Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12932/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator: HELENA CANELAS
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA POR NATURALIZAÇÃO
CRIME
REABILITAÇÃO LEGAL
Sumário:I – O que releva no âmbito da previsão normativa contida na alínea d) do nº 1 artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de acordo com o qual só pode ser concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos cidadãos estrangeiros que, para além da verificação dos demais requisitos, cumulativos, não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) é a moldura abstrata da pena e não aquela em que concretamente o requerente da nacionalidade tenha sido condenado.

II – O requisito (negativo) previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de que o estrangeiro, requerente da nacionalidade portuguesa, não tenha sido condenado, com trânsito, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito, em termos que perante a comprovação de já não constar do certificado de registo criminal qualquer condenação, se deve ter o mesmo por preenchido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


Vem o presente recurso interposto por ALEXANDRE ……………………. (devidamente identificado nos autos), autor na ação administrativa especial (Proc. nº 297/12.3BESNT) que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADOna qual impugnando o ato que indeferiu o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização peticiona a condenação da entidade demandada a conceder-lhe a pretendida nacionalidade portuguesa – inconformado com o acórdão de 12/06/2015 proferido pelo coletivo de juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (fls. 194 ss.), na sequência de reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA deduzida da sentença singularmente proferida em 30/01/2015 (fls. 142 ss.), que julgou a ação improcedente absolvendo a entidade demandada do pedido, dele interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida, e sua substituição por outra que dê provimento à pretensão de aquisição de nacionalidade portuguesa.
Formula para o efeito, nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
a) Entendeu o Tribunal recorrido que apesar de não desconhecer a Jurisprudência que tem considerado que a verificação da condenação prevista no artigo 9º al. b), da LN não se afigura como um impedimento a essa aquisição, mas como um mero início de indesejabilidade, sujeito a verificação do caso concreto, entende-se que no âmbito dos processos de aquisição de nacionalidade por naturalização o legislador não atribui à administração qualquer margem de livre decisão.

b) Deste modo, o Tribunal a quo pareceu ignorar a validade do argumentário apresentado pelo Recorrente, o qual em síntese havia alegado que não obstante a moldura penal abstrata ter o limite máximo de três anos, importava apurar a pena concretamente aplicada face às circunstâncias do caso, que em concreto, determinaram a aplicação de pena de multa, pena essa que já se encontra extinta.

c) E que negar o direito à nacionalidade portuguesa significa atribuir efeitos perpétuos a uma pena que já cumpriu.

d) Não podendo, como consequência direta daquela condenação ser negada a concessão da nacionalidade portuguesa ao cidadão sem ter em conta designadamente os princípios da culpa da proporcionalidade e as próprias finalidades das penas.

e) Sobre a questão suscitada nestes autos, pronunciou-se em sentido positivo. o TCA Sul, no Acórdão de 10/01/2013, proferido no âmbito do processo nº 08678/12 , consultável in www.dgsi.pt, com a seguinte argumentação:

“Interpretar a norma de uma forma cujo resultado é que a mera verificação de uma condenação em crime punível abstratamente com pena de 3 anos de prisão impede automaticamente a aquisição da nacionalidade portuguesa sem que um Tribunal tenha sequer considerado essa possibilidade como uma consequência da condenação, sem que o Juízo de indesejabilidade seja valorado sequer em fase administrativa será uma violação do direito a mudar de nacionalidade, vazado na 2ª parte do nº 2 do artº 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artº 8 da CRP. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade. Assim sendo, a disposição legal em causa tem de ser entendida como um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade a valorar perante cada situação concreta e não um verdadeiro impedimento da aquisição da nacionalidade.

f) Na mesma esteira citamos aqui um excerto da sentença proferida no âmbito do processo n º 884/08.4BESNT, que correu termos junto da 1ª Unidade Orgânica de Sintra quando (numa situação semelhante) se diz “tais circunstâncias mais não podem significar que a interiorização dos fins da pena pelo recorrente, entre as quais a ressocialização do mesmo ou seja a sua plena integração na comunidade. Aliás, como já apontavam os factos demonstrados nos autos, tais como o pagamento de impostos ao Estado, inscrição na Segurança Social. Por isso, não podemos deixar de concluir que esta condenação não foi mais do que um episódio na vida do recorrente.

g) Certo é que na condenação sofrida pelo Recorrente, o Tribunal optou pela pena de multa em detrimento da pena de prisão, razão pela qual tal condenação não integra o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto no artigo 9° al. b) da L N e no artigo 56 ° n ° 2. Al. b) do Regulamento da Nacionalidade já que o mesmo exige a condenação por crime punível com pena de prisão.

h) Neste sentido foi proferido o Ac do STA. de 05 02 2013, proc n ° 076/12, o qual se passa a transcrever em parte, por se aderir à tese ali propugnada:

“o acórdão recorrido não atentou na claríssima diferença que existe entre a previsão do artigo 6° n° 1 face à al b). do artigo 9.º da L.N. já que embora a redação seja igual, o primeiro configura a não condenação como uma condição necessária para a naturalização, enquanto o segundo se limita a enunciar factos que podem constituir fundamento de oposição em ação a propor pelo M.P.”

i) Ora, estando assente que o Recorrente foi condenado em pena de multa e que por tal facto aquele se viu afastado da possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa, sendo este o nó górdio em discussão, e que o crime por ofensa à integridade física simples é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, e que o julgado deu preferência a esta última opção, por considerar que a mesma realiza de forma adequada e suficiente às finalidades da punição a verificação do requisito previsto no citado artigo 6° nº 1 al d) da LN, dependerá da escolha que o juiz que proferiu a sentença condenatória fez ao abrigo do artigo 70.º do C.P, i.e, dependerá de o juiz ter considerado o crime cometido punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos.

j) Assim, como aponta astutamente o Venerando Juiz do TCAS, em acórdão proferido no âmbito do processo n º 11589/14. de 07.11.2014, nem a letra da lei, nem a ratio do preceito, consente outra interpretação, salvo melhor e mais sábio entendimento, sendo certo que a intenção do legislador subjacente ás alterações introduzidas na LN pela Lei Orgânica n ° 2/2006, designadamente no artigo 6º foi claramente a de facilitar e não de restringir a integração de estrangeiros imigrados no nosso país bem como acentuar o carácter de direito fundamental do direito à nacionalidade, reduzindo o poder do Estado na sua modelação (cfr Rui Ramos, in “Direito Português da Nacionalidade". p. 225 e ss )".

k) Por conseguinte, à guisa de remate, deverá relevar a opção do Juiz que proferiu a sentença condenatória, a qual in casu, se consubstanciou numa pena de multa fixada em 70 dias.

l) Concluindo tal facto determina que a situação sub judice seja objetivamente enquadrável no artigo 6.º n.º 1. al d). da LN, pelo que não podia a Recorrida ter indeferido a pretensão de aquisição da nacionalidade portuguesa, com fundamento na falta de verificação do requisito exigido naquela disposição legal.

m) Estando em presença de um crime punível com pena de multa, a sua situação não pode ser subsumida à previsão do artigo 9º al. b) da LN porquanto a decisão aqui recorrida violou tal normativo legal, bem como o artigo 56° n° 2 al. b) do Regulamento de Nacionalidade Portuguesa.

n) Decisão condenatória que entretanto, por via dos efeitos da reabilitação judicial prevista no artigo 15.º da Lei n ° 57/98, de 18 de Agosto, já foi objeto de cancelamento automático definitivo.


O recorrido não contra-alegou.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer (fls. 237 ss.) no sentido do não provimento do recurso, nos seguintes termos:
«ALEXANDRE …………………… interpôs o presente recurso jurisdicional pretendendo ver alterada a Decisão proferida a fls 194 e segs., nos termos da qual viu ser julgada improcedente a Ação Administrativa Especial que propôs contra o Instituto dos Registos e Notariado, tendo em vista a anulação do ato administrativo de indeferimento do seu pedido de aquisição da nacionalidade por naturalização, praticado em 24/04/2009.
A matéria de facto relevante é a que consta a fls. 195 a 199, de que destacamos a mencionada nos pontos B, C e D do douto Acórdão, a fls 196 a 199.
Em suma, a situação que importa considerar é a seguinte:
O recorrente é natural da Blombo, Guiné, residia legalmente em território português, aquando do seu pedido, em 2007, há pelo menos seis anos e requereu que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, nos termos previstos no artº 6º nº 1 da Lei nº 37/81.
Obtido oficiosamente o seu certificado de registo criminal português (cf. Fls 81), resultou do mesmo que o aqui recorrente foi condenado na pena de 70 dias de multa, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº 143º nº 1 do Código Penal, a que corresponde a moldura penal abstrata de prisão até três anos ou pena de multa.
Considerou a final a autoridade Ré que, tendo em mente os factos apurados e a lei aplicável, não se encontrava preenchido um dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da nacionalidade portuguesa, concretamente a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos – cf. Artº 6º nº 1 d) da Lei da Nacionalidade e o Acórdão do STA proferido no processo nº 0490/14 em 17/12/2014.
Em consequência foi o pedido do requerente e aqui recorrente indeferido.
Por não se conformar com tal decisão propôs Ação Administrativa Especial a qual veio a ser julgada improcedente tendo sido confirmada a decisão da autoridade administrativa, aqui recorrida.
Inconformado interpôs o requerente o presente recurso, apresentando as conclusões que constam de fls 214v a 216, sendo certo que tais conclusões definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração (cf. artº 635º nº 4 do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
O recorrente impugna o Acórdão proferida quanto à decisão sobre a matéria de direito.
Afigura-se-nos que a discordância manifestada pelo recorrente não deve conduzir à alteração do decidido; mesmo considerando os factos na versão por si pretendida, a decisão a proferir não poderia ser diversa da que foi proferida, porque, objetivamente, não se verifica um dos requisitos legalmente exigidos; na verdade, considerando o direito aplicável, é nosso entendimento que ao recorrente não assiste razão.
Como bem decidiu o tribunal a quo, a não verificação de um dos requisitos exigidos, como o referido, faz sufragar o pedido, já que a administração está vinculada a praticar o ato no sentido em que ele foi praticado.
Acrescente-se ainda, que, para aferir da legalidade ou ilegalidade de um ato administrativo, importa considerar as circunstâncias de facto verificadas e o direito aplicável à data da sua prática, não importando, em sede de recurso de impugnação ou de recurso jurisdicional, apreciar as circunstâncias que eventualmente ocorram posteriormente; referimo-nos, no caso, ao facto de, atualmente, poder ter ocorrido a “reabilitação” do recorrente, pois o que releva é que, aquando da prática do ato, tal não havia ocorrido.
Do Certificado de Registo Criminal do recorrente, junto a fls 81, consta a referência à sua condenação pela prática de crime, como supra referido, sendo a decisão condenatória datada de 07/10/2004. Ora, de acordo com o disposto no artº 15º nº 1 b) da Lei nº 57/98, o cancelamento da decisão condenatória em pena de multa só pode ocorrer passados cinco anos sobre a extinção da pena, o que, no caso mais favorável para o recorrente só poderia ocorrer em 07/10/2009, sendo certo que o ato administrativo objeto da Ação Administrativa Especial proposta é de 24 de Abril de 2009, anterior, portanto ao termo deste prazo de cinco anos (veja-se, a propósito o Ac. do STA proferido no processo nº 0129/15, em 21/05/2015).
Em face de todo o exposto entendemos que não deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se o Acórdão recorrido, por este não ter violado qualquer preceito legal e não merecer censura, designadamente a que lhe faz o recorrente.»

Sendo que dele notificadas apresentou-se a responder o recorrente (fls. 244) dizendo manter o já alegado nas respetivas alegações de recurso.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, importa a este Tribunal decidir se a decisão de improcedência da ação proferida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, em termos que deveria ter julgado a ação procedente com condenação da entidade demandada a conceder ao autor, ora recorrente, a pretendida nacionalidade portuguesa por naturalização.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos, expressis verbis:
A) O Autor requereu, junto da Entidade Demandada, a 04.09.2007, a atribuição a nacionalidade portuguesa, por naturalização (fls. 60-62);

B) A Entidade Demandada remeteu ao Autor, que recebeu, o ofício datado de 7.05.2009, de fls. 108 dos autos, cujo teor se reproduz: «

«Texto no original»

»;

C) A decisão mencionada na alínea anterior teve o teor seguinte: «

«Texto no original»

D) Do certificado de registo criminal junto ao processo de aquisição da nacionalidade e emitido a 25.01.2008 consta que o Autor foi condenado, no âmbito do processo nº 1351/03.8PCSNT pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo art. 143º nº 1 do C Penal praticado em 16.06.2003, na pena de 70 dias de multa (fls. 80-81);

**
Pelo Tribunal a quo não foram considerados outros factos.
Todavia, não pode deixar de aditar-se o que foi supervenientemente alegado pelo autor (requerimento de 07-01-2015 – fls. 137 ss.), em momento anterior ao da prolação da sentença de 30-01-2015), que se mostra comprovado (pela certidão contemporaneamente junta aos autos – fls. 139) e que não foi considerado nem naquela sentença singularmente proferida em 30-01-2015 nem no acórdão de 12-06-2015, ora recorrido.
Trata-se do facto de a sentença condenatória penal que constava do registo criminal do recorrente (a condenação na pena de 70 dias de multa pela prática de crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º nº 1 do Código Penal proferida no Processo nº 1351/03.8PCSNT) ter sido objeto do cancelamento definitivo previsto no artigo 15º da Lei nº 57/98, de 18 de agosto, já nada constando do Registo Criminal do recorrente, nos termos vertidos no Certificado de Registo Criminal emitido em 29-12-2014, que o recorrente juntou então aos autos (cfr. fls. 139).
Devendo proceder-se, por conseguinte, à modificação daquela factualidade, nos termos do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, de acordo com o qual este tribunal de recurso “…deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Com efeito como refere Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Processo Civil”, Almedina, 2014, pág. 233 ss., este normativo abrange, quanto à modificabilidade da matéria pelo Tribunal de recurso, designadamente, a situação prevista no artigo 712º nº 1 alínea b) do CPC anterior, ou seja, quando “…os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destituída por quaisquer meios de prova”.
Sendo certo que o aditamento daquela circunstância factual era, como é, relevante para a decisão da pretensão material do autor, ora recorrente.
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Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade, nos seguintes termos:
E) – A sentença condenatória penal que constava do registo criminal do recorrente (a condenação na pena de 70 dias de multa pela prática de crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º nº 1 do Código Penal proferida no Processo nº 1351/03.8PCSNT) foi objeto de cancelamento definitivo, já nada constando do Registo Criminal do autor, nos termos vertidos no Certificado de Registo Criminal emitido em 29-12-2014 (cfr. fls. 139 dos autos)
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B – De direito

1. Pelo acórdão recorrido, o Tribunal a quo julgou improcedente a ação administrativa especial instaurada pelo aqui recorrente, na qual, impugnando o ato que indeferiu o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, peticionou a condenação da entidade demandada a conceder-lhe a pretendida nacionalidade portuguesa que havia requerido ao abrigo do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que ali foi dada como provada, assentou na seguinte fundamentação que se passa a transcrever:
«Nos termos acima referidos, a análise da procedência da presente ação dependerá da análise da questão de saber se é vinculada a análise da verificação do pressuposto previsto no art. 6º/1/d) da Lei nº 37/81, na redação dada pela Lei nº 2/2006 (Lei da Nacionalidade).
Dispõe-se no art. 6º/1 da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81 de 3.10, na redação dada pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17.04) que
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
(o sublinhado é nosso).
Disposição idêntica está contida no art. 19º/1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/2006 de 14.12.
Das disposições mencionadas resulta, então, que o pedido de nacionalidade é concedido se se verificarem os requisitos enunciados nas alíneas a) a d), sendo os das alíneas a) a c) de natureza positiva e o da alínea d) de natureza negativa.
O requisito da alínea d) – aquele cuja verificação está em litigio – determina que o requerente não tenha sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos,
segundo a lei portuguesa.
Não desconhecendo a Jurisprudência que, no âmbito dos processos de oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, tem considerado que a verificação da condenação prevista no art. 9º/b) da Lei da Nacionalidade não se afigura como um impedimento a essa aquisição mas como um mero indício de indesejabilidade, sujeito a verificação no caso concreto1, entende-se que, no âmbito dos processos de aquisição da nacionalidade por naturalização, como o presente, em que o indeferimento do pedido não é entremeado por uma decisão judicial (proferida no âmbito do processo de oposição à aquisição da nacionalidade), o legislador não atribuiu à administração qualquer margem de livre decisão, tendo procedido à enumeração taxativa dos pressupostos dos quais depende o deferimento do pedido e não consentindo, na determinação do pressuposto previsto na alínea d) do nº 1 do art. 6º, o exercício de qualquer valoração por parte da administração, com vista à sua aferição.
Neste sentido – da natureza vinculada da atividade administrativa na apreciação do pedido de aquisição da nacionalidade por naturalização, pronunciou-se o TCA Sul no Acórdão proferido a 27/05/2010 no proc. nº 6065/10, tendo aí referido, designadamente que:
«Esses requisitos, de verificação cumulativa, constam do artigo 6º, nº 1 da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], e são os seguintes:
a) Maioridade ou emancipação à face da lei portuguesa;
b) Residência legal no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecimento suficiente da língua portuguesa;
d) Ausência de condenações, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Como decorre da matéria de facto dada como assente, a pretensão do recorrente foi indeferida por se ter constatado que aquele havia sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime que, em abstracto, era punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, o que desde logo, atenta a natureza cumulativa do preenchimento dos requisitos de que dependia, afastava a concessão da nacionalidade portuguesa, por efeito da naturalização.
Discordando do entendimento sufragado pela decisão recorrida, sustenta o recorrente que não foi intenção da lei afastar da concessão da nacionalidade quem em dado momento da sua vida cometeu um ilícito criminal – no seu caso concreto, os factos pelos quais foi condenado remontam a 1996, tendo sido punidos com pena de multa –, pagou a sua dívida à sociedade e se encontra plenamente integrado, sem nunca mais haver notícia de ter voltado a delinquir. E, por outro lado, a entender-se que a condenação em causa afastava desde logo a possibilidade de obter a nacionalidade portuguesa por naturalização, tal interpretação da lei violaria o disposto no artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, já que nos termos do normativo em causa, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
Vejamos.
Em primeiro lugar, como decorre do artigo 6º, nº 1 da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], os requisitos aí previstos e de cuja verificação cumulativa depende a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, nomeadamente o previsto na alínea d), são de natureza objetiva, ou seja, basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma – a concessão da nacionalidade portuguesa – não se produza. Neste caso, a conduta da Administração é vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, nomeadamente aquela pretendida pelo recorrente, isto é, que o lapso de tempo entretanto decorrido entre a prática do ilícito criminal punível com pena de máximo igual ou superior a 3 anos, constante da condenação transitada, poderia “degradar-se” de modo a tornar irrelevante essa condenação.
E não se diga que isto viola os princípios constitucionais invocados pelo recorrente. Com efeito, o que sucede no caso é que o legislador ordinário, dentro dos seus poderes de conformação, estabeleceu determinado requisitos para a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, excluindo da concessão desse direito – no caso da alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4 – quem demonstrasse não ser dele merecedor, por virtude da condenação por crimes puníveis em abstrato com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
Em segundo lugar, também não ocorre violação do artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, uma vez que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos aí previstos, como efeito necessário da aplicação duma pena, diz respeitos a direitos originários, ou seja, a todos aqueles que já existiam na esfera jurídica do condenado e não, obviamente, àqueles que este ainda não havia incorporado no seu património jurídico, como é o caso presente, em que a concessão da nacionalidade portuguesa tem efeito constitutivo.»
Aderindo, na íntegra, à doutrina do Acórdão cujo excerto se transcreveu, entende-se, como já referido, que a atividade da administração, na determinação e análise da verificação do pressuposto previsto na alínea d) do nº 1 do art. 6º da Lei da Nacionalidade é estritamente vinculada, não lhe assistindo qualquer margem de valoração da condenação concretamente determinada.
Em face do que se referiu e da matéria dos autos da qual decorre, sem controvérsia, que o Autor foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples ao qual correspondia uma pena de prisão até 3 anos (cfr. art. 143º/1 do CP vigente à data), deve improceder a ação, por não se verificar o pressuposto previsto no art. 6º/1/d) da Lei da Nacionalidade.
Mostra-se irrelevante a circunstância alegada de a condenação em causa ter sido objeto de cancelamento definitivo do registo criminal, na medida me que relevam os pressupostos vigentes à data da prática do ato impugnado.»

2. Vem trazida em recurso a questão essencial de saber se a decisão de improcedência da ação proferida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com errada interpretação e aplicação do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, e se assim, devia ter sido anulado o ato impugnado e condenada a entidade demandada a conceder a pretendida nacionalidade por naturalização.
Vejamos.
3. Nos termos do disposto no artigo 1º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, (temporalmente aplicável à situação dos autos) são portugueses de origem: a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos; f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
Trata-se aqui de aquisição originária (atribuição) da nacionalidade portuguesa.
Já no que respeita à aquisição da nacionalidade portuguesa esta pode resultar, nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, temporalmente aplicável), de uma de três circunstâncias, i) de uma declaração de vontade, ii) da adoção plena e iii) da naturalização (cfr. artigos 3º a 7º), sendo que cada uma dessas formas de aquisição da nacionalidade obedece a requisitos próprios.
No que se refere à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização dispõe o artigo 6º da Lei da Nacionalidade (na redação aplicável) o seguinte:
Artigo 6.º
Requisitos
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
2 - O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.
3 - O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
4 - O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha reta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.
5 - O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.
6 - O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.”
(sublinhado nosso)

Dispondo de modo correspondente o artigo 19º do Regulamento da Nacionalidade (aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro) o seguinte:
Artigo 19.º
Naturalização de estrangeiros residentes no território português
1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros quando satisfaçam os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residam legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conheçam suficientemente a língua portuguesa, nos termos do disposto no artigo 25.º;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa”.


4. Na situação presente resulta provado que o requerente da nacionalidade, aqui recorrente, foi condenado em 70 dias de multa pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143º nº 1 do Código Penal, praticado em 16-06-2003.
Prevendo-se para o tipo legal de crime pelo qual o requerente na nacionalidade portuguesa foi condenado a punição com “…pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” (cfr. artigo 143º nº 1 do Código Penal).
5. Em causa nos autos está desde logo a interpretação que deve ser dada à alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade de acordo com o qual só pode ser concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos cidadãos estrangeiros que, para além da verificação dos demais requisitos (cumulativos), não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. Colocando-se então face à possibilidade da pena poder ser, naquele ilícito criminal, em alternativa, de prisão ou de multa, a questão de saber se releva para tal efeito a pena que foi efetivamente aplicada ou a moldura penal abstrata, em termos que bastará, para se ter como não verificada o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, que o crime por cuja prática o estrangeiro seja punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos.
6. Debruçando-se sobre questão idêntica o Acórdão de 05/02/2013, Proc. 076/12 do Supremo Tribunal Administrativo, in, www.dgsi.pt, entendeu, nos termos assim sumariados, que: «I - Nos termos do artº6º, n1, d) da Lei de Nacionalidade, constitui requisito da aquisição da nacionalidade por naturalização, que o requerente não tenha sido condenado com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. II - O crime por ofensa à integridade física simples é punível, nos termos do artº143º, nº1 do C.Penal, em alternativa, «… com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.» III - Tendo o requerente sido condenado, com trânsito em julgado, por um crime de ofensas corporais simples punível com pena de multa nos termos do citado artº143, nº1 do C.Penal, tendo a medida concreta dessa pena sido fixada em 120 dias de multa, não podia a Recorrente ter indeferido a pretensão da Recorrida, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido pelo artº6º, 1 d) da LN.»
7. Mas o entendimento feito naquele acórdão de 05/02/2013, Proc. 076/12 do Supremo Tribunal Administrativo não teve eco na sua subsequente jurisprudência. Tendo o Supremo Tribunal Administrativo vindo a entender, a respeito do requisito previsto no artigo 6º nº 1 alínea d) da Lei da Nacionalidade para a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização (não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa), que releva, para tal efeito, a moldura penal abstrata fixada no tipo de crime, e não a pena que tenha sido efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
Nesse sentido se decidiu nos Acórdãos daquele Supremo Tribunal de 20/03/2014, Proc. 01282/13; de 20/11/2014, Proc. 0662/14 e de 17/12/2014, Proc. 0490/14, in, www.dgsi.pt/jsta assim sumariados, respetivamente «Nos termos do art. 6º. al. d) da Lei da Nacionalidade (Lei 2/2006, de 17 de Abril) é, além de outros, requisito estritamente vinculado da aquisição da nacionalidade portuguesa não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.»; «I - Nos termos do artigo 6º, nº1, alínea d), da Lei da Nacionalidade [redacção dada pela Lei Orgânica nº2/2006 de 17.04], é requisito da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, que o requerente «não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa»; II - Para efeitos de aplicação desta alínea d) releva a «moldura penal abstrata» fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efetivamente «escolhida» e aplicada no caso concreto; III - O crime de «emissão de cheque sem provisão» é punível, nos termos do artigo 11º, nº1, alínea a), do DL nº454/91, de 28.12 [redação do DL nº316/97, de 19.11], com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa; IV - Tendo o requerente da nacionalidade portuguesa, por naturalização, sido condenado em pena de multa, por sentença transitada em julgado, pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, não se verifica, quanto a ele, o requisito vinculativo da alínea d) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.» e por último «I – Nos termos do artigo 6º, nº1, alínea d), da Lei da Nacionalidade [redação dada pela Lei Orgânica nº2/2006 de 17.04], é requisito da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, que o requerente «não tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa»; II – Para efeitos de aplicação desta alínea d) releva a «moldura penal abstracta» fixada no tipo de crime, sendo irrelevante a pena efetivamente «escolhida» e aplicada no caso concreto; III – O crime de ofensas à integridade física simples, previsto no art. 143º, nº1, do Código Penal, é punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa; IV – Tendo o requerente da nacionalidade portuguesa, por naturalização, sido condenado em penas de multa, por sentenças transitadas em julgado, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, não se verifica, quanto a ele, o requisito vinculativo da alínea d) do nº1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade
À luz do assim entendido, quando o crime em causa seja punível, em alternativa, com pena de prisão ou com pena em multa, não releva, para efeitos do requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, qual a opção que tenha sido feita pelo juiz criminal (e que lhe incube fazer), pela aplicação de uma das penas alternativas (pena de multa ou pena de prisão). O que releva, para tal efeito, é a moldura abstrata da pena, de modo que só possa ser concedida a nacionalidade portuguesa a estrangeiro que não tenha sido punido pela prática de crime passível de ser punido com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos de a cordo com a lei portuguesa como resulta do inciso contido naquela referida alínea d) «crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos».
Assim se tem também entendido a respeito da interpretação do disposto na alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade (de identidade dispositiva com o segmento constante do artigo 6º nº 1 alínea b) da Lei da Nacionalidade aqui em causa), de acordo com a qual constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por declaração “a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa”.
Assim se entendeu, entre outros, nos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 20/11/2014, Proc. 11498/14; de 18/12/2014, Proc. 11405/14 e de 26/11/2015, Proc. 12.589/15, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtacs, e nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21/05/2015, Proc. 032/15; de 10/09/2015, Proc. 030/15 e de 25/02/2016, Proc. 01262/15, disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta, todos no sentido de que para efeitos de aplicação da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade releva a moldura penal abstrata fixada no tipo de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, sendo irrelevante a pena efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
Importando reter o que a tal respeito foi referido no aresto do Supremo Tribunal Administrativo, sustentado nos seus outros acórdãos de 20/11/2014, Proc. nº 0662/14, e de 17/12/2014, Proc. nº 0490/14, que se passa a transcrever:
«(…)«Punível» é adjetivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstrato, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efetivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstrata, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efetuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, nº3, do Código Civil].
Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objetivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, nº1, do Código Civil].”

9. Sendo que essa foi uma opção feita pelo legislador e que deve ser acatada, não podendo o Tribunal substituir os juízos legislativamente formulados por outros, que por ventura considere mais justos ou adequados. Com efeito, e como foi de modo clarividente evidenciado no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 13/11/2007, Procº nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta, num Estado de Direito assente no primado da Lei (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2 da CRP) na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral “não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.
10. Assim, e descendo à situação dos autos, é irrelevante para efeito de aferição do requisito contido na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade que o juiz criminal tenha optado pela aplicação da pena de multa e não pela pena de prisão (até 3 anos). O que releva é que o crime por cuja prática o requerente da nacionalidade portuguesa foi condenado seja punível, em termos de moldura abstrata, em pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 (três). O que é o caso.
Não assistindo, por conseguinte, neste aspeto, razão ao recorrente.
11. Mas será que ao invés de ter sido julgada improcedente a ação, por se encontrar verificado o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, deveria a mesma ter sido julgada procedente?
Lembre-se que no âmbito da presente ação administrativa especial, estando em causa, como está, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização a que se refere o artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade, que foi expressamente indeferido pela decisão administrativa impugnada, para além da apreciação da invocada ilegalidade do identificado ato administrativo de indeferimento (que consubstancia a recusa da prática do ato administrativo devido pretendido pelo interessado, aqui autor, a que alude o artigo 67º nº 1 alínea b) do CPTA) importará sempre apreciar e decidir se se verificam os requisitos legais para a procedência da respetiva pretensão material – a prolação da pretendida decisão de deferimento – apreciando-se concomitantemente o pedido de condenação à prática de ato administrativo devido, como decorre do disposto nos artigos 66º nº 2, 67º nº 1 alínea b), 71º nº 1, todos do CPTA, já que “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória” (cfr. artigo 66º nº 2 do CPTA).
Tudo com ressalva do disposto no artigo 71º nº 2 do CPTA nos termos do qual “…quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”
12. Como se viu de harmonia com o disposto no artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade a nacionalidade portuguesa por naturalização é concedida aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residam legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conheçam suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

Conforme resulta do probatório e está patenteado no Processo Administrativo apenso, a entidade administrativa competente aferiu da verificação dos requisitos ínsitos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (ser maior ou emancipado à face da lei portuguesa; residir legalmente no território português há pelo menos seis anos e conhecer suficientemente a língua portuguesa), que considerou verificados (vide C) do probatório).
Mostra-se pois já ultrapassada, porque resolvida, a aferição de tais requisitos (os previstos nas alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade), que devem ser tidos por preenchidos, em face da apreciação positiva já feita pela entidade administrativa.
13. E quanto ao requisito (negativo) a que se refere a alínea d) do nº 1 daquele mesmo artigo 6º da Lei da Nacionalidade (não ter sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa)?
Quanto a este a entidade administrativa considerou tal requisito como não verificado. E foi por tal razão, e por conseguinte com tal fundamento, que veio a indeferir o pedido do autor.
Já se viu que o que releva para efeito de aferição do requisito (negativo) contido naquela alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade é que o crime por cuja prática o requerente da nacionalidade portuguesa tenha sido condenado seja punível, em termos de moldura abstrata, em pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 (três) segundo a lei portuguesa, sendo irrelevante a pena efetivamente escolhida e aplicada no caso concreto.
No caso, como se viu, o crime pelo qual o requerente da nacionalidade foi condenado – o crime de crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143º nº 1 do Código Penal – é punido “…com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Pelo que se deveria concluir estarmos perante situação subsumível à previsão contida na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade por o crime em causa, pelo qual o requerente da nacionalidade foi condenado, ser punível com pena de prisão de máximo igual a 3 (três) anos (…«até 3 anos»).
O que significaria dever ter-se por não verificado o requisito ali previsto, de cariz negativo: não ter sido condenado por crime punível com pena de prisão de máximo igual (ou superior) a 3 anos.
14. Sucede porém que o requisito (negativo) previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade (de que o estrangeiro, requerente da nacionalidade portuguesa, não tenha sido condenado, com trânsito, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa) deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.
15. A tal respeito já se debruçou o Supremo Tribunal Administrativo, que no seu acórdão de 21/05/2015, Proc. 0129/15, veio a tomar posição diferente, revendo-a, da que havia sido a seguida no seu anterior acórdão de 20/03/2014, Proc. n.º 01282/13, cujo respetivo discurso fundamentador, na parte que para aqui releva, é a seguinte:
«A exigência contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LO n.º 2/2006 (cujo conteúdo foi integralmente mantido pela Lei n.º 43/2013, de 03.07), mais concretamente, a verificação do seu cumprimento ou não, na medida em que se reporta aos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade, deverá ser atestada com recurso ao registo criminal do mesmo, pois, “Na sua expressão mais simples, o registo criminal integra o reportório das decisões de natureza penal proferidas pelas instâncias judiciárias do Estado” (vide J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 641). Coloca-se, então, aqui uma questão de acesso ao conteúdo do registo criminal, que é uma questão particularmente sensível, na medida em que envolve a ponderação de uma série de valores e direitos muitas vezes contraditórios ou concorrentes entre si. Seja como for, e por conta da importância e sensibilidade da questão em apreço, o legislador regulou este instituto, colocando particular ênfase, precisamente, na questão do acesso ao registo criminal. A Lei de Identificação Criminal (LIC), Lei n.º 37/2015, de 05.05, que muito recentemente revogou a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (que já tinha sofrido algumas alterações, as mais significativas tendo sido as introduzidas pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), não obstante ter trazido algumas alterações à legislação até agora vigente, reiterou os principais traços característicos do instituto do registo criminal, quais sejam, a autonomia e centralização da informação, o acesso restrito ao registo criminal, quer no que se refere às entidades que a ele podem aceder, quer quanto aos fins (o tipo de informações a que se pode aceder depende da entidade que solicita o acesso), e, finalmente (e ligado ao último aspecto mencionado), a funcionalização do acesso à informação. A realçar ainda a circunstância de, sob outras vestes, a nova lei de identificação criminal ter mantido o instituto da reabilitação legal ou de direito.

No que se refere à autonomia e centralização dos serviços, a Lei n.º 37/2015 manteve a solução anterior, atribuindo ao diretor-geral da Administração da Justiça a responsabilidade “pelas bases de dados de identificação criminal, nos termos e para os efeitos definidos na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro”, cabendo-lhe ainda “assegurar o direito de informação e de acesso aos dados pelos respetivos titulares, a correção de inexatidões, o completamento de omissões, a supressão de dados indevidamente registados, bem como velar pela legalidade da consulta ou da comunicação da informação” (art. 38.º, que corresponde ao art. 3.º da lei revogada).

Quanto à forma de acesso à informação constante do regime criminal, dispõe o artigo 9.º que “O conhecimento da informação constante do registo criminal, ou da sua ausência, concretiza-se com a emissão de um certificado do registo criminal” (n.º 1), e que “O certificado do registo criminal é emitido eletronicamente pelos serviços de identificação criminal”. Ou seja, tal como no regime anterior, o certificado do registo criminal continua a ser o instrumento através do qual se podem conhecer os antecedentes criminais de uma pessoa. De notar que o artigo 14.º da lei anteriormente vigente, que regulava o acesso directo ao ficheiro central informatizado, estabelecia, no seu n.º 5, que “A informação obtida por acesso directo não pode ter conteúdo mais lato do que o obtido através do certificado do registo criminal, providenciando os serviços de identificação criminal pela salvaguarda dos limites de acesso”.


No respeitante às entidades com acesso ao registo criminal, a nova lei não se afastou muito da anterior (do seu art. 7.º), enumerando taxativamente essas entidades:
Artigo 8.º (Acesso à informação)
1 – Tem acesso à informação do registo criminal o titular da informação ou quem prove efetuar o pedido em nome ou no interesse daquele.
2 – Podem ainda aceder à informação do registo criminal, exclusivamente para as finalidades previstas para cada uma delas, as seguintes entidades:
a) Os magistrados judiciais e do Ministério Público para fins de investigação criminal, de instrução de processos criminais e de execução de penas, de decisão sobre adoção, tutela curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de crianças ou regulação do exercício das responsabilidades parentais e de decisão do incidente de exoneração do passivo restante do devedor no processo de insolvência de pessoas singulares;
b) As entidades que, nos termos da lei processual penal, recebam delegação para a prática de atos de inquérito ou a quem incumba cooperar internacionalmente na prevenção da repressão da criminalidade, no âmbito dessas competências;
c) As entidades com competência legal para a instrução dos processos individuais dos reclusos, para este fim;
d) Os serviços de reinserção social, no âmbito da prossecução dos seus fins;
e) As entidades com competência legal para garantir a segurança interna e prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, exclusivamente no âmbito da prossecução dos seus fins;
f) As entidades oficiais não abrangidas pelas alíneas anteriores, para a prossecução de fins públicos a seu cargo quando os certificados não possam ser obtidos dos titulares, mediante a autorização do membro do Governo responsável pela área da justiça, e, tratando-se de informação relativa a pessoa colectiva ou equiparada, entidades públicas encarregadas da supervisão da atividade económica por aquela desenvolvida, na medida do estritamente necessário para o exercício dessa supervisão e mediante autorização do membro do Governo responsável pela área da justiça;
g) (…);
h) (…);
i) (…)
j) (…).
3 – As entidades públicas competentes para a instrução de procedimentos administrativos dos quais dependa a concessão de emprego ou a obtenção de licença, autorização ou registo de carácter público (…) podem aceder à informação necessária ao cumprimento de exigência legal de apresentação de certificado do registo criminal aplicável ao procedimento administrativo em causa desde que o titular da informação, no caso de pessoas singulares, ou um representante legal, no caso de pessoas coletivas ou entidades comparadas, autorize previamente esse acesso no âmbito do procedimento administrativo.

Da leitura deste preceito imediatamente ressalta a ideia, já aflorada, da funcionalização da informação, isto é, da estrita vinculação das entidades que têm acesso ao registo criminal, que apenas poderão obter informação que seja relevante para os próprios fins que prosseguem.


Por último, é fundamental fazer referência ao cancelamento das informações contidas nos cadastros, aspeto crucial para determinar o que pode ser transcrito para os certificados do registo criminal. O legislador de 2015 manteve, e porventura clarificou, esta figura do cancelamento das decisões judiciais, associada ao instituto da reabilitação legal ou de direito. No artigo 11º (Cancelamento definitivo), que corresponde ao anterior artigo 15.º (Cancelamento definitivo), pode ler-se o seguinte:
“1 – As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da penas ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
6 – As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.


Ainda com interesse para o caso dos autos, veja-se o disposto no artigo 10.º (Conteúdo dos certificados):

“1 – O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada.
2 – Não pode constar do certificado do registo criminal qualquer indicação ou referência donde se possa depreender a existência no registo de outros elementos para além dos que devam ser expressamente certificados nos termos da lei, nem qualquer outra menção não contida nos ficheiros centrais do registo criminal e de contumazes.
3 – Os certificados do registo criminal requisitados pelas entidades referidas nas alíneas a) a f) e i) do n.º 2 do artigo 8.º para as finalidades aí previstas contêm a transcrição integral do registo criminal vigente.
4 – (…)
5 – (…)
6 – Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.
7 – (…)
8 – Aos certificados do registo criminal pedidos por entidades públicas nos termos do n.º 3 do artigo 8.º é aplicável o disposto nos n.os 5 a 7.
9 – (…)”.


Em síntese, o que se poderá retirar da leitura de todos estes preceitos, é que, entre outros aspetos, a organização do registo criminal, o modo de veicular a informação através dos certificados do registo criminal, o acesso restrito e funcionalizado à informação, e a previsão do cancelamento ou cessação de vigência das decisões judiciais reabilitadas, tudo isto está disciplinado na Lei de Identificação Criminal (LIC) de forma estrita e rigorosa, devendo a obtenção de informações contidas no registo criminal ser feita através da forma prevista na lei (v.g., pelas entidades que a elas possam aceder). Para o que agora mais nos interessa, é importante reter que existe uma proibição legal expressa de transcrição das decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou nos certificados do registo criminal. Assim sendo, e tendo em conta que o conhecimento dos antecedentes criminais de uma pessoa se efectiva através do acesso ao seu registo criminal, nomeadamente através do respetivo certificado, há necessariamente que conjugar a LN, e designadamente o seu artigo 6.º, n.º 1, al. d), com a LIC e o regime jurídico nela contido. Mais ainda, e ao contrário do que sustenta a recorrente, a verdadeira exceção, que teria que estar expressamente contida, quer na LN, quer na LIC, seria a de permitir o acesso dos serviços competentes para a apreciação dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa (e para a sua concessão), no caso, por naturalização, a um ficheiro contendo o registo integral de todas as decisões judiciais condenatórias do requerente da nacionalidade. Pense-se, por exemplo, no facto de que os certificados de registo criminal pedidos para concorrer a certos empregos públicos ou privados que exijam especiais garantias de idoneidade poderão conter informações que são excluídas dos certificados emitidos para outros fins – possibilidade expressamente consagrada na LIC.


Mas atentemos no caso concreto dos autos. Sustenta a recorrente que a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN não exceciona nenhum caso, sendo este um dos argumentos a favor da irrelevância da reabilitação legal ou de direito do requerente da nacionalidade portuguesa. Sucede que ter em consideração a reabilitação não equivale a uma exceção. O conhecimento dos antecedentes criminais, necessário para verificar se a exigência contida em tal preceito foi cumprida, será atestado mediante a apresentação pelo interessado (ou mediante o pedido oficioso) do certificado do registo criminal do requerente da nacionalidade. Ora, se este tiver sido reabilitado, as decisões judiciais canceladas ou que cessaram vigência não poderão ser transcritas para o certificado. E, ainda que as decisões canceladas ou cuja vigência cessou não sejam imediatamente apagadas ou destruídas, elas não poderão ser livremente utilizadas (vejam-se os atuais artigos 10.º e 11.º, n.º 6, da LIC).

O argumento de que, a ser assim, não se justifica a referência feita ao SEF e à PJ no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade, ainda em vigor, também não colhe. A referência ao SEF é óbvia tendo em conta o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º da LN (“Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos”). Com efeito, é o SEF que emite o documento que comprova a residência legal em Portugal há pelo menos seis anos. A referência à PJ não poderá significar o acesso a registo com a transcrição integral dos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade. E isto, basicamente, por dois motivos. Em primeiro lugar, se a ideia era tomar conhecimento de todas as decisões judiciais de condenação, mesmo aquelas que já foram canceladas ou que cessaram vigência, então o lógico é que essa informação fosse pedida diretamente à DGAJ. Em segundo lugar, a PJ tem acesso ao registo criminal das pessoas para prosseguir os seus próprios fins de investigação criminal, não podendo desviar a informação para outros fins, como seja, para efeitos do procedimento de aquisição da nacionalidade.

2.3.2. Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que atualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal” (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 653).


A reabilitação legal ou de direito, contrariamente à reabilitação judicial e à administrativa (em que há uma indagação prévia sobre a reintegração social), opera de forma automática, impõe-se, bastando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655). Ela assenta na presunção de que o indivíduo se encontra reintegrado socialmente (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 218, nota 393).

A reabilitação é um direito, um verdadeiro direito do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655). Com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 213-4).
No tocante especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos cadastros ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, normalmente podem aceder a essas inscrições (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 204).
Como decorre do que atrás foi exposto relativamente aos preceitos da LIC, pode determinar-se o cancelamento para certos fins ou pessoas. Pode, por exemplo, vedar-se o acesso ao registo para fins não judiciais.
Por último, diga-se que as decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou devem ser consideradas extintas, não se lhes devendo ligar quaisquer efeitos (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 378 – embora reportando-se especificamente à sua utilização como meios de prova para efeitos processuais). Isso mesmo é assinalado no parecer da Provedoria de Justiça, onde é sugerido que nada justifica um tratamento distinto em termos de utilização da informação cancelada para fins processuais e para fins de aquisição da nacionalidade (Processo R-5580/08 (A5), in www.provedor-jus.pt).

2.3.3. De forma igualmente breve, deve referir-se que a partir de 2006 a LN aligeirou as exigências ou requisitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. Para o que agora releva, desapareceram os requisitos da idoneidade moral e civil e da suficiência dos meios de subsistência. Porventura, o legislador terá percebido que, se por um lado, o Estado tem o poder de determinar quem são os seus nacionais, por outro, as políticas da nacionalidade não devem ser discriminatórias.


2.3.4. Em síntese, tudo tem que ver com o modo como deve ser interpretada a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN. Ora, uma adequada interpretação deste preceito deverá ter em conta não apenas o elemento textual, como de igual forma o racional e o sistemático. O resultado interpretativo obtido – vale por dizer, a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade –, por sua vez, é o que corresponde à solução mais rights friendly, na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efetividade.
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16. Posição que veio a ser reiterada por aquele Supremo Tribunal no seu acórdão de 15-09-2016, Proc. 0392/16, in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «O requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.».
17. E que mostra também apoio no entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 106/2016, de 24-02-2016, Proc. n.º 757/13 (publicado no DR n.º 62/2016, Série II, de 30-03-2016), a respeito da interpretação das normas paralelas constantes dos artigos 9º alínea b) da Lei da Nacionalidade e do artigo 56º nº 2 alínea b) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, no sentido de que “…a condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, deve ter em conta a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e correspondente reabilitação legal”.
18. Do certificado de registo criminal que constava originalmente do processo de aquisição da nacionalidade (o emitido a 25-01-2008) constava que o autor havia sido condenado, no âmbito do processo nº 1351/03.8PCSNT pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º nº 1 do Código Penal.
Mas, anteriormente à sentença singularmente proferida em 30-01-2015 pelo Tribunal a quo, o autor, ora recorrente, alegou e comprovou que entretanto aquela condenação (como qualquer outra) deixou de constar do seu registo criminal, nos termos vertidos no Certificado de Registo Criminal emitido em 29-12-2014, que juntou aos autos (cfr. fls. 139), por ter sido objeto do cancelamento definitivo nos termos previstos no artigo 15º da Lei nº 57/98, de 18 de agosto.
19. O Tribunal a quo desconsiderou aquela alegação, o que fez quer na sentença singular de 30-01-2015, quer no acórdão do coletivo de juízes de 12-06-2015, entendendo ser «…irrelevante a circunstância alegada de a condenação em causa ter sido objeto de cancelamento definitivo do registo criminal, na medida me que relevam os pressupostos vigentes à data da prática do ato impugnado.».
20. Atenha-se, no entanto, que como já se disse supra, no âmbito da presente ação administrativa especial, estando em causa, como está, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização a que se refere o artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade, que foi expressamente indeferido pela decisão administrativa impugnada, para além da apreciação da invocada ilegalidade do identificado ato administrativo de indeferimento (que consubstancia a recusa da prática do ato administrativo devido pretendido pelo interessado, aqui autor, a que alude o artigo 67º nº 1 alínea b) do CPTA) importaria sempre apreciar e decidir se se verificam os requisitos legais para a procedência da respetiva pretensão material – a prolação da pretendida decisão de deferimento – apreciando-se concomitantemente o pedido de condenação à prática de ato administrativo devido, como decorre do disposto nos artigos 66º nº 2, 67º nº 1 alínea b), 71º nº 1, todos do CPTA, já que “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória” (cfr. artigo 66º nº 2 do CPTA). Sem prejuízo da ressalva do disposto no artigo 71º nº 2 do CPTA nos termos do qual “…quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”
O que significa que aquela circunstância, que se mostra comprovada, não podia, como não pode, ser desconsiderada.
E perante a mesma deveria tal requisito (negativo) ter sido dado como preenchido, à luz da interpretação que deve merecer a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, nos termos explanados supra.
Por conseguinte, deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente o pedido de condenação na prática, pela entidade administrativa competente, do ato administrativo de concessão da nacionalidade portuguesa ao requerente.
Razão pela qual merece provimento o recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando procedente a ação, condenar-se a entidade demandada na prática do ato administrativo de concessão da nacionalidade portuguesa requerida pelo autor, ora recorrente.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida, e julgando procedente a ação, condenar-se, pelos fundamentos supra, a entidade demandada na prática do ato administrativo de concessão da nacionalidade portuguesa requerida pelo autor.
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Custas pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro).
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 31 de janeiro de 2018


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)





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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho