Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07905/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/18/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA (CFR.ARTº.10, DO C.I.R.S.).
MAIS-VALIAS DERIVADAS DA ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DAS MAIS-VALIAS.
VALOR DE AQUISIÇÃO, A TÍTULO ONEROSO, DE QUOTAS OU OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS.
ACÇÃO. MODALIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO.
ACÇÕES ESCRITURAIS E NOMINATIVAS.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
3. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
4. Especificamente, no que se refere às mais-valias derivadas da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, estavam as mesmas consagradas, em 2007, no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S., mais estando a forma de cálculo do ganho sujeito a imposto prevista no nº.4, al.a), do mesmo preceito (cfr.artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S.). Ressalvam-se as acções detidas pelo seu titular durante período superior a doze meses, conforme a norma de delimitação negativa de incidência consagrada no artº.10, nº.2, al.a), do C.I.R.S.
5. A tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários era feita, autonomamente, à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., ressalvando-se o caso do titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento (cfr.artº.75, nº.2, do C.I.R.S.).
6. Recorde-se que a sujeição a tributação autónoma de tais rendimentos implica que cada acto de transmissão de valores mobiliários se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável na cédula de I.R.S. no fim do ano fiscal respectivo.
7. De acordo com o artº.48, al.a), do C.I.R.S., o valor de aquisição a título oneroso das partes sociais, tratando-se de quotas ou outros valores mobiliários cotados em bolsa (como acontece no caso "sub judice"), deve ser, em primeira linha, o custo real documentalmente provado. Não havendo possibilidade de prova documental do mesmo valor de aquisição, deverá atender-se ao valor da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação. A este valor de aquisição devem acrescer as despesas inerentes à alienação, quando existentes (cfr.artº.51, al.b), do C.I.R.S.).
8. A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social. As acções escriturais são as que se limitam a um registo, não existindo qualquer título que as represente. Por sua vez, as acções nominativas (por contraposição face às acções ao portador) são as que indicam o nome do seu possuidor, transmitindo-se por endosso, sendo que a sua transmissão apenas produz efeitos para com a respectiva sociedade a partir da data do averbamento no livro de registo de acções.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
PEDRO ........ E CARLA ......., com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.149 a 156 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelos recorrentes tendo por objecto uma liquidação adicional de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2007 e no montante total de € 2.311,15.
X
Os recorrentes terminam as alegações (cfr.fls.187 a 193 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Os documentos atempadamente juntos e que constam da impugnação de fls., são por demais suficientes e estão de acordo com os pressupostos e ónus imposto pelo artº.342, nº.1 do C.C. e artº.74 da Lei Tributária;
2-Não se aceita e não se compreende que se insinue que na formação da douta sentença se teve em consideração os documentos juntos aos autos e que os mesmos não foram suficientes;
3-E desde logo é espectável pela experiência comum, que a compra de qualquer activo envolve por um lado a transferência física do activo e a transferência financeira, por outro. E pela análise do Modelo 3 do IRS o ora impugnante não tinha capacidade para adquirir activos alienados pelos rendimentos do agregado familiar, mas por outra via - empréstimo em numerário. Destarte, este revestiu num carácter pessoal e foi contraído para o Sr. Dr. ..........., contra parte e receptor da alienação fora de bolsa. Daqui se conclui que tal oposição é onerosa, com todas as consequências;
4-O documento abonatório apresentado nos autos é esclarecedor por si só e a descrição da operação - venda fora da bolsa com mudança de titularidade, fala por si. E salvo o devido respeito, se o Meritíssimo Juiz de Direito não reconheceu que a operação não foi onerosa ficou a dever-se à influência que recebeu da técnica da autoridade fiscal aquando a interpretação dos documentos por parte desta;
5-Outra conclusão a extrair do presente caso sub judice, tem a ver com a relação de comprar e vender que a instituição financeira entrega nas Finanças onde figura "transferências para os títulos em questão", com o valor zero. Mas tal não implicam a gravidade da operação, simplesmente traduzem o desconhecimento do termo de pagamento, forma e meio de pagamento que estabeleceram as partes por parte da instituição Financeira. E, ao fixar o preço oneraram a operação com todas as suas consequências daí resultantes. Pois os documentos fornecidos e que se encontram junto aos autos, os preços são verdadeiros e suficientes para que se conclua que a operação efectuada na R.......... pelo valor de 133.128,08 € e de 37.031,00 € para a P ........, foram onerosas. Mais, a prova de transferência de propriedade dos activos em causa aparece numa fase posterior a pedido do Meritíssimo Juiz, apesar de redundante, convenhamos. É que no documento original de venda fora de bolsa, pela sua descrição de mudança de titularidade há uma dação em pagamento em que se prova que o ora impugnante extinguiu a sua responsabilidade, para com a contraparte, concretamente, Sr. Dr. .............
Como ficou demonstrado os impugnantes tiveram uma menos valia global e isso é peremptório. A aplicação de um imposto nestes termos, uma vez que não existiu rendimento, transforma o produto líquido do apuramento da operação não num imposto directo mas noutro tipo de tributo. O que não estando claramente previsto na lei viola o princípio da legalidade que o Meritíssimo Juiz tão bem referiu, só que, insolitamente, no presente caso sub judice prejudica claramente os ora impugnantes/recorrentes, ao decidir na forma e nos modos como decidiu;
6-Nestes termos, e como se tentou provar, salvo o devido espeito, o Meritíssimo Juiz "a quo" não andou bem, não levou em consideração os argumentos e factos apresentados e que constam da impugnação, para tanto, a serem levados em consideração os argumentos e os factos em tempo alegados que constam das presentes conclusões, a presente sentença deverá ser afinal revogada e consequentemente, deverá ser devolvida aos impugnantes a quantia paga injustamente e que consta da impugnação.
Por ser de inteira Justiça.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.197 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.151 a 153 dos autos):
1-O impugnante Pedro ................ adquiriu em bolsa acções escriturais nominativas da entidade emitente P.........., nas datas e pelos preços seguintes: em 4/02/2005 50.000x0,40; em 10/02/2005 170.000x0,40; em 15/02/2005 4250x0,40; em 13/04/2005 2.700x0,37 (cfr.documentos juntos a fls.43 a 45 e 47 dos presentes autos);
2-Em 21/09/2007 o impugnante Pedro ................ realizou uma operação fora de bolsa sobre 194.900 acções escriturais nominativas da entidade emitente P........... (cfr.documento junto a fls.48 dos presentes autos);
3-Em 21/09/2007 o impugnante Pedro .................... realizou uma operação fora de bolsa sobre 38.697 acções escriturais nominativas da entidade emitente R.......... (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos);
4-Os impugnantes foram alvo de uma acção de inspecção tributária, no âmbito da qual foram efectuadas correcções aritméticas ao rendimento declarado do ano de 2007, em sede de Rendimentos da Categoria G, de I.R.S., e das quais resultaram um imposto em falta no montante de € 2.104.80 (cfr.cópia de relatório junta a fls.29 a 36 dos presentes autos);
5-Em 13/10/2010, os impugnantes foram notificados da liquidação adicional ao IRS de 2007, com o montante de imposto a pagar de € 2.311,15 e termo final do prazo de pagamento voluntário em 15/11/2010 (cfr.documento juntos a fls.11 e 12 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não resultou provado que as operações fora de bolsa realizadas pelos Impugnantes fossem transmissões onerosas.
Não foram detectados outros factos relevantes para a presente decisão…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos aí referidos, os quais foram analisados segundo as regras da experiência comum, e que não foram impugnados. Deu-se como provado o facto referido em 5.supra, por acordo expresso pelas partes nos respectivos articulados.
Relativamente aos Factos Não Provados, refira-se que estamos no domínio de factos cuja prova cabia aos Impugnantes, nos termos do artigo 342°, n°1 do Código Civil (CC) e do art.74°, n°1 da Lei Geral Tributária (LGT). Deste modo, cabia-lhes apresentar as provas que demonstrassem a realidade dos factos alegados (artigo 341° do mesmo código), cabendo-lhes ainda escolher o meio de prova que julgassem mais adequado, nos termos e limites legais. Os documentos que juntaram não provam que as operações fora de bolsa tenham sido realizadas a título oneroso. Não fizeram qualquer prova da liquidação financeira inerente às operações. Em rigor também não fizeram prova relativamente à liquidação física dos títulos (registo a crédito na conta do adquirente). Juntaram apenas um documento que evidencia as comissões cobradas pelo intermediário financeiro junto do qual o transmissário terá a sua conta de registo individualizado de valores mobiliários, e referente à transferência relativa a operações fora de bolsa de acções da P............... e da R..........., em nome de F ............. Ou seja, apesar de alegarem a realização de menos-valias com as operações fora de bolsa, não fizeram prova da onerosidade da operação, da contraprestação recebida pelas referidas operações, o que seria fundamental para o apuramento das menos-valias invocadas. É que, a realização de menos-valias para efeitos de apuramento do saldo positivo ou negativo, só tem lugar perante a realização de operações onerosas, em conformidade com o art.10.°, n°1 e 43°, n°1, do Código do IRS, e não perante operações gratuitas...”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
6-Em resultado da acção de inspecção tributária identificada no nº.4 supra, a A. Fiscal estruturou um relatório final cuja cópia se encontra junta a fls.3 a 10 do processo administrativo apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
"(...)
Os sujeitos passivos, Pedro ................, com o n.i.f. ................, e Carla ................, com o n.i.f. ..............
(...)
Os sujeitos passivos alienaram durante o ano de 2007 valores mobiliários, nomeadamente acções detidas a menos de 12 meses, sujeitas a tributação de acordo com a alínea b) do nº.1 do artigo 10 do C.I.R.S.
De acordo com a informação obtida pela Modelo 13 - Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados, enviada pelas instituições financeiras, os sujeitos passivos procederam, durante o ano de 2007, a alienações de acções detidas à menos de 12 meses (...) sendo que o valor de venda foi no total de € 7.025.418,28, o valor de compra no montante de € 7.003.362,28, as despesas na quantia de € 619,08 e as mais-valias a tributar na quantia de € 21.436,92.
(...)
Este saldo positivo, resultante da alienação dos valores mobiliários, é tributado à taxa de 10%, conforme disposto no nº.4 do artigo 72 do C.I.R.S., perfazendo o imposto € 2.143,68. Estes rendimentos não são englobados para efeitos de tributação, de acordo com a al.b) do nº.3 do artigo 22 do C.I.R.S., sem prejuízo da opção pelo seu englobamento.
(...)
O sujeito passivo com o n.i.f. ................ não declarou qualquer valor no anexo "G" da declaração modelo 3 de IRS de 2007, apresentada em 21/05/2008, sem opção por englobamento.
(...)
Por outro lado, a menos-valia da "P ..............., SA" no valor de € 38.980,00, referida pelo sujeito passivo, não poderia ser considerada neste apuramento, pois são acções adquiridas a mais de 12 meses e excluídas de tributação, segundo a alínea a) do nº.2 do artigo 10 do Código do IRS.
(...)" (cfr.documento junto a fls.29 a 36 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação e, consequentemente, manter o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.5 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
Os apelantes discordam do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que os documentos juntos ao processo são por suficientes com vista ao cumprimento do ónus imposto pelo artº.342, nº.1, do C.Civil, e artº.74, da L.G.T. Que dos documentos fornecidos e que se encontram juntos aos autos, se deve concluir que a operação efectuada na R..............., pelo valor de € 133.128,08, e de € 37.031,00 para a P.................., foram onerosas. Que ficou demonstrado que os recorrentes tiveram uma menos valia global (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Deve, antes de mais, relevar-se que os recorrentes não impugnaram a matéria de facto provada, nos termos previstos na lei processual (cfr.artº.640, do C.P.Civil).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/11/2014, proc.7564/14).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.39 e seg.).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,2/10/2012,proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7529/14).
As mais-valias podem definir-se como aumentos inesperados do valor de activos patrimoniais. Aumentos inesperados porque, por definição, as mais-valias não são rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na actividade produtiva. No entanto, enquadram-se na concepção de rendimento-acréscimo, conforme acima já se aludiu (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; José Joaquim Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª. edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág.303 e seg.).
A mais-valia deve apurar-se pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
Especificamente, no que se refere às mais-valias derivadas da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, estavam as mesmas consagradas, em 2007, no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S., mais estando a forma de cálculo do ganho sujeito a imposto prevista no nº.4, al.a), do mesmo preceito (cfr.artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S.). Ressalvam-se as acções detidas pelo seu titular durante período superior a doze meses, conforme a norma de delimitação negativa de incidência consagrada no artº.10, nº.2, al.a), do mesmo diploma. Por último, a tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais era feita, autonomamente, à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., ressalvando-se o caso do titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento (cfr.artº.75, nº.2, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 13/11/2014, proc.7564/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.146 e seg.; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.166 e seg.).
Recorde-se que a sujeição a tributação autónoma de tais rendimentos implica que cada acto de transmissão de valores mobiliários se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável na cédula de I.R.S. no fim do ano fiscal respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).
Já de acordo com o artº.48, al.a), do C.I.R.S., o valor de aquisição a título oneroso das partes sociais, tratando-se de quotas ou outros valores mobiliários cotados em bolsa (como acontece no caso "sub judice"), deve ser, em primeira linha, o custo real documentalmente provado. Não havendo possibilidade de prova documental do mesmo valor de aquisição, deverá atender-se ao valor da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação. A este valor de aquisição devem acrescer as despesas inerentes à alienação, quando existentes (cfr.artº.51, al.b), do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 13/11/2014, proc.7564/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.468; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.312).
Revertendo ao caso dos autos, entendem os recorrentes que dos documentos que se encontram juntos aos autos, se deve concluir que a operação de venda de acções escriturais nominativas efectuada na R..........., pelo valor de € 133.128,08, e na P.......... de € 37.031,00, foram onerosas, mais tendo ficado demonstrado que os recorrentes tiveram uma menos valia global.
O Tribunal "a quo" julgou improcedente a impugnação, desde logo, devido a falta de prova do carácter oneroso das operações de venda em causa.
Vejamos quem tem razão.
A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.24).
As acções escriturais são as que se limitam a um registo, não existindo qualquer título que as represente. Por sua vez, as acções nominativas (por contraposição face às acções ao portador) são as que indicam o nome do seu possuidor, transmitindo-se por endosso, sendo que a sua transmissão apenas produz efeitos para com a respectiva sociedade a partir da data do averbamento no livro de registo de acções (cfr. ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 11/10/2011, proc.5052/11; José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, III, Títulos de Crédito, Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, pág.40 a 47; Carlos Figueiredo dos Santos, Operações Bancárias e Sua Contabilidade, 1992, Rei dos Livros, pág.326).
"In casu", do exame do probatório (cfr.nºs.1, 2 e 6 da factualidade provada), se deve concluir que a Administração Tributária não considerou, para o apuramento do saldo tributável, as alegadas menos-valias geradas pela venda fora de bolsa das acções da " P ........., S.A.", em virtude das mesmas serem detidas pelo alienante durante mais de 12 meses, tudo de acordo com o supra aludido artº.10, nº.2, do C.I.R.S., norma que contém uma delimitação negativa da incidência relativamente a mais-valias provenientes da alienação de acções detidas durante mais de 12 meses. Mais se deve vincar que não é controvertida nos autos a detenção das acções da "P............, S.A.", pelos recorrentes e por um período superior a 12 meses.
Concluindo, nesta parte se deve negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Passemos ao exame das alegadas menos-valias derivadas da venda das acções escriturais nominativas da entidade emitente R ........... (cfr.nº.3 do probatório).
A Administração Fiscal, não considerou a alegada menos-valia no saldo apurado, em virtude dos recorrentes não terem fornecido quaisquer elementos que permitissem apurar os valores da transmissão.
Do exame do processo, deve concluir-se que o recorrente Pedro.........., desde logo, não cumpriu com as suas obrigações declarativas anuais relativamente às operações sobre valores mobiliários (preenchimento do anexo G, da declaração modelo 3 de I.R.S. - cfr.nº.6 do probatório).
Em sede de audiência prévia no procedimento de inspecção, os recorrentes voltaram a não demonstrar o valor da contraprestação alegadamente obtida com a operação fora de bolsa.
Já em sede judicial, não provaram a natureza onerosa da operação, nem nunca se referem ao montante recebido, ou seja, à liquidação financeira subjacente à transmissão das acções, apesar de notificados pelo Tribunal "a quo", para o efeito e em momento anterior à estruturação da decisão recorrida (cfr.despacho exarado a fls.138 dos autos).
Em conclusão, deve confirmar-se a decisão recorrida, também neste segmento, visto que os recorrentes não fizeram prova, desde logo, do carácter oneroso da transmissão das acções escriturais nominativas da entidade emitente R ......., sendo que, conforme refere o Tribunal "a quo", a realização de menos-valias para efeitos de apuramento do saldo positivo ou negativo apurado no mesmo ano fiscal, só tem lugar perante a efectivação de operações onerosas, em conformidade com o disposto nos artºs.10, nº.1, e 43, nº.1, ambos do C.I.R.S., e não perante operações gratuitas.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condenam-se os recorrentes em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Dezembro de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)