Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7666/14.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
PEDIDO PRINCIPAL E PEDIDO SUBSDIÁRIO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Sumário:I. Em impugnação judicial a prescrição, matéria do conhecimento oficioso, por força do estatuído no artigo 175.º do CPP, apenas é apreciada neste meio processual para aferir se a instância deve prosseguir ou deve antes ser declarada a inutilidade superveniente da lide
II. As causas de inutilidade superveniente da lide são do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação.
III. Em obediência aos princípios que regulam a aplicação da lei no tempo, a situação em análise haverá de encontrar solução à luz da lei vigente à data da constituição da dívida, sem prejuízo de se considerar a regra do artigo 297.º do Código Civil, preceito este que ainda hoje rege a alteração de prazos e consequentemente as normas aplicáveis da LGT (cfr. n.º 1, do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).
IV. Nos termos do artigo 12.º, n.º 2 do CC os efeitos interruptivos e suspensivos que certos factos têm sobre o decurso do prazo de prescrição hão-de ser determinados pela lei vigente no momento em que ele ocorreram, porque tal normas dispõem sobre a extinção da relação jurídica e não sobre o seu contéudo (cfr. artigo 30.º, n.º 1 da LGT).
V. A LGT, na redacção inicial, atribuía efeito interruptivo a vários factos, sendo que, face ao regime anterior a 01/01/2007, quando ocorre mais de uma causa de interrupção da prescrição em relação ao mesmo prazo de prescrição, as causas de interrupção posteriores à primeira têm o seu efeito próprio, independentemente de ter ou não ocorrido qualquer outra interrupção.
VI. A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão por ter sido aceite como garantia a penhora de bens que garantem a totalidade da quantia exequenda depois da dedução de reclamação graciosa, que se manteve com o recurso hierárquico e a impugnação judicial é imputável ao contribuinte, pois tal circunstância impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela (cfr. artigos 169.º do CPPT e 52.º da LGT).
VII. O Tribunal só conhece do pedido subsidiário de desistência do pedido, no caso de julgar improcedente o pedido principal de inutilidade superveniente da lide.
VIII. Tratando-se a desistência do pedido de um negócio de auto-composição do litígio, ao juiz cabe verificar se o acto é válido e pertinente para o processo e, na afirmativa, proferir sentença homologatória, a qual, apesar de não aplicar o direito substantivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, que devidamente transitada em julgado, constitui caso julgado material em relação ao direito que o desistente pretendia fazer valer, muito embora não se tenha procedido na realidade à apreciação do mérito da causa, mas tudo se passa ou equivale a como se o tivesse feito.
IX. Sendo a desistência do pedido livre, determina, por isso, a extinção do direito que se pretendia fazer valer nos termos dos artigos 283.º e 285.º do CPC, com a absolvição do pedido.
Votação:Declaração de Voto
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por prescrição da obrigação tributária, da acção deduzida por T..., Lda. face ao indeferimento do recurso hierárquico que recaiu sobre a apreciação da liquidação adicional nº 831…, de IRC, do exercício de 1990, no valor de Esc. 2.509.310$00 de imposto e de juros compensatórios.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. Em causa está uma dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 1990 que deu origem ao processo de execução fiscal nº 222….

B. À data da obrigação tributária em causa nos autos (IRC do ano de 1990) o prazo de prescrição era de 20 anos, de acordo com o disposto no art. 27.º do CPCI, contando-se este do «início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário».

C. Em 1 de Julho de 1991 entrou em vigor o CPT, que revogou o CPCI e encurtou o prazo de prescrição para 10 anos (artº. 34.º do CPT).

D. Em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária, que revogou o artº. 34.º do CPT e encurtou o prazo de prescrição das obrigações tributárias para 8 anos (artº. 48.º, n.º 1, da LGT).

E. Ora, para determinar o prazo aplicável há que atender a essa sucessão de leis no tempo e ao disposto no artº. 297.º, n.º 1, do Código Civil, que determina que «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».

F. Sendo assim, cumpre averiguar se à data em que entraram em vigor as leis que encurtaram os prazos de prescrição faltava menos tempo para o prazo se completar à luz da lei antiga

G. Ora, relativamente aos prazos fixados pelo CPCI e pelo CPT, à data em que este entrou em vigor - 1 de Julho de 1991 - ainda só tinham decorrido seis meses do prazo de 20 anos fixado pelo CPCI (não se tendo verificado causa alguma de suspensão ou de interrupção da prescrição).

H. O prazo de prescrição de 10 anos previsto no art. 34.º, n.º 1, do CPT, contado a partir de 1 de Julho de 1991, terminaria, na ausência de causas de interrupção ou de suspensão, em 1 de Julho de 200 1, o que significa que, caso não houvessem causas de interrupção ou prescrição, à data da entrada em vigor da LGT, faltaria apenas 2 anos e 6 meses para que se completasse o prazo, ou seja, menos que os 8 anos fixados na LGT como prazo de prescrição das obrigações tributárias.

I. Cumpre, por isso, averiguar da ocorrência de causas de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição no âmbito do CPT.

J. O primeiro acto interruptivo ocorreu em 1 de Fevereiro de 1996, data em que foi instaurada a execução fiscal nº 222… (cf. artº. 34.º, n.º 3, do CPT), inutilizando-se todo o tempo decorrido.

K. A 04-11-1999 foi ordenada a suspensão do processo executivo, nos termos do n°1 do art. 255° do CPT, em virtude da dedução da reclamação graciosa e da penhora de bens que garantiam a totalidade da divida exequenda e acrescido.

L. Embora o efeito interruptivo da prescrição motivado pela instauração da execução tenha deixado de relevar no que respeita ao seu efeito duradouro (de suspensão do prazo prescricional) a partir do dia 1 de Janeiro de 1999 (data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária - LGT), pois que à instauração da execução não atribuía ou atribui a LGT efeito interruptivo da prescrição, o prazo de prescrição não recomeçou a correr nessa data, pois que estava e continua suspenso desde 04/11/1999, data em que foi ordenada a suspensão do processo executivo em virtude da dedução de reclamação graciosa e da posterior penhora de bens que garantem a quantia exequenda e acrescido

M. Ora, se o efeito suspensivo do prazo de prescrição decorrente da pendência da impugnação acompanhada de suspensão da execução, nos termos do artigo 255º do CPT, ainda não cessou, porque o processo ainda não viu o seu termo, manifesto é não estar prescrita a dívida emergente da liquidação impugnada.

N. Além do mais, sempre se refira que, nos termos do artigo 34º do CPT, tanto a reclamação, como o recurso hierárquico, como a impugnação judicial são causas de interrupção da prescrição das obrigações tributárias, inutilizando-se o tempo decorrido aquando da ocorrência de cada uma delas.

O. “A impugnação judicial deduzida antes do prazo de prescrição se completar interrompeu-o, pois que a lei - e neste caso concreto tanto a LGT, vigente à data em que a impugnação foi deduzida - cfr. o n.º 1 do artigo 49.º da LGT, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 100199, de 26 de Julho -, como o CPT, vigente à data do facto tributário - cfr. o n.º 3 do artigo 34.º do CPT - atribuía e atribui à dedução de impugnação judicial efeitos interruptivos do prazo de prescrição, inutilizando para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. o n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil) e não começando a correr novo prazo (igual ao primitivo - cfr. o n.º 2 do artigo 326.º do Código Civil) enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. o n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil)". - Acórdão do Supremo Tribunal, de 02.02.2011 - Processo nº 038/2011.

P. A impugnante veio desistir do pedido contido na impugnação, pelo que, nos termos do n°1 do artigo 293° do CPC, e do nº1 do art. 285º do CPC, ambos na redacção em vigor à data dos factos, e não estando prescrita a obrigação tributária, deveria a Meritíssima Juiz ter decidido pela inutilidade superveniente da lide em virtude da desistência do pedido efectuada pela Autora/Impugnante.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

3. A recorrida devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 287 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao julgar verificada a prescrição da obrigação tributária que emerge do sindicado acto de liquidação, e por não ter decidido pela inutilidade superveniente da lide em virtude da desistência do pedido efectuada pela Impugnante.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1 - Da liquidação adicional nº 831…, do exercício de 1990, no valor de Esc. 2.509.310$00 (€ 12.516,39), foi instaurado processo executivo em 01/ 02/ 1996, com nº 222… - processo executivo em apenso aos autos;

2 - Em 16/05/1996 foi deduzida reclamação graciosa contra a liquidação em causa, tendo sido aceite como garantia da dívida os bens constantes do auto de penhora a fls. 5 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

3 - Por despacho de 04/11/1999, foi ordenada a suspensão do processo executivo, cfr. processo executivo em apenso aos autos;

4 - Em 08/09/ 2005, houve a aplicação do valor de € 1.180,66 através do sistema de restituição/ compensação referente ao reembolso de IRC/ 2003 e, em 18/10/ 2005, o valor de € 594,18, através do mesmo sistema de restituição/compensação, cfr. processo executivo em apenso aos autos;

5 - Em Setembro de 2005, foi deduzida reclamação nos termos do art. 276° do CPPT, tendo sido proferida decisão em Janeiro de 2006 que determinou a anulação da compensação no valor de € 1.180,66, acrescida de juros indemnizatórios.


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2. ADITAMENTO OFICIOSO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Por ser relevante para a decisão da causa, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, importa aditar oficiosamente ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos junto aos autos:

6 – A reclamação graciosa identificada no ponto 2 supra foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão (por delegação do D.D.F. de Setúbal) de 22/11/2000 (cfr. procedimento de reclamação graciosa apenso);

7 – Em 05/01/2001, a impugnante apresentou recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi indeferido por despacho do Subdirector Geral dos Impostos, de 12/12/2002 (cfr. processo instrutor apenso e docs. n.º 4 e 5 da p.i.);

8 – Em 18/03/2003 foi deduzida a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 3 da numeração dos autos de suporte físico);

9 - Por despacho do Chefe de Finanças de Seixal-1, proferido em 10/05/2006, foi revogada a compensação referida em segundo lugar no ponto 4 supra (cfr. fls. 231 da numeração dos autos de suporte físico).

10 – Por requerimento que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 30/10/2009, a Impugnante requereu a inutilidade superveniente da lide e se assim não for entendido desiste do pedido contido na impugnação judicial (fls. 205 da numeração dos autos de suporte físico).


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3. DE DIREITO

3.1. A sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa julgou prescrita a dívida tributária relativa a IRC do ano de 1990, objecto da impugnação deduzida pela Recorrida e, consequentemente, determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Entende a Recorrente que a sentença recorrida não teve em correcta apreciação os efeitos interruptivos ocorridos e o suspensivo do prazo de prescrição decorrente da pendência da impugnação acompanhada da suspensão da execução, nos termos do artigo 255.º do CPT, que ainda não cessou, porque o processo ainda não viu o seu termo, sendo manifesto não estar prescrita a dívida emergente da liquidação impugnada.

Mais alega que a impugnante veio desistir do pedido contido na impugnação, pelo que, nos termos dos artigos artigo 293.º, n.º 1 e 285.º, ambos do CPC, deveria a Meritíssima Juíza a quo ter decidido pela inutilidade da lide em virtude da desistência do pedido efectuada pela Impugnante.

A Meritíssima juíza a quo, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por entender que ao caso dos autos é aplicável o prazo de 10 dias previsto no CPT, que se iniciou em 01/01/1991, tendo considerado o facto interruptivo decorrente da instauração da execução fiscal e a paragem desta no período compreendido entre 04/11/1999 até 08/09/2005 por facto não imputável à impugnante, e daqui concluiu que decorreram mais de dez anos, encontrando prescrita a dívida desde Setembro de 2005, sendo conhecida oficiosamente

Vejamos.

Começamos pela analise da primeira questão que nos é colocada respeitante à prescrição da dívida emergente da liquidação impugnada.

Acresce esclarecer que o Tribunal a quo conheceu oficiosamente da prescrição.

Os tribunais superiores têm entendido que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição nada tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação.

No entanto, admite-se o conhecimento incidental da prescrição no âmbito da impugnação judicial, para aferir se tem utilidade prática a apreciação da legalidade do ato impugnado.

Dito por outras palavras, em impugnação judicial a prescrição, matéria do conhecimento oficioso, por força do estatuído no artigo 175.º do CPPT, apenas é apreciada neste meio processual para aferir se a instância deve prosseguir ou deve antes ser declarada a inutilidade superveniente da lide (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2006, pág. 708).

De salientar, ainda, que se tem entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação (vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/06/2006, processo n.º 0189/06, disponível em www.dgsi.pt.).

A Mma. Juiz do tribunal a quo julgou relevante a prescrição da dívida tributária, como causa de inutilidade superveniente da lide, sem que tenha explicado as razões que a levaram a concluir neste sentido, em detrimento do pedido principal de extinção de inutilidade superveniente da lide formulado pelo Impugnante.

Feito este enquadramento, como já deixamos expresso supra, iniciamos a apreciação das questões submetidas a recurso pela prescrição, por se tratar de causa de inutilidade superveniente da lide, após o que, adiantando, desde já, face aos factos levados ao probatório, que a dívida em causa não se mostra prescrita, apreciaremos a restante questão, bem como os pedidos formulados no requerimento de fls. 205 apresentado pela Impugnante (ponto 10 do probatório).

Apreciemos, então, se a divida emergente da liquidação dos autos, está ou não prescrita com a profundidade que merece.

Como é consabido, a prescrição é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor de poder exigir o cumprimento da respectiva obrigação.

A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário.

Nos autos está em causa a prescrição da dívida de IRC do ano de 1990, pelo que terá que se atender, para efeitos de contagem da prescrição, aos regimes de prescrição fixados, sucessivamente, no artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (LGT) e no artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que estamos perante uma situação tributária que, iniciada antes da entrada em vigor de uma nova lei reguladora da prescrição, continuou depois de revogada a lei anterior.

Efectivamente, o CPCI (em vigor à data do facto tributário) foi revogado pelo anterior CPT, que entrou em vigor em 01/07/1991 e, no que toca ao regime de prescrição, foi substituído pela LGT, sendo que esta entrou em vigor em 01/01/1999, conforme preceituado no artigo 6.º do Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro que aprovou aquele diploma.

Assim, em obediência aos princípios que regulam a aplicação da lei no tempo, a situação em análise haverá de encontrar solução à luz da lei vigente à data da constituição da dívida, sem prejuízo de se considerar a regra do artigo 297.º do Código Civil, preceito este que ainda hoje rege a alteração de prazos e consequentemente as normas aplicáveis da LGT (cfr. n.º 1, do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

De notar que a divergência fundamental da Recorrente com a sentença recorrida e a que se impõe dar resposta, é a de saber se a causa de suspensão do prazo de prescrição motivada pela dedução da reclamação graciosa e da penhora de bens que garantiram a totalidade da dívida exequenda e acrescido, a que se seguiu a interposição do recurso hierárquico e a presente impugnação (artigo 255.º do CPT), não considerada pela decisão da primeira instância, ainda não cessou.

Sobre a sucessão de leis no tempo relativas à prescrição da obrigação tributária, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 21/08/2013, processo n.º 01316/13, onde são apreciadas questões semelhantes às dos presentes autos, que sufragamos na íntegra, e com a devida vénia, transcreve-se o sumário:

I - A determinação do prazo prescricional aplicável à obrigação tributária nascida na vigência de uma lei (CPCI) e depois sucedida por outras duas (CPT e LGT), todas três fixando prazos diferentes, faz-se de acordo com a regra do art. 297.º, n.º 1 do CC, nos termos do qual «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».

II - Porque no momento da entrada em vigor da lei nova, perante ela, falta todo o tempo que ela prevê, apenas é necessário calcular o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga (e se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar a lei antiga).

III - Essa contagem do prazo que falta faz-se considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de interrupção), como se depreende do art. 297.º, n.º 1, in fine, do CC (ao referir que o novo prazo aplica-se «a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar»).

IV - Já no que respeita à sucessão no tempo das demais normas tributárias, designadamente daquelas que disciplinam os restantes aspectos do instituto da prescrição das obrigações tributárias, a questão resolve-se pela aplicação da regra contida no art. 12.º do CC, segundo a qual, em regra, a lei nova só se aplica para o futuro, motivo por que a solução do problema da aplicação da lei no tempo dessas normas tributárias não depende da aplicabilidade do regime previsto na lei quanto à duração do prazo de prescrição, não existindo qualquer regra ou princípio que determine a aplicação em bloco de um ou outro desses regimes, até porque não vigora no âmbito do direito obrigacional tributário o princípio da aplicação da lei mais favorável ao interessado, que apenas vale no âmbito do direito sancionatório.

V - Por força do disposto no art. 12.º do CC, as normas tributárias contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.

VI - A norma do n.º 3 do art. 49.º da LGT, que instituiu causas suspensivas do prazo de prescrição sem correspondência com as previstas na lei anterior, não dispõe sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram, pelo que nada obsta à sua aplicação às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor. (disponível em www.dgsi.pt/).

Regressando ao caso dos autos, tendo presente as regras acabadas de referir, para efeito de contagem da prescrição, importa saber o prazo aplicável e considerar todas as causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional.

É justamente, como já se deixou expresso supra, quanto aos factos que configuram causas interruptivas e suspensivas que a Recorrente manifestou discordância com a decisão da primeira instância.

Afastamos, desde já, a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos fixado pelo CPCI, que se conta desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário (artigo 27.º do CPCI), uma vez que à data da entrada em vigor do CPT (01/07/1991), ainda só tinham decorrido 6 meses, sem que se tenha verificado qualquer causa interruptiva, nem suspensiva, e o CPT fixou um prazo mais curto.

De acordo com o disposto no artigo 34.º do CPT, o prazo prescricional era de 10 anos.

No que respeita à contagem do prazo prescricional dispunha o n.º 2 do referido normativo, que O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.

Por sua vez, o n.º 3 do citado artigo 34.º do CPT estabelecia que A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

Nos termos do n.º 1 do artigo 255.º do CPT, A reclamação graciosa, a impugnação judicial e o recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda suspendem a execução até à decisão do pleito, desde que seja prestada garantia nos termos do artigo 282.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo escrivão.

In casu, o prazo prescricional da divida de IRC do ano de 1990, de 10 anos, independentemente de qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo, conta-se desde 01/07/1991 (data da entrada em vigor do CPT) e terminaria em 01/07/2001.

No domínio do CPT as causas de interrupção têm um efeito instantâneo, de eliminação do período ocorrido anteriormente, e um efeito duradouro, que se traduz em que a prescrição não corre enquanto o processo (cuja instauração constitui o facto interruptivo) não terminar (efeito duradouro típico dos factos suspensivos). Mas a paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte faz cessar o efeito interruptivo, determinando a sua degradação em efeito suspensivo.

Importa agora analisar as causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional em apreço.

Por força da instauração da execução fiscal interrompeu-se o decurso do prazo prescricional, inutilizando-se todo o tempo entretanto decorrido.

Com efeito, nos termos do artigo 326.º do Código Civil a interrupção inutiliza, para a prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, ou seja, in casu, 10 anos.

Porém, esse efeito cessa se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à autuação (cfr. artigo 34.º, n.º 3 do CPT).

Ora, nos autos não resultou provado que o processo tenha estado parado por mais de um ano até à data em que foi proferido despacho de suspensão da execução fiscal.

Assim sendo, entre 16/05/1996 (data da instauração da reclamação graciosa) e 01/01/1999 (data da entrada em vigor da LGT) decorreram 2 anos, 7 meses e 15 dias.

Por conseguinte, à data da entrada em vigor da LGT (01/01/1999), faltava mais tempo para se completar o prazo de prescrição de 8 anos previsto no LGT do que o de 10 anos previsto no CPT.

Consequentemente, o prazo de prescrição a considerar é o de 10 anos do CPT, a contar da data da entrada em vigor desta Lei, nos termos do disposto no artigo 297.º do CC, ex vi n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.

Embora se acompanhe o entendimento vertido na sentença recorrida de que se aplica o prazo de prescrição de 10 anos previsto no CPT, embora com fundamentação diversa, já não sufragamos a decisão da primeira instância quanto à prescrita da divida tributária.

Concorda-se, diga-se, desde já, com a Recorrente quando refere que a sentença recorrida não considerou a causa de suspensão decorrente da garantia da dívida exequenda pela penhora de bens, o que determina a suspensão da execução fiscal até à decisão do pleito.

Conforme decorre do probatório, para além da instauração da execução fiscal em 01/02/1996 (ponto 1 do probatório), ocorreram outros factos interruptivos: 16/05/1996 foi deduzida reclamação graciosa (ponto 2 do probatório); em 05/01/2001 foi interposto recurso hierárquico (ponto 7 do probatório); e em 18/03/2003 foi deduzida impugnação judicial (ponto 8 do probatório). Adianta-se, desde já, que todas estas causas de interrupção inutilizavam o tempo decorrido anteriormente aquando da ocorrência de cada uma delas, quer no CPT, quer na LGT, até à redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro ao artigo 49.º.

Nos termos do artigo 12.º, n.º 2 do CC os efeitos interruptivos e suspensivos que certos factos têm sobre o decurso do prazo de prescrição hão-de ser determinados pela lei vigente no momento em que ele ocorreram, porque tal normas dispõem sobre a extinção da relação jurídica e não sobre o seu contéudo (cfr. artigo 30.º, n.º 1 da LGT).

Analisemos, então, como se impõe, à luz do regime de prescrição da LGT, as normas aplicáveis, uma vez que o despacho de suspensão da execução fiscal, a interposição do recurso hierárquico e a apresentação da impugnação judicial ocorreram já na vigência da LGT.

­­­Nos termos do artigo 49.º, n.º 1, da LGT (na redacção dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho) a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição, sendo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 31/12 (em 01/01/2007), a paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, também fazia cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo decorrido após esse período ao que tivesse decorrido até à data da autuação (cfr. art.º 49.º, n.º 2, da LGT).

Assim, a interrupção da prescrição elimina o prazo anteriormente decorrido para a prescrição (efeito instantâneo), obstando a que o novo prazo de prescrição decorra na pendência do processo que deu causa à interrupção (efeito duradouro), salvo se este processo esteja parado por mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo (artigos 326.º, n.º 1 do CC e 49.º, n.º 2 da LGT).

Neste caso, desaparece o efeito próprio da interrupção, de inutilização do tempo decorrido anteriormente, e tudo se passando como se o facto que era interruptivo fosse um facto suspensivo.

A LGT, na redacção inicial, atribuía efeito interruptivo a vários factos, sendo que, face ao regime anterior a 01/01/2007, quando ocorre mais de uma causa de interrupção da prescrição em relação ao mesmo prazo de prescrição, as causas de interrupção posteriores à primeira têm o seu efeito próprio, independentemente de ter ou não ocorrido qualquer outra interrupção.

Importa, pois, ponderar a existência de um facto suspensivo que a LGT previa no n.º 3, do artigo 49.º, que à data dispunha: O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.

Resulta dos autos que o Impugnante obteve a suspensão do processo de execução fiscal por ter deduzido reclamação graciosa, e a penhora efectuada garantir o pagamento da dívida exequenda (pontos 2 e 3 do probatório).

Com efeito, por força do estatuído nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPTT a suspensão da execução fiscal suspende também o prazo legal de prescrição.

Ora, a decisão recorrida não ponderou a existência de um facto suspensivo que a LGT previa à data no n.º 3, do artigo 49.º da LGT: a suspensão do processo executivo em 04/11/1999, em virtude de penhora que garante a divida exequenda e acrescido.

Assim, as ocorrências dos factos interruptivos posteriores têm os seus efeitos limitados devido á relevância autónoma do facto suspensivo do prazo de prescrição.

Como se viu, o prazo de prescrição, que se iniciou em 01/07/1991, interrompeu-se com a instauração da execução, em 01/02/1996, depois em 16/05/1996, com a dedução da reclamação graciosa e suspendeu-se em 04/11/1999 com a suspensão da execução fiscal, em virtude da penhora de bens que garantiam a totalidade da dívida, mantendo-se, assim, com a interposição do recurso hierárquico e a apresentação da impugnação judicial e até que esta seja decidida.

A sentença recorrida considerou que a execução fiscal esteve parada entre 04/11/1999 e a data da compensação, por facto não imputável à impugnante.

Porém, não podemos dar a nossa concordância a este entendimento.

A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão por ter sido aceite como garantia a penhora de bens que garantem a totalidade da quantia exequenda depois da dedução de reclamação graciosa, que se manteve com o recurso hierárquico e a impugnação judicial é imputável ao contribuinte, pois tal circunstância impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela (cfr. artigos 169.º do CPPT e 52.º da LGT).

Dito por outras palavras, a paragem do processo é imputável ao contribuinte uma vez que, a penhora de bens, aceite como garantia, determinou a suspensão do processo executivo, pelo que o prazo de prescrição suspendeu-se e assim se manteve (e mantém) até à decisão final do processo que tenha por objecto a ilegalidade da liquidação de IRC de 1990.

Neste sentido, entre muitos outros, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Junho de 2011, proferido no processo nº 0233/11, em caso semelhante, cujo sumário se transcreve:

«I – As causas de interrupção da prescrição ocorridas antes da alteração do nº 3 do artigo 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminação do período de tempo anterior à sua ocorrência e suspensão do decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.

II - A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão requerida pela executada é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela.

III - Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49º, nº 3 da LGT e 169º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da prestação de garantia bancária, o prazo de prescrição manter-se-á suspenso enquanto durar aquela suspensão.»

No caso em apreço, a execução fiscal não esteve parada por mais de um ano por facto não imputável à Recorrente, uma vez que o processo executivo foi suspenso por despacho de 04/11/1999, atenta a garantia da divida exequenda e a apresentação de reclamação graciosa, a que se seguiu o recurso hierárquico e a impugnação judicial.

Como já se deixou expresso supra, a instauração de impugnação judicial ou qualquer outro meio processual que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda, suspendem a execução até à decisão do pleito, desde que seja constituída ou prestada garantia ou desde que a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (cfr. artigos 169.º, 195.º, 199.º e 212.º, do CPPT, e 49.º, n.º 3 e 52.º da LGT; à data da instauração da execução fiscal, no mesmo sentido vide os artigos 255.º, 282.º e 294.º, do CPT).

Concluindo, atento que nos presentes autos está em causa a liquidação de IRC do ano de 1990, que a contagem do prazo prescricional se iniciou em 01/07/1991, e que ocorreram sucessivamente duas causas de interrupção da prescrição, que eliminaram todas elas o tempo de prescrição entretanto decorrido, obstando ao decurso do prazo enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não vier a parar por mais de um ano por facto não imputável ao Impugnante, sendo que a última (com relevância para a contagem do prazo de prescrição) ocorreu em 16/05/1996 e que o processo executivo instaurado para cobrança coerciva daquele imposto se encontra suspenso por penhora de bens que garantem a dívida exequenda e acrescido desde 04/11/1999, após o que foi interposto recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa, e do indeferimento daquele foi apresentada impugnação judicial, o prazo de prescrição não corre desde 04/11/1999, pelo que resulta manifesto que nesta data, não obstante o tempo decorrido, ainda não se esgotou o prazo prescricional de 10 anos fixado na lei.

Do exposto resulta que, não estando a dívida de IRC de 1990 prescrita, não podia a instância ter sido extinta por inutilidade superveniente da lide, com este fundamento, impondo-se, por isso, a revogação da decisão que assim não julgou.

2.2. Insurge-se ainda a Recorrente contra o entendimento da primeira instância de que estando a obrigação tributária prescrita desde Setembro de 2005, não faria sentido conhecer da desistência do pedido.

Alega, para o efeito, que não estando prescrita a obrigação tributária, deveria a Meritíssima Juíza ter decidido pela inutilidade superveniente da lide em virtude da desistência do pedido efectuada.

A sentença recorrida, depois de conhecer da prescrição da divida tributária, decidiu quanto à questão em apreço o seguinte: Ora, não obstante o pedido formulado pela impugnante dirigido à inutilidade supervivente da lide, por ocorrência de pagamentos ou por desistência do pedido, o certo é que em 2005, o processo de execução fiscal com nº 2224199601007742, já se encontrava em Setembro de 2005, pelo que a prescrição é, aqui relevante e conhecida oficiosamente.

Vejamos, então.

A Recorrida formula o pedido de desistência do pedido em termos subsidiários, conforme decorre do requerimento de fls. 205 da numeração dos autos de suporte físico.

Com efeito, o referido requerimento tem o seguinte teor:

«(…) tomando agora conhecimento da informação constante de fls. 194, de que o processo executivo se encontra extinto por pagamento e anulação da dívida respeitante à liquidação em causa, IRC do exercício de 1990, não tem qualquer interesse discutir-se a legalidade daquela liquidação, pelo que a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide.

Se assim não fosse entendido, a impugnante desiste do pedido contido na impugnação.»

Assim se vê que a Impugnante peticiona a inutilidade superveniente da lide, como pedido principal, com fundamento na divida respeitante à liquidação dos autos ter sido paga e parcialmente anulada e não ter interesse em discutir a legalidade da dívida, e no caso de este pedido não proceder, formula pedido subsidiário.

O pedido subsidiário expresso é o de desistência do pedido formulado na impugnação.

O Tribunal só conhece do pedido subsidiário de desistência do pedido, no caso de julgar improcedente o pedido principal de inutilidade superveniente da lide.

Ora, o pagamento voluntário de uma dívida tributária (que não é o caso dos autos) não significa impedimento para a instauração e/ou prosseguimento da impugnação judicial deduzida contra a respectiva liquidação, nem de tal pagamento resulta a impossibilidade superveniente da lide, pois, que, enquanto a liquidação não for anulada, esta continuará a poder ser objecto de impugnação judicial.

O disposto no n.º 3 do artigo 9.º da LGT vai no sentido de permitir ao sujeito passivo de imposto que proceda ao seu pagamento, de modo a obviar as consequências adversas que decorrem da execução fiscal, não consubstanciando tal a assunção de que o imposto é legal, nem preclude o direito de impugnação judicial.

O Supremo Tribunal Administrativo decidiu esta questão, entre outros, em acórdão de 26/05/2010, proferido no processo n.º 0179/10, cujo sumário, com a devida vénia se transcreve:

«I - O pagamento do imposto tem apenas a ver com a exigibilidade da dívida, com a sua cobrança, que não com a legalidade da liquidação impugnada.

II - Assim, o pagamento da dívida tributária, em sede executiva, leva à extinção da execução, pois que concretizada a cobrança, mas não determina a extinção da instância do processo de impugnação do acto de liquidação dessa dívida, por inutilidade superveniente da lide, pois que não tem a ver com a legalidade da dívida, recte da liquidação.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim sendo, o pagamento da dívida exequenda, mesmo que voluntário, não determina a inutilidade superveniente da lide do processo de impugnação judicial, pelo que este pedido não pode proceder.

Contudo, no caso dos autos o pagamento da dívida não foi voluntário, uma vez que foi efectuado através de dois actos de compensação, os quais conforme resulta do probatório, não se mantêm na ordem jurídica, uma vez que um deles foi anulado por decisão judicial, por impulso da Impugnante, e o outro revogado por despacho do Chefe de Finanças do Seixal (pontos 5 e 9 do probatório), no ano de 2006. Sendo de salientar que tais factos não podem deixar de ser o inteiro conhecimento da Impugnante, a qual requereu no ano de 2009, como pedido principal a inutilidade superveniente da lide.

Ora, as causas de inutilidade superveniente da lide são do conhecimento oficioso do Tribunal, entre as quais se conta a prescrição.

Do que se deixa dito, resulta que o conhecimento da prescrição pela primeira instância encontra justificação no pedido de inutilidade superveniente da lide formulado pela Impugnante como pedido principal no requerimento de fls. 205 (embora com fundamento diverso), por constituir questão do conhecimento oficioso a título incidental da impugnação, cujo efeito jurídico é justamente a inutilidade superveniente da lide, razão pelo qual, reitera-se, conhecemos do erro de julgamento da verificação da prescrição imputado à sentença pela Recorrente. Esta questão foi colocada ao Tribunal ad quem, tratando-se, por isso, de questão objecto do recurso, que obriga ao seu conhecimento em primeiro lugar.

Porém, como o pedido de inutilidade superveniente formulado pela impugnante não procede, como se decidiu supra, tem, então, que ser tomado em consideração o pedido subsidiário, que no caso presente é o de desistência do pedido formulado na presente impugnação judicial.

Resta, pois, apreciar do pedido subsidiário respeitante à desistência do pedido formulado na presente impugnação.

A desistência do pedido assenta numa regra de disponibilidade e liberdade (artigos 283.º, n.º 1 e 286.º, n.º 2 ambos do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 285.º do CPC a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer.

Assim, a desistência do pedido reveste a natureza de um negócio jurídico processual unilateral, tendente igualmente à extinção do direito substantivo exercido através da propositura da acção.

Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes e Outros, a desistência do pedido tem o mesmo efeito que teria uma sentença desvaforável ao autor, formando a sentença homologatória caso julgado material (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, nota 1 ao artigo 283.º, pág. 332; no mesmo sentido Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Processo Civil, Lex, pag. 205).

Tratando-se a desistência do pedido de um negócio de auto-composição do litígio, ao juiz cabe verificar se o acto é válido e pertinente para o processo e, na afirmativa, proferir sentença homologatória, a qual, apesar de não aplicar o direito substantivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, que devidamente transitada em julgado, constitui caso julgado material em relação ao direito que o desistente pretendia fazer valer, muito embora não se tenha procedido na realidade à apreciação do mérito da causa, mas tudo se passa ou equivale a como se o tivesse feito.

Ora, sendo a desistência do pedido livre, determina, por isso, a extinção do direito que se pretendia fazer valer nos termos dos artigos 283.º e 285.º do CPC, com a absolvição do pedido.

Dito por outras palavras, a desistência do pedido tem como efeito fazer cessar a pretensão de composição judicial do litígio que o impugnante tinha deduzido ao intentar a impugnação judicial, e extingue o direito que, por ela, ele pretendia fazer valer.

Concluindo, deverá ser concedido provimento ao recurso, uma vez que, a forma de desistência foi a própria, encontrando-se o Ilustre mandatário munido com procuração com poderes forenses gerais e especiais para desistir nos presentes autos (fls. 205 e 217 da numeração dos autos de suporte físico).

Assim, nos termos do disposto nos artigos 283.º e 289.º do CPC, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a desistência consubstanciada no requerimento de fls. 205, é válida, pelo que é homologada nos termos do artigo 290.º, n.º 3 do C.P.C., e, em consequência, é a Fazenda Pública absolvida de todo o peticionado nestes autos, por extinção do direito que pretendia a Impugnante/Recorrida fazer valer (artigo 285.º, n.º 1 do CPC).

*

Conclusões/Sumário:

I. Em impugnação judicial a prescrição, matéria do conhecimento oficioso, por força do estatuído no artigo 175.º do CPP, apenas é apreciada neste meio processual para aferir se a instância deve prosseguir ou deve antes ser declarada a inutilidade superveniente da lide

II. As causas de inutilidade superveniente da lide são do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação.

III. Em obediência aos princípios que regulam a aplicação da lei no tempo, a situação em análise haverá de encontrar solução à luz da lei vigente à data da constituição da dívida, sem prejuízo de se considerar a regra do artigo 297.º do Código Civil, preceito este que ainda hoje rege a alteração de prazos e consequentemente as normas aplicáveis da LGT (cfr. n.º 1, do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).

IV. Nos termos do artigo 12.º, n.º 2 do CC os efeitos interruptivos e suspensivos que certos factos têm sobre o decurso do prazo de prescrição hão-de ser determinados pela lei vigente no momento em que ele ocorreram, porque tal normas dispõem sobre a extinção da relação jurídica e não sobre o seu contéudo (cfr. artigo 30.º, n.º 1 da LGT).

V. A LGT, na redacção inicial, atribuía efeito interruptivo a vários factos, sendo que, face ao regime anterior a 01/01/2007, quando ocorre mais de uma causa de interrupção da prescrição em relação ao mesmo prazo de prescrição, as causas de interrupção posteriores à primeira têm o seu efeito próprio, independentemente de ter ou não ocorrido qualquer outra interrupção.

VI. A paragem da execução fiscal por motivo de suspensão por ter sido aceite como garantia a penhora de bens que garantem a totalidade da quantia exequenda depois da dedução de reclamação graciosa, que se manteve com o recurso hierárquico e a impugnação judicial é imputável ao contribuinte, pois tal circunstância impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela (cfr. artigos 169.º do CPPT e 52.º da LGT).

VII. O Tribunal só conhece do pedido subsidiário de desistência do pedido, no caso de julgar improcedente o pedido principal de inutilidade superveniente da lide.

VIII. Tratando-se a desistência do pedido de um negócio de auto-composição do litígio, ao juiz cabe verificar se o acto é válido e pertinente para o processo e, na afirmativa, proferir sentença homologatória, a qual, apesar de não aplicar o direito substantivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, que devidamente transitada em julgado, constitui caso julgado material em relação ao direito que o desistente pretendia fazer valer, muito embora não se tenha procedido na realidade à apreciação do mérito da causa, mas tudo se passa ou equivale a como se o tivesse feito.

IX. Sendo a desistência do pedido livre, determina, por isso, a extinção do direito que se pretendia fazer valer nos termos dos artigos 283.º e 285.º do CPC, com a absolvição do pedido.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em homologar a desistência do pedido e, consequentemente, declarar extinta a instância e o direito que a Impugnante pretendia fazer valer, absolvendo a Fazenda Pública do pedido formulado (art. 277.º, alínea d), do CPC ex vi do art. 2.º alínea e) do CPPT).
Custas nesta instância a cargo da Recorrida, salvo quanto à taxa de justiça, porque não contra-alegou, e na primeira instância a cargo da desistente.

Notifique.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)

DECLARAÇÃO DE VOTO


Acompanho o acórdão na medida em que o mesmo homologou a desistência do pedido e, em consequência, declarou extinta a instância e o direito que a Impugnante pretendia fazer valer, absolvendo a Fazenda Pública do pedido formulado [art. 277.º, alínea d), do CPC ex vi do art. 2.º alínea e) do CPPT].
Não perdendo de vista que a desistência do pedido foi formulada em termos subsidiários (relativamente ao pedido principal de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por pagamento/ anulação do imposto), a verdade é que, compulsados os autos, considerada a informação prestada pelo SF, o que se retira é que não há evidência de o imposto contestado ter sido anulado e o seu “pagamento”, por si só, não gera a inutilidade superveniente da lide. Assim, nada obstava - antes se impunha - o conhecimento do pedido de desistência do pedido.
Significa isto que, do meu ponto de vista, era este o percurso de análise que a sentença deveria ter seguido: conhecer do pedido principal, nos termos requeridos, e – na sua improcedência – conhecer o pedido subsidiário.
Ora, face à desistência do pedido, que, como se sabe, representa o reconhecimento pelo demandante de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar, não cabia ao Tribunal apreciar oficiosamente a questão da prescrição da dívida exequenda, subjacente à liquidação impugnada.
Como tal, no caso, a apreciação oficiosa da prescrição pelo Tribunal recorrido constituiu, em si mesma, um erro de julgamento, independentemente do acerto ou desacerto da verificação da prescrição, pois – repete-se - não podia tal questão ser apreciada em face da desistência do pedido.
Por conseguinte, e pelas mesmas razões, entendo que, também nesta instância de recurso, não cabia ao Tribunal apreciar o mérito do decidido quanto ao reconhecimento da prescrição, impondo-se, do meu ponto de vista, e salvo o devido respeito, verificar o erro que encerra o conhecimento da prescrição, perante um pedido de desistência e, após, como fez (e nisso estou de acordo), homologar a desistência do pedido.
Catarina Almeida e Sousa
Lisboa, 3/12/20