Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04463/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS AO ABRIGO DO ARTº 43º Nº 1 DA LGT.
Sumário:I) -A legitimidade processual singular é uma qualidade adjectiva da parte processual definível como a titularidade, activa ou passiva, de um conteúdo assente num interesse em agir para a prossecução ou contes­tação de um determinado objecto inicial do processo.

II) -Assim, se a legitimidade, processualmente encarada, não constitui uma qualidade pessoal das partes, referente aos processos em geral, mas uma posição delas em face do processo concreto — o interesse de cada uma delas em determinado pro­cesso, ser parte legí­tima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível.

III) -E o interesse de que deriva a legitimidade, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica submetida à apreciação do tribunal, havendo, pois, que atender à relação jurídica, tal como se formou.

IV) -Sendo a impugnante, à data do pagamento, por sucessão, se não de direito, pelo menos de facto, nos termos do artigo 162.° do Código das Sociedades Comerciais, sujeito passivo do imposto que pagou e foi com essa motivação que pagou o imposto liquidado à originária devedora e sendo também certo que à data da dedução da impugnação, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 164.° do Código das Sociedades Comerciais, já a dissolução e liquidação da originária devedora se encontravam já registadas na Conservatória do Registo Comercial, tinha o poder de deduzir a pretensão em juízo.

V) -A essa luz, ela tem interesse na revogação da decisão recorrida porque retira imediatamente (interesse directo) um benefício específico não contrário à lei (interesse legítimo) para a sua esfera jurídica (interesse pessoal), interesse esse que terá que ser aferido de acordo com o alegado pela impugnante na sua petição, por referência à relação material controvertida descrita em IV).

VI) -De resto, o n°1 do artigo 9º do CPPT atribui também legitimidade para intervenção no procedimento tributário àqueles que provem interesse legalmente protegido e, em matéria tributária, tem de considerar-se que é titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário, quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que directamente lhes disserem respeito (art° 267° n° 5 da CRP), corno tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.

VII) -Os juros indemnizatórios p. no artº 43º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. – A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por A...– Sociedade Parabancária de Valorização de Créditos, SA (em liquidação) na parte em que reconheceu o direito ao reembolso do montante pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios, dela veio interpor atempado recurso dessa decisão, assim concluindo as suas alegações:
Deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto,
“1 - O artigo 9 do CPPT há-de interpretar-se dentro do quadro legal em que está situado; parece-nos que tal enquadramento não consente o sentido que a sentença recorrida lhe dá.
2 - Atenda-se que os artigos 68 do CPPT e 128 n°1 do CIRC, combinados com o artigo 18 n°3 da LGT, categoricamente traçam a regra da legitimidade para reclamar do acto de liquidação.
3 - Ora, a doutrina que deles emerge é a seguinte: pode reclamar quem esteja legalmente vinculado ao cumprimento da prestação tributária.
4 - Ao tempo do pagamento, da liquidação em causa e da reclamação, a ora recorrida não era o sujeito passivo da relação jurídica tributária.
5 - Ora, ao reconhecer-lhe legitimidade o tribunal a quo está a alargar o âmbito daqueles preceitos legais; ofendendo-os decidiu mal.
6 - Também errou ao considerar verificados os requisitos do direito a juros indemnizatórios estabelecido no artigo 43 n° 1 da LGT.
7 - Na verdade, o acto tributário em causa foi efectuado de acordo com os elementos declarados pelo contribuinte.
8 - E, os factos estabelecidos na sentença recorrida não satisfazem os traços característicos do erro imputável aos serviços pressuposto daquele direito
9 - De maneira que, o tribunal recorrido não podia ter atendido o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
Assim, pelo exposto e principalmente pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida.”

Houve contra – alegações que ostentam as seguintes conclusões:
“O recurso não merece provimento porque:
I O artigo 9.° do CPPT confere legitimidade no procedimento tributário a todas as pessoas que provem interesse legalmente protegido.
II Não é impeditivo de a recorrida ter, à data da dedução da impugnação, um interesse legalmente protegido, o facto de ao tempo do pagamento, por si efectuado, não ser ainda, eventualmente, o sujeito passivo da relação jurídica tributária.
III Não obstante, a recorrida entende que, à data do pagamento, ela já era, por sucessão, se não de direito, pelo menos de facto, nos termos do artigo 162.° do Código das Sociedades Comerciais, sujeito passivo do imposto que pagou e foi com essa motivação que pagou o imposto liquidado à originária devedora.
IV Mas ainda que assim se não entendesse, à data da dedução da impugnação ela tinha, indiscutivelmente, legitimidade processual nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 164.° do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a dissolução e liquidação da originária devedora se encontravam já registadas na Conservatória do Registo Comercial.
V A, aliás, douta sentença sob recurso, ao reconhecer expressamente a legitimidade à recorrente, interpretou e aplicou adequadamente a lei, não merecendo por isso qualquer juízo de censura, devendo, consequentemente, manter-se nos seus exactos termos.
VI Verificam-se, no caso sub judice, todos os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.° 1 do artigo 43.° da Lei Geral Tributária.
VII Não era, obviamente, o contribuinte quem tinha «a obrigação» de declarar a seu favor, como crédito de imposto, um imposto que ainda não havia sido pago.
VIII A declaração em causa tinha, aliás, face às regras próprias da liquidação do IRC relativo ao período de liquidação, natureza de provisória, uma vez que o seu resultado consolidaria com o das restantes, na mencionada liquidação.
IX Incumbia à Administração Fiscal o dever de reconhecer o crédito de imposto, por imposto pago, ao contribuinte, quando, ao efectuar-lhe a liquidação de IRC em que aquele devia operar por compensação, verificou, no seu poderoso sistema informático, que o pagamento já tinha sido efectuado e que, nos termos legais, ele tinha de ser considerado naquela liquidação.
Ao proceder como procedeu, a Administração Fiscal violou grosseiramente a lei e, com esse comportamento, constituiu a recorrida no direito a juros indemnizatórios.
XI Como a, aliás, douta sentença sob recurso, expressamente reconheceu, aplicando a lei sem que se lhe possa apontar qualquer vício, pelo que, não merecendo censura, se deve manter, também quanto a este ponto, nos seus exactos termos.
NESTES TERMOS, e nos mais que V. Ex.as,, Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se nos seus exactos termos, por justa e legal, a, aliás douta sentença recorrida, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”
A EPGA pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
2. - Na sentença recorrida deram-se como assentes as seguintes realidades e ocorrências:
“A) A B...- Compra, Venda e Administração de Propriedades, Acessórias e Projectos SA foi criada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Albufeira, CRL, com 98% e cinco accionistas com 2%, em 16 de Janeiro de 1992 (fls 27 a 29, dos autos);
B) A B..., SA tinha como objecto social a gestão e exploração agro-florestal de propriedades rústicas, compra e venda e administração de imóveis em geral, elaboração de estudos e projectos de investimento, de desenvolvimento regional e de formação profissional e outras acções de acessória e apoio técnico/económico a empresas (fls 27 a 29, dos autos);
C) Em 30 de Dezembro de 1992 abrangendo todo o crédito agrícola mútuo foi celebrada a escritura de constituição da A...- Sociedade Parabancária de Valorização de Crédito, SA sendo accionistas a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL, com 33%, o Fundo de Garantia de Crédito Agrícola Mútuo com 33% e com os restantes 33% participavam a totalidade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, entre as quais a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Albufeira, CRL (fls 73 e 74, dos autos);
D) A A..., SA tinha por objecto a aquisição e reparação de créditos resultantes de empréstimos e outros créditos concedidos e de fianças prestadas por instituições de crédito agrícola mútuo, incluindo a gestão de participações sociais e de bens ou direitos cuja titularidade lhe advenha por virtude dos mecanismos legais e convencionais de viabilidade e racionalização da actividade de empresas e a promoção de projectos de investimento com vista à sua valorização e ulterior alienação e ainda a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (facto aceite);
E) No âmbito do Sistema do Crédito Agrícola Mútuo foi resolvido liquidar a B...Por deliberação do Conselho de Administração da A..., SA em 5 de Agosto de 1993, esta procedeu à aquisição total das acções da B..., SA (facto aceite);
F) Foi deliberado pelo Conselho de Administração da A..., SA em 10 de Janeiro de 1994 e aprovada pela Assembleia Geral de Accionistas da A..., SA de 11 de Março de 1994 a liquidação da B..., SA e a nomeação de C..., como liquidatário (facto aceite);
G) A dissolução da B..., SA e a nomeação do liquidatário foi registada em 28 de Outubro de 1994 (fls 29, dos autos);
H) Foram entregues as declarações modelo 22 da B..., SA relativas ao exercício de 1996 (fls 32 a 39, dos autos);
I) No relatório final de 23 de Dezembro de 1997 o liquidatário da B..., SA diz no ponto 10: Todos os direitos dos credores foram satisfeitos, com excepção do accionista maioritário A..., SA - que para efeitos legais fica também designada como depositário dos livros e documentos da sociedade liquidada (facto aceite);
J) A liquidação da B..., SA decorreu entre 4 de Outubro de 1994 e 30 de Setembro de 1997 (fls 29, dos autos);
K) A A..., SA única accionista com a aquisição de todas as acções que constituíam o capital social da B..., SA tomou todas as deliberações e assumiu a responsabilidade dos actos que conduziam à sua dissolução e liquidação (facto aceite);
L) Em 18 de Novembro de 1998 a AF liquidou imposto a pagar de 5.789.859$00, relativa a IRC de 1996, com data limite de pagamento em 6 de Janeiro de 1999 (fls 31, dos autos)
M) B...foi notificada em 1999 para pagar IRC, referente ao ano de 1996, no montante de €25.777,28 e €3.107,40 de juros compensatórios (fls 31, dos autos); N) Em 1999 a A..., SA pagou o imposto liquidado à B..., SA (facto aceite);
O) Em 7 de Novembro de 2001 a AF efectuou a liquidação relativa a todo o período e apurou um prejuízo de 8.458.939$00 (fls 42 a 49, dos autos);
P) Esta liquidação não tomou em consideração o imposto pago e relativo ao exercício de 1996, referido em L) (fls 41, dos autos);
Q) Em 16 de Julho de 2002 a A..., SA reclamou graciosamente conforme petição de reclamação de fls 2 a 4, dos autos de reclamação graciosa apensa: Na reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento por intempestividade e ilegitimidade do requerente (autos de reclamação graciosa apensa);
R) Em 17 de Abril de 2006 a impugnante interpõe recurso hierárquico (autos de recurso hierárquico apenso);
S) Em 3 de Setembro de 2007 foi proferido despacho de indeferimento com fundamento em ilegitimidade da requerente, conforme fls. 14 a 25 dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e, com interesse para os autos se reproduz o seguinte enxerto: "
(...) 4.1 – Fundamentos
Da sua legitimidade no procedimento de reclamação
Vem a sociedade alegar a convicção de que o seu interesse é legítimo e se encontra legalmente protegido nos termos do disposto no art° 9° do CPIT, pelos seguintes motivos:
1. A B..., SA constituída, em 1992/01/16, com o objecto social de gestão e exploração agroflorestal de propriedade rústicas, compra e Venda e administração de imóveis em geral, elaboração de estudos e projectos de investimento, de desenvolvimento regional e de formação profissional e outras acções de assessoria e apoio técnico/económico a empresas, teve como accionistas a Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de Albufeira (98%) e mais cinco accionistas (2%);
2. Em 1992/12/30 foi constituída a A..., SA. que tinha como accionistas a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (33%) o Fundo de Garantia de Crédito Agrícola Mútuo (33%) e a totalidade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo - entre as quais se encontrava a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Albufeira - com o restante capital, cujo objecto social, para além de outras actividades, incluía as actividades a desenvolver pela B..., SA;
3. Desenvolvendo a B..., SA, uma actividade concorrente da exercida pela A..., foi resolvido no âmbito do Sistema de Crédito Agrícola Mútuo, liquidar a B..., SA, tendo a A..., SA, adquirido a totalidade das acções daquela;
4. Após resolução de questões pendentes, os órgãos sociais da A..., SA deliberaram e aprovaram a dissolução e liquidação da B..., SA, nomeando como liquidatário o Dr. C..., factos registados em 1994/10/28;
5. A liquidação da B..., SA, decorreu entre 4 de Outubro de 1994 e 30 de Setembro de 1997, tendo sido entregues em conformidade com o CIRC, as declarações modelo 22;
6. Como accionista única da B..., SA, a A..., SA, tomou todas as deliberações e assumiu a responsabilidade por todos os actos conducentes à dissolução e liquidação daquela, sendo designada como depositária dos livros e documentos da sociedade liquidada;
7. Quando, em 1999, a B..., SA, foi notificada para pagar IRC do ano de 1996 no montante de €25 777,28 acrescido de juros compensatórios de €3 107,40, já a sua liquidação tinha encerrado há dois anos, e como já referiu, para os devidos efeitos legais, a A..., SA, tinha sido nomeada depositária dos livros e documentos da sociedade liquidada;
8. Nessa altura, e consultados pessoalmente os Serviços Centrais do Imposto sobre o Rendimento, foi sugerido: (1) pagar o IRC/96 para se concluir a liquidação da B...; (2) apresentar as declarações mod. 22 relativas a 1994 com o nova impresso; (3) dar informação ao processo na DE de Faro sobre o pagamento do IRC/96 para actualização do mod. 22/97 final e reclamar o reembolso;
9. Convicta da sua responsabilidade dada a extinção da B..., a A...seguiu as orientações verbalmente recebidas dos serviços da AT, na expectativa de vir a ser reembolsada;
10. Para actualização da informação de gestão mensal da A..., SA, eram periodicamente solicitadas informações no Serviço de Finanças da Albufeira, que dizia não conseguir introduzir os dados das declarações em computador devido a problema do sistema informático;
11. Foi numa dessas diligências junto do Serviço de Finanças, que lhe foi entregue em mão a carta registada com a liquidação de IRC relativa a todo o período da liquidação da B..., que, endereçada para a sede da empresa extinta há cerca de quatro anos, fora devolvida aos Serviços;
12. E, dado que tal liquidação não contemplava o reembolso devido, tinha de ser apresentada reclamação;
13. Ora, encontrando-se a B..., SA extinta, e sendo a A...accionista única, responsável solidária, fiel depositária de toda a documentação, e quem suportou o pagamento do IRC liquidado referente a 1996, parece não restarem dúvidas de que tem toda a legitimidade para interpor a acção conducente ao reembolso do imposto.
Da tempestividade do pedido
14. A recorrente não aceita a posição sustentada no despacho de indeferimento da reclamação de que, nos termos do disposto no n°1 do art°39° do CPPT, a liquidação se presumia validamente notificada no 3° dia útil posterior à data do registo (2001/11/13) pois, tal presunção só seria válida se a carta não tivesse sido devolvida com a menção de "desconhecido na morada";
15. Tendo a sociedade4ido extinta em 1997, quatro anos antes de lhe ser endereçada, era normal que não mantivesse a sede no local;
16. Contudo, através do relatório e contas finais da liquidação da sociedade, o Serviço de Finanças tinha conhecimento de que para efeitos legais, a recorrente tinha sido nomeada pelo liquidatário como depositário dos livros e documentos da B...;
17. A requerente interroga-se, se nesta situação, a notificação não deveria ter sido efectuada na pessoa do liquidatário como determina o n°3 do art° 71° do CPPT;
18. Mais, como é possível presumir que a liquidação foi validamente notificada, se apenas em finais de Abril de 2002 a recorrente teve acesso à carta devolvida que lhe foi entregue em mão, sem que o Serviço de Finanças procedesse ao registo da data de entrega para efeitos de contagem dos prazos para o contribuinte accionar os meios de defesa?
19. O responsável pelo Serviço de Finanças de Albufeira negou-se a passar declaração atestando a data da entrega em mão da carta com a liquidação, mas aconselhou que a reclamação deverá referir que o contribuinte não teve conhecimento da declaração de liquidação pelas vias normais mas sim entregue por mão na própria Repartição de Albufeira após contacto em finais do mês de Abril de 2002 com a Direcção de Finanças de faro que informou que a liquidação já tinha sido enviada em 7-11-2001;
20. A recorrente discorda igualmente da posição sustentada no Despacho da reclamação de que, ainda que se provasse que apenas em finais de Abril de 2002 recebera a notificação por diligências suas junto da AT, tal facto não suspendia ou interrompia os prazos de reacção à liquidação;
21. Em seu entender, enquanto o contribuinte não for validamente notificado da liquidação, o prazo para a reclamação não se inicia;
22. Tendo a recorrente recebido a notificação, em mão, em fins de Abril de 2002, e apresentado a reclamação no prazo de 90 dias contado a partir daquela data, a mesma foi tempestiva.
4.2 — Apreciação do recurso
Da legitimidade do reclamante
Por contrato de compra e Venda celebrado em 1993/12/29, a A..., SA, adquiriu a totalidade das acções da B..., SA, cedidas pela CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALBUFEIRA, CRL (12 250 acções), por D... (50 acções), por E...(50 acções), por F...(50 acções), por G...(50 acções), e por H...(50 acções).
E, por decisão do seu accionista único - a sociedade A...— Sociedade Parabancária de Valorização de Créditos, SA, NIPC 502 927 640 - foi por escritura pública de 04-10-94, exarada de fls. 5 verso a seis verso do Livro 58-H do 70 Cartório Notarial de Lisboa dissolvida a B...— Compra, Venda e Administração de propriedades, assessoria e projectos, SA, com efeitos a partir daquela data, nomeando-se como liquidatário o Dr. C....
As declarações mod. 22 dos anos de 1994, 1995 e 1996 foram apresentadas pelo liquidatário à AT, apenas em 1998/01/08.
A liquidação foi dada por encerrada em 1997/09/30, embora as declarações Mod. 22 relativas ao exercício de cessação (1997/01/01 a 1997/07/30) e a todo o período de liquidação (1994/10/04 a 1997/07/30) apenas tivessem sido apresentadas em 1998/07/30.
Do relatório e contas finais da liquidação - com data de 1997/12/23 – anexa do à Mod. 22 do período de liquidação, consta nos pontos 7 e 8 que o passivo existente correspondia, unicamente, a créditos do único accionista que não podiam ser pagos por falta de valores sociais.
Por tal facto, quando a Mod. 22 relativa a 1996 foi liquidada em 1998/11/18, já depois de concluída a liquidação, a A..., SA assumiu o pagamento do valor liquidado de €28 884,68 (5 790 859$00).
Mas, concluída a liquidação, a recorrente A..., SA, fiel depositária dos livros e documentos da sociedade Iiquidada4, constatou que em Virtude do pagamento do imposto imputável ao exercício de 1996 ter sido pago apenas em 1999, já depois da entrega da declaração relativa a todo o período de liquidação, não fora tal montante considerado como pagamento por conta na declaração final. E como esta última declaração evidenciou prejuízos, o valor pago relativamente a 1996, deveria ser-lhe reembolsado.
Estando aqui em causa a legitimidade da recorrente para reclamar da liquidação que não contemplou o valor pago relativamente ao ano de 1996. das normas da Lei Geral Tributária (LGT) e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), afigura-se que tal legitimidade não existe.
N° art° 9° n° l e 2 da LGT, dispõe-se que todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei, garantindo-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva dos mesmos.
Por sua vez, de acordo com o disposto no n° l do art° 9° do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
De acordo com os números 2 e 3 do referido art° 9° do CPPT, existem responsáveis solidários e responsáveis subsidiários, sendo que, a legitimidade dos primeiros resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários ainda que em conjunto com o devedor principal, enquanto que a legitimidade dos segundos, resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários.
Não tendo sido ordenada qualquer reversão de execução fiscal por dívidas da B..., SA contra a A..., SA, será de eliminar a responsabilidade tributária subsidiária prevista nos n° 22° e 23° da Lei Geral Tributária.
Já quanto à responsabilidade solidária prevista nos art° 21° e 22° da Lei Geral Tributária, afigura-se que também não existirá.
Repare-se que a liquidação foi dada por encerrada em 1997/09/30, mas as declarações Mod. 22 relativas ao período de liquidação e ao período de cessação, apenas viriam a ser apresentadas em 1998/07/30, para além do prazo de 30 dias previsto no n° 3 do art° 112° do CIRC.
Apesar disto, e porque nos termos do disposto no n° 5 do art° 8° do CIRC a cessação da actividade ocorre na data do encerramento da liquidação, seria de Considerar que a sociedade tinha cessado a actividade em 1997/09/30.
No entanto, tem sido entendimento dos Serviços que a cessação da actividade deve reportar-se à data do registo do encerramento da liquidação, por ser esse o momento em que se considera extinta a sociedade, conforme o disposto no n° 2 do art° 160° do CSC.
Ora, na cópia da certidão de matrícula e inscrições comercias da B..., SA não consta o registo do encerramento da liquidação, ainda que nos termos do n°1 do art° 160° do CSC tal registo devesse ter sido requerido pelo liquidatário.
Sendo certo que a sociedade não se encontrava formalmente extinta, era o Liquidatário quem tinha legitimidade para apresentar a reclamação, pois que, nos termos do n° 8 do art° 151° do CSC, as suas funções só terminam com a extinção da sociedade, sem prejuízo do disposto nos artigos 162° a 164° do mesmo diploma relativamente a acções pendentes, activos ou passivos supervenientes.
Da tempestividade da reclamação
A liquidação recorrida processada em 2001/11/07, foi enviada por correio registado, em 2001/11/13, para a morada da sede da B..., SÁ. (conforme doe. 5 anexado à petição de recurso), vindo a ser devolvida ao Serviço de Finanças de Albufeira, em 2001/11116, com a indicação de que o destinatário era desconhecido na morada.
Contudo, dos autos do processo a fls. 57, constata-se que efeito de cessação da actividade para efeito de IVA, o liquidatário apresentou, em 1994/10/28, no Serviço de Finanças de Albufeira, Declaração de cessação reportada à data de 1994/10/04 e como morada de contacto diferente da morada da sede, a Rua Maria Andrade, n° 13 2°, 1100 - LISBOA.
Dos autos do processo, verifica-se ainda que todas as declarações mod. 22 relativas ao período de liquidação da sociedade, foram entregues no Serviço de Finanças de Albufeira.
Por estes factos, e ainda que as Mod. 22 atrás referidas tenham sido apresentadas já em 1998, verifica-se que, em 2001, o Serviço de Finanças de Albufeira tinha conhecimento, não só de que a sociedade tinha cessado a actividade para efeitos de IVA em 1994, como sabia que a liquidação para efeito de IRC tinha sido encerrada em 1997/09/30.
Era portanto previsível, que em 2001, a sociedade extinta em 1997 não fosse encontrada na antiga sede social.
E, como o contribuinte tinha indicado uma morada de contacto após a cessação da actividade, sempre podia o Serviço de Finanças ter repetido a notificação.
Não o tendo feito, a presunção de notificação prevista no n° l do art° 39° do CPPT, não se aplica. Sendo certo que nas declarações Mod. 22 nada foi referido no quadro 05 relativo à mudança de endereço, o Serviço de Finanças tinha conhecimento de que a sociedade estava em liquidação, pelo que, deveria ter repetido a liquidação na pessoa do liquidatário conforme n° 3 do art° 41° do CPPT.
Por conseguinte, a notificação da liquidação em apreço não se realizou no terceiro dia útil posterior ao dia 2001/11/13, mas apenas na data em que a carta com a liquidação foi entregue em mão aos interessados.
Mas, como alega a recorrente e os Serviços não desmentem, não foi elaborada certidão atestando a data da entrega em mão da notificação, pelo que, deverá considerar-se a data de 2002/05/02 indicada pelo contribuinte na carta.
Concluindo-se que a notificação apenas ocorreu 2002/05/02, e que só a partir dessa data começa a contar o prazo de reclamação previsto no n° l do art° 70° e n° l do art° 102° ambos do CPPT, deverá concluir-se que a reclamação foi tempestiva.
V. DIREITO DE AUDIÇÃO
Em sede de reclamação o contribuinte foi notificado para exercer o direito de audição, mas decorrido o prazo concedido verificou-se que prescindiu de tal faculdade.
Considerando que nesta fase, o contribuinte não invocou factos novos sobre os quais não tenha tido oportunidade de se pronunciar, deve dispensar-se a audição prévia conforme n° 3 do art° 60° da LGT.
DIVISÃO DE ADMINISTRAÇÃO II
VI. CONCLUSÃO
O recurso deve ser indeferido porque a petição de reclamação embora tempestiva, não foi apresentada por entidade com legitimidade para intervir no procedimento".
T) A presente acção deu entrada em 26 de Agosto de 2008 (carimbo aposto no rosto de fls 3, dos autos).
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A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto e na confissão dos factos pela impugnante aceites pela Fazenda Pública que não os contraditou.

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Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
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3. -Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso a questão que importa apreciar no presente recurso é a de saber se a impugnante detinha ou não legitimidade para reagir contra o acto em nome próprio porque ao tempo do pagamento, da liquidação em causa e da reclamação, a ora recorrida não era o sujeito passivo da relação jurídica tributária e, ao reconhecer-lhe legitimidade o tribunal a quo está a alargar o âmbito daqueles preceitos legais ofendeu-os e decidiu mal e se a sentença também errou ao considerar verificados os requisitos do direito a juros indemnizatórios estabelecido no artigo 43 n° 1 da LGT por o acto tributário em causa foi efectuado de acordo com os elementos declarados pelo contribuinte e os factos estabelecidos na sentença recorrida não satisfazem os traços característicos do erro imputável aos serviços pressuposto daquele direito, não podendo o tribunal recorrido ter atendido o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
Essa a tese da recorrente.
À qual a recorrida opõe que à data do pagamento, ela já era, por sucessão, se não de direito, pelo menos de facto, nos termos do artigo 162.° do Código das Sociedades Comerciais, sujeito passivo do imposto que pagou e foi com essa motivação que pagou o imposto liquidado à originária devedora.
Mesmo que assim se não entendesse, à data da dedução da impugnação ela tinha, indiscutivelmente, legitimidade processual nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 164.° do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a dissolução e liquidação da originária devedora se encontravam já registadas na Conservatória do Registo Comercial.
Por outro lado, afirma a recorrente que no caso sub judice, se verificam todos os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos do n°1 do artigo 43° da Lei Geral Tributária pois não era o contribuinte quem tinha «a obrigação» de declarar a seu favor, como crédito de imposto, um imposto que ainda não havia sido pago, tendo a declaração em causa, face às regras próprias da liquidação do IRC relativo ao período de liquidação, natureza de provisória, uma vez que o seu resultado consolidaria com o das restantes, na mencionada liquidação.
Donde que incumbisse à Administração Fiscal o dever de reconhecer o crédito de imposto, por imposto pago, ao contribuinte, quando, ao efectuar-lhe a liquidação de IRC em que aquele devia operar por compensação, verificou, no seu poderoso sistema informático, que o pagamento já tinha sido efectuado e que, nos termos legais, ele tinha de ser considerado naquela liquidação pelo que, ao proceder como procedeu, a Administração Fiscal violou grosseiramente a lei e, com esse comportamento, constituiu a recorrida no direito a juros indemnizatórios.
Para a EPGA a argumentação da recorrente não afasta a correcta interpretação da matéria de facto fixada no probatório e que nos pontos E) a K) e M) a Q) sintetizam a matéria apurada para a resolução do diferendo posto à apreciação deste tribunal que, perante tal factualidade, não poderá deixar de reconhecer a correcta aplicação dos preceitos jurídicos.
Quid juris?
Como se assinala na sentença recorrida, veio a impugnante invocar como causa de pedir da acção, que na sequência da descrição factual na petição de recurso hierárquico (levada ao probatório nos pontos A) a P) e que conduziu a que a ora impugnante A..., SA (também agora em liquidação) se tornasse a única accionista da B..., SA e deliberado proceder à sua liquidação.
O certo é que se apura que na Conservatória de Registo Comercial se encontra registada a dissolução da sociedade e a nomeação de liquidatário em 28 de Outubro de 1994, mas, tendo sido dado cumprimento ao art°65° do CIRC, nenhuma informação ou comunicação foi dada aos interessados directos, pelo que foi sempre da convicção da B...que a sua situação tributária estava regularizada.
Apesar de a liquidação referente ao exercício de 1996 da B..., SA ter sido efectuada em 18 de Novembro de 1998 e dela ter resultado imposto a pagar e a A..., SA ter pago (após o encerramento da liquidação da B..., SA) a liquidação de 7 de Novembro de 2001, correspondendo a todo o período de liquidação da B..., SA e nela se ter apurado um prejuízo fiscal, nela não foi considerado o imposto pago relativo ao exercício de 1996.
Donde que, como bem refere a sentença, o pleito relaciona-se com o pedido de reembolso, cuja legalidade não foi posta em causa, de um imposto pago a título provisório pela própria impugnante quando era a única accionista da B..., SA e no momento em que já se encontrava dissolvida e havia encerrado o seu período de liquidação em 30 de Setembro de 1997.
Sucede que o reembolso foi negado pela AF com o único fundamento de que a impugnante não era parte legítima por não ser responsável subsidiário ou solidário nos termos dos art°s 21°, 22° ou 23°, do CPPT.
Quanto a esta questão da legitimidade o decidido na sentença mercê pleno acolhimento.
Na realidade, a relação jurídica controvertida tal como a configura a impugnante, ora recorrida, conferiu-lhe, face ao que se provou e vem de ser dito, desde logo, interesse directo em demandar em que, a final, se traduz a legitimidade (cfr. artº 26º do CPC), exprimindo-se tal interesse pela vantagem para ela adveniente da procedência da acção.
Quanto à legitimidade, ensina o Prof. A. Varela no «Manual de Processo Civil», pág. 121 e ss :
«Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da questão, julgando a acção procedente ou improcedente (...) É preciso que (...) as partes (...) tenham legitimidade para a acção, que o autor e o réu sejam partes legítimas. É essencial que, como diria Henchell, estejam no processo, como autor e como réu, as partes exactas ("Die richtige partein"). Ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível.»
Para tanto, importará, em primeiro lugar, saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pressupondo que ela existe tal como o autor a representou, as pessoas a quem a relação realmente respeita.
A legitimidade, processualmente encarada, não constitui uma qualidade pessoal das partes, referente aos processos em geral, mas uma posição delas em face do processo concreto — o interesse de cada uma delas em determinado pro­cesso.
Segundo esta formulação, a legitimidade é vista como posição da parte em face dessa relação jurídica, posição essa que justi­fica ocupar-se essa mesma parte de tal relação. Em regra, a posição é basica­mente a de titularidade, acrescentando-se apenas que se exige uma titularidade coincidente – Autor e reus têm de ser titulares da relação controvertida.
A legitimidade processual singular é, pois, uma qualidade adjectiva da parte processual definível como a titularidade, activa ou passiva, de um conteúdo assente num interesse em agir para a prossecução ou contes­tação de um determinado objecto inicial do processo.
Assim, se a legitimidade, processualmente encarada, não constitui uma qualidade pessoal das partes, referente aos processos em geral, mas uma posição delas em face do processo concreto — o interesse de cada uma delas em determinado pro­cesso (A. Varela, RLJ, 114.°-139, nota I), ser parte legí­tima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível (A. Varela, Man. Proc. Civ., l.ª ed.-122; 2.ª ed.-129). A parte terá legitimidade como autor se for ela quem juridicamente pode fazer a pretensão em face do demandado, admi­tindo que a pretensão exista; e terá legi­timidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à proce­dência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atin­gida pela providência requerida (ibid.). O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o juíz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa. Julgando a acção procedente ou improcedente (0b. cit; 123 c 130). Diz-se que são partes legitimas, em princípio, os sujeitos da relação controvertida. Mas discute-se entre nós, qual é a rela­ção jurídica que serve de base a essa determinação: a que tem a configuração subjectiva que o autor lhe dá ou a relação tal como se apresenta ao tribunal, depois de ouvidas ambas as partes e de examinadas as razões de uma e outra (ob.cit., 134 e 141).
Assim, em relação ao conteúdo da qualidade ou posição da parte em relação ao objecto do processo existem duas técnicas, a que considera o objecto do processo sempre um litígio, um conflito de interesses, e outra que considera o objecto do processo uma relação jurídica, a relação jurídica subjacente, material ou controvertida. Segundo a primeira a legitimidade resultará da posição das partes perante esse litígio ou conflito; em regra só aos titulares dos interesses em litígio per­mite a lei que sejam partes em processo, para pedir ou contra eles ser pedida a composição do mesmo litígio. Dentro desta orientação diz-se que a parte é legítima quando o interesse, moral ou material, que se agita no processo, é, em relação a ela, directo, pessoal e legítimo. O interesse é directo quando incide sobre o próprio bem que forma o objecto do processo e não sobre outro embora conexo a ele. É pessoal quando é invocado como pertencente especifica­mente à própria pessoa que o invoca, ou à pessoa contra a qual a acção é proposta. É jurídico ou legitimo quando é invocado como tutelado pelo direito.
De harmonia com a segunda técnica — a da relação jurídica — a legitimidade é vista como posição da parte em face dessa relação jurídica, posição essa que justi­fica ocupar-se essa mesma parte de tal relação. Em regra, a posição é basica­mente a de titularidade (excepcionalmente, a de titularidade de uma relação conexa), acrescentando-se apenas que se exige uma titularidade coincidente — A. e R. têm de ser titulares da relação controvertida e, além disso, o autor titular do direito e o réu do dever ou sujeição—em todas as acções que não sejam de simples apreciação negativa - ou vice versa — nas acções de simples apreciação negativa. Em regra, portan­to, afere-se da legitimidade comparando os sujeitos da relação jurídica subja­cente com os sujeitos da relação jurídica processual, as partes . é dentro desta concepção que surgiu a controvérsia entre J. A. Reis e Barbosa de Magalhães. Para o primeiro a legitimidade existe se a parte era o titular da efectiva relação jurídica controvertida, tal como se configurava na realidade. Para o se­gundo a legitimidade era: determinada tomando a (pretensa) relação jurídica. "tal como a configura o autor, sendo as partes ilegítimas—em regra—quando não são os sujeitos dela" . A legitimidade em sentido material: verifica-se quando a lei usa o termo legitimidade para designar o complexo de qualidades que representam pressu­postos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque; ela refere-se às condições subjectivas, no A., da titularidade do direito que invoca.
É que, para nós e na senda da concepção do Prof. J.A. Reis, a legitimidade processual singular é uma qualidade adjectiva da parte processual definível como a titularidade, activa ou passiva, de um conteúdo assente num interesse em agir para a prossecução ou contes­tação de um determinado objecto inicial do processo (Teixeira de Sousa, BMJ, 292.°-92). Ou seja, o interesse de que deriva a legitimidade, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica submetida à apreciação do tribunal. Há, pois, que atender à relação jurídica, tal como se formou pelo que, repetindo, «Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da questão, julgando a acção procedente ou improcedente, não basta que as partes tenham personalidade judiciária e gozem de capacidade judiciária. É preciso que, além disso, elas tenham legitimidade para a acção, que o autor e o réu sejam partes legítimas. É essencial que, como diria Henchell, estejam no processo, como autor e como réu, as partes exactas ("Die richtige partein"). Ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível.» Prof. A. Varela no «Manual de Processo Civil», pág. 121 e ss.
Pode inferir-se, pois, que a impugnante, ora recorrida, tem o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo, atentas as considerações atrás desenvolvidas sobre a questão da legitimidade e, por isso, está activamente legitimado para esta acção.
De resto, a legitimidade no procedimento tributário está estreitamente conexionada com a definição dos sujeitos da relação tributária que, no lado activo, envolve a administração tributária, ou seja, a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante - tal conceito de Administração tributária está vazado no artº 1º nº 3 da LGT- e, no lado passivo, toda a pessoa, singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, porque detendo capacidade contributiva, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária exigida pelo sujeito activo – este conceito é dado também pelo artº 1º nº 3 da LGT-.
Assim, a legitimidade passiva, recai sobre os contribuintes directos (pessoas em relação às quais se verificam os factos tributários, os pressupostos de facto ou o facto gerador do imposto ou, dito de outro modo, os titulares da manifestação de capacidade contributiva que a lei tem em vista atingir e que, por conseguinte, deve suportar a ablação ou desfalque patrimonial que o imposto acarreta- cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal., 2ª ed. pág. 251), os substitutos ou responsáveis solidários ou subsidiários, ou as partes cujas obrigações derivam de contratos fiscais (cfr.- artº 65º da LGT).
Daí que também a essa luz a recorrida é parte legítima pois tem interesse pessoal porque a decisão recorrida se projecta na sua esfera jurídica, sendo ainda legítimo porque é digno de protecção pela ordem jurídica.
Ademais e como bem se expende na sentença evocando Jorge Lopes de Sousa (in CPPT, anotado, Vol I, 2006, pág. 103) "recai sobre o interessado o ónus de alegar os factos que integram a sua legitimidade que, no caso de impugnação de actos de liquidação, se limitam à sua identificação no acto como sujeito passivo do tributo liquidado. Poderá, no entanto, ser reconhecida legitimidade a outros interessados" e, "afirmados os factos susceptíveis de, em princípios, servirem de suporte à legitimidade, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de demonstrar os factos que justificam que se conclua pela ilegitimidade, por ser matéria de excepção (art° 494° n° l alínea e) do CPC) sem prejuízo da possibilidade de conhecimento oficioso (art° 495° do mesmo código)".
Assim, nos termos do art° 9° do CPPT, "Têm legitimidade no procedimento tributário, além de administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido (nº1) e “A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal (nº2), sendo que “A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão de execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários" (nº3).
Ora, na esteira ainda do Cons. Jorge Lopes de Sousa (obra citada, pág 111) no n°1 deste artigo atribui-se “… ainda legitimidade para intervenção no procedimento tributário àqueles que provem interesse legalmente protegido" e "em matéria tributária é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que directamente lhes disserem respeito (art° 267° n° 5 da CRP), corno tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica".
Por assim ser, como é, é forçoso concluir que não colhem as razões aduzidas pela Administração Fiscal porquanto, nem a B..., SA nem a A..., SA foram notificadas da determinação da matéria colectável em relação a todo o período de tributação, e não foi devolvido o imposto pago em excesso, o que desde logo determina a ilegalidade do acto tributário por falta de fundamentação, acrescendo que há neste caso um interesse legítimo por parte da impugnante, interesse esse que deve ser protegido por ter pago um imposto que deve ser restituído.
É que, como evidenciam os autos, a liquidação que está em causa não é a a autoliquidada pela impugnante em 1999, mas a operada pela Administração Tributária em 2001, referente a todo o período de liquidação da B...e visto que a Administração Fiscal recebeu o imposto em 1999, que se mostrou como não devido, deveria ter sido considerado e dado origem a reembolso.
Ora, o art° 9° do CPPT atribui legitimidade não apenas aos responsáveis solidários ou subsidiários, mas também a "outras pessoas que provem interesse legalmente protegido", como sucede no caso concreto com a impugnante, ora recorrida.
Logo, é ela parte legitima, devendo ser-lhe restituído o imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do art° 43° da LGT, uma vez que o que está em causa não é a liquidação de 1999, como referido e, ao contrário do entendido pela Fazenda Pública (art°s 4° e 5°), mas a liquidação efectuada pela Administração Tributária em 2001.
Consequentemente, deve ser reconhecido à impugnante do direito a juros indemnizatórios pela ocorrência cumulativa dos pressupostos constantes do art° 43°, n° 1 da LGT.
Decorre do art° 43, n° 1, da LGT que é pura reprodução do art° 24, n° 1, CPT, que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
Na decisão sob recurso perfilha-se a tese de que, na situação dos autos é configurável erro do serviço porque houve a prática de actos ostensivamente contrários á lei, antes ocorrendo uma aplicação da lei de acordo com um interpretação legítima que pode vir a ser declarada incorrecta.
Ora, o erro dos serviços ocorre sempre que se cobra um tributo que se vem a constatar não ser devido, isso em louvação do ensinamento prestado por Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa quando, em anotação ao art° 43 da LGT, referem que 'o erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação'.
Donde que os juros indemnizatórios p. no artº 43º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de impugnação judicial da correspondente liquidação.
Tal entendimento é veiculado pela jurisprudência firme do STA, manifestada nos arestos de 28.11.01, Rec. 26 223, de 28.11.01, Rec. 26328, de 28.11.01, Rec. 26 405.
Há, pois, fundamento para o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

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4. - Termos em que acordam os Juízes desta Secção do Contencioso Tributário do TCA, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 15/02/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)