Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1458/16.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:INSOLVÊNCIA
IRC
OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I. A declaração de insolvência de uma determinada sociedade não desonera, per se, a insolvente do cumprimento de obrigações fiscais declarativas.

II. Tendo sido emitida liquidação oficiosa de IRC, por falta de apresentação tempestiva da declaração de rendimentos, com base em liquidação entretanto anulada, por erro sobre os pressupostos, esta invalidade reflete-se na validade da liquidação oficiosa emitida.

III. No caso de ser apresentada declaração de rendimentos fora do prazo legal, depois de emitida a liquidação oficiosa de IRC e dentro do prazo de caducidade, a AT deve desencadear procedimento com vista a aferir da necessidade de corrigir a liquidação oficiosa emitida, sob pena de erro sobre os pressupostos desta.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Acórdão


I. RELATÓRIO

M..... I.... - S..... I.... Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 17.01.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2014.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1-Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a fls , que julgou improcedente a impugnação oportunamente deduzida pela ora recorrente.

2-Contudo tal sentença faz uma errada aplicação da Lei aos dos factos constantes dos autos.

3-Com efeito a questão essencial em apreço era saber como, de resto, o Mertº Juiz “ a quo “ expressamente aceita ao referir sob a epígrafe “ Questões que cumpre solucionar “ uma sociedade anteriormente declarada insolvente é ou não sujeita passiva de IRC.

4-E a resposta dada na sentença é que uma Massa Insolvente não tendo exercido qualquer actividade depois da sua declaração de insolvência pode ser objecto de tributação em sede de IRC.

5-Contudo andou mal o Mertº Juiz “ a quo “ ao perfilar e adoptar tal entendimento jurídico.

6-Na verdade uma Massa Insolvente que não exerça actividade comercial ou industrial depois de ser declarada insolvente

7-E cuja única actividade consiste em liquidar o património e pagar, no possível, aos credores como ocorreu no caso vertente não é sujeito passivo de IRC.

8-Dispõe o artº 2º do Código de IRC que são sujeitos passivos de imposto as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado

9-Sendo que nenhuma referência é feita nessa norma às Massas Insolventes.

10-Nem sequer se pode afirmar que uma massa insolvente preenche os requisitos previstos nos artºs 15 e 18 nº nº 3 da LGT para ser considerada sujeito passivo da relação tributária pois

11-Uma massa insolvente, uma vez declarada a insolvência da sociedade e encerrada a actividade, como ocorreu no caso vertente, prosseguindo para liquidação, só tem um fim ou actividade que consiste

12-Única e exclusivamente na venda do património da insolvente (saliente-se, da insolvente e não dela, massa insolvente) para liquidar as dívidas, na medida do possível, da mesma insolvente.

13-Admitir-se este tipo de tributação em sede de IRC onde não existem lucros constitui clara violação às normas vertidas nos artºs 103 nº 3 e 104 nº 2 da CRP na medida em que a tributação deve ser efectuada com base no rendimento real.

14-Doutro passo o Código de IRC ao adoptar a menção de “ rendimento acréscimo “ quer abranger não só os ganhos resultantes da actividade produtora como também outros ganhos alheio a ela e por conseguinte as mais valias realizadas.

15-Aquele conceito impede que as mais valias por si só possam ser tributadas autonomamente e desintegradas do rendimento global.

16-Por outro lado o produto da venda dos bens que integram a massa insolvente não preenchem o conceito de mais ou menos valia estatuído no artº 46 do código do IRC (CIRC)

17-Pelo que a tributação sem lucros como pretende a Administração Fiscal é inconstitucional por violação dos artºs 103 e 104 da CRP.

18-Não pode existir para uma massa insolvente o mesmo tratamento fiscal que para uma sociedade comercial pois estamos perante realidades jurídicas e jurídico-fiscais totalmente diversas.

19-Sendo que por esta via que foram postos em causa os princípios da capacidade tributiva, da igualdade fiscal e da legalidade consignados nos artºs 103, nº 3 e 104 nº 2 da Constituição.

20-Todos estes fundamentos estão e de um modo muito mais douto sufragados por jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo ver entre outros o Acordão proferido em 2 de julho de 2014 pelo Supremo Tribunal Administrativo

21-E sobretudo o recente e douto Acordão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 0876/15 em 8/11/2017 no qual é fixado que( em caso de sociedade declarada insolvente e encerrada a actividade ) se não ocorrer actividade económica não pode haver lugar à tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável á liquidação de bens da massa insolvente as regras dos artº 73 e sega co CIRC..

22-Perante estes factos, e reiterando que a recorrente não é sujeito passivo de IRC, e, por isso, a liquidação em causa deve ser anulada, no entanto, à cautela, e sem conceder, invoca-se a ilegalidade no apuramento da matéria coletável fixada pela AT.

23-Com efeito na determinação do rendimento real a AT deve recorrer à avaliação indireta ou liquidação oficiosa apenas e unicamente quando estiverem reunidas condições que não permitem o recurso às regras da avaliação direta e a lei assim o estabelecer.

24-Doutro passo o rendimento determinado pela AT, com recurso a métodos indiretos ou liquidação oficiosa, ao ter por base a realidade económica, contabilística e fiscal, bem como um conjunto de pressupostos identificáveis, não é mais do que o rendimento real presumido, pois o que se pretende obter é o valor mais aproximado do rendimento real e efetivamente obtido pelo contribuinte.

25- Por fim e sem conceder, a liquidação oficiosa tendo como no caso vertente por base uma avaliação indireta, sendo subsidiária da avaliação directa, visa, no entanto, o mesmo objetivo que esta: a tributação do rendimento real, de acordo com o nº2 do art.104º da CRP.

26-Só que, pela avaliação indireta e consequente liquidação oficiosa esse desiderato é efetuado através do apuramento de um rendimento presumido, mas sempre perspetivado como o rendimento real (é, na verdade, um rendimento real, ainda que presumido).

27-E este entendimento é unanimemente sufragado quer pela jurisprudência quer pela doutrina.

28-Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), Proc.0422/09, de 07/10/2009.

29-Ora no caso vertente nada disso aconteceu pois a Autoridade Tributária fixou uma matéria coletável com base em rácios e margens de lucro inaplicáveis à recorrente, como se esta “ainda estivesse a operar no mercado concorrencial próprio do seu objeto de negócio, uma vez que tal rácio de rentabilidade tem como pressuposto que as empresas se encontrem a operar em condições normais, ou seja, nas condições mais frequentes nessa época e lugar com a diligência, técnica e preços geralmente praticados” e não curou de saber qual o rendimento presumido que se aproximaria do rendimento real.

(Acórdão do STA de 02/07/2014).

30-Desse modo, e reiterando que a recorrente não é sujeito passivo de IRC, e, por isso, a liquidação em causa deve ser anulada, no entanto, à cautela, e sem conceder, invoca-se a ilegalidade no apuramento da matéria coletável fixada pela AT.

31-Não é devido qualquer imposto constante da liquidação notificada à recorrente porque, desde logo, a recorrente não é sujeito passivo de IRC

32-E porque, mesmo que assim não se entenda, não havia razão para o recurso à aplicação da liquidação oficiosa.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis deve ser revogada a sentença proferida e ser proferido Acordão que julgue procedente a impugnação deduzida como é de inteira JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o ato padece de erro sobre os pressupostos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A I….. encontra-se inscrita no registo da AT desde 02.01.2008 pela actividade de construção de edifícios, enquadrada no regime geral de IRC, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 29.12.2010, no âmbito do processo nº 964/10.6TYLSB, que correu termos no 1º Juizo do T.C. de Lisboa, não se encontrando averbada qualquer dissolução ou encerramento da liquidação da empresa. –cfr “Prints Informáticos” de fls 12 a 14 e “Certidão Permanente” dea C.R.C., de fls 26 a 32, do PA e “Certificação CITIUS”, de fls 45do Proc. Recl. Graciosa apensa.

B) Relativamente ao exercício de 2014 a I.... não apresentou a respectiva “Declaração Periódica de Rendimentos- Modelo 22”, razão pelo qual a Adm. Tributária elaborou uma “Declaração Oficiosa” relativa àquele exercício, a qual determinou uma liquidação oficiosa do imposto , em que foi considerado a totalidade da matéria tributável do ano de 2012 que se encontrava determinada na sequência do procedimento de inspecção tributária , no valor de € 1 270.553,95, apurando-se um imposto, acrescido da respectiva derrama municipal e de juros compensatórios, no montante total de € 317.528,48. –cfr “Ptint Informático” de fls 17 e de fls 18, do P.A. e “Print Informático” de fls 42 e parte do Relatório da I.T. de fls 46, do Proc. Recl. Apenso.

C) Do acto de liquidação de imposto referido supra foi apresentado, em 17.05.2016, reclamação graciosa, a qual mereceu decisão de indeferimento proferido em 23.09.2016, pelo D.F.Adjunto da D.F. de Lisboa. –cfr autos de reclamação graciosa e despacho proferido sobre Parecer e Informação dos Serviços, de fls 59 a 61 v., do Proc. Recl. Graciosa apenso.

D) Em 19.07.2016, foi entregue via electrónica pela I.... , uma “D.P. Modelo 22” do exercício de 2014, sendo nulos os valores apurados quanto ao respectivo lucro tributável, matéria colectável e de imposto apurado. –cfr documento de fls 39 a 41 v. da Recl. Graciosa apensa”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que uma massa insolvente que não exerceu qualquer atividade depois da sua declaração de insolvência não é sujeito passivo de IRC e não pode ser objeto de tributação em sede do referido imposto, verificando-se, pois, erro sobre os pressupostos da liquidação.

In casu, a liquidação controvertida foi uma liquidação oficiosa emitida pela administração tributária (AT), na sequência da ausência declarativa da Recorrente, tendo por base os alegados rendimentos da mesma relativos a 2012 – que, acrescentamos, foram determinados em sede de ação inspetiva, cuja liquidação foi objeto de impugnação, tendo, em Acórdão deste TCAS, de 13.05.2021 (Processo: 107/15.0BESNT), sido confirmada a sentença que julgou a impugnação procedente, por se ter considerado que, in casu, venda do ativo apreendido para a massa insolvente com vista ao pagamento dos credores não constituiu atividade económica da sociedade geradora de lucro e sujeita a tributação em IRC.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 2.º do Código do IRC (CIRC):

“1 - São sujeitos passivos do IRC:

a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português;

b) As entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português, cujos rendimentos não sejam tributáveis em imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou em IRC diretamente na titularidade de pessoas singulares ou coletivas;

c) As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS.

2 - Consideram-se incluídas na alínea b) do nº 1, designadamente, as heranças jacentes, as pessoas coletivas em relação às quais seja declarada a invalidade, as associações e sociedades civis sem personalidade jurídica e as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, anteriormente ao registo definitivo.

3 - Para efeitos deste Código, consideram-se residentes as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território português”.

Veja-se que o CIRC consagra, para efeitos deste imposto, que há que considerar que o mesmo deixa de se exigir com a cessação da atividade, fazendo coincidir esta com a data do encerramento da liquidação (cfr. art.º 8.º, n.ºs 4 e 5).

Paralelamente, há que atentar no regime do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), concretamente no regime respeitante às pessoas coletivas.

Assim, encontrando-se um determinado devedor em situação de insolvência (ou seja, impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas – cfr. art.º 3.º, n.º 1, do CIRE), existe um dever de requerer a sua declaração de insolvência, nos termos prescritos no art.º 18.º do CIRE.

O processo de insolvência, visando a satisfação dos credores, admite a prossecução desse objetivo quer através de uma solução que vise a recuperação da empresa quer através de uma solução que se centre na liquidação do património do devedor insolvente.

Sendo declarada a insolvência da sociedade devedora, é, designadamente, nomeado o administrador de insolvência e decretada a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (cfr. art.º 36.º do CIRE).

A primeira questão que se coloca é a de saber se uma sociedade declarada insolvente pode ou não ser sujeito passivo de IRC.

Ora, uma vez que com a declaração de insolvência a pessoa coletiva não deixa de existir, para efeitos do art.º 2.º do CIRC continua a ser sujeito passivo de IRC. Com efeito, enquanto a atividade não for cessada, continua sujeito passivo deste imposto e, como tal, obrigado designadamente ao cumprimento das obrigações declarativas daí advenientes [cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.02.2011 (Processo: 01145/09) e de 08.11.2017 (Processo: 0876/15)].

Como referem Cidália Mota Lopes e Ana Cristina dos Santos Arromba Dinis(1):

“[O] artigo 2.º do CIRC ao definir que são sujeitos do IRC “as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português”, o legislador fiscal não exclui da tributação as sociedades insolventes, porque apesar de se encontrarem em processo de insolvência não deixam se ser sociedades. Mais ainda, o legislador fiscal ao contemplar como sujeitos passivos de IRC “as entidades desprovidas de personalidade jurídica, com sede ou direção efetiva em território português”, bem como “as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português”, não faz depender a personalidade tributária (ou personalidade fiscal) da personalidade jurídica. Significa tal, pois, que para o legislador fiscal se determinada entidade não possuir personalidade jurídica, mas obtiver rendimentos, a mesma é sujeito passivo de IRC pois tem personalidade tributária”.

Refira-se, aliás, que, justamente para esclarecer esta questão, o CIRE foi objeto de alteração em 2012, com a Lei n.º 16/2012, de 20 de abril. Assim, nos termos do seu art.º 65.º:

“1 - O disposto nos artigos anteriores não prejudica o dever de elaborar e depositar contas anuais, nos termos que forem legalmente obrigatórios para o devedor.

2 - As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.

3 - Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.

4 - Na falta da deliberação referida no número anterior, as obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar.

5 - As eventuais responsabilidades fiscais que possam constituir-se entre a declaração de insolvência e a deliberação referida no n.º 3 são da responsabilidade daquele a quem tiver sido conferida a administração da insolvência, nos termos dos números anteriores” (sublinhados nossos).

Portanto, daqui resulta que se mantêm, até à deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, obrigações declarativas, ainda que não haja qualquer atividade suscetível de consubstanciar facto tributário. Depois de haver tal deliberação, só existirá obrigação declarativa caso ocorra qualquer evento suscetível de ser considerado facto tributário para efeitos de IRC.

Como referido por Rui Marques(2):

“A deliberação de encerramento do estabelecimento compreendido na massa insolvente, a que se refere o artigo 65.º, nº 3 do CIRE (…), sendo comunicada oficiosamente pelo tribunal, pode ser determinante da cessação de actividade para efeitos fiscais (…), no pressuposto de que a actividade da pessoa colectiva insolvente deixará de ser exercida e que, consequentemente, deixará de lhe ser exigível o cumprimento das obrigações fiscais especificamente emergentes da prossecução normal de uma actividade (…).

A cessação de actividade é divulgada no Portal das Finanças (…), de modo a obstar a uma eventual utilização indevida do número de identificação fiscal (NIF), deixando também o sujeito passivo cessado de poder utilizar o referido número para efectuar aquisições intracomunitárias.

(…)

Comunicada à AT a deliberação do encerramento de estabelecimento compreendido na massa insolvente (…) e assumida a cessação oficiosa prevista no artigo 8º, nº 6, a partir deste momento, e sem prejuízo do cumprimento de obrigações decorrentes de factos tributários anteriores, as pessoas colectivas insolventes só ficam obrigadas à entrega da declaração periódica de rendimentos e à respectiva liquidação e pagamento do imposto, relativamente aos períodos de tributação em que se verifique a existência de qualquer facto tributário sujeito a IRC”.

Chama-se, ainda, à colação o disposto no art.º 117.º CIRC, nos termos de cujo n.º 10:

“Relativamente às sociedades ou outras entidades em liquidação, as obrigações declarativas que ocorram posteriormente à dissolução são da responsabilidade dos respetivos liquidatários ou do administrador da falência”.

Logo, não se pode concluir que a circunstância de determinada sociedade ser declarada insolvente conduz a que a mesma não seja sujeito passivo de IRC. In casu, atenta a factualidade assente, nada não nos permite concluir no sentido de à Recorrente não assistirem obrigações declarativas em relação ao exercício de 2014.

Coisa diferente é se, não obstante subsistirem as obrigações declarativas, existe ou não facto tributário.

Com efeito, é possível que, no âmbito de um processo de insolvência, se obtenham rendimentos suscetíveis de tributação em sede de IRC.

Veja-se, por exemplo, que, se em sede de assembleia de credores esta deliberar, nos termos consignados no n.º 2 do art.º 156.º do CIRE, a manutenção da atividade de estabelecimentos compreendidos na massa insolvente, se tais estabelecimentos obtiverem rendimentos estamos perante rendimentos sujeitos a IRC.

Coisa diferente se passa se apenas se proceder à liquidação dos bens que integram a massa insolvente e se a tributação efetuada pela AT foi a título de mais-valias.

Ora, este foi o caso inerente ao exercício de 2012, que está na base da liquidação oficiosa ora em discussão, e cuja liquidação, como já referimos, foi objeto de apreciação por este TCAS, em Acórdão de 13.05.2021 (Processo: 107/15.0BESNT). Ali se escreveu:

“[A] questão que agora nos propomos averiguar é saber se uma sociedade em processo de liquidação falimentar está ou não sujeita a obrigações fiscais, declarativas e de imposto.

O STA chamado a pronunciar-se, decidiu, em vários acórdãos que a sujeição ao regime do IRC continua a existir, com as necessárias adaptações, enquanto não se encerrar a liquidação, pois uma sociedade apenas se extingue após o registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC) (…).

(…)

Verificada, pois, a continuidade da sua qualidade de sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2º do respetivo Código, o lucro tributável destas sociedades é, porém, determinado com referência a todo o período de liquidação do património societário como estipulado pelo n.º 8 do artigo 8.º e 79º/1 ambos do CIRC.

A sociedade em liquidação não só está vinculada ao cumprimento das obrigações declarativas fiscais como pode também ser sujeito passivo de IRC uma vez que, como também referiu o STA no ac. 0876/15 08-11-2017 (…) a circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede, como referimos, que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.

Ou seja, se na sociedade insolvente ocorrer atividade económica geradora de rendimentos tributáveis em IRC eles encontram-se sujeitos às regras previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC (correspondente ao art.º 79º na redação vigente em 2012).

(…) Como se destacou no referido acórdão nº 01079/03 a propósito da venda do ativo imobilizado, mas cuja doutrina nos parece aplicável aos restantes bens do ativo, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos (…).

Porém, se não ocorrer qualquer atividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 79º e segs. do Código do IRC, como se explicitou no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03.

No mesmo sentido decidiu o douto acórdão do STA proferido em 3/11/2016 no recurso nº 0448/14, que «Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.»[4].

No caso concreto, a AT apurou proveitos ou ganhos como se fossem derivados de operações inerentes a uma atividade normal da empresa, a coberto dos artigos 20.º/1-a), e art. 3º do CIRC e refletiu os gastos incorridos tendo por base os rácios disponíveis na Base de Dados da AT, mais especificamente o indicador do valor acrescentado bruto da actividade (R17-MBII) que relaciona as prestações de serviços/transmissão de bens com custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC) e fornecimentos e serviços externos (FSE) dos contribuintes pertencentes ao universo (CAE 41200), deduzindo encargos financeiros idênticos aos contabilizados em 2010.

Acrescentando que uma vez que a maioria das frações referentes ao imóvel foram alienadas por um valor de venda inferior ao seu valor patrimonial assim, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art.º 64º do CIRC, temos a acrescer ao rendimento presumido € 554.463,00...”. .

Assim, a AT apurou a matéria coletável no montante de € 1.270.553,95 à qual aplicou a taxa normal de IRC - 25% - liquidando imposto no montante de € 317.638,49 (cfr. art. 87º/1 CIRC, na redação vigente à data).

Como se depreende da matéria de facto fixada, a sociedade já não desenvolvia a atividade própria daquele que foi o seu objeto social tendo-se limitado o liquidatário judicial a alienar o património apreendido para a massa falida para dar pagamento aos credores reclamantes.

E apesar não terem sido cumpridas obrigações fiscais declarativas –que se mantinham conforme doutrina acolhida no referido acórdão nº 01145/09 – permitindo à Administração Tributária averiguar, através de ação inspetiva (como aconteceu) se a empresa tinha ou não continuado a exercer atividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, esta omissão não integra, sem mais, fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento.

A venda que teve lugar é uma venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal.

Não é uma venda de bens do seu ativo circulante com vista à obtenção de lucro, nem do imobilizado para realização de mais, ou menos valias. É uma venda de bens apreendidos para a massa falida visando a satisfação dos credores, cujo resultado não integra o conceito de lucro sobre o qual possa incidir IRC (cfr. art. 3º/1-a) CIRC).

Dito de outro modo, a alienação dos imóveis não resulta da atividade da Impugnante, não visou a obtenção do lucro, não resultou de negócios jurídicos que se tenham continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência. Nem é resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.

Portanto, a venda não se insere na atividade da insolvente e o capital realizado não está sujeito a IRC.

Entraríamos agora na questão de saber se estão reunidos os pressupostos para a avaliação indireta e se o contribuinte provou o excesso na quantificação, para além da questão de saber quais os efeitos da apresentação da declaração mod. 22 no procedimento de revisão da matéria tributável.

No entanto, uma vez que a liquidação não resulta de qualquer atividade da Impugnante, como deixámos exposto, nem das restantes circunstâncias acima referenciadas suscetíveis de tributação em IRC, a apreciação destas questões fica necessariamente prejudicada (art. 608º/2 "ex vi" do art. 663º/2 CPC)”.

Ora, considerando este entendimento veiculado relativamente ao exercício de 2012, resulta, desde logo, que, pela intrínseca ligação de uma liquidação relativamente à outra, há automaticamente um erro sobre os pressupostos. Se a liquidação de 2012 é inválida, por se ter considerado inexistir facto tributário, essa invalidade projeta-se na ora em apreciação, que naquela se sustentou – neste sentido, em relação ao exercício de 2013, cfr. o Acórdão deste TCAS, de 09.06.2021 (Processo: 1162/16.0BESNT).

Acrescente-se, ademais, que, in casu, a Recorrente apresentou declaração de rendimentos a zeros, após a emissão da liquidação oficiosa, declaração essa que espelhava, justamente, a inexistência de qualquer facto tributário.

É certo que a declaraçã0 de rendimentos em causa foi já apresentada fora de prazo [cfr. os então art.ºs 117.º e 120.º do CIRC].

Neste contexto, não funciona a presunção de veracidade das mesmas, a que se refere o art.º 75.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual “[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei…”.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.05.2016 (Processo: 0415/15), no qual se refere:

“[C]ontrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também - a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada” (sublinhado nosso).

Não beneficiando as declarações de rendimentos em causa da presunção de veracidade, a sua apresentação, per se, é livremente valorada.

No entanto, sempre deveria a AT ter tido em consideração tal elemento na sua atuação, tanto mais que a mencionada declaração foi apresentada na pendência de reclamação graciosa [cfr. factos C) e D)], encontrando-se ainda a decorrer o prazo de caducidade do direito à liquidação e sendo, por isso, aplicável o previsto no então n.º 12 do art.º 90.º do CIRC (cfr. art.º 101.º do mesmo código), nos termos do qual “[a] liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.

A este propósito, sumariou-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.12.2018 (Processo: 0220/11.2BEVIS 0286/18), relativo ao regime simplificado de IRS, mas cuja doutrina é transponível in casu:

“I – (…) [P]erante a omissão declarativa do contribuinte, em sede de IRS, era lícito à AT, (…) proceder à declaração oficiosa com recurso ao regime simplificado de tributação (…).

II - Mas se após a declaração oficiosa o(a) contribuinte fez uso atempado da possibilidade que lhe conferia o artº 76º nº 4 do CIRS e apresentou a declaração modelo 3 de IRS, esta declaração ainda que não gozasse da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.

III - O princípio da tributação do rendimento real impunha a sua apreciação e aconselhava a realização de inspecção perante os elementos supervenientes que foram apresentados e que por não gozarem já da presunção de veracidade, estavam sujeitos a livre apreciação e confirmação pela AT.

IV - Não o tendo feito, resultou a ocorrência de evidente excesso de quantificação de rendimentos que influenciou a liquidação oficiosa agora questionada a qual não se pode manter”.

Da mesma forma, chama-se à colação o Acórdão deste TCAS, de 04.06.2020 (Processo: 2072/07.8BELSB), onde a ora relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta e onde se sumariou:

“Tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no artigo 83.º, nº 10 do CIRC, o princípio da tributação do lucro real impõe outras diligências por parte da Administração Tributária, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados pelo contribuinte e na sequência de pronúncia da Administração Tributária. Inexistindo tal procedimento ocorre excesso de quantificação de rendimentos”.

Portanto, sempre a AT deveria ter considerado tais elementos na sua atuação, o que não ocorreu. Com efeito, compulsada a decisão proferida em sede de reclamação graciosa é ali simplesmente referido que não está prevista na lei a substituição de liquidação oficiosa pela liquidação resultante de declaração de rendimentos posterior, nada tendo sido decidido, pois, atentando a tal declaração.

Logo, considerando todo o contexto a que nos referimos, verifica-se que assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Cumpre ainda, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a circunstância de as questões suscitadas já terem sido tratadas por este TCAS, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação e anulando os atos impugnados;

b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

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(1)Cidália Mota Lopes e Ana Cristina dos Santos Arromba Dinis, «A tributação das sociedades insolventes», Insolvência e processo tributário, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2019, p. 45.
(2)Código do IRC Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 98 e 99.