Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04481/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/27/2011
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IVA- ART.º 82.º.
RECTIFICAÇÃO DE DECLARAÇÕES E LIQUIDAÇÃO.
COMPETÊNCIA.
Sumário:1.Nos termos do art.º 82.º, n.º 1, do CIVA, a competência para as rectificações das declarações de IVA era atribuída aos Chefes das Repartições de Finanças;

2. Tal competência, no âmbito da hierarquia externa da AF, tal competência é própria, independente e exclusiva;

3. Consequentemente, o Director de Finanças não podia delegar nos SIT a competência para a rectificação das declarações de IVA, e inerente liquidação de imposto, a coberto do referido normativo, por ela não lhe caber.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- A RFPública, por se não conformar com a decisão, da autoria do Mm.º juiz, do TAF de Sintra, documentada de fls. 841 a 845, inclusive, dos autos e, pela qual, julgou procedente esta impugnação judicial deduzida por Eduardo ……………., com os demais dos sinais dos autos, na qualidade de revertido por dívida de IVA liquidado à sociedade «G…………….. Informática, S.A.», com referência a imposto e juros compensatórios, relativos aos anos de 1995 a 1997 e adicionalmente liquidados por falta de competência do autor das correcções efectuadas em sede de imposto, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

Um. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença ora recorrida, julgou totalmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por incompetência do autor dos actos tributários.

Dois. Salvo o devido respeito, somos da opinião que o douto Tribunal a quo estribou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes aos actos de liquidação aí sindicados.

Três. Entendemos não haver qualquer vício de incompetência por parte do autor dos actos de correcção em sede de IVA, porquanto:

Quatro. Nos termos do n.º 1 do art.º 82.º do CIVA “(...) o chefe da repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando- -se adicionalmente a diferença.”.

Cinco. Acrescendo, contudo, o n.º 3 da citada norma que: As inexistências ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento”.

Seis. Ou seja, a própria norma do art.º 82.º do CIVA habilita, para o procedimento de correcção das liquidações de IVA, quer o CF quer o SIT, entidades competentes para a prática dos actos de inspecção.

Sete. Nos termos do art.º 16.º do RCPIT, são competentes para a prática dos actos de inspecção tributária, nomeadamente, “b) Os serviços periféricos regionais, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários com domicílio ou sede fiscal na sua área territorial.”.

Oito. Por serviços periféricos regionais entenda-se, - por força do decreto-lei n.º 366/99 de 18 de Setembro – as direcções de finanças.

Nove. A atribuição de competência aos SIT é, evidentemente compreensível, uma vez que são estes os serviços dotados de meios humanos e técnicos necessários á realização dos actos de inspecção, fundamentais para o apuramento da realidade tributária dos sujeitos passivos.

Dez. In casu, verifica-se que as liquidações adicionais de IVA ora em crise, resultam de três acções de fiscalização realizadas pelos SIT, e cujas correcções foram determinadas por despacho do CD competente, habilitado por delegação de competência do DFL, constante do Diário da República II Série, n.º 187 de 12/08/1999.

Onze. Nesta conformidade, verifica-se que a delegação de competências que ao abrigo da qual foi proferido o despacho que sancionou as correcções ora em causa é válida, quer materialmente quer formalmente, como, aliás, resulta demonstrado.

Doze. A cadeia de poderes em que a competência consiste resulta da lei, foi integralmente cumprida pelo CD, porquanto, este, profere despacho remetendo os documentos de correcção à área de liquidação e cobrança, bem como, remetendo o mod. 382, o relatório e os autos de notícia ao CF competente.

Treze. Assim, verifica-se que o autor das correcções efectuadas em sede de IVA se encontrava devidamente habilitado para o efeito, inexistindo qualquer vício de incompetência do autor dos actos tributários ora postos em crise.

- Conclui que, pela procedência do recurso, seja revogada a decisão ora recorrida a qual deverá ser substituída por outra que julgue a impugnação improcedente.

- Contra-alegou o recorrido Eduardo ……………………., pugnando pela manutenção do julgado e, para o caso do recurso vir a ser atendido, requerendo a ampliação do seu objecto, nos termos do seguinte quadro conclusivo;

A) O requisito de competência formal para a prática dos actos tributários é indissociável do princípio da legalidade na actuação da Administração Pública, expressamente consagrado no artigo 266.º da CRP;

B) O n.º 1 do artigo 82.º do CIVA, na redacção á data dos factos em causa, era claro ao conferir apenas aos Chefes de Finanças a competência para rectificar as declarações dos sujeitos passivos ao abrigo do referido artigo, traduzindo uma opção legislativa perfeitamente justificada pelo facto de essa faculdade visar primordialmente as rectificações decorrentes da constatação de erros ou lapsos declarativos dos sujeitos passivos, detectáveis pelos funcionários dos Serviços de Finanças aquando da recepção e análise liminar das declarações periódicas apresentadas - apresentação que á época ainda ocorria fisicamente e em suporte de papel;

C) Sendo motivos de proximidade e imediação que justificavam a atribuição legal da competência em causa aos Chefes de Finanças, tal não significava que as rectificações em questão não pudessem ter origem na detecção de inexactidões ou omissões detectadas em acção de fiscalização, possibilidade expressamente prevista no artigo 82.º, n.º 3, do CIVA;

D) Sucede que, tal como acertadamente assinalado pelo Douto Tribunal a quo, a competência para a realização de acções de inspecção não se confunde com a competência para a rectificação das declarações dos sujeitos passivos nem para a eventual liquidação adicional do imposto, atribuindo o artigo 82.º, n.º 1, do CIVA esta última, á data, apenas aos Chefes de Finanças;

E) No caso dos presentes autos, é inequívoco que os três despachos que determinaram as rectificações na origem das liquidações impugnadas, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 1, do CIVA, provieram da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, tendo tais rectificações sido determinadas por este órgão da Direcção-geral dos Impostos e não pelo competente Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 3, o qual não praticou nos procedimentos qualquer acto que se possa considerar como correspondendo ao exercício do poder funcional conferido pela disposição legal em referência;

F) Tal configura uma situação de incompetência relativa com repercussão na legalidade dos actos tributários impugnados, determinando a anulabilidade nos termos do artigo 135.º do CPA, pelo que se impõe a esse Douto Tribunal ad quem que, rejeitando a argumentação preconizada pelo Digníssimo Representante da Fazenda Pública, negando provimento ao recurso mantenha indemne a Sentença recorrida;

G) Caso esse Douto Tribunal ad quem assim não o entenda – hipótese que se avança como mero dever de patrocínio, embora sem conceder – sempre se dirá que se imporá, ainda assim, negar provimento ao recurso em virtude da ilegalidade das liquidações por força dos demais vícios imputados pelo ora Recorrido em sede de petição inicial;

H) Com efeito, desde logo, constata-se que a Administração Tributária, em sede dos procedimentos de inspecção na origem das liquidações impugnadas e para notificação da G………………. para exercício do respectivo direito de audição prévia, expediu ofícios para domicílios pessoais de destinatários que não eram administradores daquela nem por qualquer forma a representavam;

I) Por outro lado, com o mesmo intuito e relativamente às notificações expedidas directamente para a G……………….., tendo escolhido notificar a empresa por meio de carta registada com aviso de recepção e perante a devolução dessa correspondência, omitiu o envio da segunda carta legalmente exigida, no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, para que a notificação se pudesse considerar perfeita;

J) Contra a existência de semelhante obrigação não colhe a constatação de que, in casu, a Administração Tributária poderia ter optado por proceder a notificações por mera via postal registada, porquanto a partir do momento em que optou pelo regime mais fidedigno de notificação através de carta registada com aviso de recepção a Administração Tributária tem naturalmente que aplicar o correspondente regime legal no que concerne à respectiva perfeição;

K) Não pode pois considerar-se perfeita a notificação da Administração Tributária, à luz do artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, para efeitos da convocação da G……………….. para o exercício do seu direito de participação na decisão, pelo que a Administração Tributária preteriu formalidades legais que lhe eram impostas pelos artigos 267.º, n.º 5, da CRP e 60.º da LGT, sendo igualmente certo que tal preterição impediu objectivamente a sociedade de tomar conhecimento das pretensões da Administração Tributária e, nessa medida, de exercer o seu direito de participação nas decisões que vieram a ser proferidas em sede dos procedimentos inspectivos que estão na origem das liquidações impugnadas, facto que necessariamente inquina estas de ilegalidade;

L) A prova documental dessa preterição de formalidades essenciais consta adequadamente demonstrada nos autos, impugnando-se por esse motivo e ao abrigo do artigo 684.º-A do CPC parte da alínea A) da matéria de facto operada pelo Douto Tribunal a quo, sendo falsa a afirmação aí feita de que o projecto de correcções da acção de inspecção foi «devidamente notificado» à G…………………;

M) Subsidiariamente e para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que o artigo 82.º do CIVA nunca poderia ser objecto de aplicação em sede dos presentes autos, porquanto o mesmo pressupõe um confronto entra as declarações apresentadas e determinados elementos que permitam concluir, fundamentadamente, que a situação tributária declarada não corresponde à realmente existente;

N) No caso, a Administração Tributária não procedeu a qualquer exame da contabilidade da G............, tendo exclusivamente fundado a desconsideração integral das deduções de IVA efectuadas na impossibilidade de acesso à contabilidade da sociedade;

O) Acresce que a Administração Tributária atingiu a conclusão de que o acesso à contabilidade da G………. era impossível na sequência de uma notificação da empresa no sentido de obter cópia dessa documentação, a qual contudo foi expedida, não para a sede da G............, mas para uma outra morada e dirigida a LUÍS ……………………., pessoa que à data não tinha qualquer legitimidade para representar a empresa;

P) Tudo isto resulta adequada e documentalmente provado nos autos, motivo pelo qual caso esse Douto Tribunal ad quem venha e emitir pronúncia sobre a aplicabilidade do artigo 82.º do CIVA haverá que aditar à matéria de facto assente pelo Douto Tribunal a quo a factualidade relevante quanto a este ponto, nomeadamente quanto á pretensa notificação da G............ na pessoa de LUÍS ……………………….. e à falta de legitimidade deste para receber qualquer notificações destinadas àquela – o que se invoca ao abrigo do artigo 684.º-A do CPC, remetendo-se para os documentos identificados na parte III da presente peça processual;

Q) De todo o modo, confrontada com a impossibilidade de análise da contabilidade da G............ e respectivos documentos de suporte, a Administração Tributária, em vez de recorrer ao mecanismo de rectificação de declarações previsto no artigo 82.º do CIVA deveria ter-se socorrido do recurso a métodos indirectos de apuramento de imposto, ao abrigo do artigo 84.º do CIVA, sendo coisas bem distintas a impossibilidade de verificação de documentos e a inexistência dos mesmos – desde logo porque apenas a constatação desta inexistência justificaria, de forma objectiva, a desconsideração liminar de deduções mediante a rectificação das declarações da G............ nos termos do artigo 82.º, n.º 1, do CIVA;

R) Esse recurso a métodos indirectos foi aliás seguido pela Administração Tributária, no âmbito dos mesmos procedimentos de inspecção, para efeitos de IRC, perante a «impossibilidade de quantificação e comprovação directa da matéria colectável» decorrente da «impossibilidade de verificação dos registos contabilísticos» da G............, não sendo em nenhum momento explicada a razão porque semelhante processo não foi seguido em sede de IVA;

S) A consequência da aplicação pela Administração Tributária no caso em apreço do regime do artigo 82.º do CIVA foi a pura e simples desconsideração da totalidade do imposto deduzido pela G............ nos anos em causa, facto que por si só evidencia a aberração e anomalia dessa aplicação, não sendo minimamente crível que uma empresa com direito á dedução de imposto pudesse, como no caso dos autos, ter praticado operações tributárias activas no valor de milhões de euros, liquidando o correspondente IVA, sem suportar um cêntimo de imposto dedutível que fosse;

T) A rejeição desse resultado – por rejeição, entenda-se, da aplicabilidade do artigo 82.º do CIVA – apenas sai reforçada pela constatação de que no âmbito do eventual recurso a métodos indirectos ao abrigo do artigo 84.º do CIVA sempre haveria que considerar, ainda que com recurso a presunções ou estimativas, o montante de imposto dedutível suportado a montante, sublinhando-se assim a desproporcionalidade adveniente da pura e simples da desconsideração da totalidade das deduções declaradas por um sujeito activo ao longo de três anos com fundamento na impossibilidade de verificação da respectiva contabilidade;

U) Acresce que o Recorrido, na qualidade de revertido, encetou diligências no sentido de localizar os registos e documentos de suporte contabilísticos da G............ relativos aos anos em causa, o que se alcançou quase plenamente, sendo certo que a análise efectuada desses elementos por um revisor oficial de contas corroborou a existência de somas consideráveis de imposto dedutível;

V) Esse facto, juntamente com a constatação de que as contas da G............ relativamente aos anos em análise foram devidamente verificadas por Revisores Oficiais de Contas independentes, sempre seria suficiente para determinar a anulação das liquidações impugnadas por aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, não deixando de ter presente que impendia sobre a Administração Tributária o ónus da prova da falsidade das declarações apresentadas pela G............, nos termos dos artigos 74.º e 75.º, da LGT;

W) Tudo ponderado, resulta inequívoca a ilegalidade das liquidações impugnadas, por falta de preenchimento dos requisitos legais para aplicação do disposto no artigo 82.º, n.º 1, do CIVA;

X) Por último, subsidiariamente, e à luz do artigo 33.º do CPT, impor-se-á reconhecer a caducidade das liquidações impugnadas, não tendo a Administração Tributária, nem em sede de notificação do Recorrido, nem em sede dos próprios autos de impugnação, demonstrado ter respeitado o prazo de caducidade de cinco anos de que dependia a exigibilidade do imposto, como se lhe impunha que fizesse ao pretender despoletar a responsabilidade subsidiária do ora Recorrido, à luz do artigo 74.º da LGT;

Y) De qualquer modo, sem prejuízo do ónus probatório em causa e do desconhecimento das datas concretas de notificação da G............ das liquidações em questão – ou mesmo da ocorrência efectiva dessa notificação – a data avançada pela própria Administração Tributária em sede de certidões de dívida como termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações permite desde logo concluir que qualquer IVA relativo a factos tributários ocorridos entre Janeiro de 1995 e o final do mês de Novembro de 1995 terá já sido exigido extemporaneamente da G............ – o que contudo não valida, reitere-se, a conclusão que o demais imposto tenha sido atempadamente exigido;

Z) Não tendo a Administração Tributária demonstrado, mediante prova documental inequívoca, a data e forma de notificação da G............ para o pagamento das liquidações impugnadas, terá que se concluir nos presentes autos pela caducidade do direito invocado.

- O EMMP, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 318, dos autos, esgrimindo com a incompetência hierárquica na consideração de que o presente recurso versa, exclusivamente, matéria de direito.

- Notificadas, as partes, de tal questão obstativa da apreciação de mérito do presente recurso, suscitada pelo EMMP, veio, a recorrente FP, dizer nada ter opor a que se declare este tribunal hierarquicamente incompetente para a respectiva apreciação, mais requerendo que, em tal hipótese, os autos sejam remetidos à Secção de Contencioso Tributário do STA.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão, ora recorrida, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A) No decurso de uma acção inspectiva efectuada à sociedade “G............ Informática, S.A.”, foi elaborado o Projecto de Correcções pela I.T., devidamente notificado ao sujeito passivo, não tendo exercido o direito de audição prévia, e concluído o procedimento com a notificação do relatório final com correcções dos elementos declarados em sede de IVA aos exercícios de 1995 a 1997, tendo-se apurado o imposto em falta relativo ao IVA dedutível – Cfr. Certidão de fls. 296 e segs, e de fls. 447 e segs, notificação de fls. 547 e segs, Certidão de fls. 718 e 720 dos autos.

B) Em resultado da acção inspectiva referida supra, foi efectuada a liquidação adicional de imposto daqueles anos de 1995 a 1997, e correspondentes juros compensatórios. – cfr. documentos de fls.796 a 800 e correspondência postal de fls. 802 a 850, e resenha de notas de liquidação de fls. 853 e 854, do P.A. apenso aos autos.

C) Dão-se aqui por reproduzidos os documentos emitidos por um Revisor Oficial de Contas, quanto à análise efectuada à contabilidade da G............, S.A., dos anos de 1995 a 1997 – cfr. doc. n.º 19 a 22, junto pela impte, de fls. 722 a 757, dos autos.

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos referenciados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão final a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que ela se ancorou «[...] no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Atento o acima exposto, a primeira questão que se impõe abordar é a que se prende com a apreciação da (in)competência hierárquica suscitada pelo EMMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, na medida em que se trata de questão que, para além de poder ser suscitada pelo M.ºP.º, como foi, é, também, de conhecimento oficioso, por consubstanciar um pressuposto processual relativo ao Tribunal e logra prioridade de apreciação relativamente a qualquer outra questão – cfr., neste sentido e entre outros, o Ac. do STA, de 2009SET09, e tirado no Proc. n.º 0558/09 (1).

- Como é entendimento jurisprudencial firme do STA a questão da competência hierárquica do STA é de aferir pelo “quid disputatum” e não pelo “quid decisum”, no sentido de que o que releva é a circunstância do recorrente, no corpo das conclusões do recurso, balizadoras dos respectivo âmbito e objecto, invocar questões de facto que não tenham ou tenham sido erradamente consideradas no probatório da decisão recorrida e independentemente da respectiva relevância para a solução de mérito a acolher.

- Precisando melhor o conceito de circunstância de facto, para estes efeitos, doutrina-se no Ac. do STA, de 2009MAI13, tirado no Proc. n.º 077/09 (2), que «Para determinação da competência hierárquica [...], o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.
Não releva, para efeitos da determinação da competência, saber se, para decidir a questão de direito tal como o tribunal ad quem a entende, vai ou não ser efectivamente necessário alterar a matéria de facto fixada na decisão recorrida, pois o tribunal ad quem, antes de estar decidida a sua competência, não pode antecipar a sua posição sobre a solução da questão de direito, pois decidir qual é esta solução cabe apenas ao tribunal que estiver já julgado competente.» pelo que «(…) o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados».

- A nosso ver esta doutrina é de acompanhar, sem qualquer tipo de reserva, na medida em que a questão de facto ou os factos levados às conclusões de recurso, não constantes do probatório da decisão recorrida ou nele erradamente insertas, sejam factos pertinentes ao dirimir da controvérsia estabelecida nos autos, à luz das possíveis soluções de direito.

- Na realidade, tendo em consideração que apenas é legítimo, ao juiz recorrido, na elaboração da decisão, dela fazer constar os factos provados e não provados, que relevem à luz das ditas possíveis soluções de direito, é uma consequência que se torna forçosa a de não incluir no probatório os factos que considere irrelevantes ou impertinentes; E, por consequência, apenas se poderá considerar tais factos como controvertidos, no sentido de balizar o tipo de recurso (se restrito a matéria de direito ou, pelo contrário, se respeitando, também, a matéria de facto), se e na medida em que a parte que os invocou venha, nessa medida, contestar a decisão recorrida por considerar relevantes à decisão final que deve ser prolatada.

- Mas, se os factos forem irrelevantes e ou impertinentes e nenhuma controvérsia se estabelecer quanto a essa irrelevância ou impertinência, os mesmos sê-lo-ão em todas as vertentes da causa, não relevando, por isso, para determinar se o recurso versa, ou não, apenas sobre matéria de direito; A não ser assim poder-se-ia cair, a nosso ver, no absurdo de impor ao tribunal com competência para o julgamento de matéria de facto o dever de se pronunciar sobre qualquer tipo de factualidade trazida aos autos, ainda que objectivamente irrelevante, não para a solução jurídica concreta que se mostre devida, mas à face de todas as soluções jurídicas possíveis de serem encontradas, para o caso em discussão.

- Por outro lado e «(…) em sintonia com o defendido pelo Prof. ANTUNES VARELA em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, página 220, deve entender-se que os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto. Os juízos sobre a matéria de facto que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, que estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei são do conhecimento dos tribunais com meros poderes de revista.».

- E, ponderadas estas considerações, afigura-se-nos, “in casu”, que a razão não assiste ao EMMP, no que concerne à questão prévia que suscitou.

- Na realidade, nas conclusões 9.ª e 10.ª, a recorrente refere, por um lado, que a atribuição de competência, aos SIT, para situações como a vertente, é compreensível, por serem eles que se encontram dotados dos meios humanos e técnicos necessários à realização dos actos de inspecção, fundamentais para o apuramento da situação tributária efectiva dos S.P.’s e, por outro, nuclear e designadamente, que as liquidações aqui sindicadas são o resultado de três acções de fiscalização realizadas pelos SIT.

- Sendo assertivo que se trata de matéria de facto e não de direito, à luz dos considerandos acima expendidos, é, por outro, lado, manifesto que ela se prende com a questão, aqui, controvertida e que importa dirimir; De outra banda é, igualmente, inquestionável que se trata de matéria que não faz parte da levada ao probatório fixado em 1.ª instância.

- Mas sendo assim e independentemente da sua relevância à decisão substantiva que, a final, importa vir a proferir, conclui-se que o presente recurso não versa, exclusivamente, matéria de direito pelo a competência hierárquica para a sua apreciação cabe a este tribunal e secção.

- Cabe, por isso, passar a conhecer de mérito.

- E, em tal domínio, a questão decidenda que importa, desde logo, enfrentar é a de saber se a decisão recorrida, ao decidir, como decidiu, - no âmbito da competência do autor das correcções efectuadas pela AT -, enferma de erro de julgamento; Só na afirmativa se colocará a questão do conhecimento da ampliação do objecto do recurso, formulado pela recorrida, para o que importará, então, apurar, desde logo, se a decisão recorrida padece do acusado erro de julgamento quanto à matéria de facto.

- Sobre a referida questão decidenda a pronúncia emitida pelo tribunal recorrido foi, ao que aqui nos importa, do seguinte teor;
«Quanto á questão da competência do Chefe de Divisão da DF de Lisboa, por efeito de uma delegação de competências do respectivo Director de Finanças de Lisboa, importa realçar que ao tempo a que se reportam os factos, resultava claramente a destrinça das diferentes competências dos diversos órgãos da Adm Fiscal no que tange por um lado, às correcções da base tributável do imposto e por outro, da competência para a rectificação das declarações do sujeito passivo de imposto e para a liquidação do imposto – cfr. nesse sentido o disposto no n.º 1 e 3, do artº 82º do CIVA e artº 63º da LGT e artºs 11º e 63º do RCPIT, sendo que a entidade competente para o sancionamento das conclusões do relatório não é a mesma que pratica os actos tributários que dela resultem, maxime, procedendo às rectificações das declarações do sujeito passivo e liquidando adicionalmente o imposto devido, ainda que com fundamento nas inexactidões ou omissões constatadas pela inspecção tributária (cfr. referidos nº 1 e 3, do artº 82º do CIVA e nº 1, do artº 63º do RCPIT, competindo, nos termos daquela norma do Código do IVA, ao Chefe do Serviço de Finanças local a competência exclusiva para a prática daqueles actos em matéria tributária, pelo que se encontra vedado ao serviço periférico regional a sua prática, por lhe faltar a necessária competência para o efeito, o que torna o acto anulável [...]» - cfr. fls. 844, dos autos.

- A recorrente, como decorre das conclusões do presente recurso – e na linha do que vem sustentando, nestes autos, desde a sua intervenção inicial [cfr. fls. 782/816 – IV Vol.] -, insurge-se contra este entendimento, em síntese, por considerar que o n.º 3, do art.º 82.º, do CIVA, na redacção aqui aplicável, ao estatuir que as omissões e inexactidões sustentadoras das rectificações dos declarações dos sujeitos passivos podiam resultar de acções de fiscalização efectuadas àqueles, estava a «[...] habilita(r), para o procedimento de correcção das liquidações de IVA, quer o CF quer os SIT [...]», enquanto entidades competentes para a prática de actos de inspecção, já que esta última competência para actos inspectivos – recai, designadamente e nos termos do art.º 16.º/b, do RCPIT, nas direcções de finanças, sendo que, no caso vertente, o Chefe de Divisão que procedeu às rectificações em questão estava legalmente habilitado a fazê-lo por força da delegação de competências do DFLisboa, publicada no DR, da II Série, de 1999AGO12, com o n.º 187.

- É, no entanto, patente, a nosso ver, a sem razão da recorrente, sem razão essa que se estriba, nuclearmente, numa confusão de conceitos relativos à competência aqui em crise, sendo, nessa medida e, ainda em síntese, de sufragar o discurso jurídico.

- Tecendo algumas considerações adicionais, e na linha do doutamente doutrinado por José Cândido de Pinho (3), com plena actualidade ao caso dos autos e que, por isso, seguiremos de perto, a questão de competência que aqui se controverte insere-se no âmbito da denominada hierarquia externa, «[...] ou seja, aquela que num ambiente desconcentracionista justifica a distribuição de poderes decisores com reflexo ou eficácia externa na esfera dos administrados» (4) e não na hierarquia interna da administração que respeita ao seu plano organizacional.

- Ora, “in casu”, a competência, isto é o conjunto de poderes funcionais, para a rectificação das declarações dos sujeitos passivos, cabia, por lei e nos termos, do n.º 1, do art.º 82.º, do CIVA, aos chefes das repartições de finanças (hoje chefes dos serviços de finanças), a quem, o preceito em causa, de forma expressa, incumbia, sem menção de outrem com idêntica faculdade, o poder/dever de proceder às rectificações das declarações dos sujeitos passivos quando nelas constatasse, fundamentadamente, um imposto inferior ao devido ou uma dedução superior às devidas.

- Por outro lado e ao invés do sustentado pela recorrente, o n.º 3, do referido preceito legal não consubstancia nenhuma norma habilitante de competência, mas antes e apenas uma norma de procedimento, complementar do n.º 2 que o precede, no sentido de elencar as formas porque o Chefe da Repartição de Finanças podia obter e, nessa medida, fundamentar, as correcções que a lei lhe incumbia operar, sendo caso disso, no termos do referido n.º 1.

- Ou seja, aos Chefes de Repartição de Finanças foi atribuída competência própria, na medida em que tal “pertença”, lhes foi atribuída por uma única das fontes legítimas para o efeito – a lei (5) -, competência própria essa que, como é sabido, é independente e, por isso, «[...] não deriva da qualidade que o órgão detém numa qualquer escala hierárquica» (6), e exclusiva já que, na referida cadeia hierárquica, os seus superiores apenas tinham a possibilidade de revogação dos actos praticados por aqueles, ao abrigo da mencionada competência, e já não da de modificar ou substituir o seu teor (7), uma vez que a lei a não atribui a um qualquer outro órgão da Administração Tributária e, como ensina o Prof. Freitas do Amaral (8) «não é válida como princípio geral, a máxima de que a competência do superior abrange a dos subalternos».

- Ou seja, sendo manifesto que, neste domínio, a «[...] essencialidade da noção não pode dissociar-se [...]» da «[...] importância da origem», no sentido de que «se apenas a lei e o regulamento podem definir, “ab initio” e originariamente, esse leque de poderes, é bom de ver que só essas fontes, nem uma mais, podem conferir a competência em abstracto a este ou àquele órgão.»(9), então apenas na letra do referido art.º 82.º, do CIVA, se pode buscar a identificação daqueles em quem o legislador entendeu de fixar a competência para o tipo de correcções aqui em questão, e esses apenas o foram os Chefes de Repartição de Finanças (hoje Chefes dos Serviços de Finanças), nos termos do acima, já, referido.

- Neste sentido se pronuncia Patrícia Noiret da Cunha (10), «O n.° 1 atribui ao chefe da repartição de finanças a competência de proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos. É condição de exercício deste poder de rectificação a constatação que numa declaração figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos. Nesse caso, o chefe de repartição de finanças deve proceder a uma liquidação adicional
Para que a administração fiscal proceda a uma liquidação adicional, é necessário um juíza subjectivo de que o sujeito passivo fez constar da sua declaração um imposto inferior ou uma dedução superior à que seria devida e, em segundo lugar, que esse juízo seja fundamentado de forma objectiva.», enquanto que «Os n.°s 2 e 3 [...] enumeram os elementos de que o Chefe da repartição de finanças se poderá servir para concluir que a declaração do sujeito passivo não merece crédito (negrito e sublinhados da nossa responsabilidade).

- E, no mesmo sentido vai Emanuel Vidal de Lima, quando, em anotação à sua obra «Imposto sobre o Valor Acrescentado”, refere que, nos termos do mencionado art.º 82.º de tal compêndio legal, compete ao CRFinanças as rectificações e a liquidação adicional de imposto sendo que aquelas correcções podem, além do mais, serem decorrência de apuramento correctivo operado pelos serviços de inspecção, e a que se reporta o referido n.º 3, do mesmo normativo.

- E, sendo assim, não se coloca, aqui, sequer, qualquer relevância na invocada delegação de competências operada pelo DFLisboa no CDivisão que procedeu ás correcções em causa, uma vez que tal delegação - não sendo verdadeiramente da competência do delegante, mas antes do exercício dos poderes daquela que a lei lhe atribui -, teria de ter, sempre e em qualquer caso, necessariamente pressuposto que o delegante tinha a competência para assim a poder delegar, o que, como acima se viu, não ocorre no caso vertente, isto é, sendo a competência controvertida, própria e exclusiva dos Chefes das Repartições de Finanças, é assertivo que a delegação de competências invocada pela recorrente é, no caso, de todo inoperante, já que o DFLisboa não podia delegar no Chefe de Divisão uma competência de que não era titular.

- Evidentemente a questão seria de enquadrar juridicamente de forma diversa se, ao caso, fosse aplicável – o que, como ninguém dissente, não sucede – o CIVA, alterado, renumerado e republicado pelo DL. n.º 102/2008JUN20, na medida em que o n.º 1, do seu art.º 87.º (11), veio a atribuir a competência para o tipo das rectificações aqui em discussão à DGI,

- Não sendo assim, em síntese, e nada mais se questionando no presente recurso, designadamente quanto às consequências jurídicas decorrentes da violação da regra de competência enunciada no n.º 1, do art.º 82.º, do CIVA, aqui aplicável, forçoso se impõe concluir, como se começou por apontar, pela sua improcedência.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, nessa medida se mantendo, na ordem jurídica, a decisão recorrida e não se conhecendo da ampliação do objecto do recurso subsidiariamente suscitada pela recorrida.
- Custas pela recorrente.
2011SET27
Lucas Martins
Magda Geraldes
Jorge Cortês

(1) Disponível em www.dgsi.pt.
(2) Igualmente disponível em www.dgsi.pt.
(3) Cfr. “Breve Ensaio sobre a Competência Hieráriquica, Almedida, Fev2000.
(4) Ob. cit., 25.
(5) Sendo as outras a constituição ou o regulamento.
(6)Ob. cit., 16.
(7) Cfr. ob. cit.17/18 e 22.
(8) Cfr. “A Competência”, DJAP-II, Coimbra, 1972, 527.
(9) Cfr. ob. inicialmente citada, 10/11.
(10) Cfr. Imposto sobre o Valor Acrescentado – Alteração ao CIVA e ao Regime nas Transacções Intracomunitárias”, 482,483 e484.
(11) Correspondente ao art.º 82.º, n.º 1, aqui em causa.