Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08595/15
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO/DECISÃO ARBITRAL/INUTILIDADE/OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I – Da sentença, proferida por um Tribunal Tributário de 1ª instância e confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo, que anulou o acto tributário relativo ao pagamento de uma 1ª prestação devida por Imposto de Selo, não resulta a inutilidade da Impugnação Judicial intentada ao abrigo do disposto nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, em que, com fundamento em omissão de pronúncia, é peticionada a anulação de sentença do Tribunal Arbitral que julgou verificada a caducidade do direito de pedir a constituição do Tribunal Arbitral e que tinha por objecto a 2ª prestação devida pelo referido Imposto de Selo.
II – Porque este Tribunal Central, no âmbito das Impugnações Judiciais regidas pelo Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, só tem competência para apreciar e decidir de eventuais nulidades que hajam sido cometidas na elaboração da sentença arbitral ou da violação dos princípios do contraditório e de igualdade de armas antes da prolação daquelas (nos termos plasmados nos artigos 16.º, 26.º e 27.º), é de rejeitar a pretensão deduzida pela Impugnante no sentido de conhecimento, em substituição do Tribunal Arbitral, de quaisquer fundamentos da acção naquele apresentada.
III – Só há omissão de pronúncia se o juiz devendo conhecer de determinada questão – ou porque lhe foi suscitada pelas partes ou porque é de conhecimento oficioso – o não faz nem justifica expressamente essa não apreciação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

H... Imobiliária Portugal, S.A, veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº359/2014-T que, com fundamento em “caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral”, julgou “improcedente o pedido de pronúncia arbitral”.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em conclusão, a Impugnante que:

«i. Vem o presente recurso interposto, porquanto a douta decisão do Tribunal Arbitral mal andou, ao determinar a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, não se tendo pronunciado perante a existência de uma nulidade, de conhecimento ex officio, a todo o tempo.

ii. Assim, no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo nº00144/01-Porto, 2ª Secção - Contencioso Tributário, lê-se o que ora se transcreve ipsis literis: "A violação de princípios constitucionais dos actos que originam uma liquidação não conduz à nulidade da liquidação, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como estatui a alínea d) do nº2 do artigo 133°do CPA."

iii. Da mesma forma, lê-se no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n° 01775/13, 2ª Secção, o que ora se transcreve ipsis literis: "l - Os vícios dos actos tributários só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art.º133º, nº2, do CPA, nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental."

iv. Assim, é precisa e concreta a identificação dos ora referidos acórdãos com a decisão proferida, na parte em que existindo no caso concreto a invocação de violação de um direito fundamental porquanto tendo sido invocado um vício do acto administrativo tributário (aplicação da verba 28.1TGIS), sancionado com nulidade, atendendo a que se encontra o mesmo enfermo de falta de elemento essencial do acto, verificando-se assim as circunstâncias previstas no artº133º/2 CPA, sempre a sua nulidade determinaria o reconhecimento da mesma pelo douto Tribunal, de forma ex officio, a todo o tempo, na esteira do quanto melhor supra se transcreveu, acrescendo assim, a possibilidade de sindicância a todo o tempo,

v. Acresce que foi peticionada a nulidade de citação por omissão de pronúncia (vício de "petitionem brevis") que pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº615, nº1, al.d), do C.P.Civil, de aplicação subsidiária nos presentes autos).

vi. Ora, tal é o caso manifesto nos presentes autos, onde determinou o douto Tribunal não se pronunciar sobre a invocada nulidade invocada, por violação do disposto no art.º36° CPPT e 77º LGT, questão esta inclusivamente de conhecimento oficioso.

vii. O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.

viii. Ora na verdade, o douto Tribunal a quo, não se pronunciou sobre a requerida e peticionária nulidade por falta de fundamentação a notificação que visava produzir efeitos na esfera jurídica da ora recorrente.

ix. A omissão de pronúncia é causa da nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615° do Código de Processo Civil, aplicável aos autos conforme supra melhor se indicou, vício que se traduz no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no artigo 608º do Código de Processo Civil, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, cfr. melhor entendimento in Ac. STJ de 09.10.2003 e in Ac RP de 20.12.2004.

x. A douta aplicação da justiça, em conformidade com o quanto veio requerido pela ora recorrente, nomeadamente, perante a desconformidade da notificação, com o quanto melhor dispõe o art.º36º CPPT e 77º LGT, sempre determinaria a nulidade da mesma, não podendo a recorrente colher o entendimento, de não ter existido pronúncia sobre a questão prévia por si invocada, a qual é aliás de conhecimento oficioso, tendo o douto Tribunal Tributário, optado ao invés (e mal, conforme infra melhor se demonstrará), por se pronunciar sobre a excepção invocada pela requerida ora recorrida.

xi. No quanto concerne à estrutura e dinâmica do imposto, o facto gerador do imposto consiste na existência de um facto definido na lei que, uma vez verificado, faz nascer a obrigação (exigibilidade) de imposto, cfr. artº36º,1 LGT, assim se obtendo o enunciado do proclamado Princípio da Legalidade, previsto Constitucionalmente, artº103º,2; 165,1 CRP e ainda, previsto na legislação fiscal artº8º LGT.

xii. Neste sentido, vieram a ser apreciados pelo Centro de Arbitragem Administrativa ("CAAD") numerosos processos sobre a controversa aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, nomeadamente, pela violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da legalidade e da confiança.

xiii. No âmbito do referido processo, e considerando que o CAAD decidiu que a adopção do critério defendido pela Autoridade Tributária viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem como o de prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

xiv. Isto é, o CAAD, douto Tribunal Arbitral, havia-se pronunciado já sobre a questão da inconstitucionalidade, não o tendo feito porém, nos presentes autos, onde foi esta também invocada.

xv. No quanto concerne ao Princípio da Legalidade (atendendo à importância que o mesmo assume no presente recurso) é necessário clarificar como o mesmo se encontra in totum violado e, consequentemente, como esta violação por parte da AT sempre determinaria a legitimidade da pronúncia de mérito pelo douto Tribunal Arbitral, consequentemente impondo-se, a revogação da decisão proferida e ora em crise e a sua substituição por outra, que se pronuncie, de mérito, sobre o quanto melhor vem peticionado.

xvi. O Princípio da Legalidade é sem dúvida, um dos mais importantes Princípios Gerais de Direito, com previsão Constitucional, aplicável à Administração Pública, e que aliás, se encontra também, consagrado como princípio geral de Direito Administrativo, assim conforme melhor dispõem os artigos 266º CRP e artº124º/1-do CPA.

xvii. Assim, a observação do Princípio da Legalidade, na sua formulação moderna, cobre todas as manifestações da administração (agressiva mas também, por contraposição, a de prestação), cfr. melhor análise e interpretação dos artigos 199º e 266º do CRP.

xviii. Ora é patente in casu, que a verba 28.1 TGIS na modalidade em que foi imposta nos presentes autos, viola de forma grave e grosseira, o Princípio da Legalidade.

xix. Princípio da Legalidade este que se assume como um Direito Fundamental, que também ele se encontra violado.

xx. A violação de princípios constitucionais dos actos que originam uma liquidação não conduz à nulidade da liquidação, salvo se ofenderem o conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como estatui a alínea d) do nº2 do artigo 133º do C P A.

xxi. É assim entendimento sufragado pela ora recorrente, que no domínio das actividades da administração constitutiva ou de prestação, in casu, na modalidade de tributação da verba 28.1.TGIS, prescindir da submissão ao princípio da legalidade, ou admitir uni seu qualquer desvio, seria abandonar uma imprescindível e inolvidável regra de ouro do Direito Administrativo: de que só a lei e apenas esta, pode e deve definir o interesse público a cargo da Administração, bem como o limite da sua actuação, tendo como referencia o Princípio da Legalidade, que nos presentes autos, se encontra manifesta e censuravelmente violado.

xxii. O que, ao ter sido confirmado pelo douto Tribunal Arbitral, porquanto não se pronunciou o mesmo sobre o mérito da acção (pois em situações idênticas, pronunciou-se pela inconstitucionalidade e ilegalidade da aplicação da verba 28.1TGIS), veio ao abrigo de uma errónea interpretação da lei (porquanto perante à violação de um direito fundamental que gera nulidade, é a mesma invocava! a todo o tempo), coarctar a douta aplicação da Justiça e, sobremaneira preocupante, dar abrigo legal a aplicação de um imposto que não encontra fundamento de existência legal.

xxiii. Ora, o douto Tribunal Arbitral, ao não reconhecer a nulidade por violação do Princípio da Legalidade, da aplicação da verba 28.1TGIS, o que o deveria ter feito de forma oficiosa, perante uma nulidade de conhecimento oficioso, invocável a todo o tempo, veio aplicar norma em perante confronto com o art.207ºCRP, dando abrigo legal a uma nulidade que se assume como a forma mais grave da invalidado, cfr.artº134ºCPA.

xxiv. Pois que perante a aplicação da verba 28.1TGIS conforme o é nos presentes autos, por violação do Princípio da Legalidade e, consequentemente, por violação de um direito fundamental, estamos perante um acto nulo, o qual é totalmente ineficaz ab inicio, não sendo apto a produzir qualquer efeito.

xxv. Acresce ainda, que a nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão, i. é, o acto nulo não é susceptível de ser transformado em acto válido.

xxvi. Conclui-se assim portanto que se, mesmo perante esta realidade indubitável, a Administração quiser impor pela força a execução de um acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (art. 21º CRP).

xxvii. Para o que importa para o caso concreto e em particular, assim demonstrando claramente que mal andou o douto Tribuna! Arbitral, um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo.

xxviii. Assim, se demonstra claramente, que o douto Tribunal Arbitral se deveria ter pronunciado peia nulidade do acto administrativo tributário e assim, admitir que o requerimento havia sido oportuno e tempestivo.

xxix. E ademais, assim o impõe a douta aplicação da justiça, porquanto não se poderá nunca admitir a existência da aplicação de um imposto (verba 28.1TGIS) que viola de forma grave e grosseira, o Princípio da Legalidade.

xxx. As nulidades por natureza consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode deixar de ser nulo, a mesma lógica jurídica que determina que a aplicação da verba 28.1TGIS in casu é manifestamente desconforme à Lei e um atentado aos demais Princípios Constitucionais e Direitos Fundamentais.

xxxi. Estamos assim perante, cfr. supra melhor tivemos a oportunidade de alegar, perante um acto que viola o conteúdo essencial de um direito fundamental do cidadão.

xxxii. Razão pela qual, também à face da Constituição, estes actos não podem ser considerados actos simplesmente anuláveis, uma vez que existe, quanto a eles, direito de resistência (artº21ºCRP), cfr. supra melhor também se deixou alegado.

xxxiii. Este Direito de Resistência Fiscal que se encontra consagrado no art.103°, nº3 da CRP determina claramente que: "Ninguém pode ser obrigado n pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei."

xxxiv. Inexistem assim dúvidas que a Verba 28.1TCIS é um imposto que não foi criado nos termos da Constituição por manifesta violação do Princípio da Legalidade, o que implica per si, uma violação dos Direitos Fundamentais, aquando a AT procura a sua aplicabilidade prática em censurável violação pelas Garantias dos Contribuintes.

xxxv. Ora todas estas Garantias dos Contribuintes, todos estes Princípios que tutelam a existência de uma administração tributária e que regem a sua relação com o contribuinte se encontram irremediavelmente afectados na aplicabilidade da verba 28.1TGIS.

xxxvi. Entre nós tal facto é confirmado inteiramente pelos arts. 103º, nº2, e 165º, nº1da CRP, preceitos que constituem disposições vinculantes do exercício cio poder tributário e que, in casu, se encontram violados.

xxxvii. Razão esta pela qual determinam a nulidade do presente acto administrativo tributário, evidência que o douto Tribunal Arbitral olvidou.

xxxviii. Nos termos dos arts.103º, nº2, e 165º, nº1, da actual Constituição, «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», e é da reserva relativa da Assembleia da República legislar sobre «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas», escreve Domingos Pereira de Sousa.

xxxix. Mas vai mais longe a Constituição, no seu artº103º, ao estabelece o princípio da preeminência da lei fiscal determinando, que: "Ninguém poder ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas previstas na lei,"

xl. É assim manifesto nos presentes autos, de que não pode, a recorrente, enquanto sujeito passivo tributário, ser obrigada a pagar imposto que não foi criado nos lermos da constituição e cuja liquidação e cobrança não se façam observar pelos ditames da lei.

xli. isto é, par e passo com a o brocardo "nullum crimen, nulla poena sine lege" a doutrina estabeleceu quanto ao Direito Fiscal a regra do "nullum tributum sine lege", cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, ob. cif. p. 101 e, ainda, cfr. ALBERTO XAVIER, Manual...cit p. 119 e ss; SOARES MARTÍNEZ, Manual ...cit. pp. 105-306.

xlii. É unânime, segundo se crê, o entendimento de que a violação do princípio da legalidade gera uma verdadeira inconstitucionalidade material, enferma de nulidade.

xliii. Estamos assim perante nulidade absoluta, radical ou de pleno direito (ipso jure), porquanto estamos perante um acto administrativo tributário que se considera como intrinsecamente inválido, faltando-lhe elementos essenciais para a sua perfeição, cfr. supra melhor alegado.

xliv. A nulidade absoluta é ainda dotada e revestida de um carácter geral, podendo qualquer pessoa invocá-la a seu favor e contra quem quer que seja (erga omnes) e, o juiz pode e deve, ex officio, por sua iniciativa, e em qualquer momento, apreciar a nulidade, entendimento este que deveria ter sido sufragado pelo douto Tribunal Arbitral, porquanto a nulidade absoluta não está sujeita a prazos de prescrição ou de caducidade.

xlv. Ora, se nos termos da lei - cfr. art. 204º, nº1, al. a), do CPPT (que corresponde ao art. 286º nº1, al. a) do CPT) - a legalidade abstracta do acto tributário pode ser suscitada na oposição à execução fiscal, por maioria de razão deveria a mesma ter sido apreciada ex officio, pelo douto Tribunal Arbitral.

xlvi. Outra não pode ser a conclusão, por força do direito de resistência consagrado no artº103, nº3 da CRP - a que é aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias fundamenais - de que são nulos os actos tributários praticados em execução ou ao abrigo de normas legais inconstitucionais, sanção que mais justificada se torna quando, como no caso vertente, está em causa a violação do conteúdo essencial do direito de "não pagar impostos que não hajam sido criados nos lermos da Constituição (...) ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei."

xlvii. Ora, sendo inconstitucional a aplicação da verba 28.1.TGIS, na forma como vem aplicada nos presentes autos, cfr. supra melhor se alegou, esta decisão está feridade nulidade, a qual é de conhecimento oficioso, a todo o tempo (razão pela qual inexiste a caducidade do direito de acção que o Tribuna! Arbitral adoptou) e, consequentemente, nulos são os actos praticados - no caso, a liquidação - no pressuposto da sua validade. - cfr. neste sentido, o artº133º, nº2, alínea i), do CPA; art.98º, nº3, do CPPT, e art. 201º, nº2, do CPC; e, na doutrina, Mário Esteves Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ªedição, pgs. 650.

xlviii. Assim, a inconstitucionalidade arguida na impugnação judicial deduzida contra o acto tributário releva, atenta a sanção da nulidade que lhe corresponde, de conhecimento oficioso, a obrigação de sobre a mesma se ter pronunciado o douto Tribunal Arbitral.

xlix. E não se diga que a pretensão da recorrente está prejudicada por não ter atacado, pelo meio adequado e em tempo oportuno, o vício da inconstitucionalidade da decisão administrativa, até porque, mesmo abstraindo da falta de explicitação de qual seja esse "tempo oportuno", tal entendimento colide frontalmente com o disposto no art.102º, nº3, do CPPT, segundo o qual "Se o fundamento [da impugnação] for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo".

l. Acresce que, mesmo na ausência da arguição do referido vício, fazia-se mister que, a douta sentença dele conhecesse e anulasse o acto tributário, não só porque "quod nullum est nullum efectum producit", mas também por força do disposto nos arts. 202º, nº2, e 204", ambos da CRP, o primeiro dos quais dispõe que: "Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos...", e o segundo que: "Nos leitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados."

li. Deste modo, e para concluir, entendemos que, não tendo a douta sentença conhecido dos vícios de inconstitucionalidade, da violação do Princípio da Legalidade e da consequente nulidade da aplicação da verba 28.1TGIS, não pode a mesma manter-se na ordem jurídica.

Termos em que com os mais de direito doutamente supridos por Vªs. Exªs, se deverá determinar a procedência por provado da presente impugnação, sendo revogada a douta decisão do Tribunal Administrativo porquanto deve a mesma ser anulada, impondo a douta aplicação da Justiça a sua substituição por outra que determine a oportunidade e tempestividade do quanto vem peticionado e, in fine, determine a nulidade da aplicação da verba 28.1TGIS, assim repondo a estrita legalidade e a confiança dos Contribuintes num listado de Direito Democrático na autoridade administrativa tributária, assim dignificando V.ª Exª tão douta e costumada JUSTIÇA!».

Admitida a Impugnação e notificada a Autoridade Tributária para, querendo, responder, por esta não foi apresentado qualquer articulado.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, pronunciou-se no sentido da improcedência da Impugnação.

Por requerimentos autonomamente apresentados nos autos veio a Impugnante peticionar, invocando a prolação de acórdão deste Tribunal Central que confirmou a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que anulou a 1ª prestação relativa ao imposto liquidado: (i) decisão de inutilidade superveniente da lide por daquela anulação resultar a anulação das demais prestações emergentes da mesma liquidação; subsidiariamente, isto é, não se entendendo que é de relevar nestes autos o mencionado aresto (ii) que seja julgada verificada a nulidade decorrente da omissão de notificação do acto de liquidação do imposto e, por fim, se esta segunda pretensão não for julgada por este Tribunal como sendo de acolher, que sejam relevados os actos procedimentais nos termos e para os efeitos dos artigos 17.º e 20.º, n.º 2, do RJAT.

Tendo já sido colhidos os "Vistos" das Meritíssimas Juízas Desembargadoras Adjuntas, submetem-se, agora, os autos à conferência para decisão.


II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na decisão impugnada ficou decidida a matéria de facto como se segue:

1. A liquidação de Imposto de Selo nº ..., relativa ao ano de 2012, cujo prazo limite de pagamento da terceira prestação ocorreu em 30-11-2013, foi entregue em 30-10-2013 na caixa postal electrónica da Requerente, conforme documentos 1 e 2 juntos pela ATA com a sua resposta.

2. A notificação foi efectuada em 24-11-2013, por força do artigo 39º, nº10 do CPPT.

3. A Requerente acedeu à caixa postal electrónica em 03-12-2013, conforme documento 2 junto pela ATA com a sua resposta.

4. A Requerente foi citada, em 30-01-2014, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., conforme documento 1 que a Requerente juntou com o pedido arbitral.

Ficou ainda consignado na sentença impugnada que: «Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa», e a título de «Fundamentação da matéria de facto provado» exarou-se que: «No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.»

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do ponto I do presente acórdão resulta claro qual o objecto da presente Impugnação Judicial: sentença proferida pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 359/2014-T que julgou procedente a “ excepção de caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral” “e, consequentemente”, julgou “improcedente o pedido de pronúncia arbitral”.

Para sustentar a sua decisão, o Tribunal Arbitral, após sedimentar a factualidade que julgou pertinente para a apreciação das questões suscitadas pelo sujeito passivo, começou por apreciar a questão cujo conhecimento e decisão em seu entender devia preceder as demais quanto ao mérito suscitadas, no caso, a questão de “intempestividade do pedido” suscitada na contestação pela Administração Tributária.

Nesse sentido, pode ler-se na sentença impugnada, imediatamente após o julgamento de facto, o seguinte:

«(…)3.1. Questão da intempestividade do pedido

O prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral, é de 90 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 e 2 do artigo 102º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do RJAT.

Ficou provado que a ATA enviou para a caixa postal eletrónica da Requerente em 30-10-2013 a liquidação de Imposto de Selo em causa nestes autos. Nos termos do artigo 39º n.º 10 do CPPT, a Requerente considera-se notificada no 25º dia posterior ao envio para a caixa postal eletrónica da notificação, caso o contribuinte não aceda à caixa em data anterior. A Requerente apenas acedeu à caixa em 03-12-2013, pelo que se considera que foi notificada em 24-11-2013.

O prazo limite de pagamento da terceira prestação da liquidação de Imposto de Selo, que é a única que está em causa nestes autos, terminou em 30-11-2013, conforme ficou provado com a junção da liquidação em causa pela ATA com a sua resposta.

Nos termos do artigo 120º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aplicável por força do artigo 44º n.º 5 do Código do Imposto de Selo, quando o valor do imposto é superior a 500 €, é pago em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro. Este é o prazo limite de pagamento de cada uma das prestações da liquidação do Imposto de Selo.

A terceira prestação do Imposto de Selo liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS teria que ser paga até 30-11-2013, como acima se referiu e conforme consta do referido documento junto pela ATA.

Assim, o prazo para apresentação do pedido arbitral iniciou-se em 01-12-2013 e terminou em 28-02-2014.

Por conseguinte, o pedido de constituição do tribunal arbitral é intempestivo, uma vez que este apenas deu entrada no dia 28-04-2014.

A Requerente alega, contudo, que o prazo limite de pagamento voluntário do Imposto de Selo em causa é o prazo que consta da citação. No entanto, não assiste razão à Requerente.

Dispõe o artigo 35º n.º 2 do CPPT que “a citação é o ato destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.” Assim, a citação é o chamamento do sujeito passivo para a execução fiscal, que ocorre quando o mesmo não procedeu ao pagamento da dívida no prazo de pagamento voluntário. Terminado esse prazo de pagamento voluntário, a ATA avança para a cobrança coerciva da dívida, através do processo de execução fiscal. Daí que, quando o sujeito passivo é citado, disponha de um prazo adicional de 30 dias para pagar a dívida.

O artigo 102º n.º 1 alínea c) do CPPT, aplicável por força da remissão do artigo 10º n.º 1 alínea a) do RJAT, prevê um caso em que a impugnação judicial pode ser interposta num prazo a contar da citação. Refere esta norma legal que a impugnação judicial será apresentada no prazo de três meses a contar da “citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal”. Mas esta faculdade só aproveita aos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal, o que não é o caso dos autos, pelo que este prazo não aproveita à Requerente.

No caso da Requerente, o prazo é o previsto no artigo 102 n.º 1 alínea a) do CPPT, aplicável por força do artigo 10º n.º 1 alínea a) do RJAT, prazo esse contado do termo do prazo limite de pagamento.

Concluindo, o presente pedido foi interposto depois de decorrido o prazo legal para o efeito, pelo que caducou o direito da Requerente de impugnar a liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos.

Jorge Lopes de Sousa, no Código do Procedimento e do Processo Tributário anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, página 155, refere que “a impugnação dos atos anuláveis tem de se fazer no prazo que estiver previsto na lei, para cada caso. Se a impugnação não for deduzida nesse prazo, caduca o direito de impugnar com fundamento em vícios geradores de anulabilidade”.

A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, constitui uma exceção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância (artigo 288.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil).

A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º,n.º 1, alínea e) do RJAT (neste sentido, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2011, processo n.º 0241/11).

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se julgar procedente a exceção de caducidade invocada pela Requerida e, em consequência, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral. (….)» [negrito de nossa autoria].

Em suma, e se bem interpretamos a decisão impugnada, o Tribunal Arbitral, apreciando, face aos factos que apurou, a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Administração Tributária, decidiu, pelas razões de facto e direito que igualmente adiantou, julgar a mesma procedente e expressamente prejudicadas, com esse fundamento, a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.

É com esta decisão que a Impugnante está inconformada atacando-a nos termos que resumiu nas conclusões que se mostram transcritas no ponto I supra.

Antes, porém, de analisarmos em concreto de que forma o ataque à sentença se mostra gizado, importa que efectuemos um breve enquadramento do regime legal em que a nossa decisão necessariamente se terá de louvar, em especial do regime emergente do Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos comandos que aí foram consagrados e que delimitam a competência deste Tribunal Central em matéria de impugnações judiciais em matéria arbitral.

Nesse sentido, começamos por realçar que volvidos já cerca de 6 anos sobre a introdução no ordenamento jurídico português da regulamentação relativa à arbitragem em matéria tributária e, consequentemente, da existência de um controlo jurisdicional das decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais neste domínio, é seguríssimo afirmar-se que a delimitação que desse controlo têm sido feita pelos nossos Tribunais Superiores no âmbito das múltiplas decisões proferidas apenas em casos contados e muito excepcionais se tem vindo a afastar ao longo deste tempo da orientação que desde logo se firmou como única: foi vontade do legislador, e assim o expressou claramente na Lei, estabelecer um elenco fechado de fundamentos de reacção às decisões dos tribunais arbitrais, de que decorre que essa impugnação só deve ser admitida, para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do estatuído nos n.º 1 e 2, do art.º 25.º, do aludido DL n.º 10/2011 e para este Tribunal Central, nos termos do preceituado nos artigos 27.º e 28.º do mesmo diploma legal citado.

Do que vimos dizendo resulta, assim, que é entendimento até hoje largamente dominante que o meio e os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais Arbitrais para este Tribunal Central são, respectivamente, a impugnação da decisão, consagrada no artigo 27.º, e os vícios de forma expressamente tipificados no art.º 28.º, do mencionado DL n.º 10/2011, isto é, falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, oposição dos fundamentos com a decisão, pronúncia indevida ou omissão de pronúncia e violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes, tal como delimitado pelo art.º 16.º, do mesmo diploma legal, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos tribunais tributários, nos termos do plasmado no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do art.º 615.º do Código de Processo Civil.

E ainda que alguma jurisprudência se tenha ocupado sobre uma eventual incongruência desse entendimento com a expressão utilizada pelo legislador arbitral ao afirmar que a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo através do presente expediente processual, o certo é que também nesta parte não mereceu acolhimento uma interpretação mais abrangente dos meios ou fundamentos mencionados, nem, de resto, grandes preocupações doutrinais, refutando-se qualquer hipótese de conceder qualquer relevância à terminologia utilizada pelo legislador no n.º 1, do art.º 27.º do referido DL n.º 10/2011.

Aliás, em vários arestos deste Tribunal Central em que a questão foi directamente apreciada afirma-se que “se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do Decreto-Lei em causa, quando, e para o que aqui releva, refere que «A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes», transmitindo, assim e de forma inequívoca, a sua opção por uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos». (2)

Densificando do ponto de vista jurisprudencial e doutrinal cada um dos referidos fundamentos comecemos por salientar aquele que foi invocado pela recorrente como suporte da sua pretensão anulatória, sem prejuízo de posteriormente nos debruçarmos sobre os demais para que fiquem nítidos os limites de conhecimento ou do objecto deste tipo de acção e que no caso concreto determina não só a decisão que tomemos quanto ao que nos vem pedido na petição inicial como nos requerimentos que posteriormente nos foram apresentados.

Assim, no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia diga-se que é, há longos anos, plenamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que aquela só existe se o Juiz, devendo pronunciar-se sobre determinada questão [ou porque a mesma lhe foi suscitada pela parte ou oficiosamente se lhe impunha que tivesse conhecido, num caso e noutro por se não mostrar prejudicada pela solução dada a outra (s)], de todo, isto é, em absoluto o não tiver feito, não valendo, para este efeito (omissão de pronúncia), uma apreciação mal fundamentada e, muito menos, incorrecta, constituindo, naquela primeira circunstância, uma decisão do ponto de vista jurídico pouco rigorosa (ou medíocre) e consubstanciando a verificação da segunda eventual erro de julgamento (cfr. artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, paralelamente, artigos 615º e 608º, ambos do Código de Processo Civil).

Em suma, sendo inquestionável que só existe omissão de pronúncia se o juiz não tomou posição sobre questão colocada pelas partes ou que oficiosamente lhe incumba conhecer, não emitiu decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, não indicou razões para justificar essa abstenção de conhecimento e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio – uma vez que se o juiz se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada decidindo contra lei expressa ou contra os factos apurados estamos no domínio do erro de julgamento - a questão de saber se a sentença dos autos é nula com aquele especifico fundamento está dependente da resposta que os autos revelem quanto a ter efectivamente sido suscitada questão fundamental que o Tribunal a quo não conheceu sem justificação.

No que concerne à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, é entendimento firme que a mesma apenas ocorre quando haja uma total e absoluta ausência de ambas e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão. (3)

Como ensinava já ALBERTO DOS REIS no seu “Código de Processo Civil Anotado”, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º». (4)

Em suma, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-2-2013 «tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.».

Por outro lado e no que toca à oposição entre os fundamentos e a decisão, dir-se-á que ela se consubstancia na contradição entre os pressupostos atendidos no processo lógico - dedutivo e a decisão em que aqueles deviam culminar, isto é, ela verificar-se-á sempre que a conclusão extraída pelo julgador for totalmente divergente ou oposta daquela a que necessariamente conduziria o raciocínio que imediatamente a antecedeu. (5)

Por último, deixamos ainda duas notas essenciais deste regime impugnatório. A primeira prende-se com o princípio do contraditório que constitui, como é sabido, um princípio estruturante do ordenamento jurídico português pelo qual é assegurado às partes a participação efectiva no desenvolvimento de todo o litígio, que lhes seja assegurada a possibilidade de influenciar a decisão quer na parte relativa à matéria de facto, em sede probatória (instrução e conclusões passíveis de serem extraídas dessa produção), quer de direito.

«No plano da alegação [introdução dos factos principais da causa], «o princípio do contraditório exige que os factos alegados por uma [das partes] (como causa de pedir ou fundamento de excepção) possam pela outra ser contraditados (por impugnação ou por excepção), sendo assim concedida a ambas, em igualdade, a faculdade de sobre todos eles se pronunciarem». No plano da prova, «o princípio do contraditório exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa, que lhes seja consentido fazê-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal». Por fim, no plano de Direito e alegações finais, o exercício do contraditório exige que a parte se possa pronunciar e argumentar juridicamente sobre todas as questões e diligências de prova realizada, desenvolvendo perante o Tribunal o seu próprio juízo final, de facto e direito, sustentador do sentido da decisão que tem por firme que deva ser o alcançado e proferido no processo. (7)

A segunda nota que se impõe realçar é relativa à proibição de decisão -surpresa, salientando-se que a sua invocação está correlacionada com a referida violação do princípio do contraditório de que, pelo menos na maior parte dos casos, constitui mera decorrência.

Efectivamente, os artigos 3º e 4º do actual Código de Processo Civil (cujo teor, no essencial, havia sido introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e aperfeiçoado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), consagram o princípio do contraditório em duas vertentes: o primeiro em geral e na vertente proibitiva da decisão - surpresa; o segundo no aspecto da alegação dos factos da causa.

«Resultam estes preceitos duma concepção moderna do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior». (8) «Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção». (9) «Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão». (10)

«No plano das questões de direito, veio a revisão proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes». (11)

«Esta vertente do princípio [do contraditório] tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade». (12) «Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho saneador, sentença, instância de recurso)». (13)

«A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre a questão oficiosamente levantada gera nulidade, a apreciar nos termos gerais do art. 201º». (14)

Mas, ainda assim, «não deve ter (…) lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação» (15), já que o citado art. 3º, nº 3, do CPC ressalva expressamente da proibição da decisão-surpresa os casos de manifesta desnecessidade.

4.2. Expostos de forma ampla os fundamentos da impugnação e a densificação que destes tem vindo pacificamente a ser realizada pelos nossos Tribunais, fácil se revela agora demonstrar porque é de julgar improcedente quer o pedido de inutilidade superveniente da lide, quer a apreciação dos fundamentos invocados quanto ao mérito da pretensão quer o pedido deduzido nesta acção todo ele suportado numa alegada omissão de pronúncia.

No que respeita ao pedido de inutilidade superveniente da lide, a sua improcedência resulta, naturalmente, de, contrariamente ao que parece ser o entendimento da Impugnante, o objecto desta acção se esgotar na eventual nulidade da sentença arbitral. Ou seja, porque tudo quanto a este Tribunal Central compete aferir é da nulidade da sentença arbitral por força da verificação de qualquer um dos fundamentos enunciados no artigo 28.º do RJAT, a inutilidade dessa apreciação só poderia resultar de ter ocorrido qualquer facto ou produzido qualquer acto de que resultasse inútil a apreciação dessa decisão.

Ora, como claramente decorre do pedido de inutilidade, o que a recorrente pretende é que este Tribunal julgue inútil essa apreciação declarando que a anulação do acto de liquidação da primeira prestação arrasta inelutavelmente consigo a anulação das prestações subsequentes.

Acontece porém que, essa apreciação e a declaração de tais efeitos, ultrapassa claramente o objecto desta acção por implicar um juízo de mérito e de afirmação de produção de efeitos para os quais este Tribunal Central, nos termos e ao abrigo do preceituado no regime consagrado no RJAT, não detém competência.

O que vimos dizendo não significa que a Administração Tributária não possa ou não deva, a pedido da ora Impugnante ou oficiosamente, extrair da referida anulação do acto de liquidação consubstanciado na 1ª prestação as consequências que entenda devidas, mas, sim, que se as não extrair, ou porque não lhe são pedidas ou não as julga devidas, competirá ao sujeito passivo sindicar, graciosa ou judicialmente, essa decisão ou omissão e não a este Tribunal Central, em sede de Impugnação Judicial interposta ao abrigo do preceituado no artigo 27.º e 28.º do RJAT, antecipadamente as impor.

Em suma: da anulação do acto tributário relativo ao pagamento de uma 1ª prestação devida por Imposto de Selo, nos termos em que a mesma foi declarada pelo Tribunal Tributário de Lisboa e no acórdão deste Tribunal Central que a confirmou, não resulta a inutilidade da sindicância da validade formal da sentença arbitral que julgou verificada a caducidade do direito de pedir a constituição do Tribunal Arbitral.

Pelas mesmas razões, isto é, porque como supra deixámos evidenciado a este Tribunal Central só cumpre apreciar de eventuais nulidades que hajam sido cometidas na elaboração da sentença arbitral ou da violação dos princípios do contraditório e de igualdade de armas já sobejamente explicados, se tem de rejeitar qualquer pretensão de que este Tribunal conheça, em substituição do Tribunal Arbitral, de quaisquer fundamentos, isto é, de vícios, alegados perante aquele Tribunal.

Mas será que quanto à pretensão apresentada neste Tribunal Central e que constitui a causa de pedir desta Impugnação Judicial deve ser reconhecida razão à Impugnante?

Tendo nós já afirmado que também nesta parte a resposta deve ser negativa, importa agora que explicitemos este nosso entendimento, recordando, mais uma vez, que o que está em causa nestes autos é a sentença arbitral que julgou verificada a caducidade do direito de acção (“de constituição do Tribunal Arbitral”).

Recuperando o ataque dirigido à sentença, surpreende-se, sem dificuldade, que não obstante clame por uma nulidade por omissão de pronúncia – fundamento este expressamente previsto no artigo 28.º do RJAT – é com o mérito da decisão que a Impugnante verdadeiramente está inconformada, é com a decisão que julgou expressamente prejudicada a apreciação das demais que a recorrente discorda.

Efectivamente, e cingindo-nos agora exclusivamente à nulidade por omissão de pronúncia, basta atentarmos no facto de que as questões cuja omissão vem suscitada foram expressamente julgadas prejudicadas pela decisão anteriormente dada à excepção de caducidade para que se conclua que o vício de omissão de pronúncia se não se verifica, independentemente de, em abstracto, ser configurável que esse julgamento está errado e mesmo que essa questão seja, como alega a recorrente, de conhecimento oficioso, já que, nestes casos, a não pronúncia apenas traduzirá o entendimento do Tribunal quanto à irrelevância do seu conhecimento para a apreciação da causa.

Ou seja, e como tem vindo recorrentemente a ser afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso a “omissão de tal dever” resultante de um juízo de prejudicialidade expressamente exteriorizado não constituirá nulidade da sentença mas erro de julgamento.

Note-se, aliás, que ao longo de toda a apetição inicial essa discordância com o mérito da decisão é evidente, como nos é relevado; pela invocação de que “mal andou o Tribunal (…) por várias razões de facto e direito” (cfr. últimos dois parágrafos de fls. 2 (verso) dos autos; pelo aduzido ao longo de todo o ponto III da mesma petição, onde a Impugnante extensamente se pronúncia quanto ao julgamento do Tribunal arbitral relativo a ficarem as demais questões prejudicadas tentando demonstrar que assim não devia ter decidido e o teor das conclusões, em especial as conclusões X. e seguintes do mesmo articulado.

Em conclusão: tendo o Tribunal Arbitral apreciado uma excepção que julgou dever apreciar antes de conhecer do mérito dos autos e julgado que as demais questões estavam prejudicadas pela solução que defendeu dar aquela, não há omissão de pronúncia mas, eventualmente, erro de julgamento, o qual, nos termos legalmente impostos no regime que regula a presente impugnação judicial, está vedado a este Tribunal Central apreciar.

Improcede, pois, com os fundamentos expostos, a presente impugnação judicial.

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Julgar improcedente o pedido de inutilidade superveniente da lide formulado pela Impugnante H... Imobiliária Portugal S.A.;

- Julgar improcedente a presente impugnação judicial.

Custas pela Impugnante.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Junho de 2017

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]