Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12665/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:DESPACHO SANEADOR - RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA - RECURSO JURISDICIONAL
Sumário:I – O despacho (de 2.5.2013) que não admitiu a reclamação para a conferência deduzida (em 13.3.2013) do despacho saneador, por um lado, foi proferido quando já estava iniciada a instância de recurso (pois também foi interposto recurso jurisdicional do despacho saneador, o qual foi apresentado em 11.4.2013) e, por outro lado, assentou no entendimento de que o despacho saneador seria impugnável através de recurso, pelo que o mesmo não vincula o tribunal superior, prevalecendo a decisão proferida sobre esta questão pelo tribunal ad quem.

II – Assim, transitada em julgado a decisão proferida por este TCA Sul que não admitiu, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso (de 11.4.2013), passou a prevalecer o entendimento de que não cabia recurso jurisdicional do despacho saneador, mas antes reclamação para a conferência.

III – Sendo a reclamação para a conferência deduzida (em 13.3.2013) do despacho saneador tempestiva, deverá a mesma ser apreciada e decidida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I - RELATÓRIO
Isabel ……………. intentou no TAF de Loulé acção administrativa especial contra a Polícia de Segurança Pública, na qual peticionou que:





”.

Por decisão de 25 de Março de 2015 do referido tribunal foi decidido que não cabia a esse tribunal tornar a pronunciar-se sobre a reclamação para a conferência apresentada da decisão de 14 de Fevereiro de 2013 que absolveu a entidade demandada da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

”.

O recorrido não apresentou contra-alegações.

Pelo TAF de Loulé foi proferido despacho de sustentação relativamente à nulidade imputada à decisão recorrida.


O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida, tendo em vista a apreciação da reclamação para a conferência tempestivamente apresentada, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.



II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:

1) A petição inicial da presente acção foi enviada por correio electrónico ao TAF de Loulé em 31 de Agosto de 2011 (cfr. fls. 2).

2) A presente acção tem o valor de € 8 372,24 (cfr. indicação constante do final da petição inicial - concretamente a fls. 20 (cfr. fls. 364, concretamente artigo 30º, onde se refere que a petição inicial que interessa é a apresentada em 31.8.2011) - e a sua não impugnação pelo réu).

3) Em 14.2.2013 foi proferida a decisão constante de fls. 297 a 309, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através da qual a entidade demandada foi absolvida da instância.

4) A decisão descrita em 3) foi notificada ao mandatário da autora por carta registada em 4.3.2013, recebida em 5.3.2013 [cfr. fls. 314 e confissão (conclusão 1ª, das alegações de recurso)].

5) A autora enviou pelo SITAF, em 13.3.2013, ao TAF de Loulé reclamação para a conferência da decisão descrita em 3) (cfr. fls. 317 a 324).

6) A autora enviou pelo SITAF, em 11.4.2013, ao TAF de Loulé requerimento de interposição de recurso – e respectivas alegações – da decisão descrito em 3) (cfr. fls. 341 a 367).

7) Em 2.5.2013 foi proferido o seguinte despacho:

” (cfr. fls. 379-380).

8) O despacho descrito em 7) foi notificado ao mandatário da autora por carta registada em 15.5.2015 (cfr. fls. 381).

19) Por despacho de 26.9.2013 foi admitido o recurso descrito em 6) (cfr. fls. 395-396).

10) Por decisão sumária deste TCA Sul de 27.10.2014 não foi admitido, por irrecorribilidade da decisão impugnada, o requerimento de interposição de recurso de 11.4.2013, na qual se exarou nomeadamente o seguinte:

“(…)
Do exposto resulta que não cabe recurso do despacho saneador proferido nos autos em 14.2.2013, mas antes reclamação para a conferência, sendo certo que, de acordo com o estatuído no art. 685º-C n.º 5, do CPC de 1961, “A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (…)”.
Acresce que não será possível convolar oficiosamente o recurso interposto pela autora, ora recorrente, em reclamação para a conferência, ao abrigo do art. 199º n.º 1, do CPC de 1961, dado que a mesma não é tempestiva, atenta a proibição da prática de actos inúteis (cfr. art. 137º, do CPC de 1961, o qual corresponde a uma manifestação do princípio da economia processual), pois não teria qualquer utilidade proceder a tal convolação, já que, logo de imediato, teria de se rejeitar a reclamação para a conferência por intempestividade, razão pela qual tal convolação é proibida por lei.
Com efeito, e como acima referido, de acordo com o disposto no art. 29º n.º 1, do CPTA, a recorrente tinham o prazo de 10 dias para reclamar do despacho saneador proferido nos autos em 14.2.2013.
(…)
Nestes termos, em 11.4.2013, data em que se considera apresentado o recurso interposto pela recorrente (cfr. n.º 9), dos factos provados, e art. 150º n.º 1, do CPC de 1961), já tinha terminado o prazo para a apresentação da reclamação do despacho saneador proferido em 14.2.2013, razão pela qual tal recurso não poderá ser convolado em reclamação para a conferência.
(…)
No sentido da aplicação deste entendimento foi proferido o recente Ac. do STA de 26.6.2014, proc. n.º 01831/13, em formação alargada, ao abrigo do art. 148º, do CPTA - publicado no Diário da República, 1ª Série, de 15.10.2014, sob o n.º 3/2014 -, no qual se sumariou o seguinte:
I – Só é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
II – A circunstância de ter havido alguma prática jurisprudencial dos TCAs admitindo recurso em vez de reclamação, nos casos a que se referem os artigos 40º, 3, do ETAF e 27º, 2, do CPTA, não justifica modificar o entendimento referido em I (…)”.
Conclui-se, assim, que não pode ser admitido o requerimento de interposição de recurso jurisdicional e que não é caso de ordenar a baixa dos autos ao TAF de Loulé para efeitos de decidir sobre o referido requerimento, agora enquanto reclamação para a conferência, na medida em que tal convolação não é possível (requisito relativo à tempestividade não se encontra reunido).
(…)” (cfr. fls. 415 a 425).
11) A decisão sumária descrita em 10) não foi impugnada (cfr. fls. 428 a 448).


*
Presente a factualidade antecedente, cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela recorrente, a qual, se resume, em suma, em determinar se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia.

Por requerimento enviado por telecópia em 19.11.2014, a autora, ora recorrente, peticionou ao Juiz de Direito, do TAF de Loulé, que lhe fosse notificado o acórdão relativo à reclamação para a conferência apresentada em 13.3.2013 (e que se encontra descrita em 5), dos factos provados).

Na decisão recorrida de 25.3.2015 entendeu-se que, face à decisão sumária proferida por este TCA Sul em 27.10.2014 – descrita em 10), dos factos provados -, não cabia ao Tribunal tornar-se a pronunciar sobre a reclamação para a conferência.

Invoca a recorrente que esta decisão de 25.3.2015 enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º 1, al. d), do CPC de 2013, já que não foi proferido acórdão em resposta à reclamação para a conferência interposta em 13.3.2013.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.

A nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º relaciona-se directamente com estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

A propósito desta nulidade, ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, pág. 50, que, «À omissão de pronúncia alude a 1ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.° (1) e traduz-se na circunstância de o juiz se não pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ante o estatuído na 1.ª parte do n.° 2 do art. 660.° (2).

Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda.

Como nos diz Alberto dos Reis, não enferma da nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”».

A omissão de pronúncia só existe, portanto, quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir a(s) questão(ões) que lhe é(são) colocada(s) pelas partes, isto é, o(s) problema(s) concreto(s) que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocados pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão da(s) questão(ões) colocada(s).

Ora, no caso sub judice a decisão recorrida de 25.3.2015 apreciou a questão que lhe foi colocada, pois decidiu que não cabia ao Tribunal tornar a pronunciar-se sobre a reclamação para a conferência, razão pela qual tem de improceder a presente arguição de nulidade.

De todo o modo, não está o tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pela recorrente como nulidade da sentença (cfr. art. 5º n.º 3, do CPC de 2013).

Assim, cumpre apreciar o erro de julgamento que a recorrente considera existir face à recusa de apreciação da reclamação para a conferência apresentada em 13.3.2013 e consequente falta de prolação de acórdão.

O despacho de 26.9.2013 que admitiu o recurso interposto do despacho saneador proferido em 14.3.2013, e de acordo com o estatuído no art. 685º-C n.º 5, do CPC de 1961, não vincula o tribunal superior, isto é, prevalece a decisão proferida sobre esta questão pelo tribunal ad quem.

Além disso, e quanto ao despacho proferido em 2.5.2013 - o qual não admitiu a reclamação para a conferência deduzida em 13.3.2013, do despacho saneador proferido em 14.2.2013 -, cumpre salientar que o mesmo, por um lado, foi proferido quando já estava iniciada a instância de recurso (pois o recurso jurisdicional descrito em 6), dos factos provados, foi apresentado em 11.4.2013) e, por outro lado, assentou no entendimento de que o despacho saneador seria impugnável através de recurso, ou seja, esse despacho de 2.5.2013 também não vincula o tribunal superior, prevalecendo a decisão proferida sobre esta questão pelo tribunal ad quem.

Nestes termos, logo que transitada em julgado a decisão sumária proferida por este TCA Sul em 27.10.2014, passou a prevalecer o entendimento de que não cabia recurso jurisdicional do despacho saneador proferido em 14.2.2013, mas antes reclamação para a conferência.

Ora, a reclamação para a conferência deduzida em 13.3.2013 é tempestiva.

Efectivamente, de acordo com o disposto no art. 29º n.º 1, do CPTA, a recorrente tinha o prazo de 10 dias para reclamar do despacho saneador proferido nos autos em 14.2.2013.

O mandatário da recorrente foi notificado dessa decisão por carta registada em 4.3.2013, recebida em 5.3.2013 (cfr. n.º 4), dos factos provados), pelo que, in casu, o prazo para reclamar terminou no dia 15.3.2013, estando, portanto, em tempo a reclamação para a conferência apresentada em 13.3.2013 [cumprindo salientar, como é evidente, que não se trata aqui de qualquer convolação de requerimento de recurso em reclamação].

Conclui-se, assim, que deverá se revogada a decisão recorrida (de 25.3.2015) e ordenada a baixa dos autos ao TAF de Loulé para efeitos de decidir a reclamação para a conferência apresentada em 13.3.2013.

O recorrido, dado que ficou vencido (pois, embora não tenha contra-alegado, a verdade é que se pronunciou no sentido de não ser atendido o pedido formulado pela recorrente por telecópia de 19.11.2014, na sequência do qual foi proferida a decisão recorrida), deverá ser condenado nas custas do recurso, atento o disposto no art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA.


III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida e, em consequência, determinar a baixa dos autos ao TAF de Loulé para efeitos de decidir a reclamação para a conferência apresentada em 13.3.2013.

II – Condenar o recorrido nas custas do presente recurso jurisdicional.

III – Registe e notifique.

*
Lisboa, 16 de Dezembro de 2015


_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina dos Santos)

(1) Que corresponde à 1ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(2) Que corresponde à 1ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.