Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRS.
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA.
Sumário:1. A notificação de liquidação oficiosa de IRS, não tendo sido precedida de notificação para exercício do direito de audição, deveria ter sido remetida por carta registada com aviso de receção, nos ternos do art. 66º/1 e 149º/2 do CIRS.
2. As formalidades de notificação previstas na lei deixam de ser relevantes quando, apesar de não terem sido observadas, foi atingido o fim que o legislador visava alcançar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária
RECORRIDO: W.............

OBJECTO DO RECURSO:
Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por W............. contra o PEF nº ............., instaurado no Serviço de Finanças de Cascais 1, por dívida de IRS relativa ao exercício de 2004, pela quantia exequenda de €14.273,24 e acrescido.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Oposição Judicial, ao concluir que "impõe-se julgar a presente acção procedente com fundamento na inexigibilidade da divida exequenda, atendendo à falta de notificação do acto de liquidação oficiosa dentro do prazo de caducidade."
ii. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 45.° da Lei Geral Tributária (LGT], atento que, quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito.
iii. Assim sendo, afigura-se-nos que a irregularidade da notificação - que consistiu no facto de a mesma ter sido remetida ao ora Oponente por carta registada e não por carta registada com aviso de recepção - não impede que se considere que a notificação foi efectuada dentro do prazo da caducidade, tanto mais que ficou provado que a carta foi remetida e recebida no domicílio fiscal do ora Oponente. 
iv. Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/10/2014, no processo n.° 0726/11, ao concluir que "a notificação efectuada ainda que não possa ser considerada válida nem regular (por omissão de formalidades legais) é, no entanto, eficaz (por ter chegado ao conhecimento da interessada) pelo que produziu efeitos, designadamente a título de interpelação para pagamento do imposto"
v. Isto é, apesar da imperfeição da notificação, ela considerar-se-á efectuada para efeitos de obstar à caducidade, desde que contenha a identificação do acto de liquidação que se notifica.
vi. Face a todo o que já foi alegado e aqui chegados, podemos, em síntese, concluir que o facto de a notificação, porque irregular, na medida em que foi efectuada por carta registada quando o deveria ter sido por carta registada com aviso de recepção, não obsta a que a mesma notificação (demonstrados que ficaram o envio da carta e o seu recebimento) seja bastante para que, nos termos do disposto no artigo 45.°, n.°s 1 e 6, da LGT, se considere que a notificação foi efectuada dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação.
vii. Assim sendo, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar a presente acção procedente com fundamento na inexigibilidade da divida exequenda, atendendo à falta de notificação do acto de liquidação oficiosa dentro do prazo de caducidade.
viii. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento do artigo 45.° da LGT.
ix. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal "a quo" assim se fazendo a costumada Justiça.

CONTRA ALEGAÇÕES.

A recorrente não contra alegou.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição, por falta de notificação do ato de liquidação dentro do prazo de caducidade.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) A 02.04.2004 foi pelo oponente e mulher vendido, pelo valor de €234.440,00, o prédio urbano, bloco G fogo dois, composto por moradia unifamiliar agrupada, destinada a habitação, com três pisos, logradouro com quarenta metros quadrados e na parte comum da garagem dois lugares de estacionamento parqueado, designado pela letra AA, sito na Quinta de Janes, freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.°……., inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo ……. [cf. fls. 10 a 14 dos autos].

B) Em 2004 o Oponente foi trabalhar para o estrangeiro [prova testemunhal prestada por M............., amiga do Oponente que se declarou de forma credível, que este foi trabalhar para fora de Portugal após ter deixado de trabalhar para uma empresa estrangeira, e encontrando-se a atravessar dificuldades financeiras]

C) A 11.04.2006 foi remetida carta registada, devolvida pelos CTT, comunicando ao oponente o resultado da avaliação do imóvel identificado em A) supra, onde foi fixado o valor patrimonial tributário de €338.370,00 [cf. fls. 25 dos autos].

D) A 17.05.2006 foi remetida 2.a carta registada, devolvida pelos CTT, comunicando ao oponente o resultado da avaliação do imóvel identificado no ponto anterior, onde foi fixado o valor patrimonial tributário de €338.370,00 [cf. fls. 25 dos autos].

E) A 11.12.2008 constava do cadastro da administração tributária que o domicílio do oponente situava-se na Rua………………….., bloco G2, em Janes [cf. fls. 86 a 89 dos autos].

F) A 11.12.2008 foi remetida notificação da liquidação de IRS referente ao exercício de 2004, destinada ao oponente dirigida para a Rua do Sólido Condomínio de Janes, bloco G2, em Janes, por carta registada [cf. fls. 79 a 89 dos autos].

G) Em 16.12.2008 foi remetida notificação da liquidação de juros de mora associados à liquidação de IRS, referente ao exercício de 2004, destinada ao oponente dirigida para a Rua do Sólido Condomínio de Janes, bloco G2, em Janes, por carta registada [cf. fls. 79 a 89 dos autos].

H) A 05.02.2009 foi instaurado contra o oponente o processo de execução fiscal n.° ............., no Serviço de Finanças de Cascais 1, por dívida de IRS, referente ao exercício de 2004, pela quantia exequenda de €14.273,24 e acrescido [cf. fls. 1 e 2 do PEF em apenso].

I) A 03.12.2009 foi o oponente citado em sede do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior [cf. fls. 3 do PEF em apenso].

J) A 04.01.2010 constava do cadastro da administração tributária que o domicílio do oponente situava-se na Rua…………, lote………, em Cascais [cf. fls. 90 a 94 dos autos].

K) A 05.01.2010 foi apresentado no Serviço de Finanças de Cascais 1 a petição inicial que deu origem à presente oposição à execução [cf. carimbo a fls. 6 dos autos].

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.


*

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

O Oponente deduziu oposição judicial contra a execução fiscal instaurada  para cobrança de € 14.273,24 e acréscimos legais, alegando, entre o mais, ter caducado o direito à liquidação, por não ter sido validamente notificado, no prazo legal, da respetiva liquidação.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou dizendo, em síntese, ter o Oponente sido citado por carta registada em 2008, pelo que nos termos do art. 45º n.º 6 da LGT não se verificou a caducidade do direito à liquidação. Aliás, o Oponente não alega não ter sido notificado da liquidação  de IRS subjacente à execução fiscal, razão por que os fundamentos alegados também não se integram nos previstos no art. 204º CPPT.

A MMª juiz julgou a ação procedente. Depois de considerar que caso “...resulte provada a invocada falta de notificação válida da liquidação e, se não se demonstrar que houve uma notificação validamente efectuada, tal implica que se encontra comprometida a eficácia da liquidação (artigos 77.°, n.° 6, da LGT e 36.°, n.° 1, do CPPT), o que justificará a procedência da oposição, por se estar perante um fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do C.P.P.T”, concluiu que a AT não demonstrou ter procedido à notificação por carta registada com aviso de receção e que permitiria identificar o seu destinatário e aferir da sua entrega.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda. Defende que o facto de a notificação ter sido efetuada por carta registada não impede que se considere que a notificação foi efetuada no prazo de caducidade, tanto mais que ficou provado que a carta foi remetida e recebida no domicílio fiscal do ora Oponente (Conclusão iii e segs.).

Tratando-se de uma liquidação oficiosa de IRS referente a 2004, a mesma deveria ter sido validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, conforme dispõe o n.º 1 do art. 45º da LGT, sob cominação de caducidade do direito à liquidação.

A notificação da liquidação foi remetida para o domicílio do contribuinte, constante do cadastro da AT, mediante carta registada, em 11/12/2008 e em 16/12/2008 foi remetida para a mesma morada  a notificação da liquidação dos respetivos de juros de mora (factos provados F) e G).

Mas como bem salientou a MMª juiz "a quo", a notificação da liquidação oficiosa, não tendo sido precedida de notificação para exercício do direito de audição (pelo menos tal não resulta dos autos), deveria ter sido remetida por carta registada com aviso de receção, nos ternos do art. 66º/1 e 149º/2 do CIRS[1].

Só que a notificação foi enviada usando-se a formalidade mais simples, a carta registada.

Apesar disso, tem-se entendido que a referência à validade da notificação tem em vista apenas a certeza de que o acto chegou ao conhecimento do destinatário, na medida em que as formalidades previstas na lei deixam de ser relevantes quando, apesar de elas não terem sido observadas, foi atingido o fim que o legislador visava alcançar.[2]

Assim, quando o n.º 1 do art. 45º da LGT refere que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte, visa garantir que o acto chegou ao conhecimento do destinatário, ainda que não tenha sido usada o meio legalmente querido.

No caso em apreço, entender-se-ia que o fim visado pelo legislador fora alcançado se o contribuinte tivesse sido notificado, não obstante se usar uma formalidade de notificação menos exigente[3].

Acontece que a AT não provou que o Oponente tenha recebido a notificação em causa, não obstante lhe caber o ónus dessa prova. Apesar de afirmar estar provado  que a carta foi remetida e recebida no domicílio fiscal do ora Oponente, em parte nenhuma dos factos provados consta que o Oponente recebeu a notificação, ou esta chegou à sua esfera de conhecimento.

De modo algum se pode concluir que a carta chegou ao conhecimento efetivo, ou à esfera de cognoscibilidade do destinatário, se a Fazenda Pública apenas demonstra que a carta contendo a notificação das liquidações (imposto e juros) foram apresentadas a registo nos CTT.

Por outro lado, não tendo efetuado a notificação por carta registada com aviso de receção (art. 38º/1 CPPT), com eventual benefício de presunção de notificação ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 39º CPPT, depois de demonstrada a respetiva base presuntiva, podemos concluir que a sentença decidiu bem e deve ser confirmada.  

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 3 de dezembro de 2020.

(Mário Rebelo)

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

 

___________


[1] Cfr. ac do STA n.º 0297/16 de 15-06-2016 Relator:             PEDRO DELGADO, também referido na douta sentença.             
Sumário:             I - Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
II - Uma liquidação oficiosa que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.
[2] Assim, Jorge Lopes de Sousa  in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol.I pp.359 
[3] Cfr. ac. do STA n.º 0726/11 29-10-2014 - Relator:              FRANCISCO ROTHES    
Sumário:             I - Enquanto para aferir da caducidade do direito de impugnar judicialmente é mister que a notificação assegure o efectivo conhecimento do acto pelo notificando (assim assegurando o cabal exercício de todos os direitos de reacção contra o mesmo, sendo que a exigência de notificação, porque tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos consagrada no n.º 4 do art. 268.º da CRP, surge aqui como garantia fundamental dos cidadãos), quando se trata de aferir da caducidade do direito à liquidação a notificação visa apenas garantir que o acto foi praticado dentro do prazo para o exercício desse direito.
II - O facto de, perante uma notificação irregular (a carta registada foi enviada e recebida, mas sem que obedeça ao formalismo legalmente imposto, designadamente o aviso de recepção), não se ter dado como provado o efectivo conhecimento do acto notificando pelo seu destinatário – o que determinou a revogação da sentença que considerou caducado o direito de impugnar o mesmo acto –, não impede que se considere a notificação suficiente para demonstrar a prática do acto dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação (cfr. art. 45.º, n.º 6, da LGT), não podendo argumentar-se em sentido contrário com uma pretensa violação do caso julgado.

Ac. do Pleno da Seção do CT n.º 01476/15 de 20-04-2016 Relator:       CASIMIRO GONÇALVES
Sumário:             I - Procedendo a AT a notificação por carta registada com aviso de recepção (A/R) mas não tendo sido cumprido o formalismo previsto no nº 4 do art. 39º do CPPT (não se procedeu à identificação da pessoa que assinou o A/R, por anotação do BI ou outro documento oficial) a notificação será inválida e irregular se não se demonstrar, por qualquer outro meio, que a carta chegou, efectivamente, ao seu destinatário.
II -Provando-se que a notificação chegou, efectivamente, ao conhecimento do contribuinte, a apontada formalidade degrada-se em formalidade não essencial, sendo a partir dessa data do conhecimento que deve contar-se o prazo para sindicar a respectiva decisão e não a partir da data da assinatura do A/R por terceiro.