Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10912/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:REDUÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA (ARTIGO 6º, N.º 3 DO RCP); ENTREGA DAS PEÇAS PROCESSUAIS ATRAVÉS DOS MEIOS ELECTRÓNICOS
Sumário:I. A parte que apresente todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis, nos casos em que tal não seja obrigatório, beneficia de uma redução da taxa de justiça (cfr. artigo 6º, n.º 3 do RCP).
II. O objectivo de tal benefício é o de promover a utilização dos meios electrónicos que o sistema judiciário coloca ao dispor das partes.
III. Tendo a ré enviado a contestação através dos meios informáticos disponíveis (SITAF), não perde o benefício à redução da taxa de justiça pelo facto de ter remetido os documentos juntos com a mesma em suporte de papel em virtude de não lhe ter sido possível remetê-los através dos meios electrónicos por excederem 3 MB (ou seja, por excederem a capacidade do SITAF).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

S……, SAinterpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco em 5/03/2013, que indeferiu a reclamação por ela apresentada e determinou o pagamento da taxa de justiça em falta.

Formulou as seguintes conclusões:
1.ª O art. 6º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais prevê uma redução da taxa de justiça “Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório (…) e a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis”.
2.ª A recorrente apresentou a sua peça processual através do sistema informático SITAF, sendo que os documentos que acompanhavam tal peça uma vez que ultrapassavam os 3 MB, foram juntos aos autos em suporte de papel, tendo o Tribunal a quo considerado perdido o direito à redução da taxa, nos termos do art. 6º, n.º 4 do RCP e notificado a recorrente para vir proceder ao pagamento do valor das taxas em falta.
3.ª A lei processual distingue entre “peças processuais” e “documentos”, como é, aliás, patente em diversas das suas normas, designadamente, no artigo 150º do CPC, com significados diferentes para efeitos da sua entrega em juízo, devendo presumir-se que o legislador ao redigir a apontada norma do Regulamento das Custas Processuais, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (v. art. 9º/3 do Código Civil).
4.ª Como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul em douto acórdão de 24 de janeiro de 2013, “considerando que não está em causa a apresentação de articulado diferente, não é de subsumir a situação configurada no âmbito da factiespecies do n.º 4 do art. 6º do RCP” (…) Caso diferente seria o de a parte apresentar certo articulado através de meios electrónicos e depois apresentar outro articulado através de outro meio, caso em que seria de considerar que a parte estaria a repudiar à utilização dos meios electrónicos, deixando de existir razões nesse caso para beneficiar da redução da taxa de justiça nos termos legalmente previstos” (cfr. Ac. TCAS de 24.01.2013, in www.dgsi.pt).
5.ª Atendendo que o sentido da previsão da redução da taxa é o de incentivar as parte ao uso das vias electrónicas de transmissão de dados que o sistema judiciário coloca ao seu dispor, não se pode aceitar à luz dos princípios da justiça, da igualdade e do acesso ao direito, que as partes sejam penalizadas por deficiências ou insuficiências do sistema sempre que dele façam a utilização que o mesmo permite e na medida em que o permita, nem tal interpretação corresponde à previsão do artigo 6º/3 do RCP.
6.ª Não se revela como correcto o entendimento de que “o incentivo de redução a que alude o art. 6º/3 RCP traduz-se no envio de peças processuais mais curtas que possibilitem o envio dos documentos pela mesma via electrónica” (v. despacho recorrido), uma vez que o “volume” ocupado pelas peças ou documentos, prende-se muito mais com a apresentação gráfica dos mesmos e a qualidade em que são digitalizados e enviados, do que propriamente com a extensão das peças ou o tamanho dos documentos.
7.ª O entendimento expresso no despacho recorrido não encontra acolhimento em qualquer documento preparatório à elaboração do Regulamento das Custas nem na sua exposição de motivos, nem no próprio texto do decreto-lei, resultando ainda em interpretação desconforme com o princípio da justiça, com o princípio da igualdade e com os princípios do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, não tendo qualquer suporte constitucional uma tal diferenciação ou discriminação relativamente à medida ou extensão das peças judiciais ou dos documentos que as partes apresentam em juízo.
8.ª O n.º 4 do artigo 150º do CPC refere que a apresentação por transmissão electrónica de dados dos documentos “não tem lugar, designadamente, quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não o permitir”, caso em que os documentos devem ser apresentados em papel não dando tal remessa lugar à perda da redução da taxa.
9.ª Em face de todo o exposto a interpretação pela qual pugna a recorrente é aquela que melhor se adequa à letra das normas legais aplicáveis, bem como a mais justa do direito, não devendo as partes ser penalizadas por insuficiências do sistema informático, pelo que devem ser julgadas procedentes as presentes conclusões.
10.ª Não é aceitável à luz dos princípios constitucionais da justiça, da igualdade e do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, que o benefício da redução da taxa exista apenas para peças e documentos até 3 MB e já não para peças ou documentos com mais MB, como foi entendido no despacho recorrido.
11.ª Os Tribunais devem fazer das normas jurídicas um entendimento conforme com a Constituição da República, não aplicando normas que ofendam normas e princípios constitucionais, como é o caso do artigo 6º/4 do RCP na dimensão normativa que lhe foi conferida pelo despacho recorrido que resulta na inconstitucionalidade material de tal norma por violação dos princípios da justiça, da igualdade e da tutela judicial efectiva.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se sobre o mérito do recurso, concluindo pela sua procedência e pela revogação do despacho recorrido.

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A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do artigo 6º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

Com relevo para a decisão a proferir, tem-se como assente a seguinte factualidade:
A) No dia 24/01/2013 a ora recorrente remeteu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, através do sistema informático SITAF, uma contestação no âmbito da acção administrativa comum n.º 571/12.9BECTB instaurada por L……., SA (cfr. fls. 22 dos autos).
B) Na parte final da contestação a recorrente fez constar que “os onze (onze) documentos que acompanham a presente contestação – em virtude do seu tamanho exceder o limite dos 3 Mb – serão remetidos em suporte de papel, nos termos do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 10º da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro” (cfr. fls. 23 a 47 dos autos).
C) A recorrente juntou os referidos onze documentos aos autos em suporte de papel, através de requerimento entrado no TAF de Castelo Branco em 30/01/2013 (cfr. fls. 49 a 112 dos autos).
D) Por ofício de 22/02/2013 a Secretaria do TAF de Castelo Branco notificou a ora recorrente “para no prazo de 10 dias efectuar (através de autoliquidação) o pagamento da redução da Taxa de Justiça usufruída pelo recurso aos meios electrónicos na apresentação da contestação, uma vez que perdeu o direito à redução, pela apresentação dos documentos em papel, art. 6º, n.º 3 e 4 do RCP, devendo no mesmo prazo remeter o comprovativo do pagamento ao processo supra identificado, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para omissão de pagamento de taxa de justiça” e enviou “guia para pagamento da multa nos termos do art. 486º-A, n.º 3 do CPC”(cfr. fls. 113 dos autos).
E) Em 28/02/2013 a ora recorrente apresentou reclamação, concluindo pela manutenção do direito à redução de taxa previsto no Regulamento de Custas Processuais e pela anulação da multa aplicada (cfr. fls. 116/117 dos autos).
F) Em 5/03/2013 foi proferido o seguinte despacho (cfr. fls. 118/119 dos autos – despacho recorrido):
“Nos termos do art. 6º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais “nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90% do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis”.
No presente caso, a Ré enviou a contestação por via electrónica e os documentos que a acompanhavam através do correio, porque segundo ela, o envio em conjunto ultrapassava os 3 MB permitidos pelo sistema, tendo sido forçada a juntar os documentos aos autos em suporte de papel, disso tendo feito menção no final da contestação remetida electronicamente.
Vem dizer que a lei processual civil distingue peças processuais de documentos trazendo à colação o disposto no art. 150º do CPC e, por isso pretende o benefício estabelecido no supra citado dispositivo legal.
Vejamos.
A pretensão formulada pela Ré de beneficiar da redução da taxa de justiça nos termos do art. 6º, n.º 3 do RCP, apesar de ter enviado os documentos pelo correio, por circunstâncias alheias à sua vontade, não tem enquadramento no art. 6º, n.º 3 do RCP na medida em que o legislador do Regulamento das Custas Processuais ao estatuir aquela redução não previu esta situação (peça processual/documentos superiores a 3MB).
De facto, apenas consagrou a redução para aquelas situações em que o envio das peças processuais entenda-se também os documentos, se realizou de facto, por meios electrónicos abstraindo-se das razões que motivaram o envio pelos outros meios.
Ora, não prevendo o legislador qualquer excepção, não pode o aplicador da lei criar um regime excepcional sem estatuição legal.
Note-se que, as vicissitudes previstas pelo n.º 4 do art. 150º do CPC em conjugação com o regime estabelecido na Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, reportam-se ao incentivo da desmaterialização e à utilização massiva das novas tecnologias, por todos os agentes judiciais.
Neste sentido, o art. 6º, n.º 3 do RCP acolheu tal orientação privilegiando nos processos em que não é obrigatória a utilização dos meios electrónicos, que as partes que utilizem apenas a via electrónica possam ter o benefício da redução da taxa de justiça.
Quer isto dizer que o incentivo da redução a que alude o art. 6º, n.º 3 do RCP traduz-se no envio de peças processuais curtas que possibilitem o envio dos documentos pela mesma via electrónica.
Não há dúvida que, sendo a dimensão processual superior a 3 Mb, a sua apresentação seja (peça processual ou documentos que o acompanhem) feita através dos meios normais previstos na lei processual civil, conforme alude o art. 10º da Portaria n.º 114/2008, de 06/02, mas sem o benefício da redução da taxa de justiça previsto no art. 6º, n.º 3 do RCP, pois se assim o entendesse o legislador teria previsto a situação.
Assim, inexistindo previsão legal na qual se possa enquadrar a situação que nos vem relatada, não pode o Tribunal deferir a pretensão da Ré.
Indefere-se a reclamação, devendo a Ré vir aos autos satisfazer o pagamento da taxa de justiça em falta.”


2.Do Direito

No âmbito da acção administrativa comum n.º 571/12.9BECTB instaurada por L……, SA, a ré, ora recorrente, remeteu ao TAF de Castelo Branco, através do sistema informático SITAF, a contestação, da qual fez constar que “os onze (onze) documentos que acompanham a presente contestação – em virtude do seu tamanho exceder o limite dos 3 Mb – serão remetidos em suporte de papel, nos termos do disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 10º da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro” (cfr. pontos A) e B) do probatório).
Entendendo que a ré, ora recorrente, perdeu o direito à redução da taxa de justiça prevista no n.º 3 do artigo 6º do RCP pelo facto de ter enviado os documentos juntos com a contestação em suporte de papel, a Secretaria do TAF de Castelo Branco notificou-a “para no prazo de 10 dias efectuar (através de autoliquidação) o pagamento da redução da Taxa de Justiça usufruída pelo recurso aos meios electrónicos na apresentação da contestação” (cfr. ponto D) do probatório).
A ré, ora recorrente, apresentou reclamação, a qual foi indeferida por despacho de 5/03/2013, ora recorrido (cfr. ponto F) do probatório).
Entendeu o Tribunal a quo, em síntese, que a pretensão da recorrente de beneficiar da redução da taxa de justiça não tem enquadramento no n.º 3 do artigo 6º do RCP, dado que o legislador não previu a situação em que a peça ou os documentos são superiores a 3 MB, tanto mais que “o incentivo da redução a que alude o art. 6º, n.º 3 do RCP traduz-se no envio de peças processuais curtas que possibilitem o envio dos documentos pela mesma via electrónica”.
A recorrente discorda deste entendimento, sustentando, em suma, que lhe assiste o direito à redução da taxa de justiça prevista no n.º 3 do artigo 6º do RCP, uma vez que a peça processual – contestação – foi enviada através dos meios electrónicos e apenas os documentos com ela juntos foram remetidos em suporte de papel, em virtude de ultrapassarem os 3 MB permitidos pelo sistema.
Vejamos.
Não sendo questionado pelo Tribunal a quo que os documentos juntos pela recorrente com a contestação excedem 3 MB e que, por isso, não era possível remetê-los por via electrónica, a única questão que se coloca é a de saber se a recorrente perde o direito à redução da taxa de justiça prevista no artigo 6º, n.º 3 do RCP pelo facto de ter enviado os documentos juntos com a contestação em suporte de papel em virtude de não lhe ter sido possível remetê-los através dos meios electrónicos por os mesmos excederem 3 MB.
O artigo 1º do Decreto-lei n.º 52/2011, de 13/04 procedeu à alteração, de entre outros preceitos, do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02, o qual passou a ter a seguinte redacção:
“Artigo 6º
Regras gerais
(…)
3 – Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 – Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
(…)”.
Resulta deste preceito que o legislador concedeu um benefício à parte que apresente todas as peças processuais através dos meios electrónicos, nos casos em que tal não seja obrigatório, traduzido na redução da taxa de justiça.
O objectivo não foi o de incentivar o envio de peças processuais curtas – como se refere no despacho recorrido – mas sim promover a utilização dos meios electrónicos que o sistema judiciário coloca ao dispor das partes.
Isso mesmo é referido no preâmbulo do Decreto-lei n.º 52/2011, de 13/04, onde se diz que “a redução da taxa de justiça para os casos em que a parte entregue as suas peças processuais por via electrónica tem como intuito incentivar e estimular o recurso aos meios electrónicos, contribuindo-se assim para a simplificação da justiça”.
Assim sendo, nos casos, como o dos autos, em que a parte enviou a peça processual (contestação) através dos meios electrónicos disponíveis e procedeu à junção dos respectivos documentos em suporte de papel porque excediam a capacidade do sistema informático, não pode, obviamente, ser penalizada e perder o direito à redução da taxa de justiça.
Com efeito, a recorrente não remeteu os documentos pela mesma via da contestação, isto é, através dos meios informáticos ao seu dispor, por falta de capacidade dos mesmos, a qual, não lhe sendo imputável, não pode determinar a perda de um benefício que o próprio sistema não lhe permite usufruir.
O que resulta do n.º 3 do artigo 6º do RCP é que a taxa de justiça é reduzida a 90% do seu valor quando a parte proceda à entrega de todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
Ou seja, se a parte tiver a possibilidade de entregar todas as peças processuais utilizando os meios electrónicos e o fizer, beneficia de uma redução da taxa de justiça.
Ora, no caso dos autos os meios electrónicos que a recorrente podia utilizar – o SITAF – não estavam disponíveis, isto é, a recorrente não tinha a possibilidade de os utilizar para proceder à entrega da contestação e dos documentos com a mesma juntos, uma vez que estes excediam a sua capacidade.
Quer isto dizer que, de facto, a recorrente entregou através dos meios electrónicos disponíveis (tudo) aquilo que estes permitiam e, por isso, assiste-lhe o direito de beneficiar da redução da taxa de justiça nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 6º do RCP.


DECISÃO

Nestes termos, acordamos juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, deferindo a reclamação apresentada pela ré em 28/02/2013.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2014


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(PauloPereira Gouveia)