Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9262/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS.
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida configurar desproporção em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

Nos presentes autos de recurso interposto por P... SGPS, SA, contra a decisão arbitral sentença proferida no processo n.º 377/2014-T, de 22/5/2015, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manteve os atos tributários de liquidação de IRS (retenção na fonte) e respetivos juros compensatórios relativos a 2010, bem como pedido de pagamento de juros indemnizatórios. foi proferido acórdão por este TCAS que negou provimento ao recurso, confirmou a decisão recorrida e condenou a AT nas respetivas custas.

Notificada do acórdão, a RECORRENTE interpôs recurso de revista para o STA que não foi admitido.

Formulou perante o STA pedido de reforma quanto a custas, alegando que as partes limitaram a sua intervenção à apresentação de dois articuladosessencias, não usando de quaisquer expedientes desnecessários ou dilatórios agindo sempre em escrupuloso respeito pelos princípios da boa fé e cooperação processuais.
Requer, assim, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, reformando-se nessa parte, o acórdão quanto a custas ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 616º do CPC.

O pedido foi indeferido uma vez que o recurso não foi admitido. Com efeito, refere o douto despacho proferido no STA, “...a não admissão do recurso de revista implica necessariamente que não se conheça das questões suscitadas por não se mostrarem abrangidas pelo disposto naquele artigo 285º n.º 1 do CPPT, sendo certo que a questão da dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça nem sequer foi eleita pela recorrente como questão fulcral para admissão do recurso”.

O Exmo. PGA neste TCA emitiu douto parecer concluindo pelo deferimento da requerida reforma.


CUMPRE APRECIAR E DECIDIR
Nos termos do disposto no artigo 666º/1 e 613.º do CPC, uma vez proferido o acórdão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa. Porém, podem as partes pedir a sua reforma quanto a custas e multa (art. 616º/1 e 666º/1 do CPC).

O acórdão, cuja reforma se peticiona, negou provimento ao recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação com o valor processual de € 6.197.119,79, não impugnado.

Segundo dispõe o nº 7 do art. 6° do RCP, introduzido pelo artigo 2º da Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Esta disposição está conexionada com o que se prescreve na tabela I-B, anexa ao RCP, noa termos da qual, para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fração três unidades de conta no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final.
Se não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A dispensa tem natureza excecional.
Pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes – cfr., a título de exemplo, o acórdão de 18/11/2015, tirado no processo n.º 0346/14; vide também os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, os acórdãos deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG e de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 369/14.0BEVIS.

Conforme salienta Salvador da Costa (in RCP anotado e comentado, 4ª ed. pp. 236):
«A referida decisão judicial de dispensa, excecional, depende, segundo o estabelecido nesse normativo, da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade, e a positiva atitude de cooperação das partes.»

Para além destes critérios, a proporcionalidade entre a taxa de justiça devida e o labor jurisdicional não poderá deixar de ser ponderado (1).
Tal como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais:
“O valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07 pronunciou-se também sobre o critério da proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça paga e o “serviço” prestado:
“(…) o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício”.

Enunciados sumariamente os princípios que devem nortear a “dispensa do pagamento do remanescente”, debrucemo-nos sobre o caso concreto.

Começando pela conduta processual das partes, verificada a tramitação dos autos constata-se que a mesma se limita ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

No que respeita à complexidade da causa, o RCP não nos fornece critérios específicos pelo que nos socorremos do disposto no artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que considera de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

As alegações não se revelam prolixas, e a decisão não implicou a análise de meios de prova complexos.
A questão decidenda, embora controversa e de alguma complexidade, não é excessivamente complexa.

Assim, perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final e a necessidade de assegurar a correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça devida, julgamos verificados os requisitos legais para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em deferir a reforma do acórdão quanto a custas dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem custas.

Lisboa, 30 de setembro de 2021

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Cristina Flora que integram a presente formação de julgamento.]


(Mário Rebelo)


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(1) Para o apuramento do montante da taxa de justiça devida a final (nas acções de valor superior a €275.000) não pode ser tido em consideração apenas o valor atribuído à acção, pois, caso contrário, poderá chegar-se ao apuramento de montantes exorbitantes, por vezes desproporcionais com o trabalho desenvolvido pelo tribunal e incomportáveis para quem não tenha acesso ao apoio judiciário (cfr. o referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13).