Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:130/11.3BELRA
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC
CORRECÇÃO TÉCNICA
QUANTIFICAÇÃO
ERRO.
Sumário:1. A cedência de um estabelecimento formalizada como gratuita e definitiva quando envolva a transferência de activos valiosos, como são as convenções médicas de saúde, constitui um indício sério e credível de que o declarado no contrato de cedência não corresponde à realidade;

2. Em tal situação, mostra-se legítima a correcção do valor do negócio pela AT.

3. Já não é legítima, no contexto da avaliação directa, presumir que o valor real do contrato de cedência de estabelecimento corresponde aos montantes já pagos aos sócios da impugnante no âmbito de uma incumprida promessa de cessão de quotas em que os promitentes cessionários têm relações de grupo com a sociedade beneficiária da cedência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO
A………………, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada da liquidação adicional de IRC/2007 no valor de 66.813,87€ e respectivos juros compensatórios.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (fls.166).

A Recorrente apresentou alegações que culmina com as seguintes «Conclusões:

1. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que "A Impugnante nunca recebeu das promitentes-cessionárias qualquer pagamento" ;
2. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que ''À Impugnante nunca foi notificado qualquer despacho do sr. Director de Finanças de Leiria a corrigir a matéria colectável para € 271.543,09";
3. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que "O contrato definitivo de cessão de quotas não foi celebrado porque as promitentes compradoras ainda não procederam ao pagamento da quantia de € 280.000,00."
4. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que "Os promitentes cedentes e as promitentes cessionárias têm intenção de cumprir o referido contrato­ promessa".
5. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que "Os promitentes cedentes nunca pretenderam efectuar qualquer transferência definitiva do estabelecimento comercial da Impugnante com todos os elementos do activo necessários à continuação do exercício da actividade, mas sim, ceder as quotas de que são titulares."
6. Perante a prova testemunhal e documental carreada para os autos, deveria ter sido dado como provado que "Todas as quantias pagas pelas promitentes cessionárias aos promitentes cedentes foram pagas nos exercícios de 2005 e 2006.
7. Guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, não dando como provados os supra referidos factos, a Meret." Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 342.º do C. Civil, desta sorte incorrendo na sua violação.
8. Todos os montantes pagos pelas promitentes cessionárias e que fundamentam a liquidação impugnada, foram-no, não só a terceiros que não a Impugnante - nomeadamente, aos seus sócios - mas também em ano anterior ao qual são imputados os alegados rendimentos.
9. Pelo que, não poderá a Impugnante ser tributada em virtude de um rendimento que nunca recebeu.
10. Assim, ao decidir como decidiu, a Meret.u Juiz do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 104.º da CRP, 4.0 da LGT e os artigos 90.º, 92.º e 99.º do CIRC.
11. Muito menos em exercícío no qual, mesmo admitindo por hipótese que tivesse recebido em anos anteriores, não o recebeu.
12. Assim, guardado o devido respeito, ao decidir como decidiu, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 90.º, 92.º, 99.º e l OI.º do CIRC
13. A falta de despacho de alteração de rendimentos e a sua consequente falta de notificação, configura uma inexistência jurídica cujo conhecimento não está sujeito a qualquer prazo e é de conhecimento oficioso.
14. Fundamentando-se a liquidação impugnada num despacho de alteração de rendimentos inexistente e que, consequentemente, nunca foi notificado à Impugnante, a sanção do acto tributário apenas pode ser na inexistência jurídica daquele.
15. Desta forma, ao decidir como decidiu, guardado o devido respeito, a Meret.ª Juiz do Tribunal a quo fez uma errónea interpretação do disposto no artigo 16.º, n.º 3 do CIRC, desta forma incorrendo na sua violação.

Por todo o exposto, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por acórdão que julgue a ação procedente, por provada, assim se anulando a liquidação adicional impugnada».


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),são estas as questões que importa dirimir: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que a impugnante trespassou o seu estabelecimento central de laboratório de análises clínicas e postos de colheitas e tal negócio pode ser imputado ao exercício de 2007; (ii) se se verifica falta de despacho de alteração dos rendimentos e sua notificação à Recorrente.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se factualmente consignado:


«Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. A impugnante é uma sociedade por quotas, com o capital social no valor de EUR 27.433,89, tem como sócios Armando ……………. (Sócio-Gerente) com 70% do capital, Maria ………………….. com 30% do capital e o gerente Pedro …………………….., tem por objecto o exercício da actividade de análises químico-biológicas e afins, com o CAE ………. – Laboratórios de análise clinicas, enquadrado em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime de isenção ao abrigo do artigo 9.º do CIVA (cf. Relatório de inspecção a fls. 4 e 5 do Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).

2. Em 8/7/2010, foi emitida pela Direcção de Finanças de Leiria, a ordem de serviço n.º……………. na qual foi determinada uma acção inspectiva interna à impugnante, com âmbito parcial em sede de IRC e extensão ao exercício de 2007, devido à constatação da existência de sujeitos passivos que declaram não estar no Regime de Transparência Fiscal (art. 6.º do CIRC), possuindo, no entanto, as condições de enquadramento nesse regime, declaram saldos devedores muito elevados na rubrica Caixa/Depósitos Bancários (Balanço) e/ou FSE (Demonstração de Resultados) (cf. Relatório de inspecção a fls. 4 e 5 do PAT).

3. Em 15/5/2005, foi celebrado um “Contrato Promessa de Cessação de Quotas” entre Armando …………….. e Maria …………………, na posição de “Primeiros Outorgantes” e na qualidade de “Promitentes Cedentes” e Laboratório …………………….Lda.,nna qualidade de “Segundo Outorgante” e na qualidade de “Promitente Cessionária” e na posição de “Terceiro Outorgante” L……….., Centro ………………………, SA na qualidade de Promitente Cessionária” do qual constou o seguinte (cf. Relatório de inspecção a fls. 4 e 10 do PAT):

“ (…)

1.º - Os primeiros outorgantes Armando ………………….. e Maria ………………………… são os únicos sócios da sociedade comercial designada por A ………………….. Lda. com sede na Av. ……………… n.º 4, ……………, NIPC …………. (…)

4 .º- A sociedade A …………………. Lda. é dona e legitima possuidora do prédio urbano composto por cave, rés-do-chão, 1.º e 2.º andar destinados a armazém, arquivo e laboratório de análises, sito na Ria ………… n.º 14, N……………, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …………….e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da .................... sob o artigo n.º ………...

5 .º - O primeiro contraente marido, com o consentimento da esposa, promete ceder a quota de que é titular no capital social da sociedade identificada no primeiro considerando à terceira contraente e esta promete adquiri-la.

6 .º- A primeira contraente mulher, com o consentimento do marido, promete ceder a quota de que é titular no capital social da sociedade identificada no primeiro considerando à segunda contraente e esta promete adquiri-la.

7 .º- Os primeiros contraentes Armando ………………….. e Maria J………………………….. e a segunda outorgante Laboratório de Análises Clinicas …………………… Lda. acordaram que esta ficaria detentora de 30% do capital social da sociedade mencionada no primeiro considerando.

8 .º - Os primeiros contraentes Armando …………….. e Maria ………………………….e a terceira outorgante L………….., Centro ……………………, SA acordaram que esta ficaria detentora de 70% do capital social da sociedade mencionada no primeiro outorgante.

Cláusulas:

1 .º Pelo presente contrato o primeiro contraente marido promete ceder à terceira contraente e esta promete adquirir a quota de valor nominal de € 19.203,72; e a primeira contraente mulher promete ceder e a segunda contraente promete adquirir a quota de valor nominal de €8.231,17, de que ambos são titulares no capital da sociedade identificada no primeiro considerando.

2 .º Os contraentes acordam para a presente cessão o preço de €573.000.00 (quinhentos e setenta e três mil euros)

3 .º - O preço acordado pelos contraentes será pago da seguinte forma:

1- Com a assinatura do presente contrato, a titulo de sinal e principio de pagamento, a Segunda e Terceira contraente entregam a quantia de € 146.500,00 (cento e quarenta e seis mil e quinhentos euros), servindo o mesmo de recibo de quitação.

2- Cento e oitenta dias após a assinatura do presente contrato, a título de reforço de sinal, a Segunda e Terceira contraente entregam aos primeiros a quantia de € 48.833,33 (quarenta e oito mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos).

3- Um ano após a assinatura do presente contrato, a título de reforço de sinal, a Segunda e Terceira contraente entregam aos Primeiros a quantia de € 48.833,33 (quarenta e oito mil oitocentos e trita e três euros e trinta e três cêntimos).

4- Dezoito meses após a assinatura do presente contrato, a título de reforço sinal, a Segunda e Terceira contraente entregam aos Primeiros a quantia de € 48.833,33 (quarenta e oito mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos).

5- A restante quantia em falta, no montante de € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros) será paga dois anos após a assinatura do presente contrato.

Parágrafo único – Os pagamentos serão efectuados através de cheques a enviar para a morada dos Primeiros Contraentes identificada no presente contrato.

4 .ª – Com a assinatura do presente contrato a Primeira Contraente mulher renuncia à gerência e é nomeado um gerente em representação da Segunda e Terceira contraente.


5 .ª- A escritura pública de cessão de quotas será realizada, no prazo de trinta dias, a contar do pagamento da última prestação, em Cartório Notarial, dia e hora a marcar pela Segunda e Terceira contraente, que notificará para o efeito os Primeiros, por meio de carta registada com aviso de recepção, para a morada acima mencionada, com a antecedência mínima de oito dias em relação à data da escritura.

(…)”

4. Em 16/4/2005, a Sócia Maria ……………………, renúncia à gerência da firma A …………………. Lda. em sessão extraordinária da Assembleia Geral, constante da Acta n.º 32, na qual foi deliberada a sua substituição pelo nomeado Pedro ………………….., em execução do estipulado na 4.ª Cláusula do contrato promessa de cessão de quotas. O acto de renúncia foi objecto de registo na Conservatória do Registo Comercial da .................... (cf. Acta constante de fls. 17 e 18 dos autos e Relatório de inspecção a fls. 4 e 5 do PAT).

5. Em 19/6/2006, foi elaborado um “Acordo de cedência do laboratório de análises clinicas e de postos de colheitas” entre A……………………..Lda., representada pelos sócios gerentes Armando ……………. e Maria …………………, na qualidade de cedente e primeiro outorgante e Laboratório …………., ………………., Lda., representada pelo Sócio gerente Amado ……………….., na qualidade de cessionária e segunda outorgante, com as seguintes cláusulas (cf. Relatório de inspecção a fls. 8 e 9 do PAT):

1.ª Cláusula

1. A Primeira outorgante é dona e legitima possuidora do estabelecimento de laboratório de análises clinicas sito na Rua de ……….. n.º 14, .................... (artigo n.º ……./....................), que constitui o seu laboratório central, bem como dos postos de colheitas sitos nas seguintes localidades:
A…………., sito na Rua (…) B…………, sito na Rua (…)
P………., sito no Largo (…)
S. M……………, sito na (…) Valado ………………………….., sito na (…).
O laboratório central e os postos de colheitas possuem autorização de funcionamento por deliberação de 2006.03.15 do Conselho de Administração Regional de saúde do Centro.

2. Além dos aludidos laboratório central e postos de colheitas a Primeira outorgante é dona e legítima possuidora dos postos de colheitas sitos em …………., na Rua ………….., n.º 68.ºC, e na .................... no Largo ………………, n.º 4B, postos estes que se encontram em fase de legalização junto das entidades competentes com vista ao reconhecimento e autorização de respectivo funcionamento.

2.ª Cláusula

1. Pelo presente acordo, a primeira outorgante cede à Segunda outorgante, que aceita, os estabelecimentos identificados nos parágrafos primeiro e segundo da cláusula primeira.

2. Os estabelecimentos são cedidos graciosa e definitivamente e na cedência estão incluídas todas as estruturas técnicas, de equipamento e de recursos humanos necessários ao respectivo funcionamento, as quais serão integradas na actividade laboratorial da Segunda outorgante.

3.ª Cláusula

1. Os estabelecimentos serão entregues à Segunda outorgante, que deles entrará na respectiva posse para aí exercer a sua actividade, na data em que a presente cedência for autorizada pelas entidades competentes.

2. As outorgantes obrigam-se mutuamente a efectuarem junto das entidades competentes todos os pedidos de legalização e ou transferência de titularidade de acordos já estabelecidos e em vigor quer junto do Ministério da Saúde quer junto dos subsistemas de saúde.

4 .ª Cláusula – O presente contrato fica sujeito à condição resolutiva de os competentes serviços do Ministério da Saúde e da Direcção Geral de Saúde admitirem a presente transmissão dos estabelecimentos supra identificados na cláusula primeira, de forma a que a Segunda outorgante aí possa passar a exercer a sua actividade.
(…)”

6. No âmbito da inspecção interna realizada à impugnante e identificada no ponto que 2 que antecede, a Direcção de Finanças de Leiria, apurou em síntese o seguinte (cf. Relatório de inspecção a fls. 10 a 25 do PAT):

“ (…)

1.4.Em 2007.04.05, pelo Oficio n.º 4646, a Direcção-Geral de Saúde autorizou a Transferência da Convenção detida pelo Laboratório A ………………….. Lda. para o Laboratório …….., Análises ……………., Lda. No âmbito desta transferência, a sociedade Laboratório ………., Análises …………….., Lda. passou a deter o laboratório central, existente na Rua …. n.º 14, .................... (artigo urbano n.º 4836), mais os postos de colheitas de A…….., B………, P……, S. Martinho …… e Valado ,,,,,,,,,,,, em funcionamento, bem como ainda o direito de iniciar a facturação mensal de todas as análises realizadas aos utentes a partir de 1 de Maio de 2007. A convenção compreende as autorizações de funcionamento e os acordos com médicos e serviços de saúde públicos e privados, que representam o activo principal e sem as quais, na prática, a empresa não poderá exercer a actividade (v.g. ARS, ADSE, MEDIS…etc).

1.5 Foram detectados pagamentos efectuados pelas sociedades Laboratório de …………………. Lda. e Labeto, Centro de Análises Bioquímicas em nome de A …………….. e M a…………………, no valor total de € 293.000,00, SA, através da emissão dos cheques a seguir discriminados:
Pelo Laboratório de Análises ………………….. Três Lda.:

Os pagamentos foram contabilizados a débito na conta 44101 – Investimentos Financeiros/Laboratório Laborinho por crédito da conta 121 – Depósitos bancários.

Pela L………., Centro …………….., SA:

Os pagamentos foram contabilizados de inicio, erradamente, a débito na conta 447111 – Investimentos Financeiros/Angola por crédito da conta 21 – Depósitos bancários. Posteriormente, detectado o erro de lançamento na conta a débito, foram transferidos para a conta 447113 – Investimentos financeiros / Laboratório Armando, através do Documento interno n.º 130009, do Diário 50, do dia 2008-13-31.

1.6 Demonstrações financeiras e registos contabilísticos

Pela análise da informação e dos elementos contabilísticos disponíveis, verificamos que a operação económica em causa apenas teve consequências nas actividades dos sujeitos passivos intervenientes no negócio, ao nível dos resultados líquidos do exercício, a partir do ano de 2007, inclusive.

Relativamente ao sujeito passivo A……………. Lda., verificamos que os resultados líquidos declarados até ao exercício de 2006 foram positivos, no entanto, a partir do exercício de 2007 sofreram uma forte redução, apresentando mesmo valores anuais negativos, consequência directa da transferência da Convenção. A degradação dos resultados resulta sobretudo:

• Do lado dos proveitos, da forte redução das prestações de serviços que passaram de
€ 248.091,61 em 2006 para € 85.040,91 em 2007. Em termos anuais as prestações de serviço diminuíram 65,72% e os proveitos totais diminuíram 63,80%.

• (…) Em termos anuais os custos totais diminuíram 47,26%

Refere-se ainda que no exercício de 2008 o sujeito passivo não declarou actividade, por falta de condições para o seu exercício, nomeadamente pela ausência de uma estrutura empresarial adequada legal, técnica e humana, mantendo apenas os gastos estritamente necessários ao funcionamento administrativo (v.g. EDP, Aguas, etc…). Ou seja, na prática a contabilidade revela a descontinuação ou o esvaziamento da actividade.

Em sentido inverso, do lado da sociedade Laboratório T…………., ………….., Lda. verificamos o reforço da actividade económica, nomeadamente como aumento das prestações de serviços e dos encargos com os fornecimentos e serviços externos (v.g. rendas) e com os custos com o pessoal, com base nos seguintes registos contabilísticos:

A partir de Maio de 2007, a contabilização dos proveitos inerentes à facturação das análises realizadas nos postos de colheitas associados à Convenção, conforme se verifica por exemplo nos registos contabilísticos da conta corrente 21110174 – ARS/ Sub- Região de Saúde de Leiria;

A partir de Julho de 2007, e gradualmente, a contabilização dos encargos decorrentes do pagamento das rendas dos imóveis, associadas à exploração dos postos de colheitas, relativos à transmissão da posição de arrendatário;

A partir de Julho de 2007, a contabilização dos encargos associados a integração dos recursos humanos transferidos, conforme se verifica pelas declarações Mod. 10 entregues e pelo acréscimo de retenções na fonte a partir de Agosto.

Ou seja, não obstante a existência de acordos particulares prévios só a partir do momento da efectiva transferência da titularidade dos direitos e obrigações inerentes à convenção para a sociedade Laboratório …………, Análises ………….., Lda., ocorrida em Maio de 2007, é que a operação económica subjacente teve reflexos na actividade e nas demonstrações financeiras dos sujeitos passivos.

2. Enquadramento Fiscal do negócio

De forma sucinta, o que se encontra em análise é apenas saber se a transferência do Património pertencente à actividade nuclear do sujeito passivo foi efectuada de forma onerosa ou gratuita para terceiros e as consequências no quadro fiscal. Ora analisemos os factos:

Com a celebração do documento particular designado por “Contrato promessa de cessão de quotas”, as sociedades Laboratório de Análises Clinicas Esculápio Três Lda. e L……….., Centro de Análises Bioquímicas, SA, pretendiam ter um controlo directo do capital social da Armando …………..Lda., nomeadamente o seu negócio ou objecto social, através da aquisição da totalidade das quotas dos únicos sócios Armando ……………. e Maria …………………., que estes estavam dispostos a vender por um preço previamente acordado. Ou seja, em última análise o negócio visava a concentração da actividade empresarial na área das analises clinicas.

O preço acordado ou o justo valor atribuído inicialmente ao negócio foi de €573.000,00. Ou seja, este era o valor pelo qual o comprador e os vendedores interessados estavam dispostos a transaccionar.

Para a execução do contrato, as sociedades promitentes adquirentes chegaram a efectuar pagamentos no valor total de € 293.000.00, através da emissão de cheques nominais em nome dos sócios promitentes vendedores Armandos …………….. e Maria ……………………….. (…). Os pagamentos foram efectuados numa base periódica, entre 2005/04/15 e 2006/10/20, de acordo com o previsto no n.º 1, 2, 3 e 4 da cláusula 3.º do contrato, do preço acordado de € 573.000,00, as sociedades promitentes adquirentes apenas não pagaram o valor de €280.000,00, correspondente ao n.º 5 da 3.ª cláusula do contrato.

O contrato promessa e os cheques entregues a título de pagamento do preço foram assinados por Amado ………………, na qualidade de representante e administrador de ambas as sociedades promitentes adquirentes.

(…)

As sociedades promitentes adquirentes revelaram contabilisticamente nos exercícios 2005 e 2006 os pagamentos efectuados ao sujeito passivo, com o débito da conta 44 – Investimentos financeiros por crédito da conta 12 – Depósitos bancários. Ou seja, materializaram nas suas contas a aquisição em curso e os custos inerentes à mesma, apesar de esta nunca se ter concretizado em definitivo.

O negócio prosseguiu nos termos previstos no contrato promessa até ao momento em que, que por falta de interesse na continuação do mesmo nos termos inicialmente acordados, deixou de ser cumprido, tendo como principais consequências a falta de pagamento da última tranche prevista no valor de €280.000,00, a não realização da escritura publica de aquisição de quotas e o registo na Conservatória do Registo Comercial, por forma a formalizar/oficializar a transacção. (…)

Como forma de compensar o valor já pago e não devolvido, foi celebrado um novo documento particular designado por “Acordo de cedência de laboratório de analises clinicas e de postos de colheitas” entre o sujeito passivo A……………….Lda. e a sociedade Laboratório ……….., Análises ……….., Lda., através dos mesmos indivíduos, os vendedores Armando …………. e Maria ……………………. e o comprador Amado ………………, na qualidade de representantes/administradores das sociedades outorgantes.

O acordo visava a cedência gratuita e definitiva dos estabelecimentos comerciais utlizados pelo sujeito passivo no exercício da sua actividade, nomeadamente os direitos inerentes à exploração do laboratório central de análises clinicas da .................... e dos postos de colheitas associados, bem como toda a estrutura técnica, equipamentos e recursos humanos necessários ao respectivo funcionamento, os quais seriam integrados na actividade laboratorial da sociedade Laboratório ………….., Análises …………, Lda. conforme conta da 2.ª Cláusula do acordo.
(…)

O imóvel correspondente ao laboratório central sito na .................... (…) pertence ao sujeito passivo encontra-se actualmente encerrado. Embora este se mantenha na posse do sujeito passivo tudo indica que tenha sido transferido o direito de gozo do imóvel.

Os imóveis onde se encontravam instalados os postos de colheitas não são propriedade do sujeito passivo, mas apenas arrendados a entidades terceiras para o exercício da actividade. Destes imóveis apenas foram cedidos ao novo detentor do estabelecimento os direitos inerentes aos contratos de arrendamento.

Nos termos da 3.ª cláusula do acordo, os estabelecimentos apenas deveriam ser entregues à sociedade adquirente ou esta tomaria posse para exercer a actividade, na data em que a cedência fosse autorizada pelas entidades competentes, o que veio a acontecer em Maio de 2007, data a partir da qual o Laboratório………….., …………….., Lda. passou a ser o titular efectivo e definitivo dos direitos inerentes à Convenção e a poder facturar todas as análises realizadas aos utentes.

Ou seja, o acordo previa na sua essência a transmissão definitiva de uma universalidade composta de instalações, imobilizado corpóreo, licenças, autorizações, clientela e outros elementos que constituíam o estabelecimento e que permitiram ao adquirente substituir- se na actividade do alienante, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações, o que na prática ocorreu apenas a partir de Maio de 2007.

Assim, (…)
Os direitos pretendidos representavam tão-somente o núcleo central ou o principal activo do património do sujeito passivo e eram estes que conferiam as condições legais ou a competência para o exercício do ramo da actividade de análises químico-biológicas e afins.

Não tendo sido cumprido integralmente o contrato promessa que previa a aquisição de partes de capital da empresa A…………………Lda., os sócios e representantes/administradores dos sujeitos passivos intervenientes no negócio, para concretizar a transacção e compensar o valor entretanto já pago e não devolvido, optaram por uma forma legal que configura, na sua essência, o conceito económico de trespasse.

Na realidade, o último documento particular designado por “Acordo de cedência a título gratuito e definitiva” serviu apenas para mascarar o verdadeiro negócio iniciado e não concluído nos termos previstos inicialmente, tendo o sujeito passivo A ……………. Lda. de facto, de forma definitiva e onerosa, alienado as principais componentes do universo empresarial, composta de instalações, imobilizado corpóreo, licenças, autorizações, clientela e outros elementos que constituíam o estabelecimento comercial e que permitiram ao adquirente substituir-lhe na actividade, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações.

Com esta operação o sujeito passivo transferiu de facto um ramo da actividade independente e perdeu a sua posição a favor do adquirente. Ou seja, o trespasse do negócio foi último acto de gestão da empresa enquanto entidade empresarial que procura o lucro, ficando em consequência esvaziada ou sem conteúdo económico.

A figura ou o conceito económico de trespasse, subjacente à operação de aquisição em análise, agora considerado tem relevância contabilística na Directriz contabilística n.º 12/92, de 28 de Janeiro (Conceito contabilístico de trespasse) e relevância fiscal no art. 20.º do Código do IRC e no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA.
3.Avaliação do negócio
(…)
Assim, em face dos contornos do negócio, considera-se como valor de venda o valor da contraprestação recebida a título de preço, no valor de € 293.000,00.
4. Implicações fiscais
(…)
4.2 Em sede de IRC
Nos termos do n.º 1 do art. 20.º do CIRC, (…)
Ou seja os proveitos ou ganhos não são apenas os que derivam do normal prosseguimento de uma actividade, podendo ter origem em operações de outra natureza como foi aquela que se verificou. Por este facto o sujeito passivo obteve rendimentos sujeitos a tributação que deveriam ter sido considerados no apuramento do lucro tributável da actividade e na matéria colectável do exercício de 2007.

5. Correcções fiscais propostas em sede de IRC
Os documentos particulares através dos quais se desenvolveu o negócio foram elaborados de forma genérica quanto à discriminação do imobilizado, dos direitos e obrigações transmitidos. No entanto, essa discriminação detalhada é essencial para que o adquirente possa registar, nas respectivas contas de activo e passivo, o património transmitido, bem como assim para o transmitente poder apurar os respectivos proveitos relativos à transmissão, como por exemplo, mais-valias na venda do imobilizado, proveitos de venda de existências etc. Ou seja, estamos perante uma caso de ausência de informação contabilística relevante sobre o negócio que permita o apuramento da mais-valia individual de cada item a considerar na determinação dos resultados do exercício. Não obstante, o sujeito passivo também não relevou contabilisticamente, sob qualquer forma, a venda dos bens e direitos transmitidos, omitindo desta forma proveitos aos resultados líquidos do exercício 2007.

Tendo em conta o supra exposto, para apuramento do lucro tributável, considera-se proveito da actividade o total do valor da contraprestação recebida a título de preço pela venda dos bens e direitos, no valor de €293.000,00, os quais deverão ser acrescidos aos resultados líquidos declarados, através da inclusão no Campo 225, Quadro 07 da Mod. 22 de IRC, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 20.º do Código do IRC.

Em resultado das correcções propostas, o Lucro Tributável e a Matéria Colectável final apurados em sede de IRC são os seguintes:

(…)”

7. Em 21/9/2010, a Impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o oficio n.º 7416 emitido pela Direcção de Finanças de Leiria com o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária – …………….” constante de fls. 26 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (cf. registo e Aviso de recepção a fls. 27 e 28 do PAT).

8. Em 15/9/2010, a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome da impugnante, a liquidação de IRC n.º 2010 8310004986 no valor de EUR 66.813,87, relativa ao exercício de 2007 (cf. liquidação constante a fls. 27 dos autos em suporte de papel).

9. Em 26/1/2011, a presente impugnação foi apresentada no TAF de Leiria (cf. fls. 1 dos autos).

10. A partir da data da celebração do contrato promessa de cessão de quotas, as promitentes cessionárias sociedades Laboratório ……………….. Lda. e L……………, Centro …………………., SA, assumiram a gestão e gerência de facto do dia-a-dia da Impugnante (cf. depoimento das testemunhas Pedro ………………… e Maria ……………).

11. As instalações na Rua de ………….., n.º 14, na ...................., apenas se encontram encerradas por opção dos promitentes-compradores (cf. depoimento das testemunhas Pedro …………………… e Maria ……………….).

12. A carteira de clientes da impugnante foi transferida para as sociedades Laboratório de …………….. Lda. e L…, Centro …………., SA, (cf. depoimento das testemunhas Pedro …………….. e Maria Mafalda …………).

13. As sociedades Laboratório ……………… Lda. e L….., Centro de …………………., SA, exploram a parte da actividade da impugnante relativa a análises clinicas, que inclui o laboratório, os clientes e os funcionários (cf. depoimento da testemunha Maria ……………….).
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, a prova testemunhal produzida não foi considerada no restante, uma vez que se cingiu à confirmação dos factos provados documentalmente, foram ainda referidos elementos de carácter subjectivo, alegações que não constituem verdadeiros factos, porém demonstraram-se concisos quanto aos factos levados ao probatório nos pontos 8 a 11».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente começa por imputar à sentença erro de julgamento de facto, devendo constar dos factos provados que:

1) “A Impugnante nunca recebeu das promitentes-cessionárias qualquer pagamento" ;
2) ''À Impugnante nunca foi notificado qualquer despacho do sr. Director de Finanças de Leiria a corrigir a matéria colectável para € 271.543,09";
3) "O contrato definitivo de cessão de quotas não foi celebrado porque as promitentes compradoras ainda não procederam ao pagamento da quantia de € 280.000,00."
4) "Os promitentes cedentes e as promitentes cessionárias têm intenção de cumprir o referido contrato­ promessa".
5) "Os promitentes cedentes nunca pretenderam efectuar qualquer transferência definitiva do estabelecimento comercial da Impugnante com todos os elementos do activo necessários à continuação do exercício da actividade, mas sim, ceder as quotas de que são titulares."
6) "Todas as quantias pagas pelas promitentes cessionárias aos promitentes cedentes foram pagas nos exercícios de 2005 e 2006”.


No que respeita ao ponto 1), dos depoimentos prestados e nomeadamente dos segmentos transcritos nas alegações do recurso, apenas se extrai que a impugnante não contabilizou qualquer recebimento associado ao negócio da cessão ou de cedência, coisa bem diferente de dizer que nada recebeu, até porque a razão de ciência do TOC circunscreve-se ao que a documentação contabilística da sociedade reflecte e o Inspector Tributário limita-se a referir que os cheques associados ao pagamento do negócio de cessão foram emitidos em nome dos sócios e do gerente, Pedro Santos e nem se esperaria que afirmasse que a sociedade recebeu verbas que não contabilizou.

No que respeita ao ponto 2), deixou-se consignado no ponto 7. da matéria assente que: «Em 21/9/2010, a Impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o oficio n.º 7416 emitido pela Direcção de Finanças de Leiria com o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária – O……………” constante de fls. 26 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (cf. registo e Aviso de recepção a fls. 27 e 28 do PAT).»; a natureza jurídica do despacho que sancionou o relatório notificado não constitui matéria de facto, nessa medida não podendo integrar o probatório.

Quanto aos pontos 3), 4) e 5), não foi prestado qualquer depoimento credível, assertivo e convincente. Pedro …………………. é testemunha de “ouvir dizer” ao sogro, como o próprio afirma e no que se refere à intenção de concluir o negócio de cessão de quotas responde vagamente “penso que sim”, sem nada detalhar de relevante; Maria ……………….., refere que o negócio da cessão de quotas não foi cumprido devido à crise mas que mantêm intenção de concluir o negócio, mas não precisa nem quando, nem com que meios, referindo ainda que os cedentes os não interpelaram nos termos contratuais para cumprimento da promessa de cessão de quotas pela “boa relação de amizade” que mantêm, o que não resulta, de todo, convincente; Leonel …………., perguntado porque não foi cumprido o negócio da cessão, respondeu: “agora isso são avaliações minhas…se me está a perguntar a minha opinião…”; afirma depois, “deve-se tanto quanto eu sei…”, mas não resulta esclarecida a razão por que diz saber, se sabe directamente ou de “ouvir dizer”. Armando ………………………….., no seu depoimento corrobora que os promitentes cedentes não accionaram a promessa por amizade com a contraparte e afirma laconicamente que da parte dos pais (cedentes), o negócio é para cumprir e pensa que da outra parte também. Os termos vagos, genéricos e pouco seguros dos depoimentos não resultam convincentes, antes ficando a impressão de que dizem o que interessa ouvir.

No que em particular se refere à alegação de que "Os promitentes cedentes nunca pretenderam efectuar qualquer transferência definitiva do estabelecimento comercial da Impugnante com todos os elementos do activo necessários à continuação do exercício da actividade, mas sim, ceder as quotas de que são titulares.", nada de convincente se extrai dos depoimentos prestados. Maria ……………, quando lhe perguntam se o laboratório valeria 293.000€, responde “só com a compra do edifício onde funcionava”; o mesmo refere Pedro ……………….., acrescentando este que “o laboratório que existia na empresa (impugnante) era uma coisa muito pequenina, com equipamentos já obsoletos e desactualizados”. Todavia, tais depoimentos não resultam convincentes pois omitem qualquer referência à grande valia associada à Convenção detida pelo laboratório A….………….., referido no RIT e que, como ali se diz, “compreende as autorizações de funcionamento e os acordos com médicos e serviços de saúde públicos e privados, que representam o activo principal e sem as quais, na prática, a empresa não poderá exercer a actividade (v.g., ARS, ADSE, Medis…)” (cf. fls.10 do apenso instrutor).

No que respeita ao ponto 6) que a Recorrente pretenderia ver aditado ao probatório ("Todas as quantias pagas pelas promitentes cessionárias aos promitentes cedentes foram pagas nos exercícios de 2005 e 2006”), não constitui facto controvertido, pois isso mesmo resulta evidenciado nos mapas que integram o n.º1.5. do RIT, a fls.10/11 do apenso instrutor.

Assim, na procedência parcial da impugnação da decisão de facto, aditam-se aos «factos provados», os seguintes:

14. A sociedade impugnante não contabilizou qualquer recebimento associado aos negócios de cessão de quotas ou de cedência do laboratório de análises clínicas e postos de colheita descritos nos pontos 1.1. e 1.3. do RIT (fls.5 a 10 do apenso instrutor);

15. Todas as quantias pagas pelas promitentes cessionárias – “Laboratório ……………….., Lda.” e “L……., ……………….., S.A.” – aos promitentes cedentes – Armando ………………… e Maria …………………. - , no negócio da cessão de quotas, o foram nos anos de 2005 e 2006, conforme mapa constante do n.º1.5. do RIT, a fls.11 do apenso instrutor.

Estabilizado o probatório, avancemos na apreciação das demais questões do recurso.

Como informam os autos e o probatório, foi celebrado em 19/08/2006 um designado “Acordo de Cedência de Laboratório de Análises Clínicas e de Postos de Colheita” entre a sociedade impugnante, “A……….. ………, Lda.” (1.ª Outorgante) e o “Laboratório ……………, Lda.” (2.ª Outorgante), tendo ficado convencionado no n.º2 da cláusula 2.ª que “os estabelecimentos são cedidos graciosa e definitivamente e na cedência estão incluídas todas as estruturas técnicas, de equipamento e de recursos humanos necessárias ao respectivo funcionamento, os quais serão integrados na actividade laboratorial da 2.ª outorgante”.

Mais se convencionou na cláusula 3.ª que “os estabelecimentos serão entregues à 2.ª outorgante que deles entrará na respectiva posse para aí exercer a sua actividade na data em que a presente cedência for autorizada pelas entidades competentes”.

Em acção inspectiva, constatou a AT que entre os sócios únicos da impugnante, Armando ……………e Maria ………………., na qualidade de promitentes cedentes e “Laboratório ………………, Lda.” e “L……….. – Centro ………………, S.A.”, na qualidade de promitentes cessionários fora celebrado em 15/04/2005 um designado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas” envolvendo a cedência da totalidade das quotas da sociedade impugnante pelo preço de 573.000,00€. Desse valor, foi efectivamente pago aos promitentes cedentes a quantia de 293.000,00€.

Concluiu a AT que as partes na promessa de cessão de quotas teriam desistido do negócio e substituído o mesmo, nunca integralmente cumprido, pelo já referido “Acordo de Cedência de Laboratório de Análises Clínicas e de Postos de Colheita”, salientando que o “Laboratório ………………, Lda.” e os “Laboratório de ……………………., Lda.” e “L………..– Centro …………….., S.A.”, pertencem ao mesmo grupo empresarial. E que o “Acordo de Cedência de Laboratório de Análises Clínicas e de Postos de Colheita”, teria sido concretizado preço de 293.000,00€ (já pagos aos sócios únicos da impugnante no âmbito da promessa de cessão de quotas) e não graciosamente, como nele estipulado, consubstanciando, na realidade, um trespasse, negócio este tributável em IRS sobre aquela matéria colectável de 293.000,00€.

Adversa a impugnante, ora Recorrente, que um negócio nada tem a ver com o outro e que o negócio da cessão de quotas é para prosseguir em momento oportuno e que a cedência do estabelecimento e postos de colheita nunca valeria aquela importância de 293.000,00€, só mesmo envolvendo a propriedade do imóvel onde o estabelecimento central funciona.

Vejamos então.

Como é de lei, os elementos declarativos e de contabilidade e escrita dos contribuintes presumem-se verdadeiros e de boa fé – art.º75.º, n.º1, da LGT.

Cessa a presunção de veracidade, nomeadamente, quando tais elementos declarativos e de contabilidade e escrita revelarem indício fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo – art.º75.º, n.º2, alínea a), da LGT.

Desde logo, pois, importará indagar se pode considerar-se a cedência gratuita e definitiva do laboratório central e postos de colheita da impugnante como um indício fundado, isto é, seguro e credível, de que não reflecte a realidade subjacente.

A nosso ver sim. Com efeito, num juízo de normalidade associado à lógica dos negócios, não é razoável que uma sociedade se desfaça a título “gracioso”, isto é, sem qualquer contrapartida de ordem financeira ou outra, do seu estabelecimento central e postos de colheita através dos quais prossegue a actividade empresarial para que está colectada de análises químico-biológicas e afins.

Salienta-se, conforme é relatado, que a actividade da sociedade impugnante com referência ao exercício de 2006 apresentou um resultado líquido declarado positivo, com proveitos da ordem dos 248.091,61€ (cf. fls.11 do apenso instrutor).

Entendemos, pois, que o juízo conclusivo da AT quanto à simulação do negócio de cedência do estabelecimento central e postos de colheita da impugnante, à falta de melhor explicação da impugnante em sede procedimental, se encontra factualmente suportado, legitimando a decisão correctiva assente em indícios fundados de que não reflecte a realidade económica subjacente.

Questão diversa prende-se com a quantificação do negócio subjacente, que na óptica da AT seria o de trespasse do estabelecimento central da impugnante e postos de colheita associados e teria sido concretizado pelo valor de 293.000,00€, correspondente às importâncias já pagas aos sócios únicos da impugnante em execução do contrato promessa de cessão de quotas, de que as partes teriam entretanto desistido, tanto assim que nenhuma medida por incumprimento foi accionada, e substituído pelo designado acordo de cedência gratuita e definitiva do estabelecimento.

Aqui, temos mais dificuldade em acompanhar a posição da AT.

Com efeito, uma coisa é concluir que o declarado quanto à cedência gratuita do estabelecimento da impugnante não corresponde à realidade e isso, como dissemos, encontra fundada base factual; outra coisa, bem diferente, é concluir que o negócio subjacente, que se pretende tributar, se efectuou pelo preço de 293.000,00€, correspondente às importâncias já pagas aos sócios únicos da impugnante no âmbito da promessa de cessão de quotas.

É que a AT não recorreu a métodos indirectos de quantificação (cf. RIT, fls.18 do apenso) e o juízo fáctico formulado de que o valor não declarado do negócio de cedência do estabelecimento fora aquele de 293.000,00€ não podia feito ser por via directa, por não dispor de quaisquer elementos objectivos que o sustentem, sejam de ordem declarativa ou contabilística da própria impugnante, sejam obtidos com recurso a elementos cruzados de outros contribuintes, aqui incluídos os sócios únicos da impugnante e as sociedades contraparte nos negócios de cessão de quotas e de cedência do estabelecimento.

Como se extrai a contrario do disposto no art.º87.º, alínea a), a avaliação directa pressupõe a existência dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.

Ora, o que a AT fez foi presumir, sem qualquer base factual sólida, incontroversa ou de exigível certeza probatória (art.º74.º, n.º1 da LGT), que o valor da cedência foi o correspondente às importâncias já pagas aos sócios da impugnante no âmbito da incumprida promessa de cessão de quotas, que respeita a pessoas jurídicas distintas.

E salienta-se, mesmo que a quantificação fosse assumida pela AT partindo da avaliação dos activos transferidos, aí incluídas as convenções médicas, a quantificação nunca poderia consubstanciar uma avaliação directa, pois esta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (art.º83.º, n.º1 da LGT), o que não é alcançável na falta de elementos declarativos e/ou contabilísticos do contribuinte ou obtidos de terceiros por via cruzada (nota-se que a contraparte no negócio de cedência, o “Laboratório ………… ………………., Lda.”, que se saiba, nada levou a custos do exercício com referência à cedência de que foi beneficiária).

Como assim, conclui-se que a AT não cumpriu os pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva, nos termos previstos no art.º16.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC.
Actuação correctiva que envolve, por um lado, a decisão de corrigir os valores declarados e/ou contabilizados por existência de indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo e, por outro, a subsequente decisão de quantificação dessa matéria tributável em falta e é neste segmento que a actuação da AT merece censura por ter elegido um valor sem dispor de elementos objectivos para tanto e que a Recorrente não aceita.

A sentença recorrida incorreu, pois, no apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, assim se concedendo provimento ao recurso.

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular a liquidação impugnada.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 07 de Junho de 2018



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Vital Lopes




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Jorge Cortez




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Cristina Flora