Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1961/08.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/20/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
ADMINISTRADOR DE FACTO;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. No regime de responsabilidade subsidiária do art.º 24.º da Lei Geral Tributária, compete à Fazenda Pública o ónus da prova do efectivo exercício da administração ou gerência do revertido oponente, contra ela devendo ser valorada a ausência dessa prova;
2. Não fica satisfeito aquele ónus da prova quando dos elementos do processo não resultam quaisquer factos que, num juízo de normalidade, permitam inferir essa administração ou gerência, para mais, quando o revertido nem sequer é administrador/ gerente inscrito da sociedade no período a que se reportam as dívidas tributárias.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

P..., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente a oposição deduzida à execução fiscal n.º ………………. e apensos contra ele revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “C... Distribuição Informática, S.A.” por dívidas provenientes de Coimas, IRS e IVA dos exercícios de 2002 e 2003.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.181).

O Recorrente conclui as suas alegações assim:
«
III - Conclusões:

a) O Tribunal a quo apreciou de forma errada a prova produzida em audiência bem como a constante nos autos e fundamentou de forma insuficiente os elementos que permitiram inferir a responsabilidade do recorrente, enquanto alegado administrador da sociedade comercial C... - Distribuição Informática SA.
b) Não há qualquer elemento probatório que permita determinar o conhecimento do recorrente das dívidas da sociedade C... SA, ou a sua capacidade de efetuar o pagamento das mesmas.
c) Não devem ser tidos como credíveis os testemunhos, quase enxertados em verdadeiros depoimentos de parte diremos nós, relativamente às testemunhas indicadas pela Fazenda Pública.
d) A Autoridade Tributária não demonstrou inequivocamente a responsabilidade do recorrente quanto ao pagamento dos impostos em falta, cabendo-lhe o si o ónus de o fazer.
e) A fundamentação da Mui Douta Sentença, peca pelo seu caracter demasiado subjetivo e vago.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra decisão que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada Justiça!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a dirimir (art.º 657/4 do CPC), e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença incorreu em erro na apreciação e valoração da prova; (ii) se incorreu em erro quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades e respectivo ónus de prova.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
3.1 De Facto:
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A) Em 2/02/2002, foi outorgado entre J..., A..., D... e L... o instrumento constante a fls. 33 a 35 do PEF apenso aos Autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, denominado por “Contrato de Sociedade”, através do qual constituíram a sociedade comercial anónima “C... – Distribuição Informática, S.A.”
B) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade “C... – Distribuição Informática, S.A., desde 17/04/2002 – cfr. Ap. 39/020417 constante na certidão do registo comercial de fls. 98 a 100 dos Autos;
C) O conselho de administração da C...,S.A. era composto por A... e J... – cfr. Ap. 39/020417 constante na certidão do registo comercial de fls. 98 a 100 dos Autos;
D) Em 23/02/2004, foi instaurado em nome da sociedade “C... Distribuição Informática, S.A.” portadora do NIPC……………….., no Serviço de Finanças de Lisboa 4, o processo de execução fiscal nº ……………… relativo a Coimas – cfr. fls. 1 do PEF apenso aos Autos;
E) Em 6/01/2005, foi emitida a Certidão de Dívida n.º 2005/3103 em nome da C... Distribuição Informática, S.A, referente ao IRS de 2002 no valor de 1.379,60€ - cfr. fls. 45 dos Autos;
F) Em 6/01/2005, foi emitida a Certidão de Dívida n.º 2005/3104 em nome da C... Distribuição Informática, S.A, referente ao IRS de 2003 no valor de 1.006,62€ - cfr. fls. 46 dos Autos;
G) Em 5/02/2005, foi emitida a Certidão de Dívida n.º …………..em nome da C... Distribuição Informática, S.A, referente ao IVA de 2002 no valor de 2.816,24€ - cfr. fls. 47 dos Autos;
H) Em 13/09/2013, foi emitida a Certidão de Dívida n.º …………. em nome da C... Distribuição Informática, S.A, referente ao IVA de 2003 no valor de 1.995,20€ - cfr. fls. 48 dos Autos;
I) Em data não concretamente apurada, foram apensados ao PEF indicado em D), os PEF n.º …………………… (IRS 2002), ……………… (IRS 2003), ………………..(IVA 2002), ………………….(IVA 2003) – cfr. citação de fls. 53 dos Autos;
J) Em 30/03/2006, foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4, os instrumentos constantes a fls. 6 a 7 do PEF apenso aos Autos, denominado “CEAP (Cadastro Electrónico Activos Penhoráveis)” e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta que não foram encontrados relativamente à sociedade devedora originária quaisquer prédios, viaturas, e relações cadastrais;
K) Em 23/10/2007, e no âmbito do processo n.º 12900/04.4 TDLSB que correu termos no DIAP, foi proferido o despacho de arquivamento do inquérito-crime movido contra o ora Oponente referente a um alegado crime de abuso de confiança – cfr. fls. 28 a 36 dos Autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
L) Em 25/09/2008, foi proferido o despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 constante a fls. 286 do PEF apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, através do qual reverteu a dívida do PEF n.º …………………. e aps. contra o Oponente;
M) Em 25/09/2008, no âmbito do PEF ……………. e aps., o Serviço de Finanças de Lisboa 4 remeteu para o Oponente, por carta registada, com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 289 do PEF apenso aos Autos, denominado de “Citação (Reversão)”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte « (…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 6.630,84 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que nos termos do n. 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.(…)»;
N) A sociedade C... foi criada a partir de antigos trabalhadores da sociedade M..., Lda., da qual o Oponente era o gerente – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
O) A C... foi constituída porque a M... começou a ter graves dificuldades financeiras – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
P) A sede inicial da C... era no mesmo local onde a M..., Lda. laborava, cujo proprietário era o pai do Oponente - cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
Q) O Sr. J...assinou vários cheques em branco que depois foram usados pelo Oponente - cfr. depoimento da testemunha J...;
R) O livro de cheques da sociedade estava sempre na mesa do Oponente - cfr. depoimento da testemunha J...;
S) Durante o ano de 2003, o Oponente emitiu os cheques constantes a fls. 54 e 55 do PEF apenso aos Autos à ordem da C..., S.A., no valor de 6.555,41€;
T) A p.i. foi apresentada em 3/11/2008 junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4- cfr. fls. 2 dos Autos.
*
Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Quanto ao depoimento prestado pelo Dr. D..., Advogado, e accionista da sociedade devedora originária, o Tribunal considerou que o mesmo não se revelou credível nem espontâneo. Aliás, há certos aspectos revelados pela testemunha que o Tribunal não achou que fossem críveis, nomeadamente a razão pela qual a C... funcionou (ainda que inicialmente) exactamente no mesmo local que a M... laborava, e numas instalações da propriedade do pai do oponente, motivo pelo qual o Tribunal não ficou convencido que o Oponente seria um mero funcionário.

Para além deste depoimento, o Tribunal também não achou credível o depoimento de JR, empresário, e à data dos factos, gerente do balcão do Banco ………………; Referiu que foi cerca de 2 vezes à C... para ir comprar um computador portátil; Referiu que o funcionário que o atendeu terá dito que quem tinha autorização para fazer descontos era o Sr. J... ou o Sr. A...; E apesar de ter dito que o Oponente era o técnico de informática, acabou por não saber explicar de forma precisa porque razão chegou a essa conclusão.
Mas também é verdade que a testemunha não sabia (aliás, nem tem tinha que saber) as verdadeiras funções do Oponente no seio da sociedade devedora originária.

Ao invés, o Tribunal valorou o depoimento de A..., antigo administrador da sociedade devedora originária; Explicou que a C... sucedeu à M..., a qual entrou em colapso por dívidas contraídas a fornecedores; Referiu que foi proposto que todos os funcionários da M... fossem sócios da nova empresa C...; Disse que após a constituição da C..., tudo continuou de forma igual à situação que existia na M...; Relatou que o gerente da M... era o Oponente. Referiu várias vezes que quem mandava na nova empresa era o Oponente e o seu pai, entretanto já falecido; Disse que quem fazia as compras e vendas era o Oponente e que o Sr. J... era o comercial; Explicou que se sentiram enganados pelo Oponente e apresentaram uma queixa crime; Referiu que foi abrir uma conta bancária da empresa conjuntamente com o Sr. J... e o pai do Oponente; Confessou que assinava os cheques da devedora originária.

Por último, outro depoimento relevante para a convicção do Tribunal foi o de J..., antigo funcionário da M... e depois, Administrador da sociedade devedora originária. Este depoimento foi totalmente credível pela conjugação de vários factores: a forma como foi prestado (e aqui estamos a referir-nos à comunicação verbal e não verbal) com a conjugação do depoimento da 3ª testemunha – Sr. A....
Disse que quando a M... entrou em colapso financeiro e para fugir a uma situação de desemprego, acabou por aceitar a proposta do Oponente para criar uma nova empresa – a C...; Referiu que o Oponente e o seu pai estavam sempre nas instalações da empresa; Explicou que a C... era a empresa deles (do Oponente e do seu pai); Referiu que a única coisa que mudou entre a M... e a C... era que agora, passou a assinar os cheques, que fazia de forma indiscriminada, ou seja, assinava cheques em branco que depois entregava ao Oponente para ele os usar; Referiu que o livro de cheques estava sempre na secretária do Oponente; Explicou que foram ao Banco abrir a conta bancária da empresa por ordem do pai do Oponente.

Posto isto, e neste percurso de fundamentação, chegou a altura de dar o passo seguinte, e chegamos a mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do julgador.

A conclusão a que este Tribunal chegou, e que vamos procurar demonstrar de seguida, permitiu-nos tirar uma conclusão definitiva sobre a improcedência da Oposição.

Assim, face ao exposto, o Tribunal considerou que foram vários os administradores desta empresa. Ou seja, para o Tribunal, a sociedade devedora originária possuía 2 administradores de direito, mas também, um terceiro administrador de facto – o Oponente.

Quer isso dizer que o Tribunal concluiu que o Oponente, ainda que possa não ter sido o único a desempenhar as funções de administrador, era o cerne da empresa.

Aliás, a história que alega na sua p.i. é pouco verosímil. E o depoimento da primeira testemunha não é credível para o Tribunal, porque ninguém deixa de ser gerente de uma empresa para passar a ser apenas um simples funcionário de uma outra sociedade constituída no mesmo local da propriedade do seu pai, com as mesmas pessoas a exercer as mesmas funções e no mesmo ramo de negócio.

Para além disso, as explicações apresentadas pelo Oponente para a utilização de cheques pessoais para pagamento de dívidas à sociedade devedora não são plausíveis. Naturalmente, o Oponente só os emitiu porque tinha a certeza absoluta que iria ser ressarcido através de cheques da sociedade, os quais dispunha de forma livre, ainda que necessitasse da assinatura dos administradores de direito.

E para este efeito vamos regressar ao depoimento da última testemunha, J..., o qual referiu que a única coisa que mudou entre a M... e a C... era que agora, passou a ser ele quem assinava os cheques. Mas tudo o resto era igual. E quem mandava realmente na C... era o Oponente.

Claro está que isso não significa que os Administradores de direito não tenham responsabilidades, mas não é esta a sede própria para analisar a mesma. O que se analisa neste processo é saber se o Oponente exerceu funções de administrador de facto. E a resposta é afirmativa.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com a presente oposição, visa o oponente a extinção da execução fiscal n.º ……………………. e apensos contra si revertida na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “C... – Distribuição Informática, S.A.”, devedora originária das dívidas em cobrança coerciva, provenientes de IRS do ano de 2002, IVA dos anos de 2002 e 2003 e coimas fiscais, no valor global de 6.630,84 Euros.

Como fundamento do pedido, alega o oponente, em suma, que é parte ilegítima na execução porquanto nunca foi de direito ou de facto, gerente da sociedade devedora originária.

A sentença, porém, com base na prova produzida, veio a dar por demonstrado que o oponente exercera as funções de administrador da sociedade devedora originária no período a que se reportam as dívidas.

Pretende agora o Recorrente que a sentença incorreu em erro na apreciação e valoração da prova, não alicerçando os factos assentes a conclusão a que chegou quanto à efectividade da sua gerência. Apreciemos.

Estando em causa dívidas tributárias, referenciadas a 2002 e 2003 – a coima revertida foi julgada prescrita pelo tribunal a quo, não integrando o objecto do recurso – o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes é o decorrente do art.º 24.º da Lei Geral Tributária (vd. art.º6.º do DL 398/98, de 17 de Dezembro).

Na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, estabelece o n.º1 daquele art.º24.º da LGT:

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se escreveu no Acórdão do STA, de 02/03/2011, exarado no proc.º 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava” (fim de cit.).

É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência ou administração. Na verdade, ao abrigo do regime em análise, o constante do art.º 24.º, n.º1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência ou administração.

Como também se deixou consignado no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011, exarado no proc.º0944/10,
«Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
(…)
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.».

Vertendo aos autos esta consolidada jurisprudência, vejamos.

Desde logo se salienta, e daí a razão de ser de a termos chamado à colação nos considerandos acima efectuados, que de acordo com a jurisprudência firme do STA, mesmo nas situações de comprovada gerência/ administração de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência ou administração, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência ou administração da globalidade da prova produzida.

Ora, no caso dos autos, desde logo se salienta que o oponente nem sequer é gerente inscrito da sociedade devedora originária e falecendo esse princípio de prova, que factos levados ao probatório permitem concluir que o oponente tenha praticado actos de administração da sociedade devedora originária? A nosso ver, nenhum.

Repare-se o que se retira da factualidade provada: a SDO, C..., funcionava em local de que era proprietário o pai do oponente; o administrador inscrito da SDO, J..., assinou cheques em branco da sociedade que depois foram usados pelo oponente; o livro de cheques da sociedade estava sempre na mesa do oponente; durante o ano de 2003, o oponente emitiu (três) cheques pessoais à ordem da SDO, C..., no valor de 6.555,41€.

Nenhum desses factos permite afirmar que o oponente chegou efectivamente a praticar actos de administração da sociedade, seja de natureza representativa, seja de natureza administrativa, intervindo por qualquer modo na gestão da sociedade.

Com efeito, a gerência ou administração é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando e extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes compreendem a miríade dos que forem necessários para realizar o respectivo objecto social.

O gerente goza, pois, de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

Tratando a distinção entre ambas as categorias de poderes (representativos e administrativos), observou o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 31/10/2013, disponível em www.dgsi.pt. que «A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação».

Por outro lado, embora o Mmo. Juiz a quo tenha valorado o depoimento das duas testemunhas da Fazenda Pública, A... e J...em detrimento das testemunhas do oponente, é bom lembrar que estes dois, sim, eram os administradores de direito da SDO no período das dívidas, como se alcança da certidão de registo junta a fls.97 dos autos e, portanto, com interesse contraposto ao do oponente na imputação da responsabilidade subsidiária por dívidas fiscais da sociedade, para mais, com manifesto percurso de conflito nas suas relações com o oponente, tendo sido ambos denunciantes no Inquérito-crime a que se refere a alínea K) da matéria assente.

De resto, o depoimento de ambos, do A... e do J...apresenta-se manifestamente vago e genérico, nada apontando de concreto como actuação do oponente como administrador da sociedade, resumindo-se o seu depoimento em dizer que assinavam cheques em branco que depois entregavam ao oponente, que quem fazia as compras e vendas era o oponente, que quem mandava na sociedade era o oponente e seu pai (entretanto, falecido), que ambos estes estavam sempre presentes nas instalações da empresa, que foram abrir uma conta bancária da sociedade por ordem do pai do oponente.

Como se vê, não só o depoimento de ambos os administradores inscritos da SDO, A... e J...é vago, genérico e inconclusivo, como importa relativizar porquanto aqueles e o oponente partilham, em abstracto, da mesma responsabilidade subsidiária por dívidas da sociedade devedora originária.

Assim, não acompanhamos o juízo fáctico que o Mmº. Juiz a quo extraiu do material probatório dos autos quanto à efectividade das funções do oponente como administrador da sociedade devedora originária no período a que se reportam as dívidas.

E recaindo o ónus da prova da efectividade da administração ou gerência sobre a Fazenda Pública, contra ela deve ser valorada a ausência dessa mesma prova, julgando-se o oponente/Recorrente parte ilegítima na execução por dívidas da sociedade devedora originária.

5– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição procedente.

Custas a cargo da Recorrida em 1.ª instância (não contra-alegou neste).

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020



______________________________
Vital Lopes




_______________________________
Luísa Soares





_______________________________
Mário Rebelo
[voto vencido]




Vencido.
Concordo que os autos não contêm matéria fatual decisiva para imputar ao Oponente atos de gerência efetiva e que os factos provados constantes das alíneas Q) e R) demonstram menos do que a convicção que o MM.º juiz "a quo" muito bem expressou na motivação da matéria de facto. Mas precisamente por se notar que a prova ficou aquém da convicção do MM.º juiz, devolveria os autos à primeira instância para esclarecer e completar, na medida do possível, o conteúdo daquelas alíneas visando a sua melhor contextualização e apuramento, designadamente, para que é que o Oponente usou os cheques em branco (pagamento de fornecedores?) e qual a razão para os cheques estarem sempre na mesa do Oponente (era ele que decidia o destino a dar-lhes determinando quais os pagamentos a fazer pela sociedade?).

Lisboa, 20 de fevereiro de 2020.



(Mário Rebelo)