Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:803/13.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO MATERIA FACTO
Sumário:I. A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
II. Cabe à administração tributária reunir indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho, como decorre do artigo 74.º da LGT.
III. Não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... e M..., contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto quanto à liquidação n.° 2012 400..., e respetiva liquidação de juros compensatórios, referentes a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2008, no valor total de € 2.567,91, no qual peticionaram a anulação das referidas liquidações.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Não concorda a Representação da Fazenda Pública com a, aliás, Douta Sentença, na qual se decidiu pela procedência da presente Impugnação, ordenando a anulação do ato tributário - liquidação de IRS referente ao ano de 2008 -, por ter considerado que a Administração Tributária não logrou demonstrar que as quantias pagas como ajudas de custo não estavam relacionadas com a comprovada deslocação para a obra D..., SPA Marselha, ou ainda que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição;

2. Caso se conclua que os pagamentos realizados não têm carater compensatório, mas meramente remuneratório, não há sequer que ir para aquela alínea d) do n.° 3 do artigo, pois trata-se apenas de aplicar a regra geral prevista nos n.°s 1 e 2, dos quais se subsume que os pagamentos realizados pela entidade patronal ao seu trabalhador (independentemente da forma que revistam) se enquadram na categoria de rendimentos de trabalho. Pelo que, salvo melhor opinião, caberia sempre a quem paga os rendimentos e quem os recebe fazer prova de que os mesmos não revestem natureza remuneratória, mas antes compensatória;

3. Seguindo a regra geral do ónus da prova que percorre todo o direito português, com expressão no art.° 342.° do Código Civil (CC), e tendo em atenção o regime fixado no CIRS, não existem quaisquer dúvidas que, como referido no Douto Acórdão do STA de 08.11.2006, proc.° 01082/04, cabe à Administração Tributária provar o excesso dos pagamentos de carater compensatório, os quais passam então a ser tributados como se revestissem natureza remuneratória;

4. Cabe, no entanto ao sujeito passivo da relação tributária fazer prova necessária e logicamente anterior - a de que os pagamentos realizados revestem a natureza de ajudas de custo, assim eximindo tais pagamentos ao disposto nos n.°s 1 e 2 do art.° 2.° do CIRS. E parece que é curto fundamentar o caráter compensatório dos pagamentos realizados na mera qualificação feita pelas partes, sem mais;

5. Ainda que tendo verdadeira natureza compensatória, os pagamentos, a partir de determinados limites, passam a ser tributados como se de natureza remuneratória se tratassem. Mas se os rendimentos têm natureza remuneratória ab initio são sempre tratados tendo em conta essa natureza, e portanto tributados;

6. Por outro lado, e trata-se de diferente requisito, a alínea d) do n.° 3 do art.° 2.° do CIRS, aplicável apenas nas situações de pagamento de ajudas de custo, faz depender a sua tributação, não apenas do cumprimento dos limites legais, mas também da observação dos pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;

7. Quanto ao ónus da prova, suporta-se o tribunal no disposto no n.° 1 do art.° 75.° da LGT, afirmando que só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. E como entende que a AT não reuniu os indícios suficientes não terá cumprido com aquele ónus;

8. Ainda que acedendo, sem conceder, não se concorda, no entanto, pois ainda assim se entende que, no caso, reuniu a Autoridade Tributária prova indiciária suficiente a fazer abalar a presunção prevista no n.° 1 do art.° 75.° da LGT;

9. Refere a Douta Sentença que valores pagos a título de ajudas de custo de forma regular não os qualifica como remuneração, e por si só assim será. No entanto, esse não foi o único argumento utilizado pela Autoridade Tributária em sede Inspetiva para fundamentar as suas correções e, por outro lado, o facto de se tratarem de pagamentos regulares muito menos os qualifica como ajudas de custo - e caberia ao contribuinte fazer essa prova. Não pode também deixar de se relevar o facto de os valores pagos pela empresa ao seu trabalhador e qualificados como ajudas de custo serem em montante bastante superior ao rendimento do trabalho - o que será sempre de estranhar utilizando um argumento de normalidade social (ou laboral) - o qual, se por si só vale o que vale, juntamente com os demais argumentos que fundamentaram as correções não pode deixar de revestir força probatória;

10. Mais fundamenta a Douta Sentença que o Impugnante foi contratado para exercer funções em Amora, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas porque se deslocou para obra D..., SPA Marselha. No entanto, suporta-se factualmente o Tribunal na cláusula 4 do contrato de trabalho outorgado entre o Impugnante marido e a respetiva entidade patronal, o qual faz parte integrante do Relatório inspetivo, mas, com o devido respeito, os contratos de trabalho em causa não são constituídos apenas por aquela cláusula, mas por outras (algumas delas nem sequer levados á factualidade fixada), havendo que proceder à análise do mesmo num todo sistemático;

11. Assim, consta daqueles contratos, que o Impugnante marido é contratado para as oficinas na sede da C..., mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações/obra da obra D..., SPA Marselha. E todas as deslocações que ocorram dentro e fora do território nacional ficam a cargo da entidade contratadora. Não deixa de ter relevância o facto de, pela Cláusula Segunda, os contratos de trabalho serem a termo incerto, motivado por acréscimo excecional de atividade da empresa, o qual obriga a reforço do trabalho temporário. E estes contratos de trabalho, a termo incerto, duram por todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração - nos termos do disposto no art.° 144.° da Lei n.° 99/2003, de 27.08, na redação à data;

12. Não pode deixar de se extrair das várias cláusulas daqueles contratos de trabalho que o local de trabalho do Impugnante - contratado a termo incerto por "todo o tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para a conclusão da atividade, tarefa, obra ou projeto cuja execução justifica a celebração" - obra D..., SPA Marselha. E, pela cláusula Sexta dos referidos contratos, estes "caduca com a conclusão do trabalho para que o 2.° Outorgante é contratado ou mediante comunicação da C... de cessação do mesmo (...)". Pelo que, não se atinge, desta forma - como resulta do agora decidido pelo Tribunal "a quo" -, como pode o domicílio necessário do trabalhador ser um local onde, pelo contrato assinado pelas partes, ele nunca trabalhará;

13. Não pode deixar de se considerar como domicílio necessário do Impugnante marido o local no qual ficou acordado que iria exercer funções, e durante o tempo em que tais funções durassem, cessando de imediato o contrato com o fim destas;

14. Não poderia ser fundamento das correções realizadas qualquer excesso de pagamento de ajudas de custo, quanto não existiu pagamento de ajudas de custo cujo excesso importasse tributar;

15. Por fim, cabe questionar como poderia a Autoridade Tributária trazer algo aos Autos que pudesse assegurar que o valor pago fosse superior ao das despesas efetivamente suportadas pelo Impugnante marido, quando o próprio Impugnante não faz prova de ter efetivamente suportado qualquer despesa.

16. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada apreciação dos factos que fixou e omitiu factualidade relevante, como algumas das cláusulas contratuais - erro de julgamento de facto;

17. Fez também errada aplicação do direito - erro de julgamento de Direito - , tendo violado o disposto nos n.°s 1, 2 e 3 do art.° 2.° do CIRS e Decreto-Lei n.° 106/98, de 24.04, assim como o disposto no art.° 342.° do CC. 

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

3. Os recorridos, devidamente notificados para o efeito, vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2008 por vício de violação de lei consubstanciada na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo Recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.

B. O objecto de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido marido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n.e 1 do artigo 2° do CIRS.

C. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custo não correspondem a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.

D. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representante da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custo: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

E. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do Acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que sendo a alínea d) do n° 3 do artigo 2° do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos de atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.

F. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Marselha, França e para Huelva, Espanha e que o local de trabalho era em Amora, Seixal.

G. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custo que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS.

H. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT e a Fazenda Pública não logrou fazer prova nesse sentido, "agarrando-se” a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.

I. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido marido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Revelando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.

J. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.º do Código do IRS.

K. O pagamento das ajudas de custo e sua [não] tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, [ii] o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

L. Neste sentido, o Acórdão do STA n.º 24239 de 15/12: "De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas de custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n° 3 do artigo 2.3 do Código do IRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.º 519-M/79. De 28 de Dezembro" (actual DL 106/98).

M. Ora, in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda Pública, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para Marselha, França e para Huelva, Espanha ao serviço da entidade patronal.

N. De facto, ficou provado que o Recorrido marido à data em que foi contratado para a empresa residia em Portugal bem como, havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C....

O. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional era ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.

P. Desse modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excedem os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n.º 3 do artigo 2° do CIRS.

Ou

Q. Demosntrar que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.

R. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.

S. Ou seja, bem andou a sentença recorrida ao determinar que, a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.

T. O mesmo é dizer que, não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.

U. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que o Recorrido marido prestou serviço à sua entidade patronal com sede em Portugal, em obras sitas em Marselha, França e em Huelva, Espanha, encontrando-se, assim, deslocado do seu local de trabalho.

V. Portanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido marido em Marselha, França e em Huelva, Espanha não eram ocasionais, o que não aconteceu.

W. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido marido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa.

X. Bem como, ficou provado ser o domicílio necessário do Recorrido em Amora, Seixal - Portugal -, e nunca em Marselha, França ou em Huelva, Espanha.

Y. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.

Z. Nesse sentido, atento o disposto na alínea d) do n° 3 do artigo 2° do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecidos na lei ou provando a sua não ocorrência.

AA. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se que a sede da C... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.

BB. De facto, o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.

CC. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C..., obrigou-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.

DD. De facto, a questão da "residência habitual" deverá ser tida em primordial conta.

EE. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.

FF. Ora, não só ficou demonstrado como provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.

GG. Pelo que, bem andou a douta sentença, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.

HH. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se, entre outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBjA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.OBEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C... nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

II. As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa C..., com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores.

JJ. No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 764/13.1BEPNF e 696/13.3BEALM, respectivamente, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1 e se dá por integrado para todos os legais efeitos), tendo- se acordado negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com as legais consequências.

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, foi oferecido parecer no sentido da improcedência do recurso, por a decisão recorrida não merecer reparo, e dever ser mantida.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto e (ii) na aplicação do direito aos factos, por ter concluindo que a AT não demonstrou que as quantias pagas como «ajudas de custo» não estavam conexionadas com as deslocações para as obras em Marselha e Huelva ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.

*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) - Em 4 de janeiro de 2008, M..., Impugnante marido, celebrou escrito denominado de “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO” com a sociedade “C... M..., LDA ”, com sede na Rua A..., concelho do Seixal, do qual resulta, designadamente, o seguinte: “(...)


«Imagem no original»

(...)” - cfr. fls. 25 e 26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B) - No ano de 2008, os Impugnantes tinham a sua residência habitual e o domicílio fiscal em Amora - facto não controvertido, alegado no art.° 19.° da p.i. em conjugação com a alínea d. das conclusões da p.i., não impugnado pela Fazenda Pública; cfr. confirmada pela análise dos documentos de fls. 25 e 26 dos autos e 6 e 7 do PAT apenso (RG), não impugnados;

C) - Durante o ano de 2008, e ao abrigo do contrato identificado na alínea A) da factualidade assente, o Impugnante marido efetuou diversas deslocações para as instalações/obras da D..., SPA, Marselha, e da U..., Huelva - facto não controvertido, alegado no art.° 24.° da p.i. e não impugnado pela Fazenda Pública; cfr. informação que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que consta de fls. 99. e ss. dos autos;

D) - No ano de 2008, a sociedade “C...M..., LDA”, pagou ao Impugnante marido o valor de € 17.207,29, a título de ajudas de custo - facto que se extrai do RIT, em concreto de fls. 102 dos autos;

E) - Em 19 de fevereiro de 2009, os Impugnantes apresentaram declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, tendo declarado no Anexo A, rendimentos de trabalho dependente, relativos à referida empresa, no valor total de € 5.139,85 - facto não controvertido e que se extrai da declaração a fls. 105v a 106 v dos autos; conjugada com o RIT, em concreto de fls. 102 dos autos;

F) - A Autoridade Tributária, credenciada pela Ordem de Serviço n.° OI2..., de 22.02.2012, deu início a uma ação de Inspeção Tributária, de âmbito parcial, com vista à análise do cumprimento das obrigações tributárias do Impugnante marido, em sede de IRS, respeitante ao ano de 2008, que teve por base os elementos recolhidos na sociedade “C...M..., LDA.” - cf. RIT que consta de fls. 99 e seguintes dos autos;

G) - No âmbito da ação de inspeção identificada na alínea F) da factualidade assente, foi elaborado, em 31 de outubro de 2012, o Relatório de Inspeção Tributária, constando do seu teor, designadamente, o seguinte: “(...)

Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.° 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações.

No presente caso, constatou-se que os locais de trabalho, determinados nos contratos de D..., SPA, Marselha e U... - Huelva, em Espanha (anexo 3), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C... - M..., Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores.

Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes na empresa referentes aos meses de maio e junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que o boletim itinerário (anexo 5) relativo ao mês de maio de 2008, menciona que o trabalhador, entre o dia 05 e 30 de maio de 2008, foi quase diariamente da Amora a Huelva (Espanha) e voltou tendo saído às 7 horas e regressado às 22 horas, pelo que não oferece qualquer credibilidade.

Refira-se ainda que relativamente ao mês de junho não existe qualquer documento de suporte do valor de que lhe foi pago a título de “ajudas de custo”.

Conclusão

Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia.

Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas.

Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo e Quilómetros pagos aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação.

Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.° do Código do IRS.

Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n.° 2 do artigo 103.° do Código do IRS.

Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelos sujeitos passivos, pelo que se propõe a alteração de rendimentos declarados, nos do n.° 4 do artigo 65.° do CIRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A nos seguintes termos:

(...)” - cfr. RIT a fls. 99 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

H) - A 26 de novembro de 2012, a AT emitiu a liquidação adicional de IRS n.° 2012 400..., referente ao ano de 2008, com o valor a pagar de € 2.204,50, e a respetiva demonstração de juros compensatórios, no montante total de € 312,85 - cfr. fls. 19 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; cf. fls. 125 e 126 dos autos;

I) - A 26 de novembro de 2012, a AT emitiu a liquidação de demonstração de acerto de contas n.° 2012 00..., referente ao ano de 2008, com valor total a pagar de € 2.567,92 - cfr. fls. 19 dos autos;

J) - Em 7 de dezembro de 2012, na sequência da notificação dos atos de liquidação referidos nas alíneas antecedentes, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, tendo sido elaborada «Informação» pela Divisão de Justiça Tributária na qual foi proposto o seu indeferimento - cfr. fls. 2, 9 a 14 do PAT apenso (RG), cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;

K) - Em 3 de janeiro de 2013, a Chefe de Finanças, com base na «Informação» identificada na alínea antecedente, proferiu projeto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa - cfr. despacho de fls. 9 do PAT apenso (RG);

L) - Na sequência da notificação do projeto de decisão de indeferimento identificado na alínea antecedente, os Impugnantes exerceram audição prévia - cfr. fls. 70 a 77 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

M) - Em 5 de fevereiro de 2013, a Chefe de Finanças proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 19 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

N) - Em 10 de abril de 2013, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico contra a referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 36 a 34 do PAT apenso (RH), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

O) - Em 27 de junho d 2013, foi elaborada «Informação» pela Divisão de Administração, da Direção de Serviços de IRS, na qual foi proposto o indeferimento do referido recurso hierárquico - cfr. fls. 41 a 48 do PAT apenso (RH), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

P) - Em 28 de junho de 2013, a Diretora de Serviços do IRS, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, com base na informação identificada na alínea antecedente - cfr. despacho de fls. 41 do PAT apenso (RH), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q) - Em 2 de setembro de 2013, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal - cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.


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Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.

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Motivação: A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

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2. DO ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto.

O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Almada que, concluiu que a Administração Tributária não logrou provar a existência dos pressupostos legais da sua atuação, isto é, que as importâncias auferidas a título de ajudas de custo eram, afinal, remuneração derivada da prestação de trabalho, anulando a consequente liquidação adicional de IRS do ano de 2008, bem como a liquidação de juros compensatórios.

A Recorrente não se conforma com o decidido por entender que que os montantes em causa não revestem a natureza de ajudas de custo. Mais alega que, consta do contrato de trabalho que o Impugnante marido é contratado para as oficinas na sede da C..., mas desde logo, fica também ali fixado que, com o início da execução do contrato, exerce as suas funções nas instalações/obra D..., STA Marselha, e que em face do teor das várias cláusulas do contrato o local de trabalho do impugnante é a obra D..., STA, local no qual ficou acordado que iria exercer funções, e que pela clausula Sexta do contrato, este “caduca com a conclusão do trabalho para que o 2.º Outorgante é contratado ou mediante comunicação da C... de cessação do mesmo (…)” (pontos 10 a 13 e 16 da alegação de recurso).

Assim, entende que a sentença fez uma errada apreciação dos factos que fixou e omitiu factualidade relevante, como algumas cláusulas contratuais.

Mas desde já se diga que não tem razão.

Quanto à omissão de algumas cláusulas contratuais, embora sem explicitar concretamente quais são, da leitura da alegação de recurso retira-se que se refere à cláusula sexta, única que indica, e cujo teor não foi transcrito no probatório.

Ora, na alínea A) do probatório dá-se como provado a celebração do “contrato a termo incerto”, que se deu por integralmente reproduzido, transcrevendo-se, o teor das cláusulas Primeira, Segunda, Terceira e Quarta.

Assim sendo, a cláusula Sexta do contrato embora não tenha sido transcrita integra já o probatório, pelo que foi considerada e valorada na decisão da matéria de facto. Tanto basta, como veremos infra, para que o tribunal tenha efectuado o devido enquadramento jurídico.

Pelo que se desatende o aditamento da referida cláusula ao probatório.

De salientar que a Recorrente não impugna directamente a factualidade dada como assente nas alíneas B) e C) do probatório (artigo 640.º do CPC).

Em tais alíneas dá-se como provado que os Impugnantes tinham residência habitual em Amora e que durante o ano de 2008, ao abrigo do contrato identificado na alínea A) da factualidade assente, o Impugnante marido efectuou diversas deslocações para as instalações/obras da D..., STA, Marselha, e da U..., Huelva.

Ora, o que a Recorrente aqui faz é interpretar o teor da primeira parte do ponto 2 da cláusula Quarta em conjunção com a cláusula Sexta do contrato e das mesmas retirar ilações de facto favoráveis à sua tese de que o domicilio do Impugnante é o local no qual ficou acordado que ele iria exercer funções, desgarrada do contexto do conjunto do clausulado acordado pelas partes.

Nesta conformidade, o recurso da matéria de facto acaba por se resumir tão-somente a uma divergência sobre a valoração da prova, sem concretizar o vício lógico em que o julgador tivesse incorrido.

No que respeita ao erro na apreciação das provas, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1: O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).

Sobre a análise do contrato de trabalho celebrado, a Mma. Juiz a quo expendeu os seguintes argumentos:

Contudo, compulsado o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.a, que o mesmo foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...M..., LDA”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C...M..., LDA”, exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada.

Resultando da decisão da matéria de facto que a “C...M..., LDA.”, tem sede na Amora, concelho do seixal.

Ou seja, é certo que o ponto 2. da cláusula 4.a do mencionado contrato refere que no início da execução do contrato o Impugnante se deslocará para as instalações/obra da D..., SPA, Marselha, mas também refere que a entidade empregadora pode, a todo o tempo, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho.

Mais.

Aí também se aduz que o Impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...M..., LDA.”, na Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da “C...M..., LDA.”[cfr. cláusula 4.ª do Contrato a que se alude na alínea A) do probatório].

Logo, da leitura do aludido contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspetivos, que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal/diversos países da União Europeia, especificamente, Marselha.

O que dali resulta é que o Impugnante marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C...” exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua atividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a “C...” tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.

Sendo que em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora Impugnante marido receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais [cfr. ponto 4. da cláusula 4a do Contrato, a que se alude na alínea A) do probatório].

Na verdade, do contrato de trabalho dos autos e demais factualidade dada como provada não resulta que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos locais fora de Portugal, tendo como domicilio esses locais de trabalho, apontando antes em sentido diametralmente oposto, ou seja, que o Recorrido estava deslocado em França e Espanha e não que foi contratado para trabalhar em Marselha e Huelva.

Aqui chegados, não vislumbrámos nós que o juízo em que assentou a fixação da factualidade padeça de qualquer erro de julgamento ou que a prova tenha sido erradamente valorada, atente-se para o efeito à motivação quanto à convicção do Tribunal a quo.

Pelo exposto, improcede a pretensão da Recorrente quanto ao aditamento ao probatório da cláusula do contrato de trabalho supra referida, não se verificando erro de julgamento sobre a matéria de facto, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso concernentes à decisão da matéria de facto.

3. DO DIREITO

Estabilizada a matéria de facto importa agora decidir se a sentença recorrida errou ao concluir que a Administração Tributária não demonstrou que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem remunerações de trabalho.

O que está em causa é, pois, saber se se verificam ou não os pressupostos da tributação em sede de IRS, como rendimentos de trabalho, das quantias pagas ao Impugnante marido pela sua entidade patronal a título de ajudas de custo.

A Recorrente insurge-se contra a decisão da primeira instância, em suma, por entender que a AT reuniu prova indiciária suficiente para abalar a presunção prevista no n.º 1, do artigo 75.º da LGT. Mais alegando que o local de trabalho determinado no contrato celebrado coincidia com o local onde o trabalhador prestou serviço e durante o tempo em que tais funções durassem, cessando de imediato o contrato com o fim destas, e que ao decidir como decidiu fez errada aplicação de direito, tendo violado o disposto nos n.ºs 1, 2, 3 do artigo 2.º do CIRS e Decreto-Lei n.º 106/98, de 24/04, assim como o disposto no artigo 342.º do Código Civil.

O Recorrido, por sua vez, sustenta que bem andou sentença recorrida ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas. Alega que resultou provado nos autos que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, obrigando-se a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, e que não só ficou demonstrado a efectiva deslocação da sua residência habitual, como também do seu domicilio profissional.

Invoca ainda em seu favor diversa sentenças e acórdãos prolatados em recursos jurisdicionais interpostos daquelas, que apreciaram factos e fundamentos idênticos aos que tiveram por base a presente impugnação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008, na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores, onde se concluiu pela anulação das liquidações e em negar provimento aos recursos apresentados pela Fazenda Pública.

Vejamos.

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação e, em consequência anular os actos impugnados, por violação de lei, por erro nos pressupostos, depois de transcrever as normas jurídicas aplicáveis ao presente caso e citar pertinente jurisprudência sobre a matéria, estruturou discurso fundamentador, em suma, nos seguintes termos:

(…) cumpre averiguar se no caso sub judice a AT podia considerar, como considerou, que os montantes abonados ao Impugnante marido pela sua entidade patronal a título de ajudas de custo integravam rendimento coletável em sede de IRS.

Para o efeito, imporá recuperar o teor do Relatório da AT, e qual a fundamentação aduzida pela entidade fiscalizadora para que se possa perceber o iter cognoscitivo que esteve na base das mesmas e quais as realidades fácticas que carreou para os autos para provar os factos índice.

Atentando no teor do RIT, para fundamentar a correção em sede do IRS que está na génese da liquidação adicional, a AT começa por evidenciar a base legal que reputa aplicável, para depois salientar que “[D]a análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, n.° 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações”.

Mais evidencia o Relatório que: “No presente caso, constatou-se que os locais de trabalho, determinados nos contratos de D..., SPA, Marselha e U... - Huelva, em Espanha (anexo 3), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4).

Depois, continuando a remeter para a generalidade dos casos, salienta que: “Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C... - M..., Lda., faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”.

Mais se refere no RIT que: “Após análise dos documentos de suporte aos valores pagos a título de “ajudas de custo”, foram recolhidos, como exemplo, todos os boletins itinerários existentes na empresa referentes aos meses de maio e junho de 2008. Relativamente ao presente sujeito passivo constatou-se que o boletim itinerário (anexo 5) relativo ao mês de maio de 2008, menciona que o trabalhador, entre o dia 05 e 30 de maio de 2008, foi quase diariamente da Amora a Huelva (Espanha) e voltou tendo saído às 7 horas e regressado às 22 horas, pelo que não oferece qualquer credibilidade. Refira-se ainda que relativamente ao mês de junho não existe qualquer documento de suporte do valor de que lhe foi pago a título de “ajudas de custo”.

E que: “Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado” em diversos países da União Europeia. Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas”.

Continuando a evidenciar que “procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Quilómetros e Ajudas de Custo pagas aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimas eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação”.

Para depois extrapolar que “Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22.° do Código do IRS”. E concluir que “Deste modo, e porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o n° 2 do artigo 103.° do Código do IRS, pelo que se procederá à correcção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no n.° 4 do artigo 65.° do mesmo Diploma.”.

Ora, do teor da fundamentação supra transcrita resulta que no relatório inspetivo que sustenta a correção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspeção tributária constataram que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções nas instalações/obra da D..., SPA, Marselha e U... - Huelva, em Espanha, e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objeto o reembolso/compensação das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Impugnante marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.

Contudo, compulsado o teor do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o mesmo foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...M..., LDA”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C...M..., LDA”, exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. (…)

Logo, da leitura do aludido contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspetivos, que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal/diversos países da União Europeia, especificamente, Marselha.

O que dali resulta é que o Impugnante marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C...” exerça ou venha a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua atividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a “C...” tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.

Sendo que em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora Impugnante marido receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais [cfr. ponto 4. da cláusula 4a do Contrato, a que se alude na alínea A) do probatório].

Mas, como visto, a requalificação pela AT das ajudas de custo em remunerações de trabalho dependente, reside igualmente na circunstância das ajudas de custo revestirem caráter regular.

Porém, é um argumento que não pode proceder.

Sobre este assunto, sempre se dirá o seguinte, por apelo ao decidido pelo STA no seu acórdão de 28 de janeiro de 2015, proc. n.° 0901/14 [disponível para consulta em www.dgsi.pt], ao qual aderimos, onde se pode ler no seu sumário:

“III - Não se pode concluir pelo carácter remuneratório de certas ajudas de custo apenas da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou é pago a todos os funcionários.” (destaque nosso).

Aliás, conforme vem sendo entendimento dos Tribunais Superiores “...[d]o facto de a quantia paga aos trabalhadores a esse título ser «fixa e regular» não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou com idiossincrasias desses países (como a dimensão da economia informal) estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar” - cfr. Ac. TCAN, proc. n° 00237/06.9 BEBRG, de 13.02.2014, e, ainda, no mesmo sentido, de 08.05.2008, proc. n.° 00272/06.7 BEPNF, e o já acima citado de 16.11.2006, proc. n.° 00083/02 Porto, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

Quanto ao suporte documental, é genericamente enumerado que “nas pastas de documentos de suporte verificadas junto da C... - M..., Lda. faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores”.

E, em abono da sua tese, a AT evidencia que o boletim itinerário relativo ao mês de maio de 2008, menciona que o trabalhador em causa, entre o dia 05 e 30 de maio de 2008, foi quase diariamente da Amora a Huelva (Espanha) e voltou tendo saído às 7 horas e regressado às 22 horas, e que, quanto ao mês de junho, não existe qualquer documento de suporte do valor de que lhe foi pago a título de «ajudas de custo».

Mas a verdade é que tais circunstâncias [das quais, em rigor, a AT não retira consequências, para além de emitir um juízo conclusivo de que o boletim de maio “não oferece qualquer credibilidade”] não se afiguram suficientes para subsumir os valores auferidos pelo Impugnante marido na Categoria A, enquanto rendimentos de trabalho dependente.

Aliás, como é bom de ver, e relativamente ao boletim do mês de maio, não basta a AT fazer um confronto genérico e conclusivo com a evidência da hora de partida e regresso do trabalhador, para depois extrapolar que tal boletim não oferece credibilidade, sem esclarecer e apontar as concretas razões que levam a emitir esse juízo, limitando-se depois retirar a conclusão de que as quantias em causa devem ser consideradas remuneração de trabalho.

Cumpre relevar, outrossim, que não é imprescindível a elaboração de boletins de itinerários semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efetuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo - neste sentido, importa convocar os Acórdãos proferidos pelo TCA Norte de 10.11.2016, no processo n.° 00764/13.1BEPNF, e de 12.06.2014, no processo n.° 04861/04VISEU, e TCA Sul, de 29.06.2016, no processo n° 07890/14, todos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

Do mesmo modo, cumpre salientar que não releva, nem pode relevar o argumento de que as ajudas de custo superam o valor das remunerações e isto porque do preceituado no artigo 2.°, n.° 3 alínea d), do CIRS, não resulta qualquer valor limite que permita descaracterizar as verbas auferidas como ajudas de custo como remuneração. O que se encontra consignado é que ultrapassados os montantes legais deve ser tributada a importância correspondente ao excesso.

Conforme consta expressamente enunciado no Aresto do TCAN, de 08.05.2008, proferido no processo n° 00272/06.7BEPNF, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt: “Como resulta do estatuído pelo art. 2.° n.° 3 al. d) CIRS, nenhum tecto se coloca ao valor que pode ser auferido a título de ajudas de custo, para além da ultrapassagem dos montantes legais do mesmo tipo de prestação prevista para os servidores do Estado, sendo que, mesmo nesta última hipótese, o efeito não é desqualificar as ajudas de custo, mas sim, mantendo esta mesma condição, tributar a importância correspondente ao excesso.” [destaque e sublinhado nosso].

Tudo visto e ponderado, o que verdadeiramente releva no caso vertente é que o Impugnante marido prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Marselha e em Huelva, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efetivamente, mostra-se provado nos autos que o Impugnante marido celebrou contrato de trabalho com a “C...” para exercer a sua atividade profissional, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em França e em Espanha.

Dimana, assim, inequívoco que a AT não ilidiu o ónus probatório a que se encontrava investida, uma vez que os indícios recolhidos pela AT não permitem suportar a conclusão a que chegou de que as ajudas de custos auferidas efetuadas consubstanciam vencimentos, donde, subsumíveis e tributadas enquanto rendimentos do trabalho dependente.

Caberia, por isso, à AT reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias em causa são consideradas remuneração de trabalho, em cumprimento do ónus probatório que sobre si impende, como decorre do artigo 74.° da LGT. O que a AT não fez. (…)

Diga-se, desde já, que o decidido pela primeira instância merece a nossa total concordância.

A questão colocada no presente recurso foi já submetida à apreciação deste Tribunal Central Administrativo, que em diversos acórdãos já se pronunciou, onde estavam em causa, liquidações de IRS do ano de 2008 a trabalhadores da mesma empresa, com origem na mesma acção inspectiva à sociedade C....

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do acórdão de 28/09/2017, proc. n.º 578/13.9BEALM, deste Tribunal Central Administrativo Sul, e por as questões aqui em análise não deferirem, pois, tratam-se das mesmas situações de facto (embora relativa a outra obra da C...) e de direito, pelo que permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:

«A Fazenda Pública, ora Recorrente, manifesta-se, também em sede de recurso jurisdicional, contra este entendimento, defendendo que provou o que lhe competia e que, aliás, era ao Impugnante que cabia a prova que exige à AT.

Vejamos, então, a questão que nos ocupa.

Na análise que se segue iremos lançar mão daquilo que ficou dito no acórdão do TCA Norte, de 10/11/16, no processo nº 00764/13.1 BEPNF, onde se apreciou e decidiu questão absolutamente idêntica àquela que aqui se discute.

Com efeito, a questão essencial a analisar é a mesma, ali se apreciando a controvérsia ajudas de custo/remunerações pagas pela ..., em 2008, a um outro trabalhador. A base fundamentadora da liquidação impugnada no referido processo nº 00764/13.1 BEPNF (o relatório de inspecção) é em tudo similar àquela que está subjacente à liquidação emitida com respeito ao P....

É, pois, com expressa menção e transcrição do citado acórdão que se passará a decidir.

Em tal aresto se deixou dito, além do mais, que:

“(…)

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.

Vamos, então, transpor estes conceitos para a situação em análise:

No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.

Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3.º) que a C... tem sede em ... [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S… s.r.I., em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, em ..., Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... – cfr. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia.

Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cfr. ponto 4 da cláusula 4.ª”.

Ora, o mesmo aqui se passa.

O P... foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da sociedade ..., na ..., sem prejuízo, porém, de aquele funcionário se ter obrigado a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a ... exerça, ou venha a exercer, a sua actividade, a fim de aí realizar a prestação de trabalho contratada. Assim foi, aliás, com a obra da ... srl, em Southampton, para onde, logo desde início, ficou acordada a deslocação do funcionário em causa – cfr. Cláusula quarta do contrato junto aos autos.

Prosseguindo, refere o citado acórdão que “Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em .../Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª (aqui, montador) numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.

Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de .../Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos”.

Também aqui, já vimos, são absolutamente idênticas as condições em que o P... foi contratado pela ..., quanto ao local / locais para prestação do trabalho.

E prosseguindo, refere o acórdão do TCA Norte que “De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.

Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.

Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.

Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.

Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».

Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).

Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

(…)

Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar”.

Tal como decidido pelo TCA Norte, são estas razões mais que suficientes para concluir que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, (…) na circunstância de a Administração Tributária não ter logrado demonstrar, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.

Há, também, que manter o decidido quanto à anulação da liquidação de juros compensatórios, já que, não sendo o imposto devido, não se afigura legal a liquidação de juros que visam compensar o atraso da liquidação do imposto.

Por conseguinte, sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pelo não provimento do recurso e, ainda que com apelo a diferente fundamentação, mantém-se o decidido quanto à ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRS e correspondentes juros compensatórios. (…)» (vide no mesmo sentido acs. do TCAS de 17/05/2018, proc. n.º 696/13.3BEALM, de 31/10/2019, proc. n.º 588/13.6BEALM, e de 30/09/2020, proc. n.º 766/13.8BEALM, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS (vide neste sentido Ac. do TCAS de 24/1072000, proc. n.º 3978/00, disponível em www.dgsi.pt/).

Concluímos, assim, pela improcedência de todas as conclusões do recurso.

Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento.


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Conclusões/Sumário:

I. A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

II. Cabe à administração tributária reunir indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho, como decorre do artigo 74.º da LGT.

III. Não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Notifique.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)