Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1609/06.4 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA; DEVER DE PRONÚNCIA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. Decorridos dois anos sobre uma anterior pronúncia, existe dever de decisão da pretensão formulada pelo mesmo interessado, com idênticos objecto e fundamentos.
2. Existindo dever de decidir, ao praticar um novo acto, a AT está obrigada a respeitar todas as normas e princípios legais, nomeadamente, a exigência constitucional do dever de fundamentação.
3. Como decorre do n.º 2 do art.º 56.º da LGT, não há estabilização definitiva do acto tributário antes de esgotadas as possibilidades de revisão oficiosa á luz do disposto no art.º 78.º da mesma LGT.
4. Se o novo acto praticado sobre pedido renovado de reembolso de crédito de IVA, apresentado dentro dos limites temporais e acompanhado de elementos novos, não contém a fundamentação mínima exigível, deve o mesmo ser anulado por vício de forma.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “Massa Falida S. C. E., S.A.”, contra o indeferimento parcial automático do pedido de reembolso de IVA no valor de 370.402,99 Euros efectuado com a declaração do período 2004-03T, por ter sido anteriormente indeferido um pedido de reembolso do mesmo montante através da declaração referente ao período de 2001-09T.

O Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
I.
O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial, anulando o ato de indeferimento parcial do reembolso.
II.
A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.
III.
Na declaração trimestral de setembro de 2001, o sujeito passivo pediu o reembolso do crédito de IVA no valor de € 370.402,99, na sequência do qual foi efetuada inspeção ao sujeito passivo tendo em vista a apreciação deste pedido de reembolso, tendo o sujeito passivo sido notificado para entregar os elementos necessários ao cumprimento do Despacho Normativo 342/93, sendo igualmente advertido de que a falta de apresentação dos elementos é fundamento de indeferimento do pedido.
IV.
Resulta ainda do relatório de inspeção que o sujeito passivo exerceu o direito de audição, não tendo apresentado os elementos que se encontram identificados no RIT, pelo que o pedido de reembolso foi indeferido.
V.
Na declaração trimestral de IVA 2004-03T, a impugnante apurou crédito de IVA a seu favor no montante de € 452.137,50 e solicitou o reembolso dessa quantia, nela se incluindo o montante de € 370.402,99, objeto do pedido de reembolso anteriormente indeferido.
VI.
No âmbito da análise deste novo pedido de reembolso, a AT abriu um procedimento inspetivo ao sujeito passivo, tendo o pedido sido indeferido parcialmente na parte respeitante ao reembolso anteriormente pedido no montante de € 370.402,99, com o fundamento de o referido montante corresponder a um pedido de reembolso apresentado anteriormente que foi indeferido.
VII.
A douta sentença recorrida julgou a impugnação procedente por considerar que, “tendo o crédito de IVA, cujo reembolso foi requerido pela Impugnante, sido indeferido com fundamento em vícios de instrução desse procedimento, pode ser mais tarde objeto de novo pedido de reembolso”.
VIII.
A autoridade tributária não pode concordar com tal entendimento, porquanto a ser assim esvaziar-se-á de conteúdo as normas, violando-se o princípio da decisão previsto no artigo 56º da LGT e o princípio da definitividade dos atos tributários previsto no artigo 60º do CPPT, tendo em atenção a necessária estabilidade.
IX.
Com efeito, o entendimento seguido pela sentença recorrida conduziria à possibilidade de o sujeito passivo “ir tentando a sua sorte”, apresentando sucessivos pedidos de reembolso.
X.
Contudo, não é esse o sentido das normas referentes aos reembolsos de IVA nem o sentido das normas tributárias em geral.
XI.
Do artigo 22º, nºs 10 e 11 do CIVA (na numeração à data) e do nº 2 do Despacho Normativo nº 342/93 de 30-10 resulta a obrigatoriedade de o pedido de reembolso ser acompanhado de documentos demonstrativos do direito ao crédito, nomeadamente os documentos comprovativos do direito à dedução do imposto.
XII.
Trata-se naturalmente de documentos de que o sujeito passivo terá necessariamente de estar munido, pois se não os tiver será legitimo questionar como terá afinal alcançado o valor que fez constar nas declarações periódicas que entregou com crédito de imposto.
XIII.
As normas do artigo 22º, nº 11 do CIVA e do artigo 14, nº 4 do DL 229/95, que levam ao indeferimento do pedido quando o sujeito passivo não faculte os documentos necessários, são pois o corolário lógico da obrigatoriedade de o sujeito passivo possuir na sua contabilidade os documentos que permitam o controlo e os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica (cf artigo 44º, nº 1 do CIVA).
XIV.
E, como resulta de forma clara e expressa do nº 13 do artigo 22º do CIVA, do indeferimento das decisões dos pedidos de reembolso cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 87º-A.
XV.
Assim sendo, não tendo o sujeito passivo reagido ao indeferimento por uma das vias expressamente previstas, mas sim por novo pedido de reembolso, este terá necessariamente de ser indeferido encontrando-se precludido o direito a nova decisão.
XVI.
Assim sendo, não poderá admitir-se a proliferação de pedidos de reembolso. O pedido apresentado em 2001, circunscrito ao montante de € 370.402,99, foi indeferido. Importa ainda referir que resulta da relatório de inspeção, que o indeferimento do primeiro reembolso não foi liminar por ausência total de documentos, tendo os serviços de inspeção concluído que os documentos que não apresentou impossibilitavam a comprovação.
XVII.

O indeferimento do segundo pedido de reembolso decorre do facto de o primeiro ter sido indeferido, como resulta do respetivo relatório, que se refere, porventura de forma menos acertada a indeferimento “automático”, sendo no entanto percetível que o mesmo resulta de indeferimento anterior.
XVIII.
Atento o exposto, a douta sentença mostra-se proferida em erro de julgamento de facto e de direito com violação das normas contidas nos artigos 22º, nº 11 do CIVA, do artigo 14º, nº 4 do DL 229/95, de 11 de setembro e do nº 2 do Despacho Normativo nº 342/93 de 30-10, bem como do artigo 56º da LGT e do artigo 60º do CPPT.
XIX.
Relativamente à fundamentação do ato, a sentença recorrida julga a impugnação procedente por considerar que a AT não procedeu à análise de qualquer dos elementos apresentados.
XX.
Ora, face ao exposto, não pode a Fazenda Pública concordar com a douta sentença recorrida, porquanto os motivos do indeferimento do pedido de reembolso são percetíveis para qualquer destinatário, e foram-no também para a ora impugnante.
XXI.
Com efeito, o reembolso foi indeferido porque anteriormente o sujeito passivo havia apresentado outro pedido de reembolso para o mesmo imposto, que havia já sido indeferido. É o que resulta de forma clara do teor do relatório na parte supra citada.
XXII.
Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto nos artigos 77º da LGT, da qual resulta que a fundamentação poderá remeter para fundamentos de anteriores informações.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente
Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«
1.ª
Embora os créditos que a Impugnante afirmou deter no seu pedido de reembolso de março de 2004 já tivessem sido antes incluídos em anterior pedido de reembolso (de setembro de 2001), essa decisão não os extinguiu, havendo que apreciar o novo pedido de reembolso, de acordo com a sua instrução e com as normas legais aplicáveis, nos termos das normas dos artigos 19.º-1, 20.º, 22.º-1 e 22.º-5 do CIVA.
2.ª
No caso dos autos sabemos que a AT indeferiu o pedido da Impugnante “em virtude de ter sido automaticamente indeferida a quantia de 370.402,99 € respeitante a reembolso já pedido anteriormente e indeferido”, em violação das normas dos artigos 268º-3 CRP e 77º-1 LGT.
3.ª
Com a fundamentação indicada não é possível reconstituir o itinerário valorativo percorrido pela AT, pelo que fica-se sem saber exatamente que comando aplicou para retirar a conclusão de indeferimento do reembolso quanto à quantia de 370.402,99 € e se não é possível reconstituir o seu itinerário valorativo, há que concluir que não fundamentou o ato.
4.ª
O indeferimento do pedido de reembolso formulado pela Impugnante viola as disposições legais identificadas e deve ser anulado.
Nestes termos e de mais direito,
Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Impugnada e confirmada a douta sentença do Tribunal a quo.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a decisão de indeferimento parcial (automático) do pedido de reembolso de crédito de Imposto sobre o Valor Acrescentado efectuado em Março/2004, padece de vício de forma por falta de fundamentação.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
2.1. FACTOS PROVADOS:


A) A Impugnante, Massa Falida S. C. E., S.A., é um património autónomo resultante da falência da S. C. E., S.A., declarada por sentença do Tribunal Cível de Lisboa, 1.º Juízo, transitada em julgado em 11.01.1996 (conforme resulta do documento 1, junto com a PI);

B) A S.C. E., S.A., é sociedade anónima com o NIPC 500 265 275, com o capital social de Esc. 2.134.073.000$00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n° 07146/200209, e atuava na atividade da construção civil e obras públicas (conforme resulta do documento 2, junto com a PI);

C) A Impugnante é sujeito passivo de IVA, com regime declarativo trimestral (conforme resulta do documento 13, junto com a PI);

D) A Impugnante, desde 11/01/1996, administra os ativos da empresa falida S. C. E., S.A. e procede à sua liquidação (conforme resulta do documento 1, junto com a PI);

E) Na declaração trimestral de IVA de setembro de 2001 a Impugnante pediu o reembolso do crédito de IVA no valor de 370.402,99 € (conforme resulta do documento 13, junto com a PI);

F) Em 08/07/2002 a ora Impugnante solicitou à AT o seguinte:
«1.Em 07 de novembro de 2001, solicitámos ao SIVA o reembolso de 74.259.133.00 PTE (370,403,00 Euros ).
2. Dado o tempo já decorrido e não termos ainda recebido o correspondente reembolso, contactámos a Direção de Serviços de Reembolso do IVA e, em resposta, foi-nos questionado se já havíamos remetido todos os elementos previstos no Despacho Normativo N° 342/93 de 18 de outubro, do CIVA, para V. Exas.. Sem esta documentação entregue, o processo de reembolso encontrar- se-ia bloqueado.
3. Tendo em conta o N° 1 do art°. 148º do CPEREF e a sentença proferida pelo Juiz ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Leiria, que constituirá obviamente jurisprudência, as empresas decretadas falidas judicialmente, não terão que elaborar os registos de operações contabilísticas ao abrigo do POC e do código de IRC. Assim teremos sérias dificuldades em apresentar todos os elementos previstos no Despacho Normativo acima referido.
4. Assim sendo, muito agradecemos o favor de nos informarem, como será possível ultrapassarmos este obstáculo, no sentido de sermos reembolsados rapidamente da importância solicitada há mais de seis meses. (…)» ;


G) A coberto da ordem de serviço 82813/2002 foi efetuada inspeção à Impugnante tendo em vista a apreciação do pedido de reembolso:
Data do pedido Período Número Valor
09-11-2001 01/09T 01 0462730 370 409 00 F
(Conforme resulta de fls. 98);

H) No relatório de inspeção constam as seguintes conclusões:
«1) O contribuinte tem por objeto de negócio a Construção e Engenharia Civil.
2) O Sujeito Passivo foi notificado em 2003/05/10 para no prazo de 10 dias entregar elementos necessários ao cumprimento do DN 342/93 de 30/10 e do DL 470/94 de 6/7.
Elementos sem os quais não poderá ser apreciado o pedido de reembolsos de IVA do período em referência.
3) A falta de apresentação dos documentos solicitados no prazo indicado, é fundamento para o indeferimento do pedido de reembolso do IVA, nos termos do artigo 22.º, n.º 11 do CIVA conjugado com a doutrina emanada do ofício circulado 30050 da DSRIVA de 29/05/2002.
Face ao exposto, propõe-se uma liquidação adicional no montante de 370.402,99€.
4) A situação descrita no ponto 4 constitui infração punível pelo artigo 117º do Regime das Infrações Tributarias aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 05 de junho.
5) A fim de ser dado cumprimento ao Artº 60.º da Lei Geral Tributaria e do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária, foi notificado o Sujeito Passivo, em 02/06/2003, para exercer o direito de audição.
6) O SP 17/06/2003 exerceu o direito de audição por escrito. Do documento entregue pelo SP cabe-nos tecer algumas considerações:
a) A liquidação adicional proposta não tem fundamento, onde se lê propõe-se uma liquidação adicional no montante de 370.402,99€, deve ler-se propõe-se o indeferimento total do presente pedido de reembolso;
b) Em relação à acusação de que a Administração Fiscal viola o dever de informar a mesma não se aplica aos nossos serviços, pois estes apenas se devem manifestar sobre a legitimidade do pedido de reembolso, e não sobre a questão colocada pelo SP;
c) Quando às limitações do SP. próprias da sua natureza e do seu enquadramento fiscal, não cabe aos nossos serviços abrir exeções. O SP não entregou nos nossos serviços, até à data da elaboração deste relatório, apesar de todos os pedidos de prorrogação de prazo, os elementos necessários para cumprir com o DN 342/93. Os elementos em falta são os Balancetes e as relações de fornecedores, dado as relações de fornecedores enviadas, apesar de completamente fora de prazo, não estão cumprirem com o estipulado no DN 342/93.
7) Pelo exposto mantemos a nossa proposta de indeferimento total do presente pedido de reembolso.»;

I) Na declaração trimestral de março de 2004 a Impugnante apurou crédito de IVA a seu favor no valor de 452.137,50 € e solicitou o reembolso dessa quantia (conforme resulta do documento 3, junto com a PI);

J) Resulta da declaração justificativa do reembolso solicitado através da Declaração Periódica de 01 de agosto de 1995 a 31 de março de 2004:
«Dado encontrar-se em situação de falência decretada por sentença de 22 de novembro de 1995 do 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, as operações que permitem liquidar IVA a favor do Estado, são bastante reduzidas.
Assim sendo, em virtude do saldo favorável existente ser de montante significativo, decorrente de operações de IVA dedutível e de regularizações a favor da Massa Falida. S. C. E., constituem razões óbvias que nos levaram a solicitar o respetivo reembolso de 452.137, 50 Euros.»
(Conforme resulta do documento 3, junto com a PI);

K) Em 17.05.2004 a Impugnante enviou à Administração Fiscal documentação instrutória do pedido de reembolso do crédito de IVA, designadamente cópias de todas as declarações periódicas do período em que subsistiu o crédito, relação de fornecedores, nota de regularizações, declaração justificativa do reembolso e informação relativa à inexistência de transações intracomunitárias, e registos contabilísticos do razão geral e da disponibilidade do registo de despesas gerais (conforme resulta do documento 3, junto com a PI);

L) Pelo requerimento a que se refere a alínea anterior comunicou também a Impugnante à AT:
«(…)
2. Não são enviadas cópias dos balancetes sintéticos ou analíticos do Razão Geral, por não existir contabilidade organizada.
A requerente é uma Massa Falida, não sendo como tal sujeito passivo de IRC, não estando portanto obrigada às respetivas obrigações contabilísticas. Fica evidentemente disponível o registo de despesas gerais previsto no art°. 50 - 1, d) do CIVA, se V. Exas. acharem por conveniente.
3. Por inexistência de transmissões intracomunitárias e operações assimiladas, não se envia fotocópia do anexo Mod. 1339. (…)»

M) Foram pedidos elementos complementares pela Administração Fiscal por ofício datado de 11.06.2004: Cópia aos balancetes sintéticos do Razão-Geral relativos ao período de reembolso (Evidenciando os movimentos mensais desde as contas II à 88) (conforme resulta do documento 4, junto com a PI);

N) Em 15/07/2004, a Impugnante comunicou à AT:
“… a fim de dar cumprimento ao art.º 50 do CIVA, vimos juntar os registos das Operações que deram origem ao IVA dedutível e liquidado, relativamente ao período de janeiro de 2004 a março de 2004.
Desejamos sublinhar que, dado o facto de não se terem verificado as seguintes, operações previstas no N° 1 do artigo acima referido, não são remetidos os respetivos registos:
- De compras de mercadorias, matérias-primas e de consumo
- De vendas de mercadorias e de produtos fabricados
- De serviços prestados
- De despesas e de operações ligadas a bens de investimento
- De mercadorias, matérias-primas e de consumo, de produtos fabricados e outras existências à data de 31 de dezembro de cada ano” (conforme resulta do documento 5, junto com a PI);

O) Em fevereiro de 2005 a Administração Fiscal efetuou inspeção aos elementos documentais e contabilísticos da Impugnante, nas instalações desta (conforme resulta do documento 6, junto com a PI);

p) Em 09.03,2005 a Administração Fiscal comunicou à Impugnante o teor do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, enunciando a intenção de reduzir o valor do crédito cujo reembolso foi solicitado a 81.783,04 €, em resultado das seguintes correções e nos montantes indicados (conforme resulta do documento 6, junto com a PI):

14° - 1 Valor não reconhecido pelo sistema e automaticamente indeferido 370.402,99 €
(doc. 6, pág. 2, Q.05/3 e doc. 6, pág. 5, Q.09/3)
14° - 2 Valor de IVA deduzido com base em 2ªs vias de documentos 662,01 €

Q) Em 21.03.2005 a Impugnante exerceu o seu direito de audição e pronunciou-se no sentido de não dever ser indeferido o seu pedido de reembolso, não sendo admissível o seu indeferimento parcial automático (conforme resulta do documento 7, junto com a PI):

R) Em 19.05.2005 a Administração Fiscal notificou a Impugnante do Relatório de Inspeção Tributária e nos seus termos o valor do reembolso do crédito de IVA da Impugnante foi deferido apenas parcialmente, pelo valor de 81.783,04 € (conforme resulta do documento 8, junto com a PI);

S) Considerou a AT no relatório a que se refere a alínea anterior:
3 – Conclusões:
A Inspeção iniciou-se em 2005-02-25, na Sede do contribuinte, tendo a ordem de serviço sido assinada por um elemento da Comissão da Credores, na qualidade de representante dos trabalhadores, e tendo os esclarecimentos sido prestados peto TOC, ambos Já identificados no quadro 01-A do presente relatório.
Da análise efetuada, que abrangeu os períodos a de 0112T a 0403T, uma vez que o crédito se foi acumulando desde o 1º período referido, até à data do período do pedido, constatou-se que os movimentos nas contas do IVA são normalmente efetuados no diário de Operações Diversas, através dos documentos internos, estando os originais arquivados, segundo o TOC, por exigência do Tribunal, no diário de Bancos ou Caixa.
As correções mencionadas no valor de € 862,01 correspondem a:
1. Contabilização em outubro da 2081, das quantias € 386,67 e € 275,34, na conta 243232 - IVA dedutível dos outros bens e serviços, de dois documentos que são segundas vias de documentos emitidos em 24/11/1698 (doc.s 20 e 21 de OD);
Verificou-se, portanto, que foram Infringidos os artigos 19.º e 35" do CIVA, falta punida pelo artº 114.º do RGIT.
Assim o pedido de reembolso solicitado pala massa falida da S. E., na quantia de € 452 137,50, será deferido parcialmente no valor de € 81 783,04, em virtude de ter sido automaticamente indeferida a quantia do € 370 402,99 respeitante a reembolso já pedido anteriormente e Indeferido, e corrigida a Importância de € 862,01, deduzida indevidamente.
Em virtude do oficio-circulado 30074/2005, de 24 de março da DSIVA rever a posição da aceitação da dedução do IVA suportado em 2ªs vias, notifica-se novamente o sujeito passivo nas termos do art° 60° da LGT e artº 66° do RCPIT dado que, o IVA corrigido foi suportado em documentos datados de novembro de 1998, para que a dedução continua a ser indevida, nos termos do nº 6 do art° 71º do CIVA, visto que foi efetuada dois anos depois da emissão dos documentos e não foi apresentado o pedido de autorização a permitir a referida dedução, nos termos do nº 7 do art° 71º.
Assim as correções inicialmente propostas mantêm-se, pois para além da infração aos artigos 19º e 35º do CIVA foi igualmente Infringido o artigo 71º, n° 9 e nº 7 do mesmo diploma, infrações punidas polo artigo 114º do RGIT.
4 - Direito de audição:
O sujeito passivo foi notificado, através do ofício 020012 de 2006/04/06, para exercer o direito de audição, nos termos do artº 60º da LGT e artº 60º do RCPIT, sem que até à presente data tivesse exercido o referido direito. Assim as correções inicialmente propostas ao IVA dedutível de outros bens a serviços, na quantia da € 662,01, tornam-se definitivas.
Foi elaborado o DC Único e levantado o competente Auto do Notícia.

T) Sobre o relatório de inspeção tributária recaiu o parecer do chefe de equipa que aqui se dá por integralmente reproduzido (conforme resulta do documento 8, junto com a PI);

U) Sobre o relatório de inspeção tributária e o parecer do chefe de equipa recaiu o despacho de concordância de 05/05/2005, que aqui se dá por integralmente reproduzido (conforme resulta do documento 8, junto com a PI);

V) A Impugnante foi notificada do relatório final de inspeção tributária pelo ofício n.º 29073, de 31/05/2005 (conforme resulta do documento 8, junto com a PI);

W) Por ofício datado de 10.03.2006 a Administração Fiscal notificou a Impugnante do deferimento parcial do reembolso do seu crédito de IVA, pelo valor de 81.612,74 € (conforme resulta do documento 9, junto com a PI);

X) A Administração Fiscal indeferiu o pedido de reembolso de crédito de IVA da Impugnante, no valor de 370.402,99 €, de forma automática (conforme resulta do documento 8, junto com a PI);

Y) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 12/06/2006 (conforme resulta de fls. 102).
*

2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*
2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como decorre das doutas conclusões alegatórias, o Recorrente não se conforma com o entendimento da sentença de 1.ª instância de que “tendo o crédito de IVA, cujo reembolso foi requerido pela impugnante, sido indeferido com fundamento em vícios de instrução desse procedimento, pode ser mais tarde objecto de novo pedido de reembolso”, por razões que se prendem com a definitividade e estabilidade dos actos tributários.

Outrossim, entende o Recorrente que não tendo a impugnante, aqui Recorrida, reagido contra o indeferimento do pedido inicial de reembolso do crédito de IVA, nem administrativamente, nem contenciosamente, viu precludido o direito a nova decisão sobre o renovado pedido de reembolso do crédito do IVA no valor de 370.402,99 Euros feito na declaração trimestral de IVA 2004-03T, que primeiro efectuara na declaração trimestral de Setembro de 2001.

E, se bem apreendemos das doutas conclusões, não havendo dever de pronúncia da Administração tributária sobre o renovado pedido de reembolso, não pode sustentar-se a falta de fundamentação da decisão que recaiu sobre aquele pedido, como se concluiu na sentença recorrida e, em qualquer caso, o acto encontra-se fundamentado.

Não acompanhamos a tese do Recorrente. Dizemos porquê.

Estabelece o artigo 56.º da Lei Geral Tributária:

«Artigo 56.º
Princípio da decisão
1 - A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo.
2 - Não existe dever de decisão quando:
a) A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos;
b) Tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do acto tributário.»

Trata-se esta disposição de uma adaptação ao procedimento tributário do essencial do preceituado no art.º 9.º (actual 13.º) do Cód. do Procedimento Administrativo, cujo n.º2 confirma o que a jurisprudência e doutrina vêm referindo sobre a não estabilização definitiva do acto tributário antes de esgotadas as possibilidade de revisão oficiosa previstas no art.º 78.º da Lei Geral Tributária.

Como anotam Diogo Leite Campos e Outros, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.ª ed., 2012, a págs. 466, «…decorridos dois anos sobre uma anterior pronúncia, existe dever de decisão da pretensão formulada pelo mesmo interessado com idênticos objecto e fundamentos».

E citando Vieira de Andrade, salientam em nota de rodapé: «Como este Autor refere (…), o n.º 2 do art.º 9.º do CPA tem de referir-se a um dever de reapreciação e não apenas de pronúncia, pois não teria sentido que a lei dissesse “que, passados dois anos sobre uma decisão, a Administração era obrigada a responder, mas não a reapreciar o pedido do particular, quando antes dos dois anos a situação seria afinal exactamente a mesma”».

Existindo um dever legal de decidir, ao praticar um novo acto, a Administração tributária está obrigada a respeitar todas as normas e princípios legais, pois não é constitucionalmente admissível a existência de actos tributários dispensados da observância da legalidade.

E a observância dos princípios constitucionais da legalidade do acto, exige a sua fundamentação expressa e acessível, decorrente do disposto no art.º 268/3 da CRP com expressão no art.º 77.º da citada LGT.

Revertendo aos autos, constata-se que o primeiro pedido de reembolso do crédito de IVA no valor de 370.402,99 Euros foi apresentado à AT em 07/11/2001 e mereceu decisão de indeferimento (cf. pontos F), G) e H) da matéria assente).

Na declaração trimestral de Março/2004, a impugnante apurou crédito de IVA a seu favor no valor de 452.137,50 Euros e solicitou o reembolso desse crédito, no qual se incluía aquele valor de 370.402,99 Euros, tendo a AT decidido: «Assim, o pedido de reembolso solicitado pela massa falida da S. E., na quantia de € 452.137,50, será deferido parcialmente no valor de € 81.783,04, em virtude de ter sido automaticamente indeferida a quantia de € 370.402,99 respeitante a reembolso já pedido anteriormente e indeferido…» (ponto S) da matéria assente).

Como se vê, no caso presente não se colocava qualquer limite temporal ao dever legal de decidir.

E, nessa linha de entendimento, a decisão de indeferimento automático do renovado pedido de reembolso do crédito de IVA no montante de 370.402,99 Euros, para mais acompanhado de novos elementos (cf. ponto N) da matéria assente), não preenche os requisitos mínimos da fundamentação constitucionalmente exigível, pois não permite ao destinatário do acto apreender as razões que, em face dos novos elementos apresentados, determinaram a decisão de indeferimento, nem sequer se tais elementos chegaram a ser ponderados na decisão.

Como assim, acompanhamos a sentença recorrida quando conclui que a decisão de indeferimento automático não contém a fundamentação legalmente exigida, devendo ser anulada por vício de forma.

O recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2021


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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha