfr. al. S), dos factos provados e respetiva motivação).

Vejamos melhor.

Consta do Relatório do exame médico-legal realizado ao A., a fls. 704-713, do SITAF, pela Perita Médica, Assistente de Medicina Legal com Grau de Consultor, do Serviço de Clínica e Patologia Forenses, da Delegação do Centro, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., o seguinte:

(…)

Conforme se deixou referido na respetiva motivação da decisão de facto [cfr. al. S)], da conjugação de todos os elementos úteis de prova existentes nos autos, concretamente a Ressonância Magnética realizada ao joelho esquerdo, em 21/12/2007, feita poucos dias após o acidente, o Boletim de Exame e Alta, datado de 07/03/2008, do Dr. D.., e o Relatório Médico, de 10/04/2008, do médico ortopedista Dr. P… , e os raciocínios em que se apoiou a Sr. Perita Dr.ª R…, constantes do seu relatório, aliado a exames complementares de diagnóstico [não se podendo olvidar que esta 2ª perícia visou exatamente dissipar as dúvidas relativas à apreciação dos factos em causa, considerando a divergência dos relatórios médicos carreados para os autos, corrigindo-se eventuais inexatidões (latu sensu) da 1ª perícia, com vista a contribuir para a formação mais  adequada do juízo de avaliação do Tribunal], e bem assim os esclarecimentos prestados pela Srª Perita na audiência final, formou o Tribunal a convicção que a situação clínica atual do A. não se pode relacionar com o acidente ocorrido em 2007. O A. apresentava antecedentes de patologia osteoarticular do joelho esquerdo, designadamente artrose grave, sendo que, conforme foi explicado a entorse ou contusão do joelho sofrida em consequência do acidente não permite agravar esta artrose.

Assim sendo, a situação clínica atual do A., relacionada com a necessidade de colocação de prótese total do joelho, com descolamento posteriormente verificado não pode ser relacionado com o evento traumático ocorrido em 04/12/2007, sendo antes decorrente da existência de estado patológico anterior.

Não sendo possível estabelecer um nexo de imputação juridicamente relevante entre o acidente em serviço sofrido pelo A. em 04/12/2007 e as lesões de que atualmente padece, têm necessariamente de improceder os pedidos do A. concernentes ao pagamento do subsídio de refeição e das despesas médicas e medicamentosas (exames médicos, operações, transportes, fisioterapia, consultas), já que se situam fora da data da cura médico-legal [fixada em 09/03/2008].”.

1.6.

Portanto, o juízo do TAC, em sede de factos e de direito, assenta no meio de prova constante da al. S), incorretamente inserido na sentença como um “facto provado”.

Esta metodologia incorreta na estruturação da sentença resultou no seguinte:

1) No cumprimento do cit. artigo 607º/3/4 e do artigo 94º/3/4 do CPTA, a Mmª juiza a quo fez uma análise crítica das provas (sendo a prova principal, para o tribunal a quo, a prova que consta da cit. al. S)) para dar como provado um meio de prova (a cit. al. S) e não um facto; isso relevou depois, na fundamentação de direito, para efeitos do estabelecimento empírico-naturalístico do desencadear do processo causal;

2) No enquadramento jurídico dos factos provados, expos o mesmo que consta da análise crítica das provas (sendo a principal a que consta da cit. al. S)) para dar como provado um meio de prova (a cit. al. S); relevaria, em princípio, para aplicar ao caso o artigo 563º do CC (matéria de direito), num ambiente de responsabilidade civil pelo risco (cf. artigos 483º/2 e 499º do CC).

1.7.

Ora, como vimos, o TAC optou por não referir, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, todo o parecer médico e o depoimento (reproduzido na alegação de recurso) do (i) ortopedista e cirurgião ortopedista Dr. M…, indicado pelo autor, a que atribuiu pouco peso probatório.

Também, no local correto (motivação da decisão sobre a matéria de facto) não deu peso probatório ao parecer médico do (ii) 1º perito, Dr. M….

Ambos vão no sentido da tese do autor.

O TAC atribuiu, como se leu supra, mais peso ao parecer médico e ao depoimento do (iii) Dr. D… (não ortopedista, mas médico-legista), indicado pela ré seguradora. E atribuiu grande peso ao parecer médico da (iv) 2ª perita, dra. R… (a cit. al. S)).

Ambos vão no sentido da tese da seguradora.

Aqui chegados, sublinha-se que tais meios de prova não servem para responder direta ou imediatamente aos artigos 499º e 563º do CC. Servem apenas para estabelecer o nexo causal empírico, não o nexo causal (juridicamente) adequado entre facto (acidente) e dano.

1.8.

Na verdade, aquilo que é contestado neste recurso, contra a sentença recorrida, pode equivaler a um erro de julgamento de matéria de facto e ou a um erro de julgamento de matéria de direito.

Ora, o TAC, com base na sua “livre apreciação” da prova produzida (meios de prova sem força vinculativa ou tabelada), veio a tirar a sua conclusão na “motivação da decisão sobre os factos” relativos ao nexo de causalidade empírico-médico entre o acidente e a incapacidade física atual.

Tal juízo de causalidade, numa perspetiva meramente naturalística e lógica de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual. Só depois de assente esse nexo causal naturalístico (vd. o facto C) e ou o artigo 10 da p.i.), a questão jurídica do nexo de causalidade adequada surge, já que se prende com a interpretação-aplicação do artigo 563.º do Código Civil. Será já matéria de direito, como dissemos; trata-se da resposta do Direito à seguinte pergunta: como selecionar para o Direito a (s) condição (s) do dano que explica a imposição do dever de indemnizar. Essa resposta está no artigo 563º, que parece mandar atender a considerações teleológicas, além de práticas, na medida em que uma condição sine qua non do dano seja também uma condição em geral adequada a produzir o dano (com as nuances da fórmula positiva e da fórmula negativa da doutrina da causalidade adequada).

Neste segundo momento, não fáctico, e de acordo com uma das doutrinas da causalidade adequada aparentemente consagrada no artigo 563.º do Código Civil, um facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. O facto (i) terá de ser, em concreto, uma “conditio sine qua non” do dano, mas, também, (ii) em geral ou em abstrato, uma causa normal e adequada da sua verificação, ainda que indireta ou mediatamente. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito. Condição de dano é diferente de causa jurídica de dano. Deve atender-se aos interesses concretamente tutelados pela norma legal ou contratual infringida.

Afinal, semelhante ao defendido pelo cit. mestre da Escola de Lisboa, A. MENEZES CORDEIRO, no seu Tratado, vol. VIII.

1.9.

Como resulta claramente da sentença, o tribunal a quo considerou que os meios de prova produzidos e por si valorados sustentam a opinião médica transcrita na al. S) dos factos provados (alínea esta, ela própria, um meio de prova e não um facto). Temos, pois, um meio de prova (a al. S)) a justificar o “facto” inscrito nessa alínea S)).

O TAC, sem invocar (e bem) o artigo 563º do CC, concluiu que não se provou que o acidente sofrido pelo autor não foi uma condição natural-empírica-lógica dos danos sofridos pelo autor. Mas não incluiu tal facto natural-empírico na factualidade relevante, provada ou não provada. Tal factualidade relevante e controvertida, na verdade, correspondia ao conjunto alegado nos artigos 10º a 12º da p.i., mas não abordado no julgamento:

10º- Em consequência do acidente de trabalho, acima referido, o A. ficou com sequelas (muito graves), designadamente no joelho acidentado, o esquerdo;

11º- As sequelas sofridas pelo A. levaram a que ficasse incapacitado, de forma permanente, para o exercício da sua profissão de canalizador;

12º- Em consequência do acidente ocorrido no dia 04.12.2007, o A. permaneceu de baixa médica, por acidente de trabalho ou doença direta, entre o dia do (trágico) evento e 21 de maio de 2013 (Doc. 4); data da passagem à reforma por invalidez.

O ponto é que só se poderá dizer que o TAC decidiu bem ou mal a questão de direito depois de estar bem decidida a questão de facto. Voltaremos adiante a este ponto.

1.10.

Finalmente, o facto sob C) (“Em consequência do acidente resultou a rutura do ligamento cruzado anterior (LCA), contusão óssea a nível do côndilo femoral interno traduzida por hipersinal no respetivo osso subcondral e moderado derrame intra-articular – cfr. doc. nº 6 junto com a contestação da Chamada F….”).

Não é um facto igual ao que resulta alegado nos ignorados artigos 10 e 11 da p.i., cits.

1.11.

A produção da prova em juízo, cujo objeto são apenas factos, visa criar no juiz uma convicção assente na suficiente probabilidade ou verosimilhança de ocorrência dos factos relevantes essenciais (a inserir na fundamentação de facto da sentença) e dos factos instrumentais (a inserir na motivação da decisão sobre a matéria de facto).

Esta fase obedece, i.a., aos artigos 410º a 414º do CPC atual.

Produzida a prova (sobre factos), o juiz procede a uma fundamentada valoração dos meios de prova produzidos, valoração ou avaliação que é feita “de modo livre e racional” (isto é, em conformidade com as regras da experiência e da razão), salvo no caso de meios de prova com força vinculativa fixada na lei, isto é, de prova tabelada (ou legal ou tarifada; vd. artigos 358º/1, 358º/2, 371º/1, 376º/1 e 377º do CC).

Depois disso, o juiz fará o julgamento da matéria de direito e recorrerá então às regras gerais, especiais ou excecionais sobre a repartição do chamado ónus objetivo da prova, assim julgando a ação. Este julgamento é exteriorizado como manda o artigo 607º do CPC ou o artigo 94º do CPTA.

1.12.

Não há dúvidas de que aqui se tratou de um acidente em serviço, como definido no DL 503/99.

Por tudo o acabado de expor nos onze pontos anteriores, concluímos, em sede de matéria de facto, que:

- as alíneas G, H, I, J/1ª parte, O, P, Q e S dos “factos provados” na sentença devem ser eliminadas, porque não contêm matéria de facto como exigida nos artigos 5º/1/2-b) -c), 552º/1-d), 572º/b) e 607º/3/4 do CPC;

- há, assim, que recorrer ao artigo 662º/1 do CPC;

- há, pois, que responder “provado” ou “não provado”, nos termos exigidos nos artigos 607º/3/4/5 do CPC e 94º do CPTA, ao alegado nos artigos 10 a 12 da p.i., cits.[12], que contêm factos essenciais à causa de pedir.

E, com efeito, temos todos os elementos necessários: os demais factos já aceites como provados, os documentos, as perícias e os depoimentos gravados.

Vejamos, pois.

Para julgar tal factualidade relevante controvertida, já vimos os meios de prova:

- as duas perícias contraditórias entre si, da autoria de dois especialistas em medicina legal e não em ortopedia,

- o parecer escrito e o depoimento do ortopedista e cirurgião Dr. M…, e

- o parecer médico e o depoimento testemunhal do médico-legista Dr. D….

Quando às duas perícias já atrás transcritas, de sentido contrário, ambas são essencialmente conclusivas e com igual peso aparente; porém, a perícia que merece mais credibilidade, peso ou verosimilhança é a primeira, porque menos aderente a simples conclusões e à opinião do médico de uma das partes. A segunda perícia, transcrita três vezes na sentença, exprime mais meras conclusões de tipo obiter dictum e assenta sobretudo na opinião do médico da ré seguradora que acompanhou o autor durante algum tempo. Aliás, a autora da segunda perícia admitiu expressamente se ter socorrido de outrem, ortopedista, para elaborar o seu “parecer pericial”, o que denota a fragilidade do seu próprio conhecimento científico nesta área em concreto.

Assim, de um ponto de vista racional, razoável e normal, atribuímos mais força probatória ou credibilidade à perícia que permite dar como provados os artigos 10 a 12 da p.i.

Depois, temos outros dois meios de prova em sentido contrário: o parecer e consequente depoimento de um especialista em ortopedia e cirurgia ortopédica (Prof. Doutor Dr. M…), já abordados e transcritos no essencial; e o parecer e consequente depoimento de um especialista em autópsias, já abordados e transcritos no essencial.

Neste caso, a formação da nossa convicção é menos difícil. Pela experiência, especialização e fundamentação referentes à opinião do especialista em ortopedia, atribuímos mais força probatória ou credibilidade ao parecer e ao depoimento do ortopedista. E não tem relevo algum o facto de o parecer do ortopedista se ter baseado nos dados clínicos da Junta Médica da CGA que aposentou o autor por incapacidade física em consequência (também ou exclusivamente) do acidente; antes pelo contrário. Tal só reforça o peso do meio de prova, o que se confirma ainda pelo teor do cit. artigo 38º/1-a)/3 do DL 503/99.

Assim, de um ponto de vista racional, razoável e normal, atribuímos mais força probatória ou credibilidade à opinião médica do especialista em ortopedia, que permite dar como provados os artigos 10 a 12 da p.i.

Aliás, antes o autor trabalhava normalmente, mas depois do acidente nunca mais pôde trabalhar por causa do joelho acidentado.

Tenha-se ainda presente o nº 5 do artigo 7º do DL 503/99: a predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente (referida em geral pelos drs. R…e D…, mas nunca demonstrada em juízo e nunca admitida pelo autor nesta ação) não implica a sua descaracterização como acidente de serviço, nem prejudica o direito à reparação.

Portanto, ao abrigo dos artigos 662º/1 e 607º/3/4/5 do CPC (e do artigo 92º do CPTA) decide-se aditar ao probatório os seguintes factos:

- Em consequência do acidente de trabalho, acima referido, o A. ficou com sequelas, designadamente no joelho acidentado, o esquerdo;

- As sequelas sofridas pelo A. levaram a que ficasse incapacitado, de forma permanente, para o exercício da sua profissão de canalizador;

- Em consequência do acidente ocorrido no dia 04.12.2007, o A. permaneceu de baixa médica, por acidente de trabalho ou doença direta, entre o dia do evento e 21 de maio de 2013 (Doc. 4); data da passagem à reforma por invalidez.

Antes já eliminámos do probatório as alíneas G, H, I, J/1ª parte, O, P, Q e S, por conterem apenas meios de prova.

1.13.

Assente que está o mais importante da responsabilidade civil objetiva, isto é, o nexo causal empírico entre o acidente em serviço e as lesões físicas (a conditio sine qua non) ou aquilo que foi depois sofrido pelo joelho atingido no acidente em serviço (matéria de facto), passemos agora ao nexo de causalidade a que se refere o artigo 563º do CC, sobre que já muito escrevemos supra (matéria de direito).

Mas atenção: trata-se de aplicar tal disposição legal à luz do DL 503/99 e do artigo 499º do CC, segundo o qual “são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos”.

Ora, quer aplicando aqui a doutrina da causalidade adequada, quer aplicando a causalidade normativa como definida por Menezes Cordeiro, cit., que considera que bastará nestes casos uma correspondência entre o dano e a perigosidade (ou melhor, o risco) (cf. artigo 499º do CC), é fácil afirmar que o acidente foi uma causa adequada de todos os danos sofridos pelo autor no seu joelho, bem como das despesas de saúde inerentes aos tratamentos.

Com efeito, assim entendido aqui o artigo 563º do CC, tem de se concluir como muito provável que o autor não seria atingido por estes danos em concreto se não tivesse sofrido o acidente em serviço.  

Quer dizer: havendo o modo de imputação objetiva específico do DL 503/99, a reconstrução do facto-risco e da causalidade impostas pelo artigo 499º do CC impõem, aqui, uma exigência ainda mais suave do que a da fórmula negativa da teoria da causalidade adequada aparentemente consagrada no artigo 563º.

Verificam-se, pois, os pressupostos da responsabilidade civil objetiva a que se refere o DL 503/99 (ex vi artigos 483º/2 e 499º do CC):

(i) um facto que é condição da lesão (sofrida no joelho),

(ii) vários danos e

(iii) o nexo causal empírico e jurídico entre uma condição dessa lesão sofrida e os danos físicos e patrimoniais respetivos apurados, de acordo com o artigo 499º cit.

É que, em sede de DL 503/99 sob a égide dos artigos 483º/2 e 499º do CC, se pode dizer que a esfera de risco pela qual deve responder outrem que não o lesado é referida de modo quase automático ao risco-proveito ou ao risco de autoridade. A pessoa, aqui o serviço público, deve responder pelos danos surgidos nas atividades – aqui serviço público – de que o serviço público tira proveito, ou deve responder pelos danos resultantes das ou nas atividades que o serviço público tem sob seu controlo.

Nos casos como o presente, na verdade, basta ser um acidente “em serviço” público que, segundo o artigo 563º do CC devidamente aplicado a esta específica responsabilidade civil objetiva (cf. artigo 499º), cause empiricamente danos ao funcionário (cf. A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, vol. VIII, 2010, p. 598, nº III).

Portanto, concluímos que existe aqui o dever de indemnizar, cumprindo o previsto nos cits. artigos 4º/1, 5º/2 e 6º/5/6 do DL 503/99.

2- Sobre o erro de facto quanto ao montante real das despesas médicas

A sentença entendeu:

“Não sendo possível estabelecer um nexo de imputação juridicamente relevante entre o acidente em serviço sofrido pelo A. em 04/12/2007 e as lesões de que atualmente padece, têm necessariamente de improceder os pedidos do A. concernentes ao pagamento do subsídio de refeição e das despesas médicas e medicamentosas (exames médicos, operações, transportes, fisioterapia, consultas), já que se situam fora da data da cura médico-legal [fixada em 09/03/2008]. Quanto ao pagamento das férias não gozadas haveria apenas que ponderar o ano de 2008, sendo que, conforme resulta dos factos provados, o R. Município pagou ao A. o respetivo subsídio de férias.”

Note-se, desde logo, que o tribunal a quo parte do pressuposto incorreto de que aquela alta (aliás, dada por médico pago pela seguradora) vale mesmo como tal contra a decisão posterior e mais abalizada ou independente (também segundo o cit. artigo 20º do DL 503/99) da CGA em sentido oposto ao da suposta alta médica. Não vale. Atento o decidido pela CGA, o DL 503/99 impõe que se desconsidere aquela “alta médica”.

O recorrente alega:

“…o Município, ora R., deve ao A. os montantes seguintes:

a. Subsídio de refeição no montante de € 5.063,22 ...

b. Férias não gozadas, no montante de € 3.810,42, ...

c. Subsídio de piquete de águas, no montante de € 17.654,00, ...

d. Reembolso de despesas médicas e medicamentosas (exames médicos, operações, transportes, fisioterapia, consultas) realizadas pelo A. e que o Município não comparticipou, no valor de € 6.406,32”.

O R., Município, é o único responsável pelo facto de o A. ter estado sem assistência médica e medicamentosa entre a data (07.03.2008) em que o Dr. D…, médico ao serviço da Seguradora, ora 2º R., lhe endereçou uma carta recebida pelo 1º R. em 10.03.2007 e o dia 23.12.2008 quando, pela 1ª vez, o médico de família, assistente do A., perante a indefinição do 1.0 R. quanto a quem competia assisti-lo lhe passou baixa por doença direta, isto é, como decorrente do acidente de serviço ocorrido em 04.12.2007.

O R, Município, aceitou e ou confirmou na sua contestação:

O vínculo do A. ao Município, o acidente em serviço e a data do mesmo, a participação do sinistro à Seguradora;

Que o A. tem direito receber o subsídio de refeição, com ressalva do período em que esteve com baixa por doença natural, ... (art.º
)

27.0;

)

Que o A. tem direito a receber o valor das férias não gozadas ainda que a obrigação de pagamento recaia, no seu entender, sobre q Seguradora (art.0 29.0;

E, naturalmente, contraditou a restante matéria da p.i. e chamou à ação a Companhia de Seguros F….

)

A Ré, F…, chamada aos presentes autos pelo Município, contestou confirmando:

Que existe um contrato de seguro, conforme apólice n.0 3500037 (art.º 1.0 e 2.0;

Que o acidente em serviço lhe foi comunicado em 13.12.2007 (art.º 10.º);

Que o sinistrado estava a colocar uma conduta numa vala, momento em que escorregou e embateu com o joelho esquerdo numa pedra.

De resto, a Ré, Seguradora, usou de todos os meios "legais" ao seu alcance para tentar afastar a responsabilidade decorrente do acidente em serviço e, para tanto, socorreu-se de documentos internos e outros, todos eles elaborados por pessoas (médicos) a "soldo" da sua grande capacidade económica e financeira; como adiante demonstraremos e, por isso, desde já chamamos a atenção de V. Ex! para tais factos…

Na verdade, porque o A. sempre afirmou que não foi operado ao joelho esquerdo em 1992 ou em qualquer outra data antes de 2009, competia à Seguradora, ora 2.ª R., fazer prova de ter procedido, por si ou por terceiro, a qualquer ato cirúrgico ao joelho esquerdo do A.

Tal prova, se existisse, não deveria ser tarefa difícil para a 2ª R., visto que é a mesma pessoa coletiva para a qual já em 1992 o 1.º R. havia transferido a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de trabalho dos seus funcionários, através da apólice nº 5.108.801 da Companhia de Seguros Bonança, SA, que viria a ser incorporada na Companhia de Seguros …. SA., cfr. se mostra no site www.asf.com .pt (Autoridade Supervisora de Seguros e Pensões) pertencente ao Instituto de Seguros de Portugal, cujo documento recolhemos na internet e aqui juntamos (Doc. 1).

Aliás, até a testemunha «Prof. Dr. Duarte Nuno Pessoa Vieira», indicada pela 2.ª R. em audiência de julgamento, no dia 21.03.2017, a instância do mandatário do A. respondeu:

"Eu não tenho nenhum relato operatório da operação feita em 1992, tenho apenas relatórios médicos de colegas ...; cfr depoimento registado em suporte digital de 32.37 a 33.08; prosseguindo mais adiante dizendo:

"Uma intervenção tem registos ... são uma obrigatoriedade no nosso país e tem de existir em algum lado onde isto foi feito", conforme relato registado em suporte digital de 36.49 a 37.10.

Mais disse a referida testemunha, a instâncias do mandatário do A., quando perguntado se alguma vez fez cirurgia e se tratou algum joelho, respondeu:

"Nunca fiz cirurgia porque faço autópsias ... nunca tratei objetivamente um joelho ", conforme registo gravado em suporte digital de 47.57 a 48.11 da audiência de julgamento do dia21.03.2017.

…a testemunha J… quando questionada acerca da razão por que não deu seguimento aos pedidos do A. para o encaminhar  para  tratamento  conveniente  no  período compreendido entre 07.03.2008 e Dezembro de 2008, como vinha sugerido na carta que o 1.º R. recebeu, em 10.03.2008, do médico, Dr. D…, ao serviço da 2ª R. (Doc. 5  junto com a contestação da 2.ª R. e doc. 1 junto com a resposta do A. à contestação do 1.º R.); admitiu que recebeu a carta, que o colega deve ter contactado a Companhia de Seguros, conforme despacho do Presidente, mas não se lembra o que foi feito ao M…; registo gravado no suporte digital de 5.02.27 a 5.09.43, da audiência de julgamento do dia 20 .01.2007.

Nos autos existem documentos produzidos pelo próprio Município, que o A. juntou com a PI (Doc. 6 - páginas 32, 39 e 42), que provam terem sido entregues comprovativos de despesas médicas.

Assim, deveria o Tribunal "a quo" ter respondido que, pelo menos em parte, se mostra provado que o A. entregou despesas médicas como segue:

•2009 "Despesas médicas não comparticipadas. Total € 3.626,87

•2010 "Despesas médicas não comparticipadas. Total € 112,94"

•2011"Despesas médicas não comparticipadas. Total € 18,00".

Ninguém pode admitir que se diga que não foram entregues os documentos referentes a despesas médicas, pelo menos no que à soma dos valores acima referidos respeita, o que totaliza a quantia de € 3.757,81, visto que é o próprio 1º R. quem o confirma por escrito.

Deste modo, quanto mais não fosse por aquela razão «confissão do 1º R.» sempre o Tribunal "a quo" deveria ter respondido provado, pelo menos em parte, relativamente a tal matéria.

Estando provado que o A. entregou ao R. documentos para somarem o valor de eur 3.757,81, deve este valor ser pago pelos R.R., o que, desde já, se requer mediante a alteração da resposta de não provado para provado, pelo menos em parte, e a consequente condenação do (s) Réu (s) no pagamento.

Todavia, o A., ora recorrente, entende que o Tribunal "a quo" deveria ter dado como provado que os demais documentos que identifica na al. T a CC) dos Factos Provados, que somam a quantia de € 2.821,14, também foram entregues no Município e que os mesmos só não foram contabilizados e referenciados pelo 1º R. porque este é, ou era ao tempo, uma pessoa coletiva, administrativamente, desleixada, desorganizada, incoerente e, por isso, malgovernada.

Tal prova funda-se no facto de se ter provado que o 1.º R. perdia ou extraviava documentos importantes, pelo menos temporariamente, como se provou em audiência de julgamento, quando o 1.º R. foi questionado acerca da razão por que não deu seguimento aos pedidos do A. para o encaminhar para tratamento conveniente no período compreendido entre 07.03.2008 e Dezembro de 2008, como vinha sugerido na carta que o R. recebeu, em 10.03.2008, do médico, Dr. D…, ao serviço da 2ª R. (Doc. 5 junto com a contestação da 2ª R. e doc. 1 junto com a resposta do A. à contestação do 1º R.); tendo o Chefe de Divisão dos Serviços Administrativos do 1º R., testemunha J… , admitido que recebeu a carta, que o colega deve ter enviado para a companhia de seguros e respondido que não se lembra o que foi feito ao M…, como é audível em suporte  digital de 5.02.27 a 5.09.43, da audiência de julgamento do dia 20.01.2007.

No sentido de podermos dizer que a referia missiva andou perdida apontam os factos provados por documentos, designadamente a carta do A. para o 1º R., datada de 17.09.2008, que acontece depois de muitas conversas e pedidos para que lhe seja indicado o caminho para o tratamento necessário, atento o seu estado físico de incapacidade para o trabalho.

Foi devido à  referida insistência  do A., para que o Município o enviasse  à Junta  Médica  ou para a Seguradora a fim de prosseguir o tratamento, que o Município emitiu duas cartas para a Seguradora, 2ª R., datadas de 15.09.2008 e 06.10.2008, em que questiona a 2º Ré se o A. ainda se encontra de baixa ou não (documentos que o A. juntou aos autos na audiência de julgamento do dia 21.03.2007, cfr. requerimento de junção de documentos iniciado no registo áudio a 1.00.20 e findo a 1.07.35 e inquirição da testemunha J…» ao documento nº 5 junto com a contestação da 2ª R. para averiguar se a testemunha se recordava de o ter visto e tratado e, neste aspeto, a inquirição terminou com a Meritíssima Juiz a dizer que os advogados dos R.R. não prescindem do prazo de vista e que oportunamente o tribunal se pronunciaria sobre a admissão dos documentos juntos pelo A., cfr registo áudio até 1.09.43); documentos que o A. juntou para contraditar a testemunha quanto à ocorrência de gozo de férias no ano de 2008.

Ora, assim sendo, face à prova produzida quanto à ineficiência dos serviços administrativos do 1.º R., parece óbvio que resposta deverá ser a seguinte:

Todos os documentos referentes a despesas médicas e medicamentosas, no valor de € 6.406,32, que o Município não comparticipou, lhe foram entregues e por isso está obrigado a efetuar o pagamento.

Tudo o acabado de transcrever com referência a documentos e depoimentos testemunhais consta efetivamente dos autos. E impõe a conclusão tirada pelo recorrente: a entidade pública empregadora não estava bem organizada, de modo a ser diligente quanto à documentação recebida do ora autor-recorrente, que, aliás, é alheio às relações entre o município e a empresa seguradora.

Note-se que, assim, está instrumentalmente provada a diligência do autor quanto a esta questão. E está provada a falta de organização e diligência do município.

Portanto, com tal fundamento e ao abrigo do artigo 414º do CPC, deve-se dar como provado o facto que o TAC deu como não provado:

- os comprovativos das despesas que vêm reclamadas foram entregues no Serviço de Pessoal do R. Município (artº 21º da p.i.).

3 -  Sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 15º do DL 503/99

Quanto à questão da inconstitucionalidade do artigo 15º do DL 503/99 (No período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição), por violação do principio da igualdade de tratamento e do artigo 5º da Lei nº 4/2007 (Constituem princípios gerais do sistema de segurança social o princípio da universalidade, da igualdade, da solidariedade, da equidade social, da diferenciação positiva, da subsidiariedade, da inserção social, da coesão intergeracional, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da unidade, da descentralização, da participação, da eficácia, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos em formação, da garantia judiciária e da informação), analisamo-la como se segue.

No TAC ficou prejudicada a apreciação da invocada inconstitucionalidade da citada norma do DL 503/99, na parte em que faz depender o seu pagamento da incidência de descontos para a segurança social, em face da solução dada ao litígio. Supõe-se que o TAC se refere ao nexo causal. Mas, antes, havia escrito o seguinte:

“Quanto ao pagamento do correspondente ao serviço de piquete de águas, vindo pedido o quantitativo respeitante ao ano de 2008, há que ponderar o período correspondente, de 01/01/2008 a 09/03/2008, em que o A. esteve incapacitado para o trabalho em consequência do acidente, e que representa um total de 3 semanas [3x€185,16].

Como resulta dos  factos  provados, o serviço de piquete era pago a título de horas extraordinárias.

O regime das horas extraordinárias aplicável aos funcionários públicos, vigente à data dos factos, encontrava-se previsto no artº 25º, do Decreto-Lei nº 259/98, de 18/08, considerando-se “trabalho extraordinário”, o prestado fora do período normal de trabalho diário (cfr. artº 25º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 259/98).

Como se sumariou no acórdão do TCA Sul, proferido em 17/11/2005, no proc. n.º 01122/05, “(…) 2. Para efeitos do disposto no artº 15º DL 503/99 de 20.11, a retribuição paga ao trabalhador pela prestação de trabalho extraordinário a favor da entidade patronal não tem a natureza de “suplemento de carácter permanente", extraindo-se do seu texto que, “(…) A realização de trabalho extraordinário, ainda que sendo uma recorrência, independentemente da carreira em que esteja inserido o funcionário em apreço, não significa por isso que possa ser considerado como suplemento de carácter permanente, por legal e objetiva subsunção do facto na estatuição e previsão normativas, para efeitos de incidência de descontos para o respetivo regime de segurança social, conforme sua tipificação. A definição de “trabalho extraordinário” configura um conceito relativo. A qualificação de “extraordinário” convoca implicitamente um raciocínio de conteúdo comparativo entre realidades à partida tidas por diversas, em que uma delas é colocada no patamar do ordinário, comum, vulgar ou de metro padrão para efeitos de confronto com a outra ou outras realidades que, pelas diferenças entre si evidenciadas, permitem a qualificação de “extraordinárias”.

Também como se sumariou no acórdão do TCA Norte, de 07/12/2012, no proc. n.º 00355/11.1BECBR, acessível em www.dgsi.pt, “I -No caso concreto a retribuição paga ao trabalhador pela prestação de trabalho extraordinário a favor da entidade patronal não tem a natureza de "suplemento de carácter permanente"; I.1- o que está em causa é o pagamento de horas extraordinárias que não representa retribuição de carácter permanente nem se pode considerar uma “remuneração efetivamente auferida” já que não reveste, pela sua natureza, carácter de regularidade; I.2- o pagamento contínuo ao recorrente de horas extraordinárias não justifica que as mesmas se transformem em “remuneração de carácter permanente, quer para efeitos dos descontos à segurança social quer para efeitos indemnizatórios”; I.3- o trabalho extraordinário é pago para compensar o trabalhador pela penosidade daquele trabalho, pelo prolongamento do seu horário de trabalho, psíquica e fisicamente desgastante para o trabalhador, bem como pela indisponibilidade para estar com a sua família e amigos, I.4- tal não ocorre quando o trabalhador está ausente por força de acidente de trabalho.”

Do texto deste acórdão extrai-se ainda o seguinte:

“(…) -o que está em causa é o pagamento de horas extraordinárias que não é, (…), retribuição de carácter permanente nem se pode considerar uma “remuneração efetivamente auferida” já que não reveste, pela sua natureza, carácter de regularidade ; -o pagamento contínuo ao recorrente de horas extraordinárias não justifica que as mesmas se  transformem em “remuneração de carácter permanente, quer para efeitos dos descontos à segurança social quer para efeitos indemnizatórios”; -o trabalho extraordinário é pago para compensar o trabalhador pela penosidade daquele trabalho, pelo prolongamento do seu horário de trabalho, psíquica e fisicamente desgastante para o trabalhador, bem como pela indisponibilidade para estar com a sua família e amigos; -tal não ocorre quando o trabalhador está ausente por força de acidente de trabalho, -o representado do Recorrente esteve ausente do serviço de 17 a 23 de Junho de 2008, de 4 a 28 de Agosto e de 27 de Setembro a 1 de Fevereiro de 2009, por força de acidente de trabalho sofrido no dia 14 de Julho de 2008; -durante tais lapsos de tempo não tem direito a auferir o rendimento por realização de horas extraordinárias que não prestou.”.

Acolhendo a respetiva fundamentação, e retomando ao caso sub judice, fica afastada, desde logo, a aplicabilidade do citado artº 15º, por o pagamento das horas extraordinárias não revestir a natureza de “suplemento de carácter permanente.”.

O artigo 15º está bem interpretado. Porém, há que ter presente, previamente, cit. o artigo 19º/1 do DL 503/99: “As faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias.”.

Tanto a CGA como este TCAS, com base nos factos de vida provados e no decidido pela CGA, consideram que a situação do autor, desde o dia do acidente, foi de incapacidade temporária absoluta. Tornou-se depois permanente.

Quer isso dizer que ao caso não se aplica o artigo 15º, mas sim o artigo 19º/1.

Assim, devendo considerar-se que o funcionário acidentado estava em exercício efetivo de funções, sem perder qualquer direito ou regalia, tem de se concluir que também tinha direito a receber como se estivesse a fazer o regular serviço de piquete.

Fica, assim, prejudicada, por este diferente motivo, a apreciação incidental da constitucionalidade do cit. artigo 15º.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e à ação nos seguintes termos:

- Eliminar do probatório as alíneas G), H), I), J)-1ª parte, O), P), Q) e S), ao abrigo dos artigos 662º/1 e 607º/4/5 do CPC;

- Aditar ao probatório os 4 factos provados acima transcritos, ao abrigo dos artigos 662º/1 e 607º/3/4/5 do CPC;

- Assim, ao abrigo do artigo 149º do CPTA, condenar o município a reconhecer o acidente como acidente em serviço e a pagar ao autor as quantias referidas na p.i. e no probatório, com exceção das referidas na al. N) (já pagas), acrescidas de juros de mora, desde o vencimento legal de cada montante parcelar, à taxa legal, tudo no prazo de 120 dias seguidos.

Custas da ação a cargo dos contestantes e do recurso a cargo da contra-alegante.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 18-04-2018


[1] Tendo sempre presente que o Direito é uma ciência social especialmente condicionada pela linguagem. Aliás, o jurista pode ter presente que a retórica é uma das artes práticas mais nobres, porque o seu exercício é uma parte essencial da mais básica de todas as funções humanas.
Daí a especial atenção que Aristóteles lhe dedicou, corrigindo tendências sofísticas e codificando princípios metodológicos e técnicos que, com o evoluir da tradição, se haveriam de consagrar num cânone retórico de grande fortuna e proveito. e um saber técnico, um saber artístico e um saber científico. No trânsito da antiga para a nova retórica, ela naturalmente transformou-se de arte da comunicação persuasiva em ciência hermenêutica da interpretação. Curiosamente, para ARISTÓTELES (Retórica, Livro I, 1, 1354a), o fim da retórica é a capacidade de descobrir os meios de persuasão, e não a persuasão em si. Retórica é, pois, uma forma de comunicação, uma ciência que se ocupa dos princípios e das técnicas de comunicação. Não de toda a comunicação, obviamente, mas daquela que tem fins persuasivos. Mas, com PLATÃO, tendo sempre em vista o estabelecimento e a afirmação da verdade. sofistas; uma retórica que é o resultado combinado de natureza, conhecimento e prática. A grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento lógico como elemento central na arte de persuasão. A sua Retórica é sobretudo uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico; isto é, uma teoria da argumentação persuasiva. Diz, aliás, WILLIAM GRIMALDI («Studies in the Philosophy of Aristotle’s Rhetoric», Hermes, Zeitschrift für klassische Philologie, 25, 1972, p. 1) que tanto Aristóteles como Platão e Isócrates entendiam a retórica e o seu estudo como a articulação íntima de matéria e forma no discurso; que, para os Gregos, o estudo da retórica era um método de educação e, por conseguinte, uma atividade responsável e não a manipulação fácil da linguagem. Atualmente, em resultado de uma longa evolução, a retórica apresenta-se dividida em dois ramos: uma retórica da elocução, o estudo da produção literária; e uma retórica da argumentação, o estudo da palavra eficaz ou produção persuasiva. Embora ARISTÓTELES tenha criticado a visão judicial da retórica anterior à sua, ele distinguiu três espécies de retórica: judicial, deliberativa e epidíctica; duas categorias de argumentos retóricos: o entimema, como prova dedutiva; o exemplo, usado na argumentação indutiva como forma de argumentação secundária. Importante para o julgador dos factos é a análise que o grego fez, ao contrário da retórica dos sofistas, da verdadeira arte retórica - fundada em provas, entendendo-se por prova uma espécie de demonstração, ou seja, um raciocínio através de entimemas; e havendo dois modos de prova: um, não técnico ou artístico, porque não inventado pelo orador, socorre-se da evidência de testemunhos ou contratos escritos, e o outro, técnico ou artístico, porque se socorre de meios de persuasão criados pelo orador. (no conselho ou na assembleia). Os discursos deliberativos ou são exortações ou dissuasões e visam mostrar a vantagem ou desvantagem de uma determinada ação. Os discursos judiciais ou são acusações ou defesas sobre coisas feitas no passado e visam mostrar a justiça ou injustiça do que foi feito. Os discursos epidícticos louvam ou censuram algo, visando mostrar a virtude ou defeito de uma pessoa ou coisa.
É por isto que a retórica interessa ao Direito. Sem esquecermos que ARISTÓTELES considerava que “importa deixar à decisão soberana do juiz o mínimo de questões possível, mas não se lhe deve subtrair a tarefa de verificar se um facto ocorreu ou não, se virá ou não a ocorrer, se tem ou não existência real, pois não é possível que o legislador preveja todos esses casos” (Retórica, Livro I, 1, 1354b); “é preciso ser capaz de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias, como também acontece nos silogismos; não para fazer uma e outra coisa - pois não se deve persuadir o que é imoral – mas para que nos não escape o real estado da questão e para que, sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios estejamos habilitados a refutar os seus argumentos. Ora nenhuma das outras artes obtém conclusões sobre contrários por meio de silogismos a não ser a dialética e a retórica, pois ambas se ocupam igualmente dos contrários. Não porque os factos de que se ocupam tenham igual valor, mas porque os verdadeiros e melhores são pela sua natureza sempre mais aptos para os silogismos e mais persuasivos (Retórica, Livro I, 1, 1355 a).
[2] 10 - Em consequência do acidente de trabalho, acima referido, o A. ficou com sequelas (muito graves), designadamente no joelho acidentado, o esquerdo.
[3] “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
[4] 11 - As sequelas sofridas pelo A. levaram a que ficasse incapacitado, de forma permanente, para o exercício da sua profissão de canalizador.
[5] “Um facto diz-se causa dum dano, para efeitos de responsabilidade civil, quando o produz pela forma que a lei tinha em vista ao considerar os factos da mesma espécie (como) fontes de responsabilidade civil. Tudo está em interpretar a lei, determinando qual a razão de ser da responsabilidade, e em averiguar depois se o processo pelo qual um facto produziu certo dano corresponde ao fundamento da mesma responsabilidade”.
[6] Um facto que desencadeou o processo causal só não é a causa – adequada ou jurídica – do dano, se for totalmente indiferente para a verificação do mesmo.
[7] Um facto que desencadeou o processo causal só será causa adequada ou jurídica do dano se este for uma consequência normal ou típica do facto e como tal se possa prever.
Em síntese: o facto condição do dano é imprescindível, ao que acresce que tal condição seja, de acordo com um juízo de probabilidade (abstrato ou concreto?), idónea a produzir o dano.
[8] Artigo 5º CPC
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 -  Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
[9] Artigo 607º CPC
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
[10] Artigo 341º CC
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
[11] Artigo 410º CPC
A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
[12] 10º- Em consequência do acidente de trabalho, acima referido, o A. ficou com sequelas, designadamente no joelho acidentado, o esquerdo.
11º- As sequelas sofridas pelo A. levaram a que ficasse incapacitado, de forma permanente, para o exercício da sua profissão de canalizador.
12º- Em consequência do acidente ocorrido no dia 04.12.2007, o A. permaneceu de baixa médica, por acidente de trabalho ou doença direta, entre o dia do evento e 21 de maio de 2013 (Doc. 4); data da passagem à reforma por invalidez.