Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11862/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artº 277/e) do Cód. Proc. Civil, pressupõe, como resulta directamente dessa disposição, que a inutilidade no prosseguimento da lide seja absoluta ou total, o que se verifica quando a pretensão formulada pelo autor ou requerente foi satisfeita pela Administração, em observância de decisão proferida em sede de decretamento provisório da providência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Ministério Público requereu contra o Ministério das Finanças, o Secretário de Estado da Cultura, a Direcção Geral do Património Cultural, P………, S.A., P…….., S.A. e Leiloeira Christies providência cautelar de intimação para abstenção de conduta tendo formulados os seguintes pedidos de intimação:

“1-O Secretário de Estado da Cultura a exercer os poderes de tutela, nomeadamente determinando à Direcção-Geral do Património Cultural a abertura do devido procedimento de inventariação e classificação, já impulsionado, nos termos dos artigos 25º a 30º da LBPC.
2-A Direcção-Geral do Património Cultural a assegurar e coordenar a instrução do procedimento administrativo de classificação e inventariação das obras de arte de Joan Miró, incluindo a obrigatória audição dos órgãos consultivos competentes (art. 26, nº 3 da LBPC).
3-O Ministério das Finanças, accionista único da P............, SA e P............, SA, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a exercer os poderes de superintendência e de tutela, através de orientações e instruções no sentido de não serem executadas as anunciadas decisões de venda enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, proferida no exercício de poderes vinculados.
4-As empresas públicas P............, SA e P............ SA a abster-se de colocar no mercado externo as obras de arte em causa enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
5- A Leiloeira Christie’s a abster-se de colocar no mercado as mesmas obras de arte enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.

Terminando da seguinte forma:
“Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser decretada providência cautelar de intimação dos requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de Miró, que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do ……………… (B……..) de forma a permitir o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente inventariação e classificação das obras.”

Por sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa foi julgada extinta a instância cautelar, por inutilidade superveniente da lide.

Inconformado com a referida decisão interpôs recurso o Ministério Público, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Na presente providência cautelar intentada pelo MºPº contra o Ministério das Finanças, Secretário de Estado da Cultura, DGPC, P............, SA, P………´s e Leiloeira Christie´s vem requerido a respectiva intimação de forma a permitir, no essencial, o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente a inventariação e classificação das obras de arte de J. Miró.
2. Para tal é necessário obstar à colocação no mercado externo (para alienação) do acervo constituído pelas 85 obras de J. Miró, enquanto não estiverem cumpridas todas as fases do procedimento de classificação, incluindo a necessária audição dos órgãos consultivos previstos na LBPC.
3. Só com a manutenção das medidas provisórias e o decretamento da providência cautelar de intimação dos RR a absterem-se de colocar no mercado as obras de arte de J. Miró se poderá retirar utilidade para os fins que se visa acautelar.
4. As obras em causa vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do B…. e com o decretamento da presente providência cautelar o requerente MºPº mais não pretende que zelar pelo cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, respeitantes à inventariação e classificação das obras de arte de J. Miró.
5. Pelos despachos do Director-Geral do Património Cultural, datados de 21/7/2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014, publicitados nos anúncios nº 197/2014 e 198/2014 e publicados no DR nº 146, 2ª Série, de 31/7/2014, foi ordenada a abertura do procedimento administrativo de inventariação e classificação das 85 obras de Joan Miró constantes do catálogo da Christie´s Miró Seven Decades of His Art.
6) A partir da publicação dos aludidos despachos do Director-Geral do Património Cultural os referidos bens culturais passaram a estar “em vias de classificação”, nos termos do número 1 do artº 25º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro (LBPC), e, consequentemente, sujeitos a um regime especial de protecção, nomeadamente no que toca à sua exportação e expedição.
7) Igualmente na pendência da presente providência foram proferidos dois despacho de arquivamento liminar dos procedimentos de classificação pelo Director Geral do Património Cultural, com base no artº 68º, nº 2 da Lei 107/2001, de 8 de Setembro considerando que as empresas P............ SA e P……..SA como “meros particulares” para efeitos de aplicação de LBPC.
8) Foi requerida a suspensão de eficácia destes despachos de arquivamento liminar e proposta a respectiva acção administrativa especial, na qual se pede a declaração de anulabilidade dos referidos actos.
9) Os despachos de arquivamento impugnados na referida acção administrativa especial incorrem em erro de interpretação de norma constante do artº 68º, nº 2 al. b) LBPC.
10) As sociedades P............, SA e P………´s, SA não são “particulares” na acepção da LBPC: são entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado, detidas exclusivamente pelo Estado, instituídas para finalidades públicas.
11) Não ocorre a invocada excepção da inutilidade superveniente da lide, causa de extinção da instância, nos termos do artº 277, nº 2 do CPC, aplicável “ex vi” artº 1º do CPTA.
12) O facto de o Mº Pº ter intentado novo processo cautelar, onde requer a suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento liminar proferidos pelo DGPC não determina supervenientemente, a perda de objecto do processo no que concerne à providência requerida.
13) Pelo contrário, antes reforça a necessidade da manutenção das medidas provisórias e decretamento da providência requerida.
14) E a coberto dos fundamentos utilizados na douta sentença ora recorrida e parte decisória desta podem os RR vir a colocar no mercado as referidas obras de arte.
15) Só com o decretamento da providência requerida se poderá assegurar o fim visado, uma vez que apenas foi decretada a abertura e subsequente arquivamento liminar do procedimento de classificação, tendo sido ilegalmente inviabilizado o normal decurso da instrução do procedimento com a audição dos órgãos consultivos e subsequente decisão quanto ao valor cultural dos bens – artigo 26º, nº 3 da LBPC.
16) A sentença de que ora se recorre é nula, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea c) do C.P. Civil: os fundamentos de facto e de direito invocados conduziriam, logicamente, a um resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório encontrando-se em clara oposição com a decisão.
17) Erra ainda a sentença quando considera, na parte decisória, que a pretensão do requerente não se pode manter, por perda de objecto do processo, ao considerar alcançado o fim visado com a presente providência, em virtude de, da mesma não poder o Requerente retirar qualquer utilidade.
18) Todavia, como atrás se concluiu mantém-se o fundado receio de violação das normas de direito administrativo, v.g. Lei de Bases do Património Cultural.
19) Receio esse que contrariamente ao decidido não pode ser acautelado através da providência cautelar de suspensão de eficácia.
Deve a douta sentença recorrida ser revogada por violar designadamente o disposto nos artºs 16º, 18º, 26º a 29º da LBPC, e ainda os artºs 277º, nº 1 al. e) e 615º, nº 1 al. e ) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artº 1º do CPTA e substituída por outra que defira a providência cautelar requerida.

Contra alegou a Presidência do Conselho de Ministros, concluindo da seguinte forma:

“1.1. Recorre o MP da sentença da Senhora Juiz a quo, a fls. 1790 e ss., de 18 de novembro de 2014, que julgou extinta a instância cautelar acima identificada, por inutilidade superveniente da lide (não de uma sentença que indeferiu a presente providência cautelar pelo simples facto de que tal sentença não existe);
2.1 O Recorrente conclui mais do que alegou, isto é, conclui o que não expos anteriormente em alegações, sendo certo que as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações (Ac. do STJ de 4 fev.-1993, in Ci do STJ 1993, 1, 1993, pág. 140);
2.2 As conclusões que versaram sobre matéria não tratada nas alegações do Recorrente são irrelevantes (Ac. da Relação de Coimbra de 3-mai.-1994, in BMJ n.9 437, 1994, pág. 591), devendo ser consideradas como inexistentes e não escritas (Ac. da Relação de Coimbra 4 jun.-1996, in BMJ n.9 458, 1996, pág. 405);
2.3 Assim sucede nas conclusões n.ºs 4), 5), 6), 11, 12, 13 e 14 do recurso do Recorrente;
2.4 Assim sucede também quanto ao pedido final de revogação da sentença recorrida por alegada violação (anteriormente não alegada) do disposto nos artigos 16., 18., 26. a 29. (com exceção do artigo 26.º/3) da LBPC ou do artigo 277º/1/e)] do CPC, preceitos cujo ónus de alegação prévia da sua violação competia ao Recorrente ter feito e não efetuou;
2.5 Tais conclusões assim como a alegada violação de tais normas, só podem ser consideradas como inexistente e não escritas;
3.1 A factualidade relevante para a correta apreciação do presente recurso, é somente a seguinte (fls. 1793, 1797 e 1798 da sentença recorrida):
3.1.1. A procedência de todas as intimações requeridas pela Recorrente ficou dependente da produção de um despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo de classificação, subsequente instrução e decisão das obras de arte das Recorridas P............, S.A., e Parups, S.A.;
3.1.2. Na pendência dos autos, foi determinada por despachos do Senhor Director- Geral do Património Cultural de 21-jul.-2014, em cumprimento do despacho do SEC de 18-jul.-2014, a abertura de dois procedimentos de classificação: ora das 13 obras de Joan Miró da Recorrida P…….., S.A., ora das 72 obras de Joan Miró pertencentes à Recorrida P............, S.A. (cf. Docs. 1 e 2 juntos com requerimento de fls. 1606 e segs. dos autos);
3.1.3. Os despachos de abertura acima referidos foram publicados no DR, respetivamente por Anúncios n.°s 197/2014 e 198/2014, 2. Série, n.2 146, de 31-jul.-2014 (cf. Doc. 3 junto com requerimento a fls. 1606 e segs. dos autos);
3.1.4. Em 19-agos.-2014, pelo Director-Geral do Património Cultural, foram proferidas decisões de arquivamento dos procedimentos administrativos de classificação das obras em causa nestes autos publicados em DR, conforme Anúncios n.9s 215/2014 e 216/2014, 2. Série, n.° 166, de 29-ago.-2014 (cf. Docs. 1 e 2 juntos com o requerimento a fls. 1663 e segs. dos autos);
3.1.5. Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamentos no alegado em 3.1.4. antecedente, o Recorrido não suscitou qualquer ilegalidade dos mencionados despachos (cf. fls. 1707-1708 dos autos).
4.1. O fundamento do recurso apresentado pelo MP é apenas um: a pretensa ilegalidade dos atos supervenientes que conduziram à inutilidade superveniente da lide cautelar;
4.2. O Recorrente alega que pediu a suspensão da eficácia dos dois despachos mencionados em 3.1.4. antecedente e que propôs uma ação administrativa especial, visando a declaração de anulabilidade dos referidos atos;
4.3. Contudo, por não ter feito sequer a prova de factos cuja ocorrência lhe competia demonstrar, não pode o tribunal ad quem tomar conhecimento de tal alegada factualidade;
5.1. De todo o modo e sem conceder, esquece-se o Recorrente de que o pedido e a causa de pedir são determinados de acordo com a relação material controvertida tal qual configurada pelo Recorrente no seu requerimento inicial;
5.2. Nesta providência cautelar a pretensão do Recorrente foi a de impedir a venda das obras de arte das Recorridas P............, S.A., e P…………, S.A. “enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão” (sic);
5.3. Por se mostrar demonstrado que, supervenientemente, foi produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, a pretensão do Recorrente mostra-se plenamente satisfeita, assim como acautelados todos os seus receios;
5.4. Contra isto não procede a alegação de que as decisões finais proferidas no âmbito dos referidos procedimentos de classificação são supostamente ilegais (alegação que não é verdadeira);
5.5. Nestes autos apenas releva que tiveram lugar as decisões finais proferidas nos procedimentos administrativos abertos com vista à classificação das obras de artes das Recorridas P............, S.A., e Parups, S.A.;
5.6. A alegada ilegalidade dos dois despachos mencionados em 3.1.4. antecedente é matéria que está fora do objeto da presente providência cautelar, não tendo o Recorrente legitimidade para a suscitar nem, muito menos, o Tribunal a quo competência para sobre a mesma tomar posição, além daquela que formulou nos presentes autos, isto é, de que foram abertos dois procedimentos administrativos de classificação das obras de Miró das Recorridas P............, S.A., a P…………, S.A., devidamente instruídos e de que os mencionados procedimentos terminaram por decisão final;
5.7. Atendendo ao objeto do processo, o Tribunal a quo apenas tinha competência para (e bem) julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, porquanto se tivesse conhecido da alegada invalidade dos dois despachos mencionados em 3.1.4. antecedente estaria a tomar conhecimento de matéria de que não podia tomar conhecimento (artigo 615./1/d) do CPC in fine cxvi artigo 140. do CPTA);
5.8. Caso contrário, estaria encontrada a solução para as instâncias nunca se extinguirem por inutilidade superveniente da lide, protelando-se indefinidamente a posterior impugnação do ato judicial que deu origem à inutilidade superveniente;
5.9. Por outro lado, de acordo com os princípios gerais de Direito até que os dois despachos mencionados em 3.1.4. antecedente sejam eventualmente declarados inválidos, por sentença judicial transitada em julgado, os mesmos são válidos (valor que corresponde à realidade) e, portanto, produzem na ordem jurídica todos os seus efeitos, designadamente o de tornar inútil uma eventual instância judicial em curso;
5.10. Por fim, não tendo o Recorrente, no seu requerimento a fls. 1707-1708, no qual exerceu o contraditório relativamente à extinção da lide, por inutilidade superveniente, suscitado a questão da alegada ilegalidade dos despachos mencionados em 3.1.4. antecedente, não podia o Tribunal a quo (para mais nem sequer se tratando de um putativo vício de conhecimento oficioso) da mesma tomar conhecimento, sob pena de violar o principio da competência quanto ao objeto do processo;
6.1. Em síntese, atendendo, por um lado, à relação material controvertida, tal qual configurada pelo Recorrente no seu requerimento inicial e, por outro lado, aos factos supervenientes carreados aos autos, apenas se impunha ao Tribunal a quo julgar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide;
6.2. Ao fazê-lo, o Tribunal a qua limitou-se a cumprir a lei.”

Contra alegou igualmente a Christies, formulando as seguintes conclusões:

1º O MP peticionou na providência cautelar de intimação para abstenção de conduta que correu os seus termos no TAC de Lisboa sob o Processo no 955/14.8BELSB que, em síntese, o Tribunal intimasse o Secretário de Estado da Cultura e a DGPC a abrirem um procedimento administrativo de inventariação e classificação das obras do pintor Joan Miró;
2º Não foi assim deduzida qualquer pretensão para intimação do Secretário de Estado da Cultura e da DGPC a proferirem um acto administrativo de classificação das 85 obras de Joan Miró;
3º Nem nunca poderia ser deduzida uma tal pretensão já que a classificação de bens culturais pertence ao domínio da discricionariedade técnica da Administração (Acórdão do STA de 14/12/04, Proc. n° 0447/03), não podendo os tribunais administrativos sindicar contenciosamente actos administrativos praticados ao abrigo da referida discricionariedade,
4º Pois a isso se opõe o princípio da separação de poderes - artigo 3°, n°1, do CPTA;
5º Tendo sido proferidos na pendência da providência Despachos da autoria do DGPC a ordenar o procedimento administrativo de classificação e, posteriormente, despachos a arquivar tal procedimento, foi alcançado o que o MP peticionou na providência por si requerida;
6º Assim sendo, face ao disposto no artigo 609°, n°1, do CPC, a sentença recorrida tinha que declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide - artigo 277°, alínea e), do CPC;
7º Deste modo, a discussão sobre a validade ou invalidade dos despachos referidos na conclusão 5ª terá que ser discutida e apreciada noutra sede contenciosa que não a do Processo nº 955/14.8BELSBm o que, aliás,
8º Assim já foi entendido pelo MP que requereu a suspensão de eficácia de tais despachos no TAC de Lisboa;
9º Nada há a censurar à sentença recorrida, pelo que a mesma deve ser confirmada por V. Exas, fazendo assim a devida e merecida justiça.

Igualmente contra-alegaram a P............, S.A. e a Parups, S.A. concluindo da seguinte forma:

“1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de extinção dos presentes autos de procedimento cautelar por inutilidade superveniente da lide em virtude da integral satisfação do pedido.
2. Nos presente autos, foi deduzido no requerimento inicial o seguinte pedido:
Pelo que deverá intimar-se
1-O Secretário de Estado da Cultura a exercer os poderes de tutela, nomeadamente determinando à Direcção-Geral do Património Cultural a abertura do devido procedimento de inventariação e classificação, já impulsionado, nos termos dos artigos 25º a 30º da LBPC.
2-A Direcção-Geral do Património Cultural a assegurar e coordenar a instrução do procedimento administrativo de classificação e inventariação das obras de arte de Joan Miró, incluindo a obrigatória audição dos órgãos consultivos competentes (art. 26, nº 3 da LBPC).
3-O Ministério das Finanças, accionista único da P............, SA e P............, SA, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a exercer os poderes de superintendência e de tutela, através de orientações e instruções no sentido de não serem executadas as anunciadas decisões de venda enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, proferida no exercício de poderes vinculados.
4-As empresas públicas P............, SA e P............ SA a abster-se de colocar no mercado externo as obras de arte em causa enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
5- A Leiloeira Christie’s a abster-se de colocar no mercado as mesmas obras de arte enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
3. A providência requerida foi provisoriamente decretada e nessa sequência foram abertos, instruídos e concluídos os procedimentos de inventariação e classificação de 85 obras de Joan Miró
4. Tendo os mesmos terminado com a emissão de um despacho de indeferimento da classificação das referidas obras por impossibilidade legal dessa classificação.
5. Tais despachos foram emanados no uso de poderes de discricionariedade técnica da Administração.
6. Consequentemente, o pedido deduzido pelo Recorrente nos presentes autos satisfez-se com a abertura e instrução dos procedimentos de classificação referidos.
7. Nenhuma pretensão mais haverá a satisfazer.
8. Na sequência dos requerimentos de inutilidade superveniente da lide apresentados, veio o Tribunal a quo, finalmente, reconhecer tal inutilidade.
9. Com fundamento do recurso, alega o Recorrente que a sua pretensão não foi integralmente satisfeita, por ilegalidade dos procedimentos.
10. Sucede, porém, que a alegada ilegalidade dos procedimentos (que é falsa), nunca poderia influir na apreciação da satisfação dos pedidos deduzidos, desde logo porque não integrar o objecto do processo.
11. E isso mesmo foi reconhecido pelo Recorrente ao requerer outra providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação.
12. E bem assim, a lançar mão à alegada acção principal dessa providência onde impugna os actos administrativos.
13. Assim, a sentença recorrida não padece de qualquer vício no que respeita à declarada inutilidade superveniente da lide.
14. Tendo o Tribunal a quo declarado essa inutilidade no estrito cumprimento da lei.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A. Por decisão prolatada nos autos em 26 de Maio de 2014, nos termos do art.º 131.º/6/CPTA, foi mantido o decretamento provisório da(s) providência(s) cautelar(es) requerida(s) - cfr. fls. 1316 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido -, da qual foi interposto recurso, encontrando-se o mesmo pendente no TCA Sul (P.º n.º 955/14.8BELSB-A).
B. Por despacho do Director-Geral do Património Cultural, de 21 de Julho de 2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014, foi determinada a abertura do procedimento de classificação das 13 obras de Joan Miró pertencentes à Parups, SA, ora Requerida (cfr. Doe. 1 junto com o requerimento da P............ e Parups, de fls. 1606 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
C. Por despacho do Director-Geral do Património Cultural, de 21 de Julho de 2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014, foi determinada a abertura do procedimento de classificação das 72 obras de Joan Miró pertencentes à P............, SA, ora Requerida (cfr. Doc. 2 junto com o requerimento da P............ e Parups, de fls. 1606 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
D. Ambos os despachos de abertura dos procedimentos administrativos de classificação das obras em causa nestes autos, foram objecto de publicação em Diário da República - Anúncios n.ºs 197/2014 e 198/2014, respectivamente, publicados no DR, 2.ª Série, i1.º 146, de 31/07/2014( cfr. Doc.3 junto com o requerimento da P............ e P……., de fls. 1606 e segs. dos autos).
E. Em 19 de Agosto de 2014, pelo Director-Geral do Património Cultural, foram proferidas decisões de arquivamento dos procedimentos administrativos de classificação das obras em causa nestes autos, as quais foram objecto de publicação em Diário da República - conforme Anúncios n.'s 215/2014 e 216/2014, publicados no DR, 2.' Série, n.' 166, de 29/08/2014 (cfr. Doc. l junto com o requerimento da P............ e P………., de fls. 1663 e segs. dos autos em suporte de papel).
F. Do supra referido arquivamento, foram as ora Requeridas P............ e Parups notificadas, através dos oficias n.ºs 8453 e 8452, respectivamente, ambos datados de 19/08/2014, e com cópia das referidas decisões, exaradas sobre as Informações n.ºs 2007/DPIMI/2014 e 2006/DPIMI/2014, ambas de 12/08/2014, das quais se retira que, o fundamento que esteve na base das decisões de arquivamento, foi a oposição expressa das ora Requeridas P............ e P…………..à classificação das ditas obras de Joan Miró, seja como bens móveis de interesse nacional, seja como bens móveis de interesse público, por se tratar de obras importadas há menos de 10 anos (cfr. Docs. 1 e 2 juntos pela Requerida DGPC, com o seu requerimento de fls. 1766 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
G. No processo cautelar nº 246/14.4BELSB, foi proferida sentença em 24/09/2014, indeferindo a providência ali requerida (cfr. Doc. junto aos autos a fls. 1738 e segs. e respectivo processo no SITAF).
H. Em 27 de Outubro de 2014, deu entrada neste Tribunal o processo cautelar n.º 2527/14.SBELSB, no qual o ora Requerente Ministério Público, vem requerer a providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação supra mencionados, como preliminar de acção administrativa especial de impugnação dos actos administrativos, que reputa de ilegais (cfr. requerimento inicial do aludido processo, no SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - facto que não carece de alegação, ao abrigo do art.º 412.º/2/CPC, ex vi art.º l.º/CPTA e, encontrando-se tal articulado no SITAF, não se junta).

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente importa conhecer do mesmo, começando pela nulidade assacada à decisão recorrida.

Refere o recorrente – cfr. conclusão 16) – que “os fundamentos de facto e de direito invocados conduziriam, logicamente, a um resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório encontrando-se em clara oposição com a decisão.”

Apreciando:

Nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 615º do C.P.C. é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Conforme se refere em Acórdão do TCA SUL, proferido em 31 de Outubro de 2013, no âmbito do Proc. nº 06832/13: “A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).

Quanto à nulidade prevista na 1ª parte da al. c) do n.º 1 deste art. 615º ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 49 e 50, que, “Na alínea c) do n.° 1 do art. 668.° (1), a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
(…)
Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.

No caso em apreço não se verifica a invocada nulidade da sentença dado que na mesma se entendeu, tendo presente terem sido proferidos despachos de abertura dos procedimentos administrativos de inventariação e classificação das obras de Juan Miró, bem como decidido o arquivamento de tais procedimentos administrativos, verificar-se uma situação de inutilidade superveniente da lide, decisão que não enferma de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, podendo sim configurar um erro de julgamento que importa apreciar no presente recurso.

Do erro de julgamento imputado à decisão recorrida.

Insurgiu-se o recorrente contra o entendimento vertido na decisão recorrida, tendo, sinteticamente, referindo não se mostrar esgotado o objecto da pretensão cautelar não obstante terem sido proferidos despachos de abertura dos procedimentos administrativos de inventariação e classificação das obras autoria de Juan Miró, bem como decidido o arquivamento de tais procedimentos administrativos, com base no disposto na alínea b) do nº 2 do artº 68º da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, posição contra a qual se insurgiram os recorridos.
Apreciando, para o que importa recordar a pretensão formulada nos autos pelo ora recorrente, para que, em função da mesma e por comparação com os factos dados como assentes na decisão recorrida, se possa aquilatar da bondade da pretensão recursiva.

Formulou o ora recorrente, a presente pretensão cautelar, de intimação:
1-O Secretário de Estado da Cultura a exercer os poderes de tutela, nomeadamente determinando à Direcção-Geral do Património Cultural a abertura do devido procedimento de inventariação e classificação, já impulsionado, nos termos dos artigos 25º a 30º da LBPC.
2-A Direcção-Geral do Património Cultural a assegurar e coordenar a instrução do procedimento administrativo de classificação e inventariação das obras de arte de Joan Miró, incluindo a obrigatória audição dos órgãos consultivos competentes (art. 26, nº 3 da LBPC).
3-O Ministério das Finanças, accionista único da P............, SA e P............, SA, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a exercer os poderes de superintendência e de tutela, através de orientações e instruções no sentido de não serem executadas as anunciadas decisões de venda enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, proferida no exercício de poderes vinculados.
4-As empresas públicas P............, SA e P............ SA a abster-se de colocar no mercado externo as obras de arte em causa enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
5- A Leiloeira Christie’s a abster-se de colocar no mercado as mesmas obras de arte enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
Terminando da seguinte forma:
“Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser decretada providência cautelar de intimação dos requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de Miró, que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do Banco ……………… (......) de forma a permitir o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente inventariação e classificação das obras.”

Compulsada a matéria de facto assente constata-se que por despacho do Director-Geral do Património Cultural, de 21 de Julho de 2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014, foi determinada a abertura do procedimento de de inventariação e classificação das 13 obras de Joan Miró pertencentes à P……………, SA, ora recorrida, tendo por despacho do Director-Geral do Património Cultural, proferido na data supra referida e em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura sido determinada a abertura do procedimento de inventariação e classificação das 72 obras de Joan Miró pertencentes à P............, SA, ora Requerida, procedimentos administrativos cujo arquivamento foi determinado por despachos proferidos em 19 de Agosto de 2014, pelo Director Geral do Património Cultural, com fundamento na circunstância de as ora recorridas P............ e Parups se oporem à classificação das obras de Joan Miró, seja como bens móveis de interesse nacional, seja como bens móveis de interesse público, por se tratar de obras importadas há menos de 10 anos – cfr. itens B), C), E) e H) da matéria de facto assente.

Conforme se extrai de sumário de Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 18 de Setembro de 2007, no âmbito do Proc. 01273/05 “A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artº 287/e) do Cód. Proc. Civil, pressupõe, como resulta directamente dessa disposição, que a inutilidade no prosseguimento da lide seja absoluta ou total…”, sendo necessário indagar se a pretensão formulada se encontra totalmente satisfeita face aos actos de determinaram a abertura dos procedimentos de inventariação e classificação das obras de Joan Miró com o consequente arquivamento dos mesmos.

Com interesse importa ainda recordar o referido em Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em 10 de Abril de 2014, no âmbito do Proc. 07433/14: “Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/1/2013, rec.1208/12; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I vol., pág.512).Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.”

A decisão recorrida para decidir no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide fundou-se na seguinte argumentação:
(…)
“Considerando, também, que na ponderação da utilidade da lide se deve partir da pretensão subjacente do requerente da providência que, in casu, é, como vimos, a de obstar à colocação no mercado externo (para alienação), do acervo constituído pelas 85 obras de Joan Miró, pertencentes às ora Requeridas P............, SA e P……..´s SA, enquanto não se proceder à abertura dos procedimentos administrativos de classificação e inventariação das ditas obras, pelas entidades competentes (SEC e DGPC) e respectiva conclusão.

Considerando, outrossim, que na presente data, dúvidas não subsistem de que tal desiderato foi totalmente alcançado (cfr. als. A, B, C, D, E e F do probatório), não curando aqui de aferir da bondade/legalidade das decisões de arquivamento dos procedimentos de classificação das obras em causa (o que claramente extravasa o objecto do presente processo, e que assim o entendeu o requerente, demonstra-o o facto de o MP ter intentado novo processo cautelar, onde requereu a suspensão de eficácia de tais actos – cfr. al, G) do probatório), nem se conhecendo nova data agendada para a realização do leilão de tais obras pela ora c.i. Cristie, temos, pois, supervenientemente, a perda de objecto do processo no que concerne à providência aqui requerida de intimação dos Requeridos e c.i. para abstenção de conduta, concretamente, de se absterem a alienar as obras de Miró

Importa começar por referir que o despacho proferido pelo Director-Geral do Património Cultural, em 21 de Julho de 2014 – em cumprimento do despacho de Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014 – surge na sequência do decretamento provisório da providência – a fls. 127 e seguintes dos autos – nos termos do qual se decretou “…de imediato, a providência cautelar peticionada.”

Resulta das pretensões de intimação formuladas pelo ora requerente que se pretendia que fosse aberto procedimento de inventariação e classificação das obras de Juan Miró, nos termos previstos nos artigos 25º a 30º da Lei 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases do Património Cultural – impedindo-se assim a venda das obras de Juan Miró sem que tal procedimento fosse iniciado e terminado, o que alicerça os pedidos formulados contra o Ministério das Finanças, a P............, S.A., a P…………, S.A. e Leiloeira Christies.

É inequívoco que foi ordenada a abertura dos referidos procedimentos – cfr itens B) e C) dos factos assentes na decisão recorrida – tendo sido determinado o arquivamento dos mesmos com base na circunstância de a P............, SA. e a Parups terem manifestado oposição à classificação das ditas obras, quer como bens móveis de interesse nacional, quer como bens móveis de interesse público.

O fim pretendido pelo Ministério Público com a presente providência cautelar foi assim alcançado, isto é, nos termos expressos no despacho de decretamento provisório da providência foram abertos procedimentos de classificação das obras – o que, desde logo, obstou à saída das mesmas do País – procedimentos que terminaram com o respectivo arquivamento.

Contudo, o M.P. refere que se mantém a utilidade da presente instância por continuar a existir receio de violação das normas da Lei de Bases do Património Cultural, o que se reconduz já não à utilidade da presente providência, que se mostra esgotada dado terem sido abertos procedimentos de inventariação e classificação das obras, mas sim com a legalidade dos actos que determinaram o arquivamento, liminar, de tais procedimentos.

Na verdade, parece ser intenção do recorrente tentar discutir no presente recurso a questão da legalidade de tais despachos de arquivamento – ao referir, no final das alegações, que a decisão sob escrutínio violou os arts. 16º, 18º, 26º a 29º da LBPC – o que apenas na acção administrativa especial de impugnação de tais despachos deve ser feito – acção essa, refira-se, que o recorrente alegou já ter intentado.

Em reforço do supra expendido retira-se das alegações de recurso que o recorrente coloca em crise a legalidade dos despachos de arquivamento dos procedimentos, quer por não ter sido dado cumprimento ao artigo 26º nº 3 da LBPC, quer por que tais actos violarão a alínea b) nº 2 do artº 68º da referida Lei, questões que extravasam o âmbito da presente providência cautelar na qual apenas era pedido que fossem iniciados e terminados procedimentos de classificação das obras de Juan Miró, ficando vedada a expedição/exportação e colocação de tais obras no mercado sem que tais procedimentos de classificação se mostrassem concluídos.

Elabore-se o seguinte raciocínio partindo do pressuposto – especulativo – de acordo com o qual o recurso mereceria provimento. Então, nessa hipótese, o Tribunal, se verificados os pressupostos de que depende legalmente a adopção de providências cautelares, intimaria os requeridos com competência para tal, nos termos peticionados, a abrir novos procedimentos iguais aos que já foram abertos e arquivados, procedimentos que teriam, necessariamente, de terminar com uma decisão por parte da Administração; contudo nem nesta hipótese se poderia configurar, necessariamente, uma situação de inutilidade da lide dado que, seguindo esta linha especulativa, sempre poderia o ora recorrente invocar que os despachos finais a proferir em tais hipotéticos procedimentos padeceriam de vícios e que novos procedimentos deveriam ser (re)abertos, o que arrastaria ad eternum o processo até que a decisão se mostrasse, no entender do recorrente, isenta de qualquer invalidade, raciocínio hipotético que demonstra, no entender do Tribunal, não merecer provimento o presente recurso.

Saber se devia o procedimento ter obedecido ao artigo 26º nº 3 da LBPC, como é entendimento do M.P.; qual a natureza jurídica da P............, SA e a Parups ou se a totalidade das obras entraram ou não em Portugal há menos de 10 anos – que constituiu o fundamento legal do despacho de arquivamento - são questões atinentes à legalidade dos actos que determinaram o arquivamento dos procedimentos e que apenas podem ser discutidas em sede de acção administrativa especial de impugnação dos mesmos e não nos presentes autos, nem nos autos de acção administrativa comum na qual foram formulados os seguintes pedidos:
“Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, e em consequência:
1. Serem os 1º e 2º RR condenados a, no exercício de poderes de tutela e superintendência determinar que não sejam executadas as anunciadas decisões de colocação no mercado externo das obras de Juan Miró enquanto não se mostrar observada a decisão do procedimento de inventariação e classificação.
2. Ser o 3º R condenado a assegurar e coordenar a instrução dos procedimentos administrativos de classificação e inventariação.
3. Ser o 3º R condenado a assegurar e coordenar a instrução dos procedimentos administrativos de classificação e de inventariação.
4. Serem os 4º e 5º RR condenados a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de arte enquanto não for tomada a decisão no procedimento de inventariação e classificação.
5. A 5ª Ré condenada a abster-se de colocar no mercado as obras de arte enquanto não se mostrar concluído o procedimento de inventariação e classificação.

Em reforço do supra expendido, importa ainda referir que a providência cautelar de suspensão de eficácia, visando os actos proferidos pelo Director Geral do Património Cultural de arquivamento dos procedimentos, é que assegurará ou prevenirá, actualmente, ainda que de forma provisória dado estar em causa uma providência cautelar, a não violação da Lei de Bases do Património Cultural, dado que, se for declarada a suspensão de tais actos, ressurgem os efeitos dos despachos proferidos pelo referido Director Geral em 21 de Julho de 2014 – que ordenaram a abertura do procedimento de inventariação e classificação das 85 obras de Juan Miró – passando tais bens a estar em “vias de classificação”, de acordo com o nº 1 do artº 25º da Lei de Bases do Património Cultural, sujeitos a um regime especial de protecção, nomeadamente no que toca à exportação e expedição, nos termos que resultam dos artigos 65º nº 1 e 66º da referida Lei.

Assim, para concluir, não deve proceder o recurso dirigido a este Tribunal Central dado a pretensão cautelar formulada pelo recorrente se mostrar integralmente satisfeita, sendo que os efeitos – assim como a legalidade - dos actos que determinaram o arquivamento dos procedimentos de inventariação e classificação das 85 obras de Juan Miró não podem ser discutidos nos presentes autos, onde apenas eram formuladas as pretensões de intimação supra enunciadas, mostrando-se tais pretensões sido integralmente satisfeitas, independentemente da questão de saber se os aludidos actos de arquivamento violam ou não a lei.

III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso.
Sem custas, face à isenção prevista no artº 4 nº 1 alínea a) do R.C.P..
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Nuno Coutinho

Carlos Araújo

Rui Belfo Pereira

(1) Que corresponde à 1ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.