Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1387/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:CADUCIDADE DA GARANTIA.
ART. 183º-A CPPT.
Sumário:1. A lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, reintroduziu o art. 183º-A no CPPT, mas limitando o seu campo de aplicação às reclamações graciosas.

2. Este novo prazo de caducidade aplica-se às reclamações graciosas pendentes, de harmonia com a regra do art.º 12º, n.º 3, da LGT, mas só se conta a partir de 1/1/2009, data fixada no art. 2º daquela Lei n.º 40/2008 para a sua entrada em vigor.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública.
RECORRIDOS: Z..............

OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente, a acção administrativa especial intentada por Z............., actual N............., SA., contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, representado pela Direção-Geral dos Impostos, anulando os actos impugnados e condenando a Entidade Demandada a reconhecer a caducidade da garantia bancária prestada à Autora, pelo B............., S. A., com o n° 33992, até ao valor de €13.256.993,61, para sustar a execução fiscal n°............., do Serviço de Finanças de Lisboa 8, na medida em que se destinou a garantir as dívidas emergentes da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n°............. [retenção na fonte] e nos............. a ............. [juros compensatórios conexos], referentes a 2005, enquanto pendia a reclamação graciosa n°............., daquele Serviço de Finanças.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
« i) Visa a presente recurso reagir contra a douta sentença proferida no processo em epígrafe, a qual julgou procedente a acção administrativa especial, e concomitantemente determinou a anulação dos actos impugnados, designadamente as decisões do procedimento de caducidade e de recurso hierárquico, e concomitantemente reconheceu a caducidade da garantia dada pelo BES com o n.° 33992 até ao montante de € 13.256.993,61, com vista a sustar o processo de execução fiscal n.° ............., e atinente à liquidação de IRC n,°. ............. e n.°s ............. a ............., referentes a 2005, no âmbito da reclamação graciosa n.° ..............
ii) Para tanto, aquilatou a sentença que tendo sido apresentada reclamação graciosa em 10.01.2008, tendo prestado garantia na execução em 22 de Fevereiro seguinte, e tendo a decisão sido tomada em 26.02.2010, mostra-se que entre a entrada em vigor do novo regime em 01.01.2009 — data a partir da qual se começou a formar a caducidade da garantia, pois não havia norma, e a data da decisão, foi ultrapassado o prazo de um ano a que se refere o Art.° 183.°-A do CPPT, entendendo que tal norma tem aplicação imediata, sem prejuízo das situações consagradas no n.° 3 do Art.° 12.° da LGT.
iii) É  contra tal entendimento que se insurge a Recorrente, entendendo que a douta sentença procede a uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente o disposto no Art.° 183.°-A do CPPT e do disposto da regras atinentes á aplicação da lei no tempo, mormente no que respeita ao disposto no n.° 3 do Art.° 12.° da LGT.
iv) Com efeito, o Art.° 183.°-A foi primeiramente aditado ao CPPT pela Lei 15/2001 de 05.06, tendo sido revogado pela Lei n.° 53-A/2006 de 29 de Dezembro.
v) A citada Lei 15/2001, consagrou no Art.° 11, um regime de transição, estabelecendo que relativamente a processos pendentes que, os prazos definidos no Art° 183.°-A do CPPT são contados a partir da entrada em vigor da presente lei, ou seja o Art.° 183.°-A na reintrodução dada pela Lei 40/2008 de 11.08, a qual entrou em vigor em 01.01.2009, veio estabelecer que " – A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua  interposição. 2 - O regime do número anterior não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante. 3 - A verificação da caducidade cabe ao órgão com competência para decidir a reclamação, mediante requerimento do interessado, devendo a decisão ser proferida no prazo de 30 dias. 4 - Não sendo a decisão proferida no prazo previsto no n.° 3, considera-se o requerimento tacitamente deferido. 5 - Em caso de deferimento expresso ou tácito, o órgão da execução físcal deverá promover, no prazo de cinco dias, o cancelamento da garantia".
vi) A Lei n.° 40/2008 de 11.08, não estabeleceu nenhum regime transitório, ao contrário da mencionada Lei n.° 15/2001 de 05.06, pelo que, à revelia do firmado na sentença recorrida a norma do Art.° 183.°-A do CPPT, que entrou em vigor em 01.01.2009, não se aplica, aos processos instaurados em data anterior à data da sua entrada em vigor, em que tenha sido prestada garantia, tendo em conta a data da interposição da reclamação graciosa a qual determina a contagem do prazo inicial para efeitos de caducidade da garantia e nesse desiderato apenas se aplica aos casos em que a reclamação graciosa tenha sido apresentada após essa data- nos termos e para os efeitos no n.° 3 do Art.° 12.° da LGT, e do Art.° 12.° da Código Civil, aplicável de acordo com o Art.° 2.° alínea d) da LGT.
vii) Tal facto advém ainda porque a ratio do instituto da caducidade liga-se a razões de certeza, de segurança e de paz jurídica, pelo qual se extinguem as garantias, sendo que todas as compressões dos direitos e garantias dos contribuintes têm de constar de lei formal, sob pena de inconstitucionalidade.
viii) Ademais, o regime da caducidade da garantia estabelecido no Art° 183.°- A do CPPT é um regime sancionatório da morosidade na decisão dos procedimentos referidos pelas entidades competentes, prevenindo o sistema legal um justo equilíbrio ao sancionar igualmente o contribuinte pelo afastamento da caducidade da garantia quando o atraso resultar de motivo imputável ao reclamante - cfr. n° 3 do art° 183º A do CPPT.
ix) Ora, com a entrada em vigor do Art.° 183-A.° do CPPT, decorre que estamos perante uma lei nova que regula a validade certos factos e os seus efeitos, ou seja, vem acrescer um tipo de situação jurídica que até então não era admitida, ou seja a de permitir a caducidade da garantia prestada por ter decorrido mais de 1 ano, sem que o processo de reclamação graciosa esteja decidido, e nesse conspecto e à revelia do entendimento propugnado na sentença, a Lei 40/2008 de 11.08 apenas se aplica a factos novos, ou seja, às situações que ocorram, a partir da sua entrada em vigor, de acordo com a lei vigorante ao tempo da prática do acto - interposição da reclamação graciosa — encontrando-nos, pois, no domínio do princípio 'tempus regit actun”, por força do qual o Art.° 183° A do CPPT, se aplicar aos factos posteriores à sua entrada em vigor.
x) Tal entendimento decorre dos princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com uma interpretação de sentido literal, histórico, lógica e teleológica, e por fim com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no Art.° 12.° da LGT e Art° 12° do CC. e com os princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica.
xi) Recorta-se assim que o que a lei determina como relevância para o reconhecimento da caducidade da garantia, é a data da apresentação da reclamação graciosa, pelo que, tendo sido interposta a reclamação graciosa em 10.01.2008, numa altura em que inexistia norma que previsse o reconhecimento da caducidade da garantia, e não estando em vigor à data o Art.° 183.°-A do CPPT, e não se mostrando ainda, à data, prestada garantia, o que só veio a ocorrer em 03.03.2009, a sentença procede a uma errada interpretação e aplicação do regime da caducidade da garantia, constante do aludido artigo.
xii) Inexistindo regime transitório na Lei 40/2008, e relativamente as reclamações graciosas pendentes e interpostas antes da sua entrada em vigor, ou seja, antes de 01.01.2009, fica irremediavelmente afastada a aplicação da norma em causa.
xiii) Conforme decorre do Art. 169° do CPPT, a reclamação graciosa que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda, só suspende a execução desde que tenha sido constituída garantia nos termos do Art° 195° do CPPT ou prestada nos termos do Art. 199° do CPPT, ou, desde que a penhora garanta a totalidade da dívida exequenda isto é, a reclamação, só por si não impede a instauração da execução, ou seja, tem de ser necessariamente prestada garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
xiv) No caso dos autos foi interposta reclamação graciosa em 10.01.2008, numa altura em que não se encontrava em vigor o citado Art.° 183.°-A, e ainda não se mostrava prestada garantia, o que só veio a acontecer a 03.03.2000. pelo que não poderá aplicar-se o regime consignado no antedito artigo, incorrendo a sentença em errada interpretação e aplicação dos aludidos normativos legais.
xv) A aplicar-se a norma como preconiza a sentença aos processos de reclamação graciosa pendentes, seria possível obter o reconhecimento da caducidade da garantia, por a reclamação graciosa não ter sido decidida à mais de uma ano, sem que aquela fosse efectivamente prestada, bastando para o efeito, usando a questão subjacente aos presentes autos, que tendo a reclamação graciosa sido interposta em 10.01.2008, a Recorrida tivesse sido notificada para prestar garantia em 11.01.2009, ou seja, um ano após a sua interposição, sem que alguma vez o processo de execução fiscal tivesse ficado suspenso por prestação de garantia bancária.
xvi) Neste desiderato, a douta sentença procede a uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente o disposto no Art.° 183.°-A do CPPT e do disposto da regras atinentes à aplicação da lei no tempo, mormente no que respeita ao disposto no n.° 3 do Art.° 12.° da LGT.

Nestes termos, e nos demais de direito, com o mui douto suprimento de V.s Exa.s, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais, e concomitantemente deve a sentença ser anulada, por errada interpretação e aplicação do disposto no Art.° 183.° -A do CPPT, com as legais consequências.
PORÉM V. EX.AS ASSIM DECIDINDO FARAO SA, SERENA E A COSTUMADA JUSTIÇA.»

CONTRA-ALEGAÇÕES:
A Recorrida contra alegou concluindo o seguinte:

A) Em discussão nos autos da Acão Administrativa Especial esteve a pretensão da RECORRIDA de anulação do Despacho, de 6 de Abril de 2011, da Exma. Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, nos termos do qual se indeferiu o pedido de reconhecimento de caducidade da garantia bancária n.° 339972, emitida pelo B............., S.A., no valor de € 13.256.993,61 e prestada para suspensão do processo de execução fiscal n.° ............. e, bem assim, da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra aquele Despacho.

B) De acordo com o entendimento da RECORRIDA - que foi integralmente sufragado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida - os atos tributários que constituem o objeto dos presentes autos são ilegais, por desconformes com as normas em vigor, mormente, com o disposto no artigo 183.°-A, n.° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

C) Conforme decorre dos autos, a aplicação do regime que ora se discute consta do artigo 183.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo o mesmo sido reintroduzido no sistema jurídico português através da Lei n.° 40/2008, de 11 de agosto, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2009.

D) Com efeito, conforme ficou assente, a reintrodução do Código de Procedimento e de Processo Tributário foi efetuada, pelo legislador, sem a fixação de um regime transitório que delimitasse de forma concreta o âmbito temporal de aplicação desta (nova) disposição, sendo por isso forçoso concluir que a aplicação de tal norma se deve reger pela normais gerais de aplicação da lei no tempo.

E) Contudo, a não fixação de um regime transitório não prejudica, nem é critério indispensável, à aplicação imediata da lei, tal como estabelecida no artigo 12.°, n.° 3 da Lei Geral Tributária.

F) A este respeito, a regra geral relativa à entrada em vigor das normas processuais prevista no n.° 3 do artigo 12.° da Lei Geral Tributária, determina que as mesmas são de aplicação imediata, ficando tal aplicação apenas limitada pela garantia dos direitos constituídos dos contribuintes.

G) Pelo que, da aplicação da regra decorrente do citado preceito legal, decorre, sem margem para dúvida, que o artigo 183.°-A do Código de Procedimento e Processo Tributário, enquanto norma processual e de garantia dos contribuintes, tem aplicabilidade imediata, aos processos em curso, na data da sua entrada em vigor (in casu, a 1 de Janeiro de 2009).

H) Com efeito, de acordo com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, a “(...) questão em torno da aplicabilidade do regime vigente a garantias prestadas por relação com procedimento anterior à sua entrada em vigor é completamente destituída de sentido, porque o regime do art,183°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, como não podia deixar de ser, tem aplicação imediata        Página 8 da Sentença recorrida).

I) Assim, tendo o artigo 183.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário como termo inicial de data de entrada em vigor o dia 1 de janeiro de 2009, tal como ficou amplamente demonstrado, a garantia prestada para a suspensão do processo de execução fiscal caducou em dia 1 de Janeiro de 2010, por força da aplicação deste novo regime.

J) No mesmo sentido, tal como referido anteriormente, o Tribunal a quo esclarece que "Logo, no termo do dia 1 de janeiro de 2010, ao atingir tai o termo de tai prazo, aquela garantia viu a sua caducidade consumada, "(cfr. Página 9 da Sentença recorrida).

K) Não é, pois, admissível o entendimento da Administração tributária no sentido de o artigo 183.°-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário só se aplicar aos casos em que a reclamação graciosa tenha sido apresentada após a sua entrada em vigor.

L) Em suma: atento o facto de a disposição legal em causa ter entrado em vigor em 1 de janeiro de 2009, a garantia bancária caducou nos termos e para os efeitos do mencionado dispositivo legal, em 1 de Janeiro de 2010, não sendo, por isso, desde essa data, a mesma garantia exigível para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal supra referido, impondo-se o seu cancelamento imediato.

M) Este entendimento foi já sufragado quanto ao exercício de 2004, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito da Acão Administrativa n.° 1388/11.3BELRS, por sentença datada de 27 de Setembro de 2019, segundo a qual: “Por isso, não tem qualquer razão a AT quando pretende fazer depender a aplicação do novo artigo 183. °-A do CPPT da eventual previsão de um regime transitório que fizesse aplicara lei nova às situações anteriores à data da sua entrada em vigor, o que não faz qualquer sentido nem resulta da aplicação das normas legais.".

N) De onde resulta, que também no que se refere ao exercício de 2005 se deverá manter a Sentença recorrida, sendo da mais elementar justiça que, também, quanto a este exercício seja reconhecida a caducidade da garantia prestada.

O) De igual modo, não pode também proceder o argumento da Administração tributária segundo o qual: “a aplicar-se a norma como preconiza a sentença nos processos de reclamação graciosa pendentes, poderia por paradoxo serem equacionadas outras situações, em que seria possível obter o reconhecimento da caducidade da garantia, por a reclamação graciosa não ter sido decidida à [sic] mais de um ano, sem que aquela fosse efectivamente prestada, bastando para o efeito, usando a questão subjacente aos presentes autos, que tendo a reclamação graciosa sido interposta em 10.01.2008, a Recorrida tivesse sido notificada para prestar garantia em 11.01.2009, ou seja, um ano após a sua interposição, sem que alguma vez o processo de execução fiscal tivesse ficado suspenso por prestação de garantia bancária ".

P) Efectivamente, ainda que se verificasse um caso extremo no qual, da aplicação imediata da norma decorresse uma inexigibilidade da prestação de garantia, por já ter decorrido um prazo de um ano desde a interposição da Reclamação Graciosa, tal facto não pode ser considerado como um argumento apto a afastar a regra geral de aplicação da lei no tempo previsto no artigo 12.°, n.° 3 da Lei Geral Tributária.

Q) Pois, a discussão quanto à aplicação imediata da norma - como bem decorre da Sentença recorrida - deve basear-se apenas nas normas relativas à aplicação da lei no tempo, tal como previstas na Lei Geral Tributária e na Constituição da República Portuguesa, e não, à luz dos efeitos que decorrem (para a Administração tributária) dessa sua aplicação imediata.

R) Termos em que deve ser mantida a Sentença recorrida, determinando-se, assim, a anulação dos atos contestados, com a condenação da Administração tributária ao reconhecimento da caducidade da garantia bancária prestada e ao seu levantamento.

S) Nestes termos, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, sendo mantida a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí advenientes, nomeadamente a anulação o Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto contra o Despacho, de 6 de abril de 2011, da Exma. Senhora Diretora Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa apresentado pela RECORRIDA e a condenação Administração tributária ao reconhecimento da caducidade da garantia prestada.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER O PRESENTE RECURSO CONSIDERADO IMPROCEDENTE, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ ADVENIENTES, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, QUE DETERMINA A PROCEDÊNCIA DA ACÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL APRESENTADA CONTRA O DESPACHO DE INDEFERIMENTO DO PROCEDIMENTO DE CADUCIDADE DE GARANTIA BANCÁRIA E CONSEQUENTE RECURSO HIERÁRQUICO E, BEM ASSIM, QUE DETERMINA A CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AO RECONHECIMENTO DA CADUCIDADE DA GARANTIA PRESTADA»

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA devidamente notificado não emitiu parecer.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao determinar a caducidade da garantia prestada pela Recorrida visando a suspensão da execução.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. A Autora, Z............., foi objeto de uma ação inspetiva versando sobre os exercícios de 2004 e 2005, na sequência de cujas conclusões a Administração Tributária viria a elaborar-lhe, além do mais, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n° ............. [retenção na fonte] e as n.os ............. a ............. [juros compensatórios conexos], referentes a 2005.

2. A 10 de janeiro de 2008 a Autora suscitou reclamação graciosa sobre tais liquidações, procedimento a que coube o n° ............., no Serviço de Finanças de Lisboa 8.

3. Paralelamente, como não satisfez as dívidas determinadas pelos atos emergentes da ação inspetiva, foi naquele Serviço de Finanças instaurada a execução n°............., visando a sua cobrança coerciva e do seu acrescido.

4. Na pendência do procedimento e com o propósito de sustar a execução enquanto ele decorresse, a Autora requereu ao Órgão de Execução Fiscal a prestação de garantia [bancária, prestada pelo B............., com o n°33992, até ao valor de €13.256.993,61], tendo ela sido aceita e com efeitos a 22 de fevereiro de 2008.

5. O procedimento viria a ser decidido por despacho de 26 de fevereiro de 2010, sendo parcialmente atendido e do qual no mais a Autora recorreu hierarquicamente.

6. No dia 7 de março de 2011 a Autora pediu o levantamento da garantia bancária, mediante reconhecimento da sua caducidade, em função do lapso de tempo durante o qual pendera a reclamação graciosa, mas tal foi- lhe recusado por despacho 6 de abril de 2011, com fundamento em que pese embora se verificassem os requisitos temporais entre os diferentes atos de tanto relevantes, aquando da suscitação da reclamação graciosa o regime de caducidade da garantia não existia [(re)introduzido que fora mais tarde, pela Lei 40/2008 de 11 de agosto, entrada em vigor a 1 de janeiro de 2009] pelo que não era aplicável ao caso [tanto mais que não continha normas transitórias, ao invés do que sucedera aquando da sua primeira introdução no Ordenamento], nos termos do art.12°n°3 da Lei Geral Tributária, ou 12° do Código Civil; porém reconheceu que parcialmente a garantia deveria ser levantada [rectius. atualizado o valor a garantir, menor que o originário], em função do vencimento parcial referido no ponto 5. - no mais aguardando-se pela decisão do recurso hierárquico aludido.

7. Notificada dessa decisão, no dia 9 de maio de 2011 a Autora recorreu hierarquicamente dela, procedimento a que coube o n°480/11.

8. Este recurso foi indeferido por despacho de 19 de setembro de 2011, com os mesmos fundamentos da reclamação graciosa, referidos no ponto 6. e, a respeito da omissão de audição previamente a ter sido tomada essoutra decisão, com fundamento em que não era a omissão invalidante daquela decisão anterior “porque” «sendo entendimento da entidade recorrida o de que a verificação da caducidade da garantia se rege pelo art 183° e não pelo art 183°- A, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário,           com o  que concordamos, o exercício do direito de audição consubstanciaria um ato processual [MC] inútil.»»

9. Porém, já antes disso, a 7 de julho de 2011, presumindo o indeferimento daquele recurso, apresentara a Autora a petição na origem dos presentes autos.

Inexistem outros factos provados com relevância para a decisão. Não existem factos não provados com esse relevo, para além de que não resultou provado que:

1. O procedimento referido nos pontos 4.-5. da matéria de facto provada haja contado com comportamentos ativos ou omissivos da Autora que se tenham refletido no seu andamento, retardando-o escusadamente.

O Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica da documentação que se reúne, nomeadamente o teor dos dois procedimentos - reclamação graciosa e recurso hierárquico sobre o renovado pedido da Autora -, os quais constituem o processo administrativo adjunto, cuja fidedignidade não oferece dívida nem foi posta em causa, autorizando se lhes conferisse o valor probatório que em abstrato lhes reconhecem o disposto nos arts. 369° n°1, 370° n°1 e 371° n°1, todos do Código Civil, bem como o art.34° n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, já que são idóneos à prova da factualidade neles consignada. Assim, o teor do consignado extraiu-se integralmente de ambos procedimentos.

Os factos não provados mereceram esse juízo negativo à absoluta falta de prova sobre eles, sendo certo que nenhuma das partes se lhes referem também, seja para justificar uma dada intervenção de que pudesse ter resultado delonga ou demora, seja para lhe imputar ter sido por essa razão que a decisão não foi tomada antes.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A sociedade N............. (que incorporou por fusão a sociedade Z............., S.A.) moveu  contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública representada aqui pela Direção-Geral dos Impostos, ação administrativa especial visando a anulação de despacho da Exma. Diretora Adjunta de Finanças de Lisboa que indeferiu o reconhecimento da caducidade da garantia prestada para sustar a execução fiscal enquanto decorria procedimento gracioso sobre os atos determinativos da dívida exequenda -, bem como a condenação na prática do ato devido.
Por sentença de 12/472020 a ação foi julgada procedente e a AT condenada a reconhecer a caducidade da garantia bancária prestada, dada pelo B............., S. A., com o n°33992, até ao valor de €13.256.993,61, para sustar a execução fiscal n°............., do Serviço de Finanças de Lisboa 8, na medida em que se destinou a garantir, aí, as dívidas emergentes da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n°............. [retenção na fonte] e nos............. a ............. [juros compensatórios conexos], referentes a 2005, enquanto pendia a reclamação graciosa n°............., daquele Serviço de Finanças.

A AT discorda. Defende que a reintrodução do art. 183º-A do CPPT pela Lei n.º 40/2008, de 11/8, não estabeleceu um regime transitório para a vigência desta norma, ao contrário do que sucedera com a introdução da norma pela Lei n.º 15/2001, de 5/6. E assim sendo, tal norma em vigor desde 1/1/2009 não se aplica aos processos pendentes, mas apenas àqueles em que a reclamação graciosa tenha sido apresentada após essa data, nos termos e para efeitos do n.º 3 do art. 12º LGT e do art. 12º do Código Civil, aplicável "ex vi" do art. 2º/e CPPT.

Esta interpretação advém ainda da ratio do instituto da caducidade se ligar a razões de certeza de segurança e paz jurídica pelo qual se extinguem as garantias, sendo que todas as compressões dos direitos e garantias dos contribuintes têm de constar de lei formal, sob pena de inconstitucionalidade.

Acrescenta que:

O que a lei determina como relevante para o reconhecimento da caducidade da garantia é a data da apresentação da reclamação graciosa, e esta foi interposta em 10.01.2008, numa altura em que inexistia norma que previsse o reconhecimento da caducidade da garantia. Por não existir regime transitório na Lei 40/2008, as reclamações graciosas pendentes e interpostas antes da sua entrada em vigor, ou seja, antes de 01.01.2009, ficam excluídas da  aplicação da norma em causa.

Ou seja, no caso dos autos foi interposta reclamação graciosa em 10.01.2008, numa altura em que não se encontrava em vigor o citado Art.° 183.°-A, e ainda não se mostrava prestada garantia, o que só veio a acontecer a 03.03.2009. pelo que não poderá aplicar-se o regime consignado neste artigo.

Argumenta ainda que a “aplicar-se a norma como preconiza a sentença aos processos de reclamação graciosa pendentes, seria possível obter o reconhecimento da caducidade da garantia, por a reclamação graciosa não ter sido decidida há mais de um ano, sem que aquela fosse efetivamente prestada, bastando para o efeito, usando a questão subjacente aos presentes autos, que tendo a reclamação graciosa sido interposta em 10.01.2008, a Recorrida tivesse sido notificada para prestar garantia em 11.01.2009, ou seja, um ano após a sua interposição, sem que alguma vez o processo de execução fiscal tivesse ficado suspenso por prestação de garantia bancária”.

Sendo estes os argumentos mobilizados contra a questão essencial da caducidade da garantia determinada pelo MMº juiz "a quo", comecemos já pelo último para sublinhar, se bem alcançamos a tese subjacente, o que nos parece incluir  um raciocínio totalmente improcedente. Com efeito, visando a lei a caducidade da garantia prestada para suspender a execução fiscal decorrido certo prazo sem decisão, se não tiver sido prestada garantia carece de sentido falar-se em caducidade de garantia, por inexistência de objeto.

Depois, indo diretamente quanto ao fundo da questão, afigura-se-nos que a AT não tem razão. Desde logo por aplicação da regra geral contida no  n.º 3 do art. 12º LGT o qual  determina a aplicação imediata das normas sobre procedimento e processo, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

A reclamação graciosa foi apresentada em 10/01/2008 e quando a Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto entrou em vigor- no dia 1/1/2009- ainda não estava decidida. E assim sendo, por força do princípio consagrado naquela norma, não vemos como não aplicar o novo regime à reclamação pendente. 

O facto de a Lei n.º 40/2008 não ter instituído nenhum regime transitório para aplicação do art. 183-A CPPT significa apenas que se deve atender às regras gerais. E a regra geral, para estas situações, é a traçada no já referido art. 12º/3 LGT.

Aliás, sempre se tem entendido que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em ações pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo.[1] (sublinhado nosso).

Para o caso concreto, o mesmo defende Jorge Lopes de Sousa:[2]   “A lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, reintroduziu este art. 183º-A no CPPT, mas limitando o seu campo de aplicação às reclamações graciosas.

O novo prazo de caducidade de um ano aplica-se às reclamações graciosas pendentes, de harmonia com a regra do art.º 12º, n.º 3, da LGT, mas só se conta a partir de 1-1-2009, data fixada no art. 2º daquela Lei n.º 40/2008 para a sua entrada em vigor.

É este o regime que decorre do n.º 1 do art. 297º do CC, pois a introdução de um prazo para a caducidade da garantia, para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até à decisão final, (art. 183º, n.º 2, do CPPT), independentemente do tempo que demorasse a prolação da decisão, é equiparável a uma situação de redução de um prazo”.

Nestes termos, aplicando a doutrina acima referida, o início do prazo de caducidade ocorre no dia 1/1/2009 e terminará no dia 2/1/2010.

E uma vez que a reclamação graciosa só foi decidida em 26/10/2011, excedendo o  prazo de um ano, caducou a garantia prestada para suspensão da execução.

A sentença decidiu bem, a Recorrente não tem razão.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda subsecção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 19 de novembro de 2020.

(Mário Rebelo)

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

 


[1] A. Varela e outros in “Manual de Processo Civil”, 1985, pp. 47, onde também se evidenciam as exceções a ter em conta, nenhuma delas relevante para o caso dos autos.
[2] in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. III, pp. 344.