Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03048/08
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/03/2009
Relator:Lucas Martins
Descritores:I. PROVA TESTEMUNHAL; II. CONTRATO DE AVENÇA; III. NOTAS DE CRÉDITO.
Sumário:1. A força probatória da prova testemunhal é apreciada livremente pelo Tribunal (art.º 396.º, do CC), relevando, primordialmente, ao aferir da credibilidade das testemunhas, a razão de ciência que revelem;
2. O contrato de avença consubstancia um tipo de contrato de prestação de serviços tendo por objecto prestações sucessivas, no exercício de profissão liberal, mediante contraprestação;
3. O não pagamento devido da contraprestação não tem, necessária e automaticamente, como consequência, a resolução do contrato;
4. As notas de crédito são documentos emitidos pelo vendedor ao comprador visando documentar ou a diminuição do débito ou a constituição/aumento do crédito do último relativamente ao primeiro, na medida em que o torne o reforce a sua posição de devedor ou de credor.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «N ..., Ldª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Leiria e que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial deduzida contra liquidações de IVA, relativas aos anos de 2003 e 2004, e respectivos juros compensatórios, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

a) Ao contrário do decidido entende a recorrente que se demonstrou que as facturas eram anuladas pelo facto de os serviços não terem sido prestados e, assim, não terem sido pagos acarretando a dita anulação e emissão de notas de crédito.

b) Na realidade e partindo do que as testemunhas inquiridas – Jorge ...– Cassete 1 – Lado A – volta 0000 a 0689, António ... – Cassete 1 – Lado A – Volta 0689 a 1084 e Silvino ... – Cassete 1 – Lado A- Volta 1084 a 1495 – disseram de forma unívoca, no que não foi infirmado pela Fazenda Pública, tem-se que, ao contrário do sustentado no relatório de inspecção, no que obteve sufrágio da sentença, que a recorrente não anulava facturas de serviços prestados com a emissão de notas de crédito.

c) Com efeito o que as testemunhas que tinham conhecimento directo dos factos disseram, e sem controvérsia, recorde-se, é que a recorrente emitia previamente à prestação de serviços aos seus clientes as facturas referentes aos serviços ainda a prestar, facturas essas que não saiam da sua posse, ou seja não eram entregues aos seus clientes.

d) Isto uma vez que a factura dizia respeito aos serviços a prestar ulteriormente; No momento que os seus clientes se deslocavam aos seus escritórios para deixar os documentos da sua contabilidade que deveriam ser tratados se pagassem a factura a mesma entrava no circuito de circulação do IVA sendo normalmente lançada na contabilidade da recorrente, mas se não pagavam a factura, que era meramente exibida àqueles clientes, não o era.

e) Mas se não era paga também os serviços não vinham a ser prestados sendo em consequência anulada e emitida uma outra aquando do efectivo pagamento e então, mas só então, se prestavam os serviços.

f) As facturas emitidas não representavam ainda qualquer operação de prestação de serviços passível de imposto, operações essas que só se viriam a realizar com o pagamento do valor do serviço ainda a prestar.

g) Ora tudo isto deve fazer com que a matéria de facto fixada deverá ser alterada de modo a serem aditados aos factos dados como provados os constantes de 3 a 17, 23, 24 e 44 das alegações apresentadas e que desenvolvem o alegado em sede de impugnação.

h) Este comportamento da recorrente respeitava material e formalmente o regime do CIVA.

i). Materialmente porque não existe sujeição a IVA de não-operações e no presente caso a factura originária representava uma não-operação, assim sendo não se podia lançar na contabilidade da recorrente algo que não se realizou.

j) Formalmente uma vez que a factura exibida visava respeitar o artigo 28.º, n.º 1, alínea b) do CIVA isto uma vez que a recorrente emitia a factura na esperança de receber dos seus clientes quando lhas exibia previamente à prestação de serviços mas como estes não pagavam de imediato a mesma caia pela base a exigência do respeito pelo artigo 28.º, n.º 1, alínea b) do CIVA pois o mesmo pressupõe pagamentos que sejam feitos antes da prestação de serviços.

k) E quanto a este ponto não pode deixar de ser feita a concatenação com o artigo 36.º, n.º 1 do CIVA pois que de acordo com tal preceito os pagamentos relativos a uma prestação de serviços não realizado a data da emissão da factura corresponde ao momento da percepção de tal montante querendo tal significar que se o pagamento for feito antes ou depois o momento que a lei considera relevante para a emissão da factura é o do recebimento e no presente caso os pagamentos eram feitos, e quando eram, depois sendo que tal é dado como provado pela sentença – Vide ponto d) supra referido.

l) Na sentença usa-se amiúde a expressão “parece que” sendo tal é revelador que o julgador tinha dúvidas sobre a realidade subjacente aos actos de liquidação e se as tinha era aplicável a regra do artigo 100.º do CPPT,

m) Isto uma vez que as dúvidas que a sentença manifesta terão de ser valoradas contra a DGCI e não a seu favor porquanto era a esta que incumbia o ónus da prova em relação aos factos que se traduziam na sua intervenção agressiva e correctiva sobre a ora recorrente.

n) Ou o modus faciendi da recorrente era ilegal ou não o era mas a sentença não diz que o mesmo era ilegal, apenas que o comportamento da recorrente aparenta fugir aos princípios e regras “normais” contabilísticas e de facturação.

o) Ora a prática de actos tributários correctivos, e a sua aceitação pelos tribunais, depende da ilegalidade da conduta dos contribuintes e não quando os mesmos apenas aparentam não ser normais, isto pela simples razão de que a DGCI, na sua conduta, se encontra estritamente vinculada ao princípio da legalidade.

p) Sendo certo que os actos de liquidação questionados são o desembocar final de um procedimento tributário que a eles conduziu menos verdade não será que todas as fases anteriores à liquidação dão lugar a actos que têm autonomia e tendo-a cada um deles tem de ser fundamentado de per se pois que a lei não dispensa tal.

q) No artigo 77.º da LGT encontra-se consagrado o princípio de que os actos tributários carecem de ser fundamentados devendo-se entender tal como um dever que incide sobre cada fase do procedimento e qualquer decisão nele tomada.

r) E não distingue a lei o nível de densidade de fundamentação para qualquer deles, entenda-se aqueles que são praticados no decurso do procedimento, ora onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir.

s) Pelo que fazendo apelo a este consolidado princípio urge concluir que não faz sentido apelar à fundamentação de actos praticados nos primórdios do procedimento para procurar considerar como fundamentados os actos finais de liquidação questionados.

t) Violou a douta sentença os artigos 7º, 8º, 28º n.º 1 b), 36º, n.º 1 e 7º, n.º 3 do CIVA, 74º e 77º da LGT, 100º do CPPT, assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto devendo, por força de tal ser aditado ao probatório fixado os factos constantes de 3 a 17, 23, 24 e 44 das alegações apresentadas e que desenvolvem o alegado em sede de impugnação.

u) Não se podendo assim, manter antes devendo ser revogada a substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da impugnante.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 276/277, pronunciou-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso, com suporte no entendimento sustentado na decisão recorrida, a não se entender que o recurso carece de objecto.
*****

- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A sentença recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;
- MATÉRIA DE FACTO -

A). No dia 31/10/2005 a Direcção de Finanças de Leiria (área dos Serviços de Finanças Caldas da Rainha), enviou à impugnante, no uso dos seus poderes/deveres inspectivos, a Carta Aviso, cfr. doc. de fls. 1 do apenso administrativo procedimental, cujo teor se dá por e vai reproduzido;
[segue-se reprodução mecânica da carta aviso]

B). Juntamente com a referida Carta-Aviso, a Direcção de Finanças de Leiria enviou à impugnante o folheto informativo, detalhado, junto a fls. 2, do apenso anexo, que se dá por reproduzido.

C). No dia 28/10/2005, foi ordenada a inspecção externa, sendo o critério de selecção REGIONAL, à impugnante, cfr. Ordem de Serviço documentada, no apenso anexo, cujo teor se dá por e vai reproduzido;
[segue-se reprodução mecânica da Ordem de Serviço]

D). No dia 07/11/2005, foi feita uma proposta de alteração do âmbito da inspecção em curso, à impugnante, cfr. doc. de fls. 2/3, que dou e vai reproduzido, de que se destaca:
«Tendo sido iniciada a acção inspectiva Conforme Ordem de Serviço nº O1200503640 notificada em 03/11/2005, propõe-se a alteração com os seguintes fundamentos:
No decorrer da acção de inspecção a este sujeito passivo apurou-se que além do não envio das declarações do IVA e o não pagamento do correspondente imposto, dos períodos de 04,03T a 05,06T, não foi efectuado o pagamento do IVA apurado nos períodos 03,09T e 03,12T. Verificamos também algumas incorrecções em sede de IRC no exercício de 2004.
Pelo exposto propomos que a extensão da presente inspecção seja alargada, para efeitos de IVA, aos períodos do exercício de 2003 e o seu âmbito seja, no exercício de 2004, alargado ao IRC»
[segue-se reprodução mecânica da proposta de alteração]

E). Por despacho do Sr. Chefe de Divisão, de 28/10/2005, cfr. doc. de fls. 3/3 do anexo, como se segue e que dou por reproduzido, foi alargado o âmbito da inspecção em curso;
[segue-se reprodução mecânica do doc. referido nesta alínea do probatório]

F). Seguiu-se o relatório da inspecção, como segue, e que vai ou dou por reproduzido:
[segue-se reprodução mecânica do relatório da inspecção]

G). A impugnante foi notificada do projecto de relatório da inspecção tributária, para exercer o seu direito de defesa, cfr. doc. com data de 24/04/2006, cujos termos dou por integralmente reproduzidos e cujos duplicados se encontram juntos do já referido apenso de Processo Administrativo, incluindo docs. dos CTT.

H). A impugnante foi notificada do relatório da inspecção tributária, bem como das «correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da DGCI procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento (…)», cfr. doc. com data de 16/05/2006, cujos termos dou por integralmente reproduzidos e cujo duplicado se encontra juntos do já referido apenso de Processo Administrativo, incluindo docs. dos CPPT.

I). Corre processo criminal, nos termos constantes de fls. 104 a 106, dos presentes autos, por alegado crime de abuso de confiança fiscal.

J). No seguimento do despacho de fls. 47, foram juntas pela impugnante as notas de cobrança das liquidações impugnadas, para pagamento voluntário, constantes de fls. 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 e 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e as de Juros Compensatórios (JC) de fls. 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68 e 69, cujo teor igualmente se dá por integralmente reproduzido.

K). Do relatório acima referido em 6 (1), relevam para a causa, as partes do mesmo que dizem respeito às liquidações de IVA e de Juros Compensatórios dos anos de 2003 e 2004, que são objecto da presente impugnação, de que se destacam, pois, os pontos II [«Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva»] e III [«Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável»] e III.1, III.1.1 e III.2 e III.2.1.IVA.

L). Foram juntos em 21-04-2008 e notificados à impugnante os “prints” informáticos correspondentes às liquidações impugnadas e os cálculos de juros respectivos, cfr. docs. de fls. 171 a 195, cujo teor se dá por reproduzido.

M). Foram juntos em 29-09-2008, em sede de audiência e notificados à Fazenda Pública, os 13 documentos de fls. 123 a 135, conforme consta da acta de fls. 136, e cujo teor se dá por reproduzido.

N). A impugnante exerce a actividade de prestador de serviços de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal (CAE 074120).
*****

- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos referidos nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.
*****

- Em sede de julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que «A convicção do Tribunal» se baseou «nos documentos referidos em cada um dos pontos do probatório antecedente, e que não foram impugnados, bem como no que vem assumido pela impugnante e as informações oficiais fundamentadas e não impugnadas.».
*****
- A recorrente acusa, desde logo, a decisão recorrida, de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, por considerar que logrou provar, pela prova testemunhal produzida, a tese por si sustentada, ou seja e no essencial, que as notas de crédito aqui em causa se reportavam a facturas, antecipadamente emitidas, por referência aos serviços a que diziam respeito, e não pagas por não realização daqueles, facturas essas que não eram entregues aos clientes, sendo que, enquanto os respectivos montantes não fossem pagos, os ditos serviços também não eram prestados; Ulteriormente, com a realização dos serviços e seu efectivo pagamento era emitida uma nova factura.

- Ora, como se atesta da fundamentação do julgamento da matéria de facto acima transcrita, o Mm.º juiz recorrido, neste domínio, para decidir como decidiu, ancorou-se, exclusivamente, à prova documental e às informações oficiais carreadas para os autos, ou seja, com total desconsideração pela prova testemunha produzida.

- Se bem que seja sabido que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do art.º 396.º, do CCivil, é, no entanto, indiscutível que a respectiva credibilidade se afere, nuclearmente, pela respectiva razão de ciência, tanto mais relevante quanto mais detalhada e precisa for, correlacionada com as circunstâncias de tempo, lugar e modo de ocorrência dos factos sobre que depõem, nos precisos termos do que se encontra consagrado no artº. 638º/1 do CPC, ou, como, com plena actualidade ao caso vertente, doutrinou o Prof. Alberto dos Reis, esclarecendo que, “[...] Além de dizer o que sabe quanto aos factos sobre que é solicitado o seu testemunho, deve o depoente indicar a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos. Razão de ciência quer dizer fonte de conhecimento dos factos. Tem a maior importância esta exigência da lei, porque a razão de ciência é um elemento de grande valor para a apreciação da força probatória do depoimento. [...]
Tanto apreço ligou a lei ao factor – razão de ciência – que no nº. 2 do artº. 641º manda que seja, quanto possível, especificada. E, a seguir, esclarece o sentido desta disposição. Se a testemunha disser que sabe por ver, há-de explicar em que tempo e lugar viu o facto; se estavam aí outras pessoas que também vissem e quais eram; se disser que sabe por ouvir, há-de indicar a quem ouviu, em que tempo e lugar, e se estavam aí outras pessoas que também ouvissem e quais eram.” (2).

- Ora, no caso aqui em análise as testemunhas inquiridas são, todas elas, pessoas independentes da recorrente, por se encontrarem ligadas a clientes daquela, sendo que se assumem como os indivíduos que, no interesses das últimas, tratavam com a impugnante, o tratamento contabilístico dos documentos, para elas (clientes) relevantes, revelando, nessa medida e dentro do possível, um conhecimento directo de factualidade que, aqui, se controverte, sem que nada tenha sido suscitado capaz de afectar negativamente a sua probidade.

- Isto não significa, evidentemente, que tudo aquilo sobre que depuseram, tenha ou deva ser dado como assente; No entanto, o que se considerar, dentro do referido princípio de livre apreciação, como não provado, deverá ser fundamentado, e, o remanescente demonstrado levado ao probatório, em qualquer dos casos sempre e só, enquanto relevante à decisão de mérito a proferir.

- Ora, dos referidos depoimentos, o que se crê ter ficado demonstrado é que, a recorrente estabelecia, com os seus clientes, contratos de avença mensais (como resulta, nos termos de todos os depoimentos prestados e desde logo, da circunstância de, independentemente dos pagamentos pela prestação de serviços, continuar a prestá-los, confirmada, de forma expressa, pelo depoimento da última testemunha [quer de forma espontânea, quer a questão do distinto patrono da recorrente]), para a realização e tratamento de tudo o que se relacionasse com as respectivas contabilidades (cfr. depoimento da 1.ª testemunha) os quais eram pagos, pela apresentação das respectivas facturas, mês a mês, por antecipação (cfr. depoimentos de todas as testemunhas, particularmente da testemunha Silvino ... [3.ª]) e que, circunstâncias ocorreram, com todos eles, de dificuldades financeiras, que lhes não permitiram pagar essas mesmas facturas, quando lhes foram apresentadas/exibidas pela recorrente, tendo, a recorrente emitido as notas de crédito em causa nos autos; E, de igual forma se crê ter ficado demonstrado que, ulteriormente, tendo tais clientes da impugnante procedido a pagamentos, aquela procedeu à emissão de novas facturas.

- Mas o que já se não crê ter ficado demonstrado é que enquanto os pagamentos não foram efectuados, os respectivos serviços não foram efectivamente prestados, nem, tão pouco, que a emissão de novas facturas, que aqui se não discutem terem acontecido, se prenda com efectivo pagamento dos serviços contratados.

- De facto e quanto ao primeiro ponto referido no § que antecede, apesar de as testemunhas terem referido, assertivamente e a pergunta directa em tal sentido pelo ilustre patrono da impugnante, que, de facto, os serviços não foram prestados enquanto não pagos, a verdade é que, todos eles referem, de forma inequívoca que, pelo menos aquilo que qualificam de “serviços mínimos” e que, exemplificativamente, caracterizaram com os recibos/processamento dos vencimentos ou com a necessidade de observar compromissos com a Seg. Social e com o Imp. de Selo, por reporte, respectivamente, aos dias 10 e 20 de cada mês, foram sempre efectivados por parte da recorrente, sem que, por referência a estes se tenha estabelecido qualquer outra autónoma contraprestação devida à recorrente, que não aquelas a que se reportavam as facturas, sejam as que foram, seja as que não foram pagas, quando da respectiva apresentação.

- Tal circunstância, aliada, ainda, ao regime jurídico a que, subsequentemente, se fará alusão, não permitem concluir, com segurança, que os serviços em causa não tenham efectivamente sido prestados, senão depois de pagos pelos clientes.

- Por outro lado, o pretendido pela impugnante de que, sempre que os serviços foram efectivamente pagos, em momento ulterior, foi, igualmente, emitida uma nova factura, se bem que não deixe de ser afirmado pelas testemunhas, a verdade é que tal não é mais do que uma afirmação conclusiva, a que não obsta a documentação junta pela impugnante, já em sede de audiência de julgamento (cfr. fls. 123 a 135 dos autos), a qual, no entanto se não compagina com aquilo que foi atestado, no terreno, pela AF, e se encontra reflectido do relatório da acção inspectiva, particularmente, nos subpontos 3 a 5, do ponto III.1.1, do mesmo; A relevância de tal indemonstração é questão que importa abordar noutra sede desta decisão.

- Nestes termos e a coberto do disposto no art.º 712./1, do CPC, por força do art.º 2.º/e, do CPPT, adita-se, ao probatório e com suporte nos depoimentos testemunhais prestados, a seguinte factualidade;

O). A impugnante presta, aos seus clientes, os serviços referidos na alínea que antecede em regime de contrato de avença mensal – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas, particularmente da testemunha Silvino ...;

P). Os serviços contratados eram facturados, com apresentação das respectivas facturas aos seus clientes, por antecipação, mês a mês – cfr. depoimento da testemunha Silvino ...;

Q). A falta de pagamento, aquando da apresentação das facturas, nos termos referidos na alínea que antecede, não implicava que a recorrente deixasse de prestar serviços contratados com os seus clientes – cfr. depoimentos de todas as testemunhas inuqiridas;

R). Por virtude da falta de pagamento das facturas, nos termos aludidos em Q)., a recorrente emitia, a favor dos respectivos clientes, notas de crédito – cfr. depoimentos de todas as testemunhas;
*****

- Ficou por provar, designadamente, que os serviços constantes das facturas iniciais e anuladas, apenas foram prestados depois do respectivo pagamento, bem como, que contra o pagamento de tais serviços foi emitida uma nova factura.
*****
- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -

- Dos diversos vícios suscitados pela impugnante, no seu articulado inicial, tendo em vista a eliminação da ordem jurídica dos actos tributários impugnados, verifica- -se, pelo teor das conclusões do presente recurso, - enquanto balizadoras dos respectivos âmbito e objecto -, que apenas mantém em discussão dois deles, e que se prendem com a fundamentação daqueles referidos actos, quer na vertente substancial, - quando sustenta que as facturas anuladas não titulam reais operações sujeitas a IVA -, e na vertente formal, - quando acusa a AT de não explicitado, como legalmente devido, as razões adequadas á prática daqueles mesmos actos -, tendo deixado cair os restantes.

- Assim, na análise do presente recurso, começaremos por abordar a questão da falta de fundamentação formal, para, subsequentemente e em caso de se entender que ela existe, se passar à questão da fundamentação substancial.

- Assim e quanto á primeira de tais questões é sabido que o no nosso ordenamento jurídico impõe que os actos administrativos em geral, e os tributários em particular, se mostrem formalmente fundamentados.

- Assim, a primeira extrapolação que se impõe fazer é que aquilo que se tem de mostrar fundamentado, no âmbito tributário e por parte da AF, são aquelas suas decisões que, para além de se mostrarem proferidas ao abrigo de normas de direito público, tenham sido proferidas com o objectivo de produzirem efeitos jurídicos em situações individualmente concretizadas (cfr. art.º 120.º do CPA); daqui resulta que, no âmbito de um procedimento adicional de liquidação em consequência de correcção, para mais e por parte da AT, da matéria colectável declarada, é o acto de tal fixação que se tem de mostrar devidamente fundamentado, na certeza de que, não o estando, inquina, a jusante, o acto final de liquidação de ilegalidade, a apreciar em sede de impugnação deste último, por força do princípio da impugnação unitária.

- Por outro lado, com a obrigatoriedade da fundamentação formal, pretende- -se que os (aqueles referidos) actos da administração se estribem num discurso empreendido pelo respectivo autor que explicite as razões que se mostrem adequadas/aptas, e, simultânea e necessariamente, credíveis e susceptíveis a suportarem- -nos, revelando-as de forma contextual, clara, congruente e suficiente na explicitação daquela motivação, ainda que por apropriação/remissão para anteriores pareceres ou informações, como, aliás, não deixa de referir a recorrente, sem, do mesmo passo, perder de vista que a fundamentação consubstancia um conceito relativo na medida em que implica uma maior ou menor densidade directamente proporcional à maior ou menor litigiosidade e complexidade do acto.

- Como, da mesma forma, sustenta a recorrente, o que importa, assim, reter como factor nuclear caracterizador daquele referido conceito é que ela (fundamentação formal), se tem de cumprir na dupla dimensão de, por um lado esclarecer adequadamente o seu destinatário, enquanto sujeito normalmente capaz e diligente, possibilitando-lhe, conscientemente conformar-se com o acto ou, ao invés, atacá-lo e de, por outro, conferir à entidade decidente um maior grau de ponderação na sua prática.

- É, pois, à luz destes considerandos, que importa apurar se os actos tributários, aqui sindicados, se mostram, ou não formalmente fundamentados, redundando, por isso e essencialmente, tal fundamentação, na que tiver sido utilizada para a fixação da matéria colectável corrigida, já que tal alteração é que consubstancia a vontade da AF, no caso vertente, na medida em que, uma vez concretizada, a liquidação stricto sensu, enquanto operação de apuramento do montante de imposto devido, se mostra estritamente vinculada ao ordenamento jurídico vigente.

- Ora, no caso presente, e como aliás foi dado conhecimento à impugnante (cfr. al. H). do probatório), o despacho que veio a determinar a alteração da matéria tributável que, por seu turno, deu origem aos actos tributários impugnados, limita-se a fazê-lo, por concordância com o relatório da acção inspectiva, assim se apropriando das razões que levaram o seu autor a propor aquelas mesmas correcções, pelo que, como temos por axiomático, será em função do afirmado nesse mesmo relatório que se imporá aferir da existência, ou não, da aludida fundamentação formal.

- Ora, tendo em consideração o que se dá conta no referido relatório, muito particularmente no seu ponto III.1.1, com referência ao seu segmento relativo à «Análise dos recebimentos dos clientes», aliás transcrito no probatório, tem-se por evidente, que ali ser referem, quer as razões de facto, quer a motivação jurídica, que subjazem ao agir da AT, de uma forma coerente, adequada à decisão tomada, - enquanto motivação credível e apta à ilação extrapolada -, e de forma absolutamente perceptível, cumprindo, nessa medida e manifestamente, aquela aludida dupla vertente de, por um lado, atestar devida ponderação pela AT, da sua conduta e, por outro, facultando à recorrente todos elementos adequados a habilitá-la a tomar uma decisão de se conformar ou, ao invés, de reagir, contra o proceder da administração fiscal.

- Em suma, pois, se conclui que as presentes liquidações não padecem da apontada insuficiência e, muito menos, ausência, de fundamentação formal.

- Cabe, assim e por isso, indagar de saber, agora, se apesar dos actos em causa se encontrarem formalmente fundamentados, eles o estão, também, substancialmente.

- E, nesta sede e à luz da matéria de facto dada por provada, crê-se imperativo concluir no sentido da falência do presente recurso, porque se não demonstra a tese sustentada pela recorrente, de que subjacentes às facturas anuladas inexistem quaisquer prestações de serviços da recorrente aos seus clientes, susceptíveis de tributação em IVA, - antes se propende no sentido de que, face aos elementos probatórios carreados para os autos, se indicia o oposto -, sendo que, mesmo na hipótese de se concluir pela manutenção de uma qualquer dúvida sobre tal matéria, ela não pode deixar de desfavorecer a recorrente por ser sobre ela, ao invés do que sustenta, que impendia a respectiva prova.

- De facto cabe referir, desde logo, que de acordo com a prova testemunhal produzida, os contratos estabelecidos entre a recorrente e os seus clientes, eram contratos de avença mensais, com contraprestação paga por antecipação, de igual forma, mensalmente.

- Ora, o contrato de avença consubstancia um tipo de contrato de prestação de serviços que, como o delimita o nosso ordenamento jurídico (cfr. art.º 7.º, n.º 3, do DL 409/91OUT10) se caracteriza por ter como objecto prestações sucessivas, no exercício de profissão liberal, mediante a referida contraprestação e que, “in casu”, não implicava, o seu não pagamento, a resolução automática do contrato.

- Ou seja, pelos contratos estabelecidos com os seus clientes, a recorrente vinculou-se a proporcionar um determinado resultado a estes últimos, concretizado no tratamento das respectivas contabilidades.

- Daí que, a circunstância do não pagamento atempado das contraprestações que lhe eram devidas, quando sucederam, não só não implicam, como não permitiriam o não proporcionar, aos clientes, do dito resultado, desde logo pelo tratamento contabilístico dos documentos que, estes, lhe faziam chegar para o efeito; E, em consonância com isto se mostram os depoimentos das testemunhas, quando referem, ainda que denotando pretender dar-lhe um efeito restritivo pela referência a “serviços mínimos”, - como se outros houvesse, necessários à plenitude, que deixavam de serem prestados -, que a recorrente continuava a prestar-lhes serviços, sendo certo que, na tese da recorrente, não se lobriga porque razão eram estes prestados, uma vez que não se aventa, sequer, a hipótese da existência de um qualquer outro tipo de contrato paralelo, vinculando a recorrente a realizá-los, independentemente no não pagamento dos mesmos, nem tão pouco se levanta qualquer hipótese de quantificação de uma qualquer contraprestação devida por tais “serviços mínimos” que assim se têm de ter por englobados no necessário à obtenção do resultado prometido nos ditos contratos de avença.

- Acresce que, tão pouco, e face à razão de ciência invocada, se nos afiguraram como merecedores de crédito os depoimentos testemunhais, no que concerne aos referidos “serviços mínimos”, pela simples razão que, como expressa e coerentemente, referiu uma das testemunhas, as circunstâncias de modo e tempo na prestação dos serviços em causa, eram definidas exclusivamente pela recorrente, não se vislumbrando a que circunstâncias de facto se arrimam as testemunhas e adequadas à afirmação de que, uma vez não efectuado o pagamento das facturas apresentadas, a recorrente prestava uns serviços, que apelidam de mínimos, e não (os) outros.

- Por outro lado, importa referir, na linha do douto parecer do EMMP, junto deste Tribunal, que, a considerar a tese sustentada pela recorrente de que os serviços que prestava eram casuisticamente solicitados pelos seus clientes, e nessa medida facturados e pagos, em oposição com o regime do contrato de avença, então está por provar como é que surgindo a solicitação desses mesmos serviços, pelos seus clientes quando estes se « (…) deslocavam aos seus escritórios para deixar os documentos da sua contabilidade que deveriam ser tratados (…)» (cfr. conclusão d).), a recorrente podia ter já, previamente emitida, a factura relativa ao pagamento dos mesmos (cfr. conclusão c).).

- Por outro lado, como se refere no relatório da acção inspectiva, tendo em consideração o pagamento ulterior das facturas inicialmente emitidas e anuladas, com emissão de novas facturas, foi constatado, designadamente, pela conciliação da conta da recorrente e de cinco dos seus clientes e na maior parte dos casos, que tais pagamentos se encontravam revelados nas contabilidades dos últimos mas já não na da recorrente “(…) sendo de novo emitidas notas de crédito trimestrais para anulação do excedente”.

- Diga-se, aliás, que na tese sustentada pela recorrente e já aludida, se não chega a compreender o verdadeiro alcance das notas de crédito, uma vez que, consistindo estas em documentos emitidos pelo vendedor ao comprador, tem por desiderato ou um decréscimo da dívida deste último, no caso de ser devedor daquela, ou a constituição ou aumento do seu crédito, no caso de se assumir ou reforçar, ao invés, a posição de credor, se não lobriga entender como constituir os clientes em seus credores (ainda que por diminuição de débito) se estes nada lhe pagaram, já que, se bem entendemos a sua argumentação, as notas de débito eram por si emitidas por contraposição às facturas que, anteriormente, também, emitira, mas que não foram pagas.

- E, considerando tal circunstancialismo, - sendo que, nalguns casos, as contabilidades dos clientes não apresentavam quaisquer dívidas à recorrente, ao passo que na da recorrente, ao invés, não se revelava, correspectivamente, qualquer pagamento daqueles -, e o facto do procedimento invocado pela recorrente para emissão de notas de crédito, por referência a facturas não pagas quando da sua apresentação, não ser, sequer uniforme (cfr. subponto 5, do ponto III.1.1, do relatório) é adequado ao retirar da presunção de credibilidade da contabilidade da recorrente, ao que releva, também e necessariamente, a circunstância de ser ela mesmo que procedia a todas aquelas contabilidades.

- E, a ser assim, como se crê ter de ser, então pass(ou)a a impender sobre a recorrente o ónus da prova do, por si alegado, isto é e ao que aqui releva, que sendo as facturas emitidas previamente à prestação dos serviços solicitados, o seu não pagamento, da mesma forma que conduzia à emissão das aludidas notas de crédito, implicava a não realização daqueles mesmos serviços até ao seu efectivo pagamento, com a emissão de uma nova e ulterior factura, respeitante à realização efectiva dos mesmos, para, daí, se poder inferir, como sustenta (cfr. art.º 32.º das alegações de recurso) que as facturas originais representavam uma “não-operação”.

- Ora, como se referiu e na melhor das hipóteses, como aliás a recorrente sustenta, ter-se-ia de concluir que ficou por provar tal circunstancialismo fáctico; simplesmente porque, ao invés do que, igualmente, defende, lhe cabia a ela o respectivo ónus probatório, essa ausência de prova não pode deixar de se lhe revelar desfavorável.

- E, assim sendo, forçoso se impõe concluir pela falência da totalidade das conclusões do presente recurso.
*****
- D E C I S Ã O -

- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, assim se confirmando a decisão recorrida que, nessa medida, se mantém na ordem jurídica.

- Custas pela recorrente.
Lisboa, 03 de Novemvro de 2009

Lucas Martins
Magda Geraldes
Manuel Malheiros

(1) Leia-se a correspondente alínea.
(2) Cfr. comentário ao artº. 641º do Código de 1939.