Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1126/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CRÉDITOS INCOBRÁVEIS
DISSOLUÇÃO
SUPRIMENTOS
Sumário:I. O art.º 39.º do CIRC consagra, como pressupostos para um determinado crédito ser considerado incobrável, que essa incobrabilidade resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência e que, relativamente aos mesmos, não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

II. Subjacente ao primeiro dos pressupostos mencionados em I. está a certeza da incobrabilidade do crédito

III. Não é admissível a consideração de determinados custos, relativos a créditos de suprimentos, como créditos incobráveis, quando a alegada incobrabilidade resulte de uma deliberação de dissolução da sociedade devedora, participada também pela sociedade credora.

IV. Esta interpretação não colide com o princípio da tributação pelo rendimento real, porquanto o nosso ordenamento consagra expedientes ao dispor do credor de suprimentos, com vista à sua cobrança, permitindo-se, pois, a possibilidade de se dar cumprimento ao disposto no art.º 39.º do CIRC.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

I. P., SGPS, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 26.04.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1º) A liquidação impugnada resultou da não aceitação, por parte da Administração Tributária, da perda ou incobrabilidade de um crédito que a recorrente detinha sobre a sociedade S.;

2º) O referido crédito resultou de suprimentos efectuados à S. pela sociedade C., que era a sua única accionista, sendo que, com tais suprimentos, a S. adquiriu um património vultuoso, constituído por acções representativas do capital social do B. S.;

3º) As referidas “acções S.” geraram para a S. dividendos de elevado valor;

4º) Para pagamento da dívida que a S. tinha para com a sua sócia C., ela vendeu a esta, a preço de mercado, as referidas “acções S.”, mas o valor assim obtido foi inferior à dívida, razão pela qual a C. continuou credora da S.;

5º) A C. veio a ser cindida, dando origem a várias sociedades, entre as quais a recorrente, recebendo esta, como decorre de um processo de cisão, na proporção, parte dos activos e passivos da C.;

6º) Entre os activos recebidos pela recorrente estavam “acções S.”, uma participação na S. e um crédito sobre esta;

7º) A S. foi dissolvida e liquidada, apurando-se, nesse processo de liquidação, a inexistência total de activos, pelo que o crédito que a recorrente detinha sobre a S. deixou de ser cobrável;

8º) Na não aceitação, como custo fiscal, dessa incobrabilidade do crédito da impugnante sobre a S., a Administração Tributária invocou o n° 1 do art° 23° do CIRC como norma/fundamento da correcção efectuada, considerando não estar provado que a concessão dos suprimentos gerou rendimentos tributáveis;

9º) Trata-se de uma errónea concepção sobre a legal e necessária ligação entre custos e proveitos - os custos fiscalmente aceites não são aqueles que geram proveitos, mas sim aqueles que são potencialmente aptos a gerarem proveitos;

10°) Ora, é evidente que a concessão de suprimentos pode permitir - como, aliás, permitiu - que a S. adquirisse um relevante património (as “acções S.”) potenciador de rendimentos, quer para si, quer para a sua sócia C., seja por via de dividendos, seja por via de mais-valias;

11°) Sendo certo, além de mais, que, efectivamente, as sociedades em causa (a S. e a C.) obtiveram proveitos resultantes dessas acções S.”;

12°) O juízo de conformidade entre proveitos e custos estabelecido no art° 23° do CIRC tem que ser efectuado em relação à C. e à S., na medida em que foi aquela que concedeu os suprimentos a esta;

13°) Tal circunstância não põe em causa a aceitabilidade do custo na esfera jurídica da recorrente, na medida em que esta nasceu de um processo de cisão-dissolução da C., razão pela qual a recorrente, quer em face do regime de cisão estabelecido no art° 119°, i), do Código das Sociedades Comerciais, quer em face do regime de neutralidade fiscal da cisão estatuído no art° 74° do CIRC, é uma “continuidade” da C.;

14°) De qualquer forma, está provado que a recorrente auferiu rendimentos (dividendos e mais-valias) gerados pelas “acções S.” adquiridas com os suprimentos efectuados pela C.;

15°) É, assim, ilegal, a não aceitação do custo com base no n° 1 do art° 23° do CIRC;

16°) A Administração Tributária invocou, também, o art° 39° do CIRC para não aceitar a incobrabilidade do crédito e o seu concomitante reflexo como custo fiscal, fundamento esse considerado legal pela douta sentença recorrida;

17°) Ora a própria Administração Tributária afirma que a S. não tinha activos e, portanto, não podia pagar as suas dívidas;

18°) Sendo certo que, em resultado da dissolução/liquidação da S., “executou- se” todo o seu património, constatando-se, de modo indiscutível, que ele era, de todo em todo, inexistente;

19°) A dissolução/liquidação da devedora é uma forma clara e evidente de diligências para a cobrança de crédito;

20°) À semelhança do que acontece num processo de insolvência, através da dissolução/liquidação de uma sociedade, “executa-se” o seu património para, assim, pagar aos credores - ora, repete-se, no caso, “executou-se” a S. e constatou-se a inexistência de qualquer activo para solver dívidas;

21°) Essa inexistência de bens e, portanto, a indiscutível incobrabilidade do crédito está também demonstrada nas declarações fiscais apresentadas pela S., em relação às quais existe, nos termos do art° 75° da LGT, a presunção de verdade;

22°) A não se entender assim, o sócio credor de suprimentos - como era o caso da recorrente - veria, logo à partida, a sua capacidade de beneficiar do regime dos créditos incobráveis amputado, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 245°, n° 2 do Código das Sociedades Comerciais, “os credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade

23°) Tal entendimento conduz à “penalização fiscal” dos credores por suprimentos face aos restantes credores sociais, uma vez que, repete-se, os credores suprimentistas não podem requerer a falência da sociedade devedora;

24°) Tal interpretação do art° 39° do CIRC, conduz à violação do princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real (art° 104°, n° 2, da Constituição;

25°) Assim, a douta sentença recorrida não pode manter-se”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto os créditos resultantes de suprimentos feitos a sociedade que veio a ser dissolvida com balanço negativo são incobráveis, ao abrigo do art.º 39.º do Código do IRC (CIRC), além de indispensáveis ao abrigo do art.º 23.º do mesmo código, sendo que interpretação contrária colide com o princípio da tributação pelo rendimento real?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A sociedade “S., S.A.”, era titular desde, pelo menos, 31.01.2002, até 01.11.2004 de 102.088.705 ações do B. S. C. H., pelas quais recebeu dividendos nas referidas datas (cfr. docs. de fls. 65 a 76 dos autos).

B) Em 19.11.2004 a sociedade “S., S.A.” e a sociedade “C., SGPS, S.A.”, assinaram o escrito denominado “Contrato de Compra e Venda”, pelo qual a primeira declarou vender à segunda, pelo preço unitário de 9,60€, e global de 980.051.568€, as 102.088.705 ações do B. S. C. H., constando da cláusula segunda do contrato que o pagamento será feito por compensação de créditos de suprimentos de igual montante detidos pela “C.” sobre a “S.” (cfr. doc. De fls. 62 a 64).

C) Por escritura pública celebrada em 28.12.2004, foi declarada dissolvida a sociedade “C. – SGPS, S.A.”, e criadas por cisão daquela treze novas sociedades, de entre as quais a Impugnante cujos bens transmitidos, de acordo com o projeto de cisão, englobavam nomeadamente:

- 3.318.774 ações do BSCH, com custo de aquisição de 31.860.238,67€ e respetiva provisão de 1.924.894,35€;

- Um crédito de suprimentos sobre a sociedade “S.” no valor de 3.494.721,11€ e respetiva provisão de 3.492.057,71€

(cfr. doc. de fls. 122 a 164 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

D) Em 01.02.2005 o B. S. C. H. pagou dividendos à impugnante, pela detenção desta de 3.318.774 ações (cfr. fls. 79 dos autos).

E) Em 02.05.2005 o B. S. C. H. pagou dividendos à impugnante, pela detenção desta de 1.243.775 ações, as quais foram alienadas até 15.07.2005 (cfr. fls. 79 e 83 a 99 dos autos).

F) Em 22.12.2005, a Assembleia Geral Extraordinária da sociedade “S. – C. I., S.A.”, na qual a Impugnante participou por ser acionista desta, deliberou por unanimidade a dissolução da sociedade, aprovando a proposta apresentada com o seguinte teor: “Considerando que a sociedade não se encontra neste momento em actividade nem se prevendo que venha a retomá-la, e que a mesma não tem activo, nem recurso para liquidar o passivo para com os accionistas, proponho a dissolução e liquidação nos termos do artigo cento e quarenta e um, número um, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais” (cfr. fls. 39 a 41 dos autos).

G) A contabilidade da sociedade “S., S.A.” evidenciava à data de 07.12.2005 o valor de 7.972.521,99€ de depósitos bancários, resultados transitados negativos de 161.951.275,42€, um resultado líquido do exercício de 53.983.954,33€ e dívidas a empresas participadas e participantes no montante de 107.444.737,15€ (cfr. fls. 43 e 44 dos autos).

H) Em 17.02.2006, foi assinada no Cartório Notarial de Lisboa de A. P., a escritura de “Fusão”, pela qual a impugnante e as sociedades “S., SGPS, S.P.” e “D. P., SGPS, S.A.” foram fundidas por incorporação na “S. P., SGPS, S.A.”, sendo transferidos os ativos e passivos daquelas para esta (cfr. doc. de fls. 31 a 35 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

I) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 200905966, a Inspeção Tributária levou a cabo ação de inspeção à Impugnante ao exercício de 2005 da qual resultou uma correção ao nível de IRC no montante de 3.480.256,49€ (cfr. fls. 106 a 110 do PAT).

J) Através do ofício nº 67205 de 07.08.2009 os Serviços de Inspeção notificaram a Impugnante para:

“1.4 Justificar o montante de € 3.779.310,35, contabilizado na conta 69 – Custos e perdas extraordinárias, nos termos do nº 1 do artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (CIRC) (…), ou seja, comprovara indispensabilidade do custo para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

1.5. No caso do valor mencionado no ponto 1.4. estar relacionado com os suprimentos da sociedade S. por incobrabilidade, remeta:

1.5.1. Documentos comprovativos das diligências efectuadas para receber aquele crédito;

1.5.2. Justifique a respectiva incobrabilidade;

1.5.3. Balancete analítico antes e após apuramento de resultados, à data da cessação de actividade, da empresa S.;

1.5.4. O projecto de cisão onde venha discriminado os activos e passivos resultantes da sociedade C. – S. G. P. S., SA, referentes a esta sociedade.” (cfr. fls. 168 e 169 do PAT).

K) Em resposta à notificação referida na alínea antecedente, a Impugnante informou a Inspeção Tributária do seguinte:

“1.4. O montante de €3.541.465,49 Euros contabilizado na conta 69 - custos e perdas extraordinárias, resultam de um crédito que a sociedade C. – S. G. P. S., S.A., detinha sobre a sociedade S.

Em resultado da cisão da referida C., a ora notificada, criada em resultado da cisão, passou a ser credora da S. por aquele montante.

De notar, que a S. era detida pela C., e os créditos concedidos por esta àquela, permitiram que a referida S. fosse titular de relevantes activos, como se constata do Balanço analítico da S.

Os restantes valores dizem respeitos a operações de venda de acções do B. S., multas fiscais.

1.5. A incobrabilidade dos referidos créditos sobre a S., está demonstrada pelo resultado da liquidação desta, uma vez que os activos recebidos eram inferiores ao passivo.” (cfr. fls. 172 e 173 do PAT).

L) Em 04.12.2009 foi elaborado o Relatório Final da Ação de Inspeção onde consta, designadamente, o seguinte

“(…)

Imagens: Originais nos autos

Imagem: Original nos autos

Imagem: Original nos autos

(cfr. fls. 110 a 120 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

M) Em 16.12.2009 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRC do ano de 2005, com o nº 2009 8310029354, alterando a matéria coletável de 0,00€ para 690.526,85€, e gerando uma nota de cobrança no montante total de 215.582,97€ (cfr. fls. 187 a 190 do PAT).

N) A presente impugnação foi apresentada em 26.04.2010 (cfr. fls. 99 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o crédito que esteve na origem da correção sob escrutínio não só se configura como um custo indispensável, nos termos constantes do art.º 23.º do CIRC, mas também não pode deixar de ser considerado como crédito incobrável, atento o disposto no art.º 39.º do mesmo código. Entende, ademais, que a interpretação advogada pelo Tribunal a quo atenta contra o princípio da tributação do rendimento real.

A sentença sob apreciação, fundando-se no entendimento plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.04.2018 (Processo: 0939/14), relativo a outra das sociedades criadas na sequência da cisão da C., considerou que, in casu, não se tratava de crédito incobrável, atento o disposto no art.º 39.º do CIRC, o que afastaria a sua dedutibilidade.

Vejamos então.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), e considerando que estamos a analisar o exercício de 2005, há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC (redação à época), nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.
No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente". (1)

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal. (2)
Como referido por António Moura Portugal,(3) “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);
No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis". (4)

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.
A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), (5) abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.
Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à administração tributária (AT) o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade, (6)sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição.(7)

Por outro lado, nos termos do então art.º 39.º do CIRC, sob a epígrafe “Créditos incobráveis”:

“Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente”.

Da análise desta disposição legal verifica-se, pois, a consagração de dois pressupostos:

a) A incobrabilidade resultar de processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência;

b) Relativamente aos mesmos, não ser admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta mostrar-se insuficiente.

Cumpre ainda referir que, estando nós perante créditos resultantes de contratos de suprimento, há que atentar na disciplina prevista no Código das Sociedades Comerciais (CSC) a este respeito.
A figura dos suprimentos encontra-se prevista no art.º 243.º do CSC, cujo n.º 1 os define como “o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”, podendo os mesmos ser retribuídos com juros quando tal seja estipulado. (8)
Consubstanciam um verdadeiro empréstimo dos sócios à sociedade, integrando e influindo no passivo desta, (9) detendo, pois, o sócio a posição de credor perante a sociedade.

Assim, contabilisticamente, os suprimentos são reconhecidos no passivo da sociedade.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta do relatório de ação inspetiva (RIT), a administração tributária (AT) fundou a correção sob dois prismas: o primeiro, de que o custo em causa não era indispensável, nos termos exigidos no art.º 23.º do CIRC; o segundo, de que não estavam preenchidos os pressupostos para que se pudesse falar em crédito incobrável, nos termos consignados no art.º 39.º do CIRC.

Começando pela indispensabilidade do custo, vista isoladamente, a AT refere que a Recorrente não juntou qualquer documento comprovativo que demonstre que os valores em causa foram indispensáveis à realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

Este fundamento, atomisticamente, não tem a consequência extraída pela AT.

Relembremos, para melhor apreensão do que está ora em causa, o contexto fático pertinente.

A sociedade C. tinha efetuado suprimentos à sua participada S., parte dos quais vieram a ser pagos, por venda à primeira pela segunda de ações representativas do capital social e dos direitos de voto da sociedade B. S.C. H. [cfr. facto B)].

Ulteriormente, ocorreu a cisão da sociedade C., tendo a Recorrente, sociedade gestora de participações sociais (SGPS), sido criada nessa sequência [cfr. facto C)].

Do ativo da C. transferido para a Recorrente constavam, designadamente, 3.318.774 ações representativas do capital social do B. S. C. H. e um crédito de suprimentos sobre esta última, no valor de 3.494.721,11 Eur. [cfr. facto C)].

Em momento posterior, foi deliberado pelos sócios da S. a sua dissolução e liquidação, sendo que o seu balanço era negativo [cfr. factos F) e G)].

Ou seja, estando nós perante SGPS, não sendo posto em causa o alegado em sede de ação inspetiva, no sentido de que os suprimentos concedidos terem-no sido para a aquisição das participações sociais ali mencionadas, que, por seu turno, geraram rendimentos, não se alcança que documento adicional necessitaria a AT para concluir ser o custo indispensável. No entanto, a verdade é que nem foi sob este prisma que o Tribunal a quo considerou não lhe assistir razão, centrando-se, sim, na articulação entre o art.º 23.º e o art.º 39.º, ambos do CIRC (fundamento este basilar no RIT).

Como já referimos, em matéria de créditos incobráveis, a leitura do art.º 23.º não pode ser feita isoladamente, sendo, pois, imprescindível a sua análise concatenada com as exigências do já mencionado art.º 39.º do CIRC.

Esta última disposição legal, como já referimos, exigia o preenchimento de dois requisitos.

Quanto ao segundo requisito, relativo à impossibilidade de constituição de provisão, o preenchimento do mesmo nos autos não é controvertido.

Já quanto ao primeiro, como resulta provado, a S. foi dissolvida por deliberação dos seus sócios (onde se inclui a Recorrente). A questão que se coloca é a de saber se essa dissolução, mencionada em F) do probatório, pode ser enquadrada no âmbito do art.º 39.º do CIRC.

De uma interpretação literal da norma, desde logo a resposta tem de ser negativa, porquanto tal procedimento não integra nenhum dos casos referidos na mesma (processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência).

Assim, cumpre, antes de mais, atentar na motivação do legislador fiscal, subjacente à previsão dos específicos processos previstos no art.º 39.º do CIRC.

Ora, subjacente à previsão normativa em causa está a certeza da incobrabilidade (ou, como se referirá, situações especificamente relacionadas com medidas tendentes à recuperação das empresas). Aliás, nesse âmbito, é inclusivamente considerado suficiente a existência de documento no âmbito dos processos em causa que ateste a inexistência de bens, ainda que não seja a decisão final (cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2012 – Processo: 0782/12).

Especificando, no âmbito dos processos elencados no art.º 39.º do CIRC, há toda uma tramitação que permite aferir da existência de bens na esfera do devedor.

Assim:

¾ No âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF, aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23 de abril), para além de toda a tramitação atinente à relação dos créditos, em vários momentos dos diversos processos ali mencionados é possível concluir-se pela incobrabilidade desses mesmos créditos (v., v.g., os art.ºs 186.º e 187.º do CPEREF);

¾ No âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, e que revogou o CPEREF), no qual o processo de insolvência é configurado como um processo de execução universal, tal situação ocorre igualmente (cfr., v.g., art.ºs 39.º, 172.ºa 184.º);

¾ Ao nível do processo de execução, e considerando a disciplina constante do CPC/1961, atento o exercício em apreciação, há toda uma disciplina atinente à localização de credores e de bens, que permite concluir pela incobrabilidade (cfr., v.g., os art.ºs 808.º, n.ºs 1 e 2, 872.º e ss.).

Por outro lado, todos estes procedimentos têm subjacente uma atuação do credor no sentido de tentar ver satisfeito o seu crédito.

Ora, tal objetivo não se encontra evidenciado em situações de dissolução decidida pelos sócios (e simultaneamente credores) da sociedade em causa.

Nesse sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no já mencionado Acórdão de 11.04.2018 (Processo: 0939/14), do qual se extrai:

“Vista a lei, a primeira nota que deve ser aposta é a de que, resulta da letra do artigo 39º do CIRC que a consideração de custos ou perdas pela entidade credora, na circunstância de ocorrer um crédito incobrável, está condicionada a que tais créditos resultem de um processo judicial de entre os tipificados na norma. No reverso, não é admissível a consideração desses custos quando resultem de uma deliberação, como sucedeu no caso dos autos, de dissolução da sociedade devedora, participada também pela sociedade credora agora recorrente. Existe no preceito uma exigência específica de “existência de um processo judicial” condicionante da possibilidade de serem relevados na contabilidade da credora os créditos desta considerados incobráveis, que foi afirmada no preceito de forma inequívoca o que se compreende para evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores impondo-se a estes uma atitude activa, com vista à cobrança do seu crédito (…).

Cremos ser esta a melhor interpretação a efectuar ao abrigo do disposto no artº 9º do C. Civil e que tem na lei a correspondência verbal suficiente sendo pois a base do processo hermenêutico que agora se impõe efectuar (quanto à melhor forma de efectivar este processo remetemos para a lição de Batista Machado em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina,1983 pags 182 e 188/189).
De resto, o ora Relator, no acórdão de 18/06/2014 tirado no recurso 01463/12, já havia considerado, quanto ao artº 39º do CIRC na redacção do D.L. 198/2001 de 3 de Junho, que este preceito estipula, claramente, a verificação de dois pressupostos, cumulativos, para que os créditos incobráveis possam ser directamente considerados custos ou perdas do exercício, no caso de 2005.

Um: que a incobrabilidade resulte (no caso concreto) de processo de insolvência.

Outro: que não seja admitida a constituição de provisão (casos do então artº 35º nº 3 do CIRC, designadamente os créditos sobre o Estado, regiões autónomas, autarquias locais e que não resultem da actividade normal da empresa).

Ou sendo admitida a constituição de provisão (todos os demais casos não previstos no nº 3 do artº 35º do CIRC) esta se mostre insuficiente.

E, em tal arresto sumariou-se: I - Para que o crédito em causa nos autos, pudesse ser directamente considerado como custo ou perda do exercício de 2005 tinha de ser incobrável, qualidade que devia resultar de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, o que no caso não se verifica.

II - Se o credor tinha a possibilidade legal de constituir provisão para créditos de cobrança duvidosa mas não o fez no exercício de 2005 nem nos anteriores também não se verificam os pressupostos para aceitação do crédito como custo fiscal do exercício de 2005, ao abrigo do estatuído, à data, no artigo 39.° do CIRC.

Ora, ressalvadas as devidas distâncias, designadamente por nos presentes autos não se discutir a constituição ou não de provisão para o crédito da ora recorrente a verdade é que este crédito nunca podia ser considerado como custo ou perda do exercício de 2005 porquanto não integrava o conceito de crédito incobrável, entendidos estes créditos como aqueles que não podem ser recebidos pelo credor ou porque o devedor não queira pagar ou não tenha realmente com que pagar e relativamente aos quais se reconhece a perda, sem esperança de boa cobrança, designadamente por inexistência de bens penhoráveis evidenciada judicialmente (quanto a esta última asserção vide o Ac. deste STA de 10/07/2012 tirado no rec. 0782/12 disponível no site da DGSI). Ao invés, a ora recorrente participou na assembleia Geral Extraordinária de 22/12/2005 que deliberou a dissolução da devedora B……….. SA conforme acta nº 38 cuja cópia consta de fls. 47 e 48 dos autos e nessa medida pode afirmar-se que contribuiu para a incobrabilidade do crédito o que contraria o espírito do citado artigo 39º do CIRC que pressupõe uma actividade do credor através de via judicial para cobrança do seu crédito e o inêxito dessa acção por, devido a circunstâncias alheias à sua vontade, se constatar, no próprio processo, que tal crédito passou a incobrável”.

No mesmo sentido, veja-se igualmente o Acórdão deste TCAS, de 05.06.2019 (Processo: 2168/10.9BELRS), no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta, relativo, também ele, a outra das sociedades criadas na sequência da cisão da C., onde se refere:

“É certo que a Recorrente alega que a dissolução/liquidação da devedora é uma forma clara e evidente de diligência para cobrança do crédito e bem assim que à semelhança do que sucede num processo de falência, através da dissolução/liquidação “executa-se” o seu património para, dessa forma, se pagar aos credores, sendo que, no caso vertente, se constatou a inexistência de qualquer ativo para solver dívidas, mas a verdade é que o legislador foi claro e evidenciou, de forma expressa e taxativa, os processos judiciais que poderiam atribuir relevância para efeitos de dedutibilidade fiscal direta enquanto custos incobráveis.

Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (…)

Note-se que se fosse intenção deliberada do legislador subsumir no normativo o processo de dissolução e liquidação tê-lo ia feito de forma expressa e inequívoca, o que, como visto não logrou fazê-lo. Nessa medida, havemos de concluir que não quis, deliberadamente, contemplar o processo de dissolução e liquidação (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CC), e não quis porque o mesmo não contempla uma incobrabilidade, de per si.

(…) Mais importa relevar que não assiste razão à Recorrente quando aduz que os meios de prova contemplados no artigo 39.º do CIRC só fazem sentido para os casos em que a sociedade devedora existe, tem a sua atividade e não para as situações de dissolução e liquidação da sociedade devedora, em que esta se extingue, não se retirando, de todo, da letra e do espírito do legislador a assunção que a Recorrente faz.

Aduza-se, em abono da verdade, que subjacente à previsão normativa em causa está a certeza da incobrabilidade (situações especificamente relacionadas com medidas tendentes à recuperação das empresas). (…)

Ademais, a existência dos processos enumerados no artigo 39.º do CIRC, tem subjacente a ideia de evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores”.

Assim, face ao explanado, não se acompanha o entendimento da Recorrente, considerando-se que, in casu, não se está perante crédito incobrável, nos termos exigidos no art.º 39.º do CIRC.

Não se acompanha igualmente o entendimento da Recorrente no sentido de que esta interpretação colide com o princípio da tributação pelo rendimento real.

Concretizando.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.

Não obstante, não se considera que, in casu, este princípio esteja posto em causa.

Com efeito, como resulta do regime atinente à tributação de sociedades, nem todos os custos suportados pelas mesmas são custos para efeitos fiscais, circunstância ditada, desde logo, pela necessidade de apenas serem considerados como custos aqueles que têm relação (mais ou menos imediata) com a atividade da empresa e de serem de alguma forma limitadas situações relativas a custos que podem ser desviados para fins pessoais, por exemplo. Por outro lado, são determinados critérios para que determinados custos possam ser considerados custos fiscais, justamente para assegurar algum nível de controlo sobre os mesmos, de que é exemplo o regime a que nos temos vindo a referir.

Ora, in casu, o que sucede é que, para efeitos de consideração dos créditos como incobráveis, o legislador previu as exigências a que já fizemos referência, por forma a garantir a efetiva incobrabilidade dos créditos. É certo que, como refere a Recorrente, os credores suprimentistas não podem requerer a falência / insolvência da devedora (cfr. o art.º 245.º, n.º 2, do CSC). No entanto, é também certo que esses mesmos credores podem executar a devedora com base no contrato de suprimento [cfr. exemplificativamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28.04.2010 (Processo: 7715/08.3TBBRG-A.G1), onde, entre outras questões, estava em causa a qualificação do contrato de suprimento como título executivo]. Ou seja, ao contrário do que parece resultar das alegações da Recorrente, não estamos perante situação em que fosse impossível dar cumprimento ao disposto no art.º 39.º do CIRC.

Como tal, não tendo sido cumpridas as exigências desta disposição legal, não se pode considerar violado o princípio da tributação pelo lucro real, porquanto tratou-se de situação que a própria Recorrente não acautelou.

Assim, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de dezembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)












1) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
2) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
3) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204
4) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
5) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
6)V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
7) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).
8) Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Volume II – Das sociedades, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 340.
9) António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades – II – Das Sociedades em Especial, 2.ª Ed., 3.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 293 a 300.