Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1179/17.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/06/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:NULIDADE DECISÓRIA
GARANTIA BANCÁRIA À 1.ª SOLICITAÇÃO OU ON FIRST DEMAND
FRAUDE MANIFESTA OU ABUSO EVIDENTE
BOA-FÉ
PRESCRIÇÃO DA GARANTIA
INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÉRCIA DO CREDOR
Sumário:I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Igualmente, só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
II – A garantia bancária à 1.ª solicitação ou on first demand assegura o cumprimento íntegro e pontual da obrigação principal, a que está originariamente vinculado o devedor. Se o devedor não cumprir aquela obrigação principal, pode o credor executar a garantia e fica o garante obrigado a prestá-la sem poder discutir acerca do cumprimento ou incumprimento da obrigação principal;
III- A única possibilidade de o devedor ou do garantido se opor ao pagamento pelo garante após a solicitação, é invocando ter em seu poder prova ilíquida e inequívoca de fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário. Este entendimento é uma imposição do princípio da boa-fé, consagrado nos art.ºs 334.º e 762.º, n.º 2, do CC. Porém, a possibilidade de invocação por banda do devedor da violação da boa-fé é algo residual, extremamente exigente, porquanto quer-se garantir a tutela do indicado princípio geral de direito, mas sem colidir ou adulterar as características da garantia autónoma e à 1.ª solicitação;
IV- O prazo para a prescrição da obrigação de prestar a garantia deve ser contado considerando a inércia do credor e não considerando o momento da emissão da garantia. O prazo da prescrição deve ser contado considerando o momento a partir do qual o credor estava em condições de accionar a garantia e o deixou de fazer, por inércia que a ele possa ser imputável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

R... R....C... – Sociedade de Construção, SA, (R…) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedentes os pedidos formulados nesta acção cautelar para que o IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP (IHRU) se abstenha de accionar a garantia bancária n.º 98……. e o ..... (Portugal) SA (BBVP), se abstenha de efectuar o pagamento por via daquela garantia.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: A) A Requerente alegou, que 1º Requerido não reclamou qualquer crédito sobre almopragal no referido processo de insolvência;
B) Esta alegação não foi impugnada nem sequer contestada pelo 1o Requerido;
C) Por este motivo e tendo em conta o teor do artº 5740 do C.P.Civil, deve ser acrescentado, aos factos indiciáriamente provados, com interesse para a decisão da causa, o seguinte: "O IHRU não reclamou qualquer crédito sobre a Imopraga/ no processo de insolvência identificado na alínea G)";
D) Os critérios dos quais depende a concessão das providências cautelares são definidos, em matéria do foro administrativo, no art0 120º do CPTA;
E) Os requisitos para a concessão de uma providência cautelar previstos nesta disposição legal reconduzem-se ao ''periculum in mora" e ao "fumus boni iuris" ;
F) Quanto ao "pericu/um in mora", nada há a dizer no âmbito do presente recurso, uma vez que, na sentença sob recurso, se considerou que tal requisito se verifica no caso dos autos;
G) No que concerne ao segundo requisito do qual depende a concessão da providência requerida, o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo foi distinto, tendo considerado que não se demonstrou a existência do "fumus boni juris" ;
H) Na Sentença sob recurso prevaleceu o entendimento segundo o qual a sempre mencionada garantia é uma garantia "on first demand" ou "à primeira solicitação" ;
I) Como corolário deste entendimento, a presente providência deveria ter sido concedida, por existência de "fumus boni iuris";
J) Uma vez que uma garantia bancária "on first demand" ou "à primeira solicitação" é autónoma relativamente ao contrato ao qual é subjacente, para pôr em causa o direito do beneficiário ao respectivo accionamento não se pode (em princípio, a não ser em caso de má fé ou abuso nesse accionamento) chamar à colação qualquer questão relacionada com esse mesmo contrato;
L) Para se impedir esse accionamento, quem pretende fazê-lo terá, em regra, que se bastar com o texto da própria garantia, ou com a própria garantia;
M) E também só razões que se prendem unicamente com a garantia bancária "on first demand" ou "à primeira solicitação" serão tidas em conta para apreciar a pretensão judicial de não accionamento da garantia, através duma providência cautelar, como é o caso dos autos;
N) Para apreciar o "fumus bani iuris" da pretensão da Recorrente, consistente na prescrição dos direitos resultantes para o 1o Requerido da garantia bancária dos autos, que fundamenta o pedido de cancelamento da garantia deduzido na acção judicial identificada na alínea O) da factualidade provada, o tribunal deveria ter-se socorrido, unica e exclusivamente, da garantia bancária, e não de qualquer questão relacionada com o contrato subjacente à mesma ou com qualquer outro;
O) O Tribunal deveria, apenas, ter verificado se a garantia tem, no seu texto, alguma data limite e, como não é esse o caso, considerar a data em que a mesma foi emitida e, a partir dessa data, verificar se já decorreram mais de 20 anos, para, assim, aferir a probabilidade de ter já ocorrido a prescrição dos direitos que da garantia emergem (ou emergiram) para o 1° Requerido;
P) Tendo a garantia sido emitida em 11 de Dezembro de 1996 e tendo a acção referida na alínea O) dos factos provados sido interposta em 24 de Fevereiro de 2017, já haviam decorrido, entretanto, mais de 20 anos desde a data de emissão da garantia;
Q) O que significa que, atenta a autonomia da garantia relativamente ao contrato ao qual é subjacente, se tem que considerar como muito provável que, na acção referida na na alínea O) dos factos provados, se virá a decretar o cancelamento da garantia por decorrência do prazo ordinário de prescrição;
R) Na Sentença sob recurso veio a entender-se que o prazo de prescrição da garantia não pode, neste caso, servir de fundamento para o respectivo cancelamento, em virtude do teor da clásula sexta do contrato de emissão da garantia bancária referido na alínea E) dos factos provados;
S) Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que, por força dessa cláusula, a Recorrente renunciou ao prazo de prescrição da garantia bancária;
T) Se porventura entre os prazos a que se faz referência na cláusula sexta do contrato de emissão da garantia bancária se incluissem o prazo de prescrição, a renúncia aos mesmos seria absoluta e manifestamente nula, por violação dos art0s 300º e 302º, nº 1, do Código Civil, uma vez que a cláusula em questão se insere num contrato celebrado em 1996, ou seja, nunca depois de haver decorrido o prazo prescricional de 20 anos sobre a data da garantia bancária;
U) Esse entendimento configura, repete-se, uma frontal violação do teor dos artºs 300º e 302º, nº 1,do Código Civil;
V) Além do mais, o facto do Tribunal ter considerado que a garantia bancária dos autos, sendo "à primeira solicitação", é autónoma relativamente ao contrato ao qual é subjacente, mas ter entendido, também, que não se verificou a prescrição dos direitos emergentes da mesma para o 1o Requerido com fundamento no teor duma cláusula de outro contrato, não tem nenhum fundamento legal e nem sequer lógico (para além de ser, como se disse, nulo);
X) A regra estipulada na cláusula sexta do contrato de emissão da garantia bancária, para além de não poder, por imperativo legal, abarcar o prazo de prescrição, apenas vigora nas relações entre a Recorrente e o banco emissor da garantia, o 2º Requerido, às quais o 10 Requerido é totalmente alheio;
Z) Do entendimento que levou o Tribunal a considerar que não existe "fumus boni iuris", com fundamento no teor da cláusula sexta do contrato de garantia bancária do qual o 1o Requerido não é parte, resulta, para além da nulidade que se deixou evidenciada, a contradição insanável segundo a qual a garantia bancária dos autos, sendo uma garantia "à primeira solicitação" , é autónoma relativamente ao contrato ao qual é subjacente (o contrato referido no respectivo texto), mas já não o é relativamente ao contrato celebrado com o Banco para a sua emissão, contrato esse relativamente ao qual não existe nenhuma menção no texto da garantia e no qual o respectivo beneficiário não é parte;
AA) Este entendimento não tem paralelo nem fundamento legal, nem acolhimento a nível jurisprudenci al ou doutrinário;
BB) Por todas as razões que se deixaram expressas, é forçoso concluir que a providência cautelar deveria ter sido decretada, porquanto, para além do "periculum in mora", também se verifica o critério do "fumus boni iuris" ;
CC) Tendo-se violado, na Sentença recorrida e por este motivo, o artº 120°, no 1, do CPTA;
DD) Em qualquer caso, também não pode deixar de se considerar que, ao contrário do que se entendeu na Sentença recorrida, neste caso concreto a actuação do 1o Requerido revel a evidente má fé e abuso na pretensão de accionamento da garantia bancária dos autos, facto que, conforme também é pacífico em termos de doutrina e de jurisprudência, permite que não seja paga uma garantia bancária "on first demand" ou "à primeira solicitação", afastando-se, nessas circunstâncias, a autonomia e a automaticidade da garantia a que se faz referência na Sentença;
EE) A pretensão de accionamento da garantia bancária dos autos por parte do 1o Requerido resulta de não terem sido construídos os lotes 15 e 16 relativos ao concurso público internacional nº 2/DSGS/94, e esse accionamento ocorre, de acordo com o que o 10 Requerido escreveu no ofício que envio ao 2º Requerido com data de 26/04/2017, em virtude de "...o contrato de compra e venda celebrado no âmbito do concurso público internacional nº 2/DSGS/ 94, lotes 15 e 16 do empreendimento ....., cuja execução é caucionada por garantia prestada por V.Exas não foi pontualmente cumprido pelo adjudicatário";
FF) Porém, a garantia bancária dos autos não foi prestada para garantir o cumprimento do "contrato de compra e venda celebrado no âmbito do concurso público internacional n° 2/DSGS/ 94", mas sim, como consta do respectivo texto, "...para garantia do exacto e pontual cumprimento do Contrato Promessa de compra e venda celebrado nos termos do consurso público internacional nº 2/DSGS/ 94..."
GG) O que significa que o 10 Requerido pretende accionar a garantia bancária dos autos por força do incumprimento que alega ter ocorrido
NN) Para além disso, entre a data em que, nos termos da comunicação dirigida pelo 1° Requerido à....., terminou o prazo para construção dos lotes 15 e 16, e a data em que o 10 Requerido interpelou o 2º Requerido para accionamento a garantia bancária dos autos, decorreram mais de 9 anos;
00) A interpelação do 1º ao 2º Requerido para accionamento a garantia bancária dos autos só ocorreu após aquele ter sido citado para a acção interposta pela Recorrente para cancelamento da garantia bancária por prescrição;
PP) O 1o Requerido tardou mais de 9 anos após o alegado incumprimento pelalmopragal. em accionar a garantia bancária dos autos, só o fez depois de ser citado para a acção na qual a Recorrente pede o cancelamento da garantia, mas só tardou pouco mais de 1 mês depois dessa citação para reclamar do 2º Requerido o pagamento por conta da garantia bancária;
QQ) Desta sucessão de factos resulta que a interpelação feita pelo 1o Requerido para pagamento da garantia bancária é uma retaliação contra a interposição da acção da Recorrente para cancelamento da garantia bancária, tentando criar um facto consumado, e que, se tal acção não tivesso sido interposta, a interpelação do 20 Requerido pelo 1o para accionamento da garantia bancária não se teria produzido;
RR) A actuação do 1o Requerido, consubstanciada na interpelação do 2º Requerido para accionamento da garantia bancária, nestas circunstâncias, tem, forçosamente, que se considerar de má fé e como manifestamente abusiva;
SS) O que se verifica neste caso é uma inacção de tal forma prolongada (mais de 9 anos!) que corresponde, manifestamente, à figura da "supressio", que se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo que cria na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido;
TT) A total passividade do 1o Requerido, não reagindo ao alegado incumprimento do prazo que havia fixado para conclusão dos lotes 15 e 16 (nos quais, repete-se, não tinha nenhum interesse), durante mais de 9 anos, constitui uma clara tolerância e aceitação dessa situação de incumprimento, pelo que, um tão dilatado o período de tempo sem qualquer reacção e sem accionamento da garantia bancária, faz concluir, razoavelmente, que contemporizou com uma situação a que, agora e sem invocar quaisquer circunstâncias relevantes supervenientes, pretende obstar, contrariando sem justificação a expectativa e a confiança de que tal direito não seria exercido;
UU) A actuação do 1o Requerido, ao fim de largos anos de inércia, aparece à luz da boa-fé e do fim social e económico do direito que pretende exercer, como violadora do princípio da segurança, pelo não deve ser autorizada, considerando-se que ocorreu a "supressío" do direito direito que, porventura, lhe assistiria de accionar a garantia (o que se deixa dito sem, contudo, aceitar que esse direito existisse);
VV) Sendo, aqui, nítida a violação do artº 3340 do Código Civil;”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1.º Não existiu qualquer violação na Sentença Recorrida do art.º120 do CPTA porquanto a garantia bancária é valida, não se encontra prescrita e conforme contrato de garantia junto aos autos, é da inteira responsabilidade do Recorrente.
2.º Não há qualquer violação ao art.º300, 302 ou 334.º do Código Civil, não houve qualquer ilicitude, seja má-fé ou abuso de direito, na interpolação para o seu pagamento, mas sim a prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos" (art.º4 do CPA), porquanto a garantia bancária não prescreveu e é também "à primeira solicitação, on first demand".
3.º O Banco tem obrigatoriamente de pagar à primeira solicitação do beneficiário, não havendo lugar sequer à prova da ocorrência dos pressupostos que condicionam o seu direito, não podendo recusar o pagamento que lhe foi exigido, sob pena de incumprimento do mandato.
4.º Ora, assim sendo, contrariamente ao Alegado pelo Recorrente, não existiu da parte do IHRU qualquer ilicitude abuso de direito ou má-fé no acionamento desta garantia bancária, on first demand, porquanto sendo sucessor legítimo do IGAPHE, tendo existido incumprimento contratual goza do direito a ser ressarcido pelo montante da mesma.”
O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS

Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
A) A Requerente é uma sociedade que se dedica à realização de obras públicas e privadas;
B) A Entidade Requerida Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, I. P. sucedeu ao Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, I. P. (IGAPHE);, extinto através do D. L. 207/2006 de 27/10;
C) Em 11/12/1996, o …. (Portugal) S. A. emitiu a garantia bancária n.º 98…., com o seguinte teor:
(Texto no Original)


II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória, por a decisão recorrida ser contraditória nos seus próprios termos, por ter entendido que a garantia em apreciação era on first demand ou à 1.ª solicitação, autónoma relativamente ao contrato em que foi prestada e, em simultâneo, ter considerado não verificada a prescrição da garantia por recurso ao termos daquele contrato;
- aferir do erro na fixação da matéria de facto, porque o A. e Recorrente alegou nos art.ºs. 26.º, 33.º e 34.º da PI aperfeiçoada, que o IHRU não reclamou qualquer crédito sobre a ..... no processo de insolvência identificado na alínea G) e esse facto não foi impugnado, pelo que nos termos do art.º 574.º do CPC, havia de ter sido dado por indiciariamente provado;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, porque, no caso, verificava-se o requisito fumus boni iuris, pois a garantia em apreciação era on first demand ou à 1.ª solicitação e, como tal, o Tribunal não poderia considerar os termos do contrato de compra e venda em que foi prestada, designadamente o consignado na cláusula sexta desse contrato, mas teria de ater-se aos termos exarados na própria garantia e verificar que já tinha decorrido o prazo de prescrição de 20 anos, a contar da data da emissão da garantia. Igualmente, se acaso os prazos que se indicam naquela cláusula sexta visassem o prazo da prescrição e a renúncia a esse prazo, também deveria ter sido entendido pelo Tribunal que essa cláusula era nula, por violação dos art.ºs. 300.º a 302.º, n.º 1, do CC;
- aferir do erro decisório, da violação dos art.º 120.º, n.º 1, do CPTA e 334.º do CC, porque conforme o ofício que o IHRU enviou ao BBVP em 26-04-2017, o accionamento da garantia visa o não cumprimento do contrato de compra e venda celebrado no âmbito do concurso público internacional n.º 2/DSGS/94, quando a mesma foi prestada para cumprimento do respectivo contrato promessa, que é um outro contrato, sendo, nessa mesma medida, abusivo o accionamento da garantia. Igualmente, haverá que aferir do erro decisório e do abuso no accionamento da garantia, porque o IHRU não reclamou nenhum crédito no processo de insolvência da Imporagal e o accionamento da garantia só se verificou mais de 9 anos depois do alegado incumprimento, após a citação dos ora Recorridos na acção interposta pelo Recorrente para o cancelamento da garantia por prescrição, constituindo tal accionamento uma retaliação contra esse processo e uma conduta manifestamente abusiva e feita de má-fé.

Vem o Recorrente arguir a nulidade decisória por a decisão recorrida ser contraditória nos seus próprios termos, por ter entendido que a garantia em apreciação era on first demand ou à 1.ª solicitação, autónoma relativamente ao contrato em que foi prestada e, em simultâneo, ter considerado não verificada a prescrição da garantia por recurso ao termos daquele contrato, que se diz autónomo.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria ao Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Da mesma forma, o Tribunal recorrido não foi contraditório nos fundamentos, pois apenas considerou que se estava frente a uma garantia on first demand ou à 1.ª solicitação, que era autónoma, para efeitos de accionamento, relativamente ao contrato em que foi prestada, não obstante a questão da prescrição remeter para a vontade do devedor e para o termos desse contrato, segundo o qual o devedor renunciava àquela. Ou seja, a fundamentação adoptada pelo Tribunal recorrido não implica uma incongruência absoluta da fundamentação, mas só poderá conduzir a um erro de Direito.
Em suma, com a fundamentação adoptada pela decisão recorrida ter-se-á de considerar que não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia, ou por contradição entre os fundamentos e a decisão.
O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente, é o próprio Recorrente arguir a nulidade, e em simultâneo, pelas mesmas razões, o erro na decisão recorrida. Esta invocação simultânea é sinal claro de que o próprio Recorrente reconhece que a decisão não encerrava nulidade alguma, tendo-a arguido desprovido das razões que legalmente fundam a invocação da nulidade decisória.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão.

Vem o Recorrente invocar um erro na fixação da matéria de facto, por dever ser dado por indiciariamente provado que que o IHRU não reclamou qualquer crédito sobre a ..... no processo de insolvência identificado na alínea G), por tal facto estar alegado nos arts. 26.º, 33.º e 34.º da PI aperfeiçoada e não ter sido impugnado.
Na PI aperfeiçoada, onde o A. e ora Recorrente não distingue e separa as alegações de facto das de Direito – mas, antes, as mistura numa sequência mesclada de argumentos, assim dificultando gravemente a apreensão da factualidade que pretendia efectivamente arguir – é, na realidade, alegado que o IHRU não reclamou qualquer crédito sobre a ..... no processo de insolvência. Essa mesma alegação não vem, depois, especificamente impugnada pelas contrapartes.
Portanto, se tal matéria relevasse para a decisão dos presentes autos, haveria de ser dada por indiciariamente provada.
No entanto, como a seguir se indicará, aquele facto não tem relevo para a presente lide cautelar, pois dele não se pode retirar, de forma alguma, tal como o Recorrente pretende, que exista uma actuação lesiva e de má-fé do IHRU.
Ou seja, não existe um erro decisório por não se ter dado por indiciariamente provado o facto alegado nos art.ºs. 26.º, 33.º e 34.º da PI aperfeiçoada, porque esse facto irreleva para a decisão do litígio.

Vem o Recorrente alegar a existência de um erro decisório porque, no caso, verificava-se o requisito fumus boni iuris. Diz o Recorrente, que estando em causa uma garantia on first demand ou à 1.ª solicitação, não poderia o Tribunal recorrido atender aos termos do contrato de compra e venda em que foi prestada, designadamente ao consignado na cláusula sexta desse contrato, mas teria de ater-se aos termos exarados na própria garantia. Igualmente, diz o Recorrente, que já tinha decorrido o prazo de prescrição de 20 anos, a contar da data da emissão da garantia, que tinha de ter sido cancelada. No que se refere ao julgamento feito pelo Tribunal recorrido, no sentido da renúncia ao prazo de prescrição por força daquela cláusula contratual, entende o Recorrente que está errado, advogando que tal cláusula sempre teria de ser considerada nula por violação dos art.ºs 300.º a 302.º, n.º 1, do CC.
Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige, encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.
Na sentença recorrida foi considerado verificado o requisito periculum in mora, mas não se considerou confirmado o requisito fumus boni iuris.
O Recorrente vem manifestar-se contra a decisão recorrida, precisamente, porque não entendeu verificado tal requisito. Assim, através do presente recurso haverá que averiguar se tal decisão errou, porque, no caso, face às alegações do Recorrente, atendendo à factualidade provada, haveria uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, porque seria "provável" a aparência do bom direito.
Conforme decorre dos autos, o A. e Recorrente quer ver o IHRU condenado a abster-se de accionar uma garantia bancária à 1.ª solicitação ou interpelação, ou on first demand. É igualmente pedido para que o BBVP se abster de efectuar qualquer pagamento decorrente dessa garantia
A garantia em questão é, portanto, caracterizável como um garantia autónoma. Através da mesma o BBVP obrigou-se a pagar ao seu beneficiário, o IHRU, uma determinada quantia, no caso da invocação da inexecução ou da má execução do contrato que está na base da prestação da mesma, sem que o Banco ou o mandante da garantia possam invocar em seu benefício quaisquer razões relacionadas com os termos desse contrato base, ou relacionadas com a relação contratual que decorre do mesmo.
Assim, a garantia prestada assegura o cumprimento íntegro e pontual da obrigação principal, a que está originariamente vinculado o devedor. Se o devedor não cumprir aquela obrigação principal, pode o credor executar a garantia e fica o garante obrigado a prestá-la sem poder discutir acerca do cumprimento ou incumprimento da obrigação principal.
À prestação da garantia também se alheia a eventual culpa do devedor, devendo a mesma ser prestada quer exista essa culpa, quer não exista e o incumprimento da obrigação principal seja devido a circunstância fortuita ou de força maior.
Consequentemente, uma vez accionada a garantia pelo IHRU, sob a alegação de que o ora Recorrente incumpriu a sua obrigação principal, está o BBVP obrigado a prestar a garantia, alheando-se dessa obrigação todos os circunstancialismos relativos ao contrato ou à relação contratual que se está a garantir.
Neste caso, o garante, o BBVP, tem de pagar até ao valor garantido, sem possibilidade de discussão. Depois o devedor, o ora Recorrente ....., tem de reembolsar o garante também sem mais discussões. Caso o devedor, ora Recorrente ....., discorde daquele accionamento da garantia, resta-lhe o ónus de demandar judicialmente o credor, o IHRU, para reaver o que houver desembolsado.

A única possibilidade de o devedor ou do garantido se opor ao pagamento pelo garante após a solicitação, é invocando ter em seu poder prova ilíquida e inequívoca de fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário.
Por esta mesma razão, o nome da garantia é garantia de autónoma, à 1.ª solicitação ou à 1.ª interpelação, ou on first demand: para a imediata prestação da mesma basta o pedido do credor, não sendo invocáveis justificações relativas à obrigação principal (portanto, de que a garantia é autónoma). O banco garante quando presta a garantia assume uma responsabilidade própria e avoca todos os riscos do incumprimento do contrato principal, independentemente das razões desse incumprimento.
Esta garantia não comporta, assim, a possibilidade de existir uma litigância judicial relativamente às razões do incumprimento da obrigação principal.
Face a estas características ou natureza, a garantia à 1.ª solicitação é uma garantia “ultra segura” para quem dela beneficia, já que sabe que irá receber o valor garantido sem discussões, em caso de incumprimento da obrigação principal pelo credor.
Porém, tem sido admitido pela jurisprudência e pela doutrina que a indicada garantia não é absoluta, que a posição do beneficiário da garantia deva ser fragilizada e se possa invocar a relação base nos casos em que o devedor ou o garantido tenha em seu poder prova ilíquida e inequívoca de fraude manifesta ou abuso evidente (cf. entre outros, os Acs. do STA n.º 024/03, de 01.06.2004, n.º 06A2211, de 12.09.2006, n.º 560/08, de 25.03.2009, n.º 219/06.06TVPRT.P1.S1, de 05.07.2012, n.º 7279/08.8TBMAI.P1.S1, de 20.03.2012, n.º 6275/07.7TBVFX.L1.S1, de 10.05.2011, n.º 04B2883, de 20.04.2004, do TCAS n.º 10152/13, de 11.07.2013, do TCAN n.º 00731/12.2BEBRG, de 19.10.2012, do TRL n.º 863/12.7TVLSB-A.L1-2, de 21.02.2013, n.º1482/12.3TVLSB-B.L1-6, de 25.10.2012, do TRP n.º 171/11.0TVPRT.P1, de 28.04.2011 ou do TRE n.º 1236/11-4TBEVR.E1, de 01.03.2012, todos em www.dgsi.pt; na doutrina vide, entre outros, Ferrer Correia, «Notas para o Estudo do Contrato de Garantia Bancária», Revista de Direito e Economia, ano VIII, 1982, pp. 251 e 253; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, reimpressão da 7.º ed., Coimbra, Almedina, 2001, pp. 515 e 516; Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª ed., Coimbra, Almedina, pp. 119, 124 e 124; Inocêncio Galvão Telles, «Garantia Bancária Autónoma», in Revista «O Direito», 120, 1998, I II-IV, p. 283; Francisco Cortez, «A garantia bancária autónoma- alguns problemas», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 52, 1992, pp. 595 e 601 a 603; Mónica Jardim, A garantia autónoma, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 296, 327 a 329 e 336).
Este entendimento é uma imposição do princípio da boa-fé, consagrado nos artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do CC.
No entanto, face à natureza e ao fim da garantia, para que possa proceder a invocação da violação da boa-fé ou da existência de fraude, exige-se que seja algo de manifesto, evidente ou ostensivo. Quanto à prova, quer-se uma prova líquida, imediata e inequívoca.
Dessa forma garante-se a tutela do indicado princípio geral de direito, sem se colidir ou adulterar as características da garantia autónoma e à 1.ª solicitação.
Quer isto dizer, que a possibilidade de invocação por banda do devedor da violação da boa-fé é algo residual, extremamente exigente.
Daí, que quer quando se utilize uma acção cautelar com o fito de paralisar os efeitos da garantia prestada, quer no âmbito da acção principal que se venha a apresentar em juízo, deve o devedor da obrigação arguir razões de direito que consubstanciem uma violação manifesta, flagrante, do princípio da boa-fé ou um abuso de direito por parte do beneficiário da garantia que resulte evidente. E deverá ainda fazer acompanhar as suas alegações de uma prova imediata, pronta, irrefutável ou inequívoca (mas que se pode fazer por todos os meios de prova admissíveis no processo civil ou no processo administrativo).
Se tal não acontecer, estar-se-á a permitir que através de um litígio judicial – cautelar ou principal – se aniquile a razão de ser da garantia autónoma, à 1.ª solicitação ou à 1.ªinterpelação, ou on first demand.
Feito este breve enquadramento, analisemos à sua luz, as invocações do Recorrente.
Diz o Recorrente que estando em causa uma garantia on first demand ou à 1.ª solicitação” não poderia o Tribunal recorrido atender aos termos do contrato de compra e venda em que foi prestada, designadamente o consignado na cláusula sexta desse contrato, mas teria de ater-se aos termos exarados na própria garantia.
Como decorre do acima indicado, a autonomia da garantia relaciona-se com a obrigação do Banco pagar sem discutir o contrato que está na sua base, se houve ou não incumprimento da obrigação principal pelo credor. Mas esse contrato não pode ser totalmente desprezado, relevando não só para aferir da existência de uma eventual fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário, como para atender à vontade do devedor na prestação da garantia, assim caracterizando a sua natureza, tal como se considerou na decisão recorrida. Ou seja, a decisão recorrida atendeu aos termos do contrato base para caracterizar a vontade do devedor, o tipo de garantia prestada e para concluir que se tratava de uma garantia on first demand ou à 1.ª solicitação. Nessa mesma decisão, entendeu-se que através da cláusula sexta desse contrato o devedor renunciou à prescrição.
Não acompanhamos a fundamentação adoptada pela 1.ª instância, como a seguir indicaremos. Mas o raciocínio decisório não foi errado quando considerou os termos contratuais para poder caracterizar o tipo de garantia. Logo, quanto às alegações do Recorrente de que a garantia, porque é autónoma, se caracteriza pelos seus próprios termos, irrelevando o contrato base para aferir da sua caracterização e da vontade do devedor, não procedem, pelas razões acima indicadas.
Diz também o Recorrente que já tinha decorrido o prazo de prescrição de 20 anos, a contar da data da emissão da garantia, pelo que a mesma tinha de ter sido cancelada e não poderia ser accionada pelo INHR.
Acontece, porém, que o prazo para a prescrição da obrigação de prestar a garantia deve ser contado considerando a inércia IHRU, o credor, e não considerando o momento da emissão da garantia. Explicando: só a inércia do credor, do IHRU, despoleta o início da contagem do prazo da prescrição, não havendo de contar-se o início desse prazo antes deste Instituto estar em condições de exercer o seu direito, como ocorre aquando do momento inicial da emissão da garantia.
Nestes termos, o prazo da prescrição deve ser contado considerando o momento a partir do qual o IHRU estava em condições de accionar a garantia e o deixou de fazer, por inércia que a ele possa ser imputável. Isso mesmo deriva dos art.ºs. 306.º, n.º 1 e 309.º do CC. Consequentemente, essa inércia não ocorre a partir da emissão da garantia, mas só se verificaria quando o IHRU estivesse em condições de exercer o seu direito, por o devedor – a ..... - ter incumprido as obrigações que decorriam do contrato base. Ou seja, para aferir o início da contagem do prazo da prescrição, por inércia do credor, haverá que apurar a data a partir da qual o devedor deixou de cumprir a sua obrigação e, consequentemente, o IHRU, enquanto credor, passou a poder exigir o seu direito, accionando a garantia prestada.
Ora, no caso em apreço desconhece-se a data a partir da qual se pode afirmar que o contrato base, principal, foi incumprido e consequentemente a data a partir da qual o beneficiário da garantia poderia exigir o seu direito, accionando a garantia. É a partir desta data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, não antes.
Apreciados os presentes autos, verifica-se, porém, que os factos que necessários ao apuramento destes pressupostos legais não foram especificamente alegados pelo A., pelo que também não foram objecto da prova feita no litígio. Ou seja, dos presentes autos não resulta indiciariamente provada a prova necessária para que se possa aferir do início da contagem do prazo da prescrição.
Não obstante, face à prova indiciariamente provada, designadamente face ao facto H), decorre que foi concedida à Imopragral uma prorrogação do prazo para a execução da obra até 31-12-2007. Logo, se atender-mos a este prazo, o termo dos 20 anos – o prazo ordinário da prescrição –não ocorrerá antes de 2027!
Em suma, a alegação do Recorrente relativa à prescrição da garantia, por ter decorrido mais de 20 anos após a sua emissão, é uma alegação manifestamente improcedente.
No seguimento do que ora julgamos, fica prejudicada a apreciação da alegação do Recorrente relativa ao erro decisório e à nulidade que decorreria da cláusula sexta do contrato base.
Como já indicamos, não acompanhamos a decisão recorrida quando entendeu que o devedor renunciou ao prazo da prescrição por força do clausulado no contrato principal. Diversamente, julgamos que tal prescrição não ocorre, porque a mesma não pode ser aferida a partir da data da emissão da garantia, mas terá de ser aferida atendendo à inércia do credor, quando estava em condições de exercer o seu direito. Nestes autos cautelares desconhece-se a data a partir da qual o credor estava nessas condições.

Como acima se indicou, frente a uma garantia à 1.ª solicitação ou on first demand, admite-se a discussão da relação base que se desenvolveu entre o credor e o devedor quando este último invoque prova ilíquida, imediata, pronta, irrefutável e inequívoca de fraude manifesta ou de abuso evidente.
Ora, as alegações do A. e Recorrente não se reconduzem a tal situação de fraude manifesta ou de abuso evidente. Igualmente, nestes autos não se fez prova ilíquida, imediata, pronta, irrefutável e inequívoca dessa fraude ou abuso.
Vem o Recorrente dizer que o accionamento da garantia foi abusivo porque a mesma foi prestada no âmbito de um contrato promessa de compra e venda celebrado aquando do concurso público internacional n.º 2/DSGS/94 e não no âmbito do contrato definitivo.
Porém, como decorre das alegações do Recorrido e da matéria de facto indiciariamente provada, a separação desses dois tipos contratuais não é feita de forma estanque no citado concurso público internacional n.º 2/DSGS/94, no âmbito do qual foi prestada a garantia.
Dos autos não decorre, por isso, de forma certa e inequívoca, que a garantia tenha sido prestada apenas para um determinado contrato de compra e venda – que o Recorrente nem sequer indica concretamente qual é – e que o accionamento da garantia, porque prestada no âmbito do concurso público internacional n.º 2/DSGS/94, é manifestamente abusiva.
Em suma, esta alegação tem de claudicar, pois não se funda num abuso evidente ou manifesto e tem por base prova nada firme, ou até contrária às alegações do Recorrente.
Quanto à invocação da não reclamação de créditos no processo de insolvência, pelo IHRU, não se alcança como essa conduta possa levar a uma situação de abuso ou fraude manifesta. O Recorrente também não o diz, limitando-se a arguir conclusivamente que a não reclamação do crédito em tal processo corresponde a uma conduta abusiva do IHRU, quando accionou a garantia.
Da mesma forma, a circunstância de o accionamento da garantia só ter ocorrido após a citação do IHRU na acção interposta pelo Recorrente para o seu cancelamento, não nos pode fazer concluir pela existência do tal abuso ou de uma situação de fraude manifesta.
Em suma, não está provado indiciariamente que o IHRU tenha tido uma conduta manifestamente abusiva e fraudulenta quando accionou a garantia frente ao BBVP.
Logo, a pretensão que o A. e Recorrente pretende formular no processo principal, muito provavelmente, vai ser julgada improcedente, não ocorrendo o inverso.
Não está, pois, verificado o requisito fumus boni iuris necessário à procedência desta acção cautelar.
Em conclusão, claudica a referida acção, tal como se julgou na decisão recorrida e falece in totum o presente recurso.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada.
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 6 de Agosto de 2018.
(Sofia David)

(Catarina Jarmela)

(Vital Lopes)