Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06754/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
NÃO POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS INCIDENTES SOBRE A OPORTUNIDADE E MÉRITO DA DESPESA.
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO. CONCEITO.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DAS DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

2. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.

3. É entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.

4. O P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

5. Actualmente para o conceito de despesas de representação deve atender-se ao artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

6. A tributação autónoma das despesas de representação está actualmente incluída no artº.81, nº.3, do C.I.R.C., sendo a taxa de 20%. A sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo.

7. Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.352 a 382 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "H………….. - Produções, S.A.", tendo por objecto liquidações de I.R.C. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2000 e no montante total de € 26.575,39.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.397 a 405 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso limita-se à parte relativa às despesas contabilizadas pela impugnante como viagens e estadias e às despesas relativas ao fornecimento de refeições pela "S……… - …………………, S.A." à impugnante, parte essa declarada procedente pela sentença judicial em causa e com a qual a Administração Fiscal não se conforma;
2-Tais despesas não foram aceites pela Administração Fiscal, como custos do exercício de 2000 e contabilizadas pela impugnante como viagens e estadias, uma vez que foram consideradas alheias à sua actividade, no montante de € 57.627,85, bem como as despesas relativas ao fornecimento de refeições, encargos que configuram despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma, contabilizadas pela impugnante como estadias e refeições, sendo o valor do imposto em falta de € 1.931,15;
3-Para efeitos fiscais, a aceitação dos custos de período é condicionada pelo princípio da indispensabilidade dos custos, ou seja, essas despesas têm de estar relacionadas directamente com o processo produtivo;
4-Nestes termos, não se encontrando "ab initio" os requisitos documentais cabalmente observados, i.e., perante insuficiências patentes na documentação de suporte dos lançamentos contabilisticamente e fiscalmente consequentes, como no caso dos autos, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, recaindo sobre este, ora impugnante, o ónus da demonstração dos custos subjacentes";
5-Ou seja, a dedutibilidade do custo depende da respectiva comprovação, pelo que, se o documento externo se revelar insuficiente, como é no caso presente, deve ser feita a prova da ocorrência do custo por qualquer meio de prova, nomeadamente a prova testemunhal;
6-Os testemunhos produzidos em sede de inquirição não constituíram prova de qualquer nexo de ligação de tais custos com os espectáculos e shows televisivos produzidos pela impugnante, enquanto fonte de proveitos daquela, mas tão-somente "pareceres" baseados na experiência profissional;
7-Assim, tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida nos autos, os encargos, em apreço, constituem um custo não dedutível para efeitos de IRC, uma vez que não ficou provada a sua não indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da impugnante, motivo pelo qual tais custos, enquanto despesas de representação, deverão ser sujeitos a tributação autónoma;
8-Pelo que a douta sentença proferida pelo Mm°. Juiz "a quo" fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da "ratio legis" que a fundamentam, mormente os art.°s 23° e 81.°, n.° 7, ambos do CIRC, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, na parte em que procedeu, com as legais consequências;
9-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão na parte em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao presente recurso (cfr.fls.416 a 420 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.423 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Não tendo havido impugnação da matéria de facto nas conclusões do recurso deduzido, igualmente não se vislumbrando a necessidade de alteração da factualidade constante do probatório, o Tribunal remete para a decisão recorrida, a qual julgou provada a matéria de facto inserta a fls.362 a 373 do presente processo e se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr.artº.663, nº.6, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, anulando parcialmente a liquidação de I.R.C. do ano 2000 e correspondentes juros compensatórios:
1-Na parte (€ 44.719,52) em que sujeita a tributação autónoma os custos relativos a gastos com serviços de refeições prestados à impugnante pela "S………. - ………………., S.A.";
2-No trecho (€ 57.627,85) correspondente a correcções relativas a despesas com viagens e estadias do sócio Herman José, custos estes considerados alheios à actividade empresarial e cujo beneficiário foi o identificado sócio.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se menciona, que as despesas em causa não foram aceites pela Administração Fiscal, como custos do exercício de 2000 e contabilizadas pela impugnante como viagens e estadias, uma vez que foram consideradas alheias à sua actividade, no montante de € 57.627,85, bem como as despesas relativas ao fornecimento de refeições, encargos que configuram despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma, contabilizadas pela impugnante como estadias e refeições, sendo o valor do imposto em falta de € 1.931,15. Que a aceitação dos custos em causa é condicionada pelo princípio da indispensabilidade dos custos, ou seja, essas despesas têm de estar relacionadas directamente com o processo produtivo. Que tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida nos autos, os encargos em apreço constituem um custo não dedutível para efeitos de I.R.C., uma vez que não ficou provada a sua não indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da impugnante. Que a decisão recorrida efectuou uma incorrecta interpretação das normas legais e da "ratio legis" que a fundamentam, mormente os artºs.23 e 81, nº.7, ambos do C.I.R.C. (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2000; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em primeiro lugar, a Fazenda Pública que devem ser sujeitos a tributação autónoma os custos (€ 44.719,52) contabilizados pela sociedade impugnante/ recorrida relativos a gastos com serviços de refeições prestados à mesma pela "S………… - ……………………, S.A.".
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que a impugnante demonstrou que são frequentemente terceiros que auxiliam nas tarefas de produção de programas televisivos, designadamente através do fornecimento de refeições ao pessoal afecto à produção, sendo o contributo destes necessário ao desenvolvimento da sua actividade (cfr.nº.2 do probatório), sendo que tal facto se encontra vertido nas próprias conclusões do relatório, na parte em que se considera que "estes serviços estão relacionados com almoços, jantares, pequenos-almoços e outros produtos alimentares, fornecidos pela empresa S…………….. à empresa em análise e consumidos pelos actores, figurinos, entre outros trabalhadores que prestam os seus serviços na produção dos programas televisivos ou radiofónicos" (cfr.nº.4 do probatório).
Como tal, trata-se de despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente, mas a assegurar o normal desenvolvimento da sua actividade dentro do circuito económico onde esta naturalmente se manifesta.
Termina a decisão recorrida por julgar procedente a presente impugnação, na parte em que assaca ao acto de liquidação adicional impugnado o vício de erro na qualificação dos custos relativos a gastos com serviços de refeições prestados à impugnante pela "S…………… - ………………….., S.A.", como despesas de representação, não estando sujeitas a tributação autónoma, nos termos do citado artº.81, nº.7, do C.I.R.C.
Vejamos quem tem razão.
Deve, antes de mais, recordar-se que, do exame do probatório se retira que a actividade principal da sociedade impugnante/recorrida se consubstancia na "produção de programas radiofónicos e televisivos, sendo a sua principal função estabelecer as condições para realização dos programas, nomeadamente a contratação de actores e figurinos, construção de cenários, produção de vestuário para as diversas peças televisivas e outros serviços especializados, tendo sempre como figura principal o actor Herman José Krippahl" (cfr.nº.1 do probatório).
Na análise do presente fundamento do recurso, haverá que saber se os custos postos em causa pela A. Fiscal se devem, ou não, enquadrar como despesas de representação.
O P.O.C., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, incluía no Capítulo 11 “Código de Contas” a conta “62221 - Fornecimentos e serviços externos - Despesas de representação”, sem, contudo, especificar o seu conteúdo no Capítulo 12 “Notas Explicativas”, pelo que o POC é insuficiente para se aferir dos factos patrimoniais susceptíveis de originar a movimentação dessa conta.
De acordo com o anterior artº.37, al.a), do Código da Contribuição Industrial (C.C.I.), as despesas de representação não se consideravam como custos ou perdas do exercício, sendo escrituradas a qualquer título e ainda que devidamente documentadas, na parte em que a Direcção Geral das Contribuições e Impostos as reputasse de exageradas.
Face ao regime previsto no citado artº.37, al.a), do C. C. Industrial, a doutrina definia as despesas de representação como aquelas que visavam custear as deslocações dos gerentes das empresas ou os seus representantes, sempre que tais deslocações fossem ao serviço das mesmas e devendo ser devidamente documentadas para serem consideradas custos pela Administração Fiscal (cfr.Prof. Raúl Dória e António Álvaro Dória, Dicionário Prático de Comércio e Contabilidade, Livraria Cruz-Braga, 3ª. edição, 1975, I volume, pág.489).
O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec.lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do artº.41, nº.1, al.g), passou a determinar que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.
Em qualquer dos normativos mencionados o “quantum” das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.I. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder discricionário da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.I.
Com a Lei 39-B/94, de 27/12 (Lei do OE/95), regime em vigor a partir de 1/1/1995, o artº.41, nº.1, al.g), do C.I.R.C., passou a não considerar como custo fiscal as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%. Com esta alteração legislativa, a quantificação em 20% da não consideração como custo fiscal das despesas de representação, o legislador visou resolver os ditos problemas subjectivos inerentes ao critério de razoabilidade a analisar pela Administração Fiscal.
Como já referimos, o P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Posteriormente, o artº.41, nº.5, da Lei 3-B/2000, de 4/4 (OE/2000), veio revogar, além do mais, o artº.41, nºs.3 e 4, do C.I.R.C., integrando essas despesas no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6, mais estabelecendo, no seu nº.3, que as despesas de representação são tributadas autonomamente em I.R.S. ou I.R.C., consoante os casos, a uma taxa de 6,4%. Com a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro (a designada “Lei da Reforma Fiscal”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, no seu artº.6, aditou o artº.69-A, ao C.I.R.C., sendo que no nº.3 deste novo preceito, passam a ser tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação. Por último, através do dec.lei 198/2001, de 3/7, que procedeu à renumeração dos artigos do C.I.R.C., a tributação autónoma das despesas de representação passou a ser incluída no artº.81, nº.3, do mesmo diploma, mantendo-se a taxa de tributação autónoma em 20%. Desta forma, é assegurada uma maior receita fiscal em I.R.C., pois que a tributação autónoma de tais despesas se caracteriza pelo facto de a empresa pagar imposto, independentemente da obtenção de lucro ou prejuízo fiscal.
É que, recorde-se, a sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12).
Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.346).
Ainda no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no actual artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6), devem considerar-se actualmente como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Voltando ao caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.2 e 4 do probatório já supra mencionados), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório e já acima transcrito.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida neste segmento.
Passemos ao exame da correcção, efectuada pela Fazenda Pública, relativa a despesas (€ 57.627,85) com viagens e estadias do sócio ……………, custos estes considerados pela A. Fiscal alheios à actividade empresarial da sociedade "H……………. - Produções, S.A." e cujo beneficiário foi o identificado sócio, assim não se enquadrando no artº.23, do C.I.R.C.
Defende a A. Fiscal que a aceitação dos custos em causa é condicionada pelo princípio da indispensabilidade dos custos, ou seja, essas despesas têm de estar relacionadas directamente com o processo produtivo. Que tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida nos autos, os encargos em apreço constituem um custo não dedutível para efeitos de I.R.C., uma vez que não ficou provada a sua não indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da impugnante.
Por sua vez, a decisão recorrida entendeu que resultou demonstrado (e a Administração Tributária não contesta) que a actividade da sociedade impugnante se centra na criação e prestação artística do seu sócio ………………. (cfr.nº.1 do probatório), sendo muito difícil traçar a fronteira entre a pessoa do mesmo sócio e a actividade da empresa, sendo ambos, digamos, "concorrentes" um do outro.
Sendo isto assim, isto é, sendo o actor …………… a pessoa que "dá a cara" pela sociedade impugnante, a Administração Tributária não pode, sem entrar em juízos de valor sobre "boa gestão" e em critérios de razoabilidade, desconsiderar como custos dedutíveis os gastos com a colaboração (e a promoção) do actor ………….. A correcção em causa, com base na qual a Administração Tributária desconsiderou como custos dedutíveis, gastos que são indispensáveis para a obtenção dos proveitos e para a manutenção da força produtiva, padece de ilegalidade por violação do artº.23, do C.I.R.C.
Deve recordar-se que a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.268 e seg.).
Com base nestas premissas, tem este Tribunal que concordar com a decisão recorrida, porquanto, mais uma vez levando em consideração o objecto social da sociedade recorrida (cfr.nº.1 do probatório), não pode a Fazenda Pública desconsiderar como custos, em sede do artº.23, do C.I.R.C., viagens e estadias do sócio ………….., sem que tal correcção se deva considerar como entrando pelo campo, verdadeiramente subjectivo, da boa (ou má) gestão empresarial e da consequente e efectiva relevância dos ditos custos no conjunto dos proveitos obtidos pelo sujeito passivo, sendo que, no caso concreto, as despesas em causa se relacionam com a actividade principal da sociedade impugnante e estão documentalmente comprovadas.
Por outras palavras, é entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09).
Em conclusão, deve confirmar-se a decisão recorrida, também neste segmento.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Outubro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)