Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05493/12
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO.
I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS (SGPS).
REGIME DE DETERMINAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL CONSOLIDADO (ARTºS.69 E SEG. DO C.I.R.C. ACTUAL).
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES. NOÇÃO COMERCIAL E CONTABILÍSTICA.
Sumário:1. Tendo transitado em julgado o despacho visado nas conclusões do recurso sob apreciação, em torno do mesmo operou o caso julgado (cfr.artºs.621 e 628, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o qual se traduz na impossibilidade de tal decisão ser substituída ou modificada por qualquer Tribunal, incluindo aquele que a proferiu, ressalvando-se os casos de recurso extraordinário, nomeadamente a revisão (cfr.artº.696, do C.P.Civil).
2. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
3. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
4. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
5. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
6. As sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (cfr.artº.1, do dec.lei 495/88, de 30/12, na redacção introduzida pelo dec.lei 318/94, de 24/9).
7. Adoptada por diversos sistemas jurídicos da União Europeia e, especialmente, por Portugal, o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria colectável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber:
a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades;
b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo.
8. O legislador não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr.artº.69, nºs.2 e 3, do C.I.R.C.) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C. S. Comerciais. Assim, o nível de integração entre as sociedades do grupo tem de ser especialmente intenso, para que o mesmo seja fiscalmente elegível, devendo apresentar-se como um grupo fortemente integrado, centralizado, estruturado e hierarquizado, no qual existam elevados níveis de participação no capital das várias sociedades-dominadas por parte da sociedade-dominante.
9. Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação de capital, da qual se diferenciam (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais).
10. Para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.160 a 171 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "M..., S.A.", tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1996 e no montante total de € 1.148.784,63.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.194 a 200 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela M..., S.A. relativa à liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios do exercício de 1996, no valor de € 1.148.784,63, e contra despacho relativo ao pedido de caducidade da garantia na parte atinente à condenação da Fazenda Pública a indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia indevida;
2-Preconiza a douta sentença que a opção de recorrer a prestações suplementares e a decisão de as reembolsar são decisões de gestão interna da empresa nas quais a Administração Fiscal não se pode intrometer, concluindo que os juros pagos pelo empréstimo contraído eram indispensáveis à continuação da actividade comercial da impugnante;
3-Segundo deliberação dos sócios, a restituição das prestações suplementares só seria efectuada quando a sociedade dispusesse de recursos financeiros para o efeito, o que, aliás, se mostra conforme o disposto no artigo 213º do Código das Sociedades Comerciais;
4-Não obstante tal deliberação, decidiu a sociedade recorrer a um empréstimo para reembolsar os sócios das prestações suplementares quando não estava legalmente vinculada a fazê-lo, suportando um encargo desnecessário que resultou na diminuição do lucro;
5-Ora, perante tal factualidade é lícito que a Administração Fiscal tenha questionado a indispensabilidade dos custos, porquanto verificou, sem que a Impugnante tivesse demonstrado o contrário, que a operação em causa não foi indispensável ao exercício da actividade normal da empresa;
6-Não se trata, pois, de intromissão da Administração Fiscal na gestão da Impugnante, a qual pode livremente decidir contrair empréstimos para obtenção de meios financeiros; só não pode qualificar como custo fiscal os custos por si incorridos que não cumpram o requisito da indispensabilidade, exigido pelo artigo 23º do CIRC para que tais custos sejam reconhecidos como custo fiscal dedutível;
7-Decorre do referido preceito que ao contribuinte cabe o ónus da prova da indispensabilidade, cabendo-lhe demonstrar a relação causal entre o custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado e o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados;
8-Sendo que “in casu”, não apresentou a sociedade Impugnante quaisquer elementos probatórios que demonstrem, indubitavelmente, a indispensabilidade dos encargos em causa, não cumprindo o ónus da prova que lhe é imposto pelo artigo 74º da LGT, ficando por demonstrar a razão do recurso ao empréstimo sem que existisse obrigação legal que impusesse a concretização dos pagamentos naquele momento;
9-Ao decidir como decidiu, designadamente que os juros pagos pelo empréstimo contraído eram indispensáveis à continuação da actividade comercial da impugnante, violou a douta sentença o disposto no artigo 23º do CIRC;
10-No que concerne ao despacho relativo ao pedido de caducidade da garantia, o mesmo merece censura na parte atinente à condenação da Fazenda Pública a indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia, porquanto o direito de indemnização já prescreveu;
11-O direito de indemnização por caducidade de garantia consubstancia responsabilidade civil extracontratual do Estado que advém da demora excessiva na tramitação de processo judicial;
12-As regras sobre a prescrição do direito à indemnização constam do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas no Domínio dos Actos de Gestão Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, o qual remete, no artigo 5º, nº 1, para os prazos fixados na lei civil;
13-Prevê o nº 1 do artigo 498º do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”;
14-Ora, in casu, o prazo de prescrição do direito de indemnização conta-se a partir da data em que ocorreu a caducidade da garantia, no dia 12 de Março de 2005, pelo que o direito de indemnização prescreveu em 12 de Março de 2008;
15-A decisão recorrida, na parte relativa ao reconhecimento do direito a indemnização por caducidade da garantia, viola o disposto nos artigos 183°-A, nº 6, do C.P.P.T., 53º, nº 3 e nº4 da LGT, 498°, n° 1, e 306° do Código Civil, aplicáveis por força do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967;
16-Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho na parte recorrida e a sentença por padecerem de erro na aplicação do direito, por violação dos artigos 23° do CIRC, 74º da LGT, e dos artigos 183°-A, nº 6, do C.P.P.T., 53º, nº 3 e nº4 da LGT, 498°, n° 1, e 306° do Código Civil, aplicáveis por força do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967;
17-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.202 a 230 dos autos), rematando com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Não deverão V. Exas. tomar conhecimento do recurso apresentado pela Fazenda Pública, que é extemporâneo, na parte que se refere à impugnação do despacho interlocutório proferido pela Mm.ª Juiz a quo a fls. 157 e seguintes dos Autos, por ser interposto em violação do disposto no artigo 285.º do CPPT e do princípio do caso julgado formal constante do artigo 672.º do CPC;
2-Compulsados os autos, facilmente se verifica que a Fazenda Pública apenas apresentou um requerimento de interposição de recurso, a fls. 176 dos processado, no qual expressamente indica que «notificada da douta sentença proferida nos autos […] e com esta não se conformando, vem interpor recurso», não se referindo, em lugar algum do aludido requerimento, ao despacho interlocutório proferido pela Mm.ª Juiz a quo a fls. 157 e seguintes do Autos, respeitante à declaração de caducidade da garantia prestada para suspender a execução fiscal e à inerente indemnização;
3-Caso assim não se entenda, sempre se diga que também nessa parte o recurso deve ser julgado improcedente, por não se encontrar prescrito o direito à mencionada indemnização, nos termos do artigo 498.º do Código Civil, dado que só com a efectiva declaração de caducidade da garantia bancária o contribuinte/lesado toma «conhecimento do direito que lhe compete»;
4-No que se refere à sentença recorrida, o douto Tribunal a quo julgou procedente a impugnação apresentada, por ter considerado - e bem - provada a indispensabilidade dos custos incorridos pela então impugnante com o pagamento de juros decorrente de um contrato de mútuo celebrado com o intuito de restituir prestações suplementares aos seus sócios, e de, assim, permitir manter os capitais inicialmente aportados à então impugnante que os fez descer às suas participadas (para a actividade) no negócio;
5-Com efeito, o Tribunal veio entender, na senda da melhor doutrina, que o artigo 23.º do Código do IRC não é aplicável ao caso dos Autos, na medida em que, «analisando o custo, não se pode entender que não é indispensável, sem intromissão na gestão da empresa» – ou seja, in casu deve aceitar-se que se encontram integralmente cumpridos os pressupostos de dedutibilidade de custos, conquanto se verifique que os custos foram efectivamente incorridos, sob pena de ilegítima intromissão na vida interna da empresa derivada da avaliação da oportunidade da assunção de determinado encargo;
6-No exercício da sua actividade, cabe à gestão das SGPS determinar o ratio adequado de capitais próprios/alheios da sociedade, afigurando-se absolutamente indispensável e frequente que coordene com os respectivos sócios a exigência ou reembolso de prestações suplementares, e a concessão ou contracção de empréstimos, que facultem à «sociedade gerida» a necessária liquidez para prosseguir a sua actividade económica normal;
7-Os limites respeitantes à restituição de prestações suplementares e à dedutibilidade de juros estão previstos na Lei, seja na lei comercial e societária (e.g. artigo 213.º do CSC), seja na Lei fiscal (e.g., actualmente os artigos 45.º, n.º 1, j) e 67.º do Código do IRC);
8-Tendo sido deliberada a restituição de prestações suplementares anteriormente exigidas aos sócios, para que aquela prosseguisse a sua actividade e que representaram para estes um esforço financeiro não compensado pelas regras de mercado uma vez que não venceram juros, bem andou a SGPS quando restituiu aqueles montantes;
9-É totalmente irrelevante que a restituição das prestações suplementares tenha sido concretizada não mediante a aplicação de fundos próprios da SGPS, mas sim à custa de um empréstimo disponibilizado pela M... AG, directamente a favor dos sócios da M... SGPS que tinham realizado as prestações suplementares;
10-Após a citada deliberação dos sócios, a gestão da M... SGPS teve então que encontrar os meios necessários que lhe permitissem, no âmbito da sua actividade de gestão, proceder a esse reembolso mantendo a sua actividade corrente (i.e., sem vender activos) e o seu equilíbrio financeiro intocados;
11-A Administração fiscal não tem neste âmbito quaisquer poderes discricionários, não tendo liberdade para, de entre as várias soluções possíveis, substituir-se aos órgãos da empresa (assembleia geral e gerência) e escolher aquela que lhe pareça mais adequada, utilizando uma cláusula geral (artigo 23.º do Código do IRC) sem mais;
12-Muito bem decidiu a Mm.ª Juiz a quo na sentença sob recurso, ao não aderir à atitude de intromissão ilegítima do Fisco, considerando que a incursão em custos com juros derivados do mútuo celebrado in casu «são decisões de gestão empresarial, nas quais a Administração fiscal não se pode intrometer»;
13-O requisito da indispensabilidade dos custos só pode ser aferido de acordo com critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários, quedando-se ao Fisco o ónus de demonstrar se tais custos não foram afectos à exploração e/ou tiveram origem num negócio artificioso e in casu o Fisco fundamentou incorrectamente a liquidação;
14-O Fisco incorre num crasso erro de raciocínio que o Tribunal a quo não deixou em passar em claro. As prestações suplementares e o seu reembolso anulam-se. O financiamento que é concedido para permitir aquele reembolso substitui-se àquelas, estando associado aos capitais que já com aquelas prestações a SGPS fez descer (por prestações) às suas participadas e ao negócio;
15-A M... SGPS limitou-se a substituir a fonte de financiamento da sua actividade – de capitais próprios para capitais alheios. O que é absolutamente legítimo!
16-A dedutibiliade fiscal dos custos depende de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, e esta indispensabilidade verifica-se sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário;
17-O objecto social da M... SGPS é a gestão de participações sociais, pelo que o reembolso de prestações suplementares e a celebração de um contrato de mútuo insere-se intrinsecamente na sua capacidade, está relacionada com a gestão da sua actividade e com as prestações suplementares que a SGPS realizou a favor das suas participadas para que estas pudessem investir (compra de terrenos, infra-estruturas, etc.);
18-In casu há apenas uma substituição das fontes de financiamento da actividade económica e é óbvio que os juros são indispensáveis à realização de proveitos ou ganhos e à manutenção da sua fonte produtora, tal como exige o artigo 23.º do Código do IRC, caso se julgue que tal norma é aplicável;
19-E, in casu, a gestão limitou-se a respeitar as deliberações sociais: os próprios sócios comportaram-se como credores e não seria exigível pedir-lhes que se mantivessem como mutuantes de capital – sem juros – eternamente…
20-É inquestionável a correcção e justeza da sentença recorrida, que assentou numa rigorosa interpretação dos pressupostos de facto e de direito de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, bem como na respectiva subsunção à factualidade subjacente ao caso em análise;
21-Caso – por hipótese académica e sem conceder – assim não se entenda, e se se considerar necessário produzir prova adicional a respeito da indispensabilidade do custo, deverão ser ouvidas as testemunhas arroladas na p.i. e dispensadas pela Mm.ª Juiz a quo, o que desde já se requer a título subsidiário, caso V. Exas. entendam anular a decisão recorrida;
22-A actividade da M... SGPS é exactamente a gestão de participações sociais, pelo que os juros foram devidamente deduzidos, em conformidade com a Lei Fiscal à data e com a jurisprudência superior;
23-A Lei permite e prevê estas restituições. E o que importa é respeitar a Lei;
24-A Administração fiscal só não pode aceitar como dedutíveis os juros suportados por um empresa relativamente a empréstimos se manifestamente se comprovar que os fundos obtidos foram aplicados em fins estranhos à actividade da empresa., sendo certo que no caso concreto se aplicaram na exploração, substituindo os capitais aportados às participadas e a taxa de juro estipulada respeitava as condições de mercado tendo em conta o risco ligado à operação, as garantias fornecidas pelo devedor, a natureza, a duração e o montante do empréstimo – ou seja, corresponde àquela que a SGPS suportaria caso o financiamento em questão fosse obtido junto de uma entidade independente, tudo em conformidade com o artigo 61.º do Código do IRC;
25-Bem andou a recorrida ao deduzir os juros suportados com o empréstimo, que foram determinados de acordo com as regras de mercado e, consequentemente, bem andou a sentença recorrida ao decidir pela procedência da impugnação;
26-Aliás, se o empréstimo tivesse sido contratado quando foram aportadas as prestações suplementares, em vez destas, muito mais custos teria suportado a ora recorrida - o que previsivelmente teria dificultado a sua expansão comercial e simultaneamente teria reduzido resultados e impostos. Opção que os sócios rejeitaram e que beneficiou a empresa, ora recorrida, e o Estado Português;
27-Nestes termos, a interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC efectuada pelo Fisco transforma o regime da dedutibilidade de custos num mecanismo de pura intervenção na gestão privada das empresas, em violação do artigo 86.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que mais não fez a sentença recorrida do que respeitar integralmente o disposto na Lei Fundamental;
28-Termos em que se requer que V. Exas. se dignem manter a decisão a quo, porquanto respeita integralmente os ditames legais e constitucionais aplicáveis, rejeitando o presente recurso jurisdicional, tudo com as devidas consequências legais. Caso assim não se entenda, deverão os presentes autos ser remetidos novamente Tribunal a quo, de modo a realizar-se audiência de inquirição de testemunhas, conforme oportunamente requerido, de forma a que a ora recorrida possa produzir prova adicional sobre a matéria em causa no presente processo. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.
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O STA-2ª.Secção declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, por considerar, em suma, que este não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, mais declarando competente para o efeito este TCA-Sul (cfr.despacho exarado a fls.251 a 261 do processo).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao presente recurso (cfr.fls.273 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.276 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.163 a 167 dos autos - numeração nossa):
“Considero provados os seguintes factos com relevo para a decisão, com base no teor dos documentos juntos aos autos e identificados nos diversos números do probatório:
1-Os Serviços de Inspecção Tributária corrigiram a declaração periódica modelo 22 de IRC de 1996 (lucro consolidado) não aceitando como custo fiscal o montante de 397.084.933$00, relativo a juros suportados pela sociedade dominante “M... Portugal (SGPS), Lda”, com o n.i.p.c. …, reflectidos contabilisticamente na conta 6813 Juros - Outros Empréstimos (cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
2-Os Serviços de Inspecção fundamentaram a correcção identificada no nº.1 nos seguintes termos:
“…propõe-se que não sejam aceites para efeitos fiscais, os juros de 397.084.933$00, considerados como custo no exercício de 1996, quer ao nível individual da sociedade dominante, «M... Portugal SGPS, Lda.», quer na esfera do grupo M... Portugal, por se ter considerado que o referido custo não é enquadrável no âmbito dos custos preconizados no artigo 23.º do CIRC, pelo facto de não ter sido comprovado que a operação subjacente era indispensável ao exercício da actividade normal da empresa (contracção de um empréstimo, destinado em exclusivo ao reembolso de prestações suplementares, o qual venceu juros, tendo no presente caso sido concedido por empresa suíça inserida no grupo ao nível internacional), não cumprindo, por esse facto, o estipulado no mencionado normativo legal que a isso obriga, para que sejam aceites como custos fiscais os montantes contabilizados como tal…”
(cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);

3-Os juros decorrem do empréstimo de 3.600.000.000$00, concedido pela empresa suíça M... AG (Mutuante) à sociedade M... Portugal (SGPS), Lda. (Mutuário), mediante contrato de mútuo celebrado em 15/12/1993, cujos termos mais relevantes se passam a transcrever:
“(…)
A. Considerando que o Mutuário pretende obter um empréstimo de PTE 3 600 000 000…para promover o desenvolvimento das suas actividades comerciais.
B. Considerando que os sócios do Mutuário deliberaram, em assembleia geral realizada a 31 de Agosto, efectuar o reembolso de parte das prestações suplementares de capital efectuadas pelo Mutuário.
C. Considerando que o Mutuante está disposto a prestar o financiamento necessário para o efeito acima referido, nas condições e termos estabelecidos no presente Contrato

As partes acordam entre si o seguinte:
Artigo 1.º
(…) o empréstimo será efectuado pelo mutuante em dois pagamentos no montante de PTE 1 800 000 000 cada a pagar directamente aos sócios do Mutuário, mediante instruções escritas do Mutuário para esse efeito, devendo o primeiro dos referidos pagamentos ter lugar até 31 de Dezembro de 1993, e o segundo até 30 de Janeiro de 1994.

Artigo 2.º
A taxa de juro a aplicar ao empréstimo será de 11% ao ano, relativamente à totalidade do prazo de duração do empréstimo. Os juros serão calculados com base nos dias efectivamente decorridos, considerando-se que o ano tem 365 dias, e devendo a sua liquidação ser efectuada pelo Mutuário no dia 30 do mês de Junho do ano do seu reembolso respectivo, acrescida dos eventuais juros de mora devidos, verificando-se o vencimento do primeiro pagamento de juros a 30 de Junho de 1994.

Artigo 3.º
O Mutuário deverá efectuar o reembolso do Empréstimo ao mutuante, mediante um pagamento único, no montante de PTE 3 600 000 000… no dia 15 de Dezembro de 1998…”
(cfr.contrato de mútuo junto a fls.38 a 43 dos presentes autos);

4-A sociedade “M... Portugal SGPS, Lda.” foi constituída por escritura de 14/12/1989 (cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
5-A sociedade “M... Portugal SGPS, Lda.”, foi incorporada por fusão na sociedade “M... A---, SA.”, actualmente “M..., SA.”, a ora impugnante (cfr.certidão da Conservatória do Registo Comercial de ..., matrícula n.º 12456/990624, junta a fls.82 a 93 dos presentes autos);
6-Até ao fim de 1991 os sócios da “M... Portugal SGPS, Lda.” deliberaram por unanimidade a realização de várias prestações suplementares que chegaram a perfazer a quantia de Esc.8.230.666.666$00, de modo que a sociedade começasse a sua actividade sem custos de capital, como previsto no contrato de sociedade (cfr.actas juntas a fls.25 a 28 dos presentes autos; documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
7-Com esses capitais, durante os primeiros anos (1990-1992), a “M... Portugal SGPS, Lda.” adquiriu a totalidade do capital social da sociedade “M... A..., SA.” (cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
8-No exercício de 1993, os sócios da “M... Portugal SGPS, Lda.” deliberaram que esta os reembolsasse de parte dos capitais anteriormente entregues como prestações suplementares e que haviam sido aplicados na aquisição de participações sociais (cfr.actas juntas a fls.29 a 35 dos presentes autos);
9-Em 03/11/1992, foi deliberada a restituição parcial de prestações suplementares no montante total de Esc.1.200.000.000$00 (cfr.acta junta a fls.29 e 30 dos presentes autos);
10-Durante os exercícios de 1993 e 1994, a «M... Portugal SGPS, Lda» procedeu à restituição parcial das prestações suplementares deliberada em 31/08/1993, no montante total de Esc.3.600.000.000$00 (cfr.acta junta a fls.31 e 32 dos presentes autos; documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
11-Procedeu ao pagamento de Esc.1.800.000.000$00 em cada um dos exercícios, tal como se obrigou até 31/12/1993 e até 28/02/1994 (cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
12-O pagamento foi efectuado através da canalização do montante mutuado pela sociedade «M... AG, SA», para cada uma das sociedades sócias, respectivamente E... N.V e L... AG (cfr.documento junto a fls.43 a 53 dos presentes autos);
13-A “M... Portugal SGPS, Lda.” enviou carta ao Banco ..., no sentido de obter informação sobre as taxas de juros activas praticadas no mercado, mais tendo recebido informação de que as mesmas taxas, para prazo a 5 anos, se situam nos 11% ao ano (cfr.documento junto a fls.36 dos presentes autos);
14-Na sequência da correcção identificada nos nºs.1 e 2 supra foi emitida a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios n.º ..., relativa ao exercício de 1996, no valor a pagar de 230.310.640$00/€ 1.148.784,63, feita em nome da sociedade “M... Portugal SGPS, Lda.”, já extinta, com data limite de pagamento em 12/12/2001 (cfr.documento junto a fls.24 dos presentes autos);
15-Em 12/03/2002, foram apresentados os presentes autos de impugnação (cfr. Carimbo de entrada aposto a fls.1 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
16-Em despacho exarado a fls.158 e 159 dos presentes autos, o Tribunal “a quo” declarou a caducidade da garantia prestada pela sociedade impugnante, nos termos do artº.183-A, do C.P.P.T., fixando o termo final do prazo de caducidade em Março de 2005, mais ordenando a indemnização da requerente, pela prestação de garantia indevida, nos termos e limites do artº.53, nºs.3 e 4, da L.G.T.;
17-O despacho identificado no nº.16 transitou em julgado no pretérito dia 15/09/2011 (cfr.certidão junta a fls.231 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.C. e juros compensatórios objecto do processo (cfr.nº.14 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e em sinopse, que o despacho relativo ao pedido de caducidade da garantia merece censura na parte atinente à condenação da Fazenda Pública em indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia, porquanto o direito de indemnização já prescreveu. Que as regras sobre a prescrição do direito à indemnização constam do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas no Domínio dos Actos de Gestão Pública, aprovado pelo dec.lei 48051, de 21/11/1967, o qual remete, no seu artº.5, nº.1, para os prazos fixados na lei civil. Que nos termos do artº.498, do C. Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos. Que, no caso concreto, o direito de indemnização prescreveu em 12 de Março de 2008 (cfr.conclusões 10 a 15 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Retira-se da factualidade provada (cfr.nºs.16 e 17 do probatório) que o despacho que examinou e decidiu o pedido de caducidade da garantia formulado pela sociedade recorrida transitou em julgado no pretérito dia 15/09/2011.
O trânsito em julgado do mesmo despacho operou em virtude de o mesmo não ter sido objecto do recurso deduzido pela Fazenda Pública através do requerimento junto a fls.176 dos autos e deduzido no dia 12/9/2011, no qual somente se interpõe apelação da sentença proferida no processo.
Tendo transitado em julgado o despacho visado nas conclusões do recurso sob apreciação, em torno do mesmo operou o caso julgado (cfr.artºs.621 e 628, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o qual se traduz na impossibilidade de tal decisão ser substituída ou modificada por qualquer Tribunal, incluindo aquele que a proferiu, ressalvando-se os casos de recurso extraordinário, nomeadamente a revisão (cfr.artº.696, do C.P.Civil; José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, Quid Juris, 2016, pág.724 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª.edição, 1985, pág.701 e seg.).
Após a reforma do processo civil de 1995/96, o caso julgado passou a ser uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.i), e 578, todos do C.P.Civil, “ex vi” do artº. 2, al.e), do C.P.P.Tributário).
Em conclusão, o Tribunal não deve examinar e decidir o presente esteio do recurso devido ao trânsito em julgado do despacho que declarou a caducidade da garantia prestada pela sociedade recorrida, exarado a fls.158 e 159 dos presentes autos.
Aduz, igualmente, o apelante que segundo deliberação dos sócios, a restituição das prestações suplementares só seria efectuada quando a sociedade impugnante/recorrida dispusesse de recursos financeiros para o efeito, o que se mostra conforme com o disposto no artº.213, do Código das Sociedades Comerciais. Que não obstante tal deliberação, decidiu a sociedade recorrer a um empréstimo para reembolsar os sócios das prestações suplementares, quando não estava legalmente vinculada a fazê-lo, suportando um encargo desnecessário que resultou na diminuição do lucro. Que não pode qualificar como custo fiscal os valores por si incorridos que não cumpram o requisito da indispensabilidade, exigido pelo artº.23, do C.I.R.C. Que a sociedade impugnante/recorrida não apresentou quaisquer elementos probatórios que demonstrem, indubitavelmente, a indispensabilidade dos encargos em causa. Que ao decidir como decidiu, designadamente, que os juros pagos pelo empréstimo contraído eram indispensáveis à continuação da actividade comercial da sociedade impugnante/recorrida, violou a sentença o disposto no artº.23, do C.I.R.C. (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1998; artºs.29 e 31, do C. Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do probatório (cfr.nºs.1 a 3 da matéria de facto) a Fazenda Pública não acolheu como custos o montante de juros de 397.084.933$00, considerados como custo no exercício de 1996 pela sociedade recorrida, reflectidos contabilisticamente na conta 6813 Juros - Outros Empréstimos, visto que não enquadráveis no âmbito dos custos preconizados no artº.23, do C.I.R.C., pelo facto de não ter sido comprovado que a operação subjacente era indispensável ao exercício da actividade normal da empresa.
Por seu lado, o Tribunal "a quo" concluiu que a sociedade recorrida havia produzido prova da indispensabilidade e relevo de tais custos, atento o seu objecto social, assim devendo ter relevância fiscal e ser considerados no apuramento do lucro tributável do sujeito passivo.
Vejamos quem tem razão.
Retira-se da matéria de facto que os juros pagos pela sociedade recorrida, sociedade dominante de grupo empresarial, registados contabilisticamente no exercício de 1996, derivaram de empréstimo contraído pela mesma empresa, junto de sociedade do grupo empresarial, visando o reembolso de prestações suplementares efectuadas pelos sócios e que haviam sido aplicados na aquisição de participações sociais. Mais se retira da factualidade provada que a sociedade recorrida tinha como objecto social a gestão de participações sociais, sendo a entidade dominante de um grupo de empresas (cfr.nºs.1 a 3 e 6 a 8 do probatório).
Com vista à caracterização da actividade da sociedade recorrida, “M... Portugal (SGPS), L.da.”, afigura-se de interesse chamar à colação o “Regime das Sociedades Gestoras de Participações Sociais” aprovado pelo dec.lei 495/88, de 30/12 (na redacção introduzida pelo dec.lei 318/94, de 24/9).
Segundo o disposto no artº.1, do diploma identificado no parágrafo antecedente as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta, quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
A figura jurídica do grupo de sociedades, prevista na legislação tributária em sede do C.I.R.C. (cfr.artº.59, do C.I.R.C.), é passível de ser doutrinariamente definida como um conjunto, mais ou menos vasto, de sociedades que, embora conservando as personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram em subordinação a uma direcção económica unitária e comum, conceptualização esta que possui por elementos fundamentais a independência jurídica das várias sociedades agrupadas, a falta de personalidade autónoma do grupo e a articulação do grupo através da direcção unitária. Assim, ainda que cada uma das sociedades englobadas possua, formalmente, os seus órgãos sociais próprios, enquanto centros de definição e execução das respectivas vontades sociais individuais, será o órgão de gestão da sociedade que dirige o grupo o responsável pela orientação dos sectores essenciais da vida do mesmo, mormente nos domínios financeiro e fiscal. Nesse sentido, a característica da direcção unitária permite distinguir a figura do grupo de sociedades de outras realidades, designadamente das coligações entre sociedades ou da participação de sociedades noutros entes societários (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; Gonçalo Avelãs Nunes, Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de I.R.C., Almedina, 2001, pág.15 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.360 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.148 e seg.).
O grupo de sociedades resulta de uma evolução natural e necessária das empresas, em face de condições de mercado cada vez mais complexas e competitivas, com vista a melhor exercerem a sua actividade, justificando-se que uma determinada sociedade opte por criar ou adquirir outra ou outras sociedades em detrimento de sistemas clássicos de crescimento, caracterizados pela criação de departamentos ou sucursais. Em face desta emergente realidade, torna-se legítimo para o legislador fiscal optar por um regime próprio de tributação, aplicável a grupos que assumam certas características e particularidades legalmente definidas, abstraindo-se da individualidade jurídica de cada uma das entidades que constituem o grupo e promovendo a sua tributação apenas como uma unidade. Assim, a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento encontra-se fundamentada, num primeiro momento, no princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da actividade empresarial, na medida em que se defende que o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da estrutura organizativa e da forma assumida pelas empresas no exercício da sua actividade. Visa-se, por este meio, que as soluções assumidas em matéria fiscal não condicionem as formas jurídicas adoptadas pelas empresas, aproximando a optimização dos lucros e as vantagens do investimento empresarial com os desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal. Nesse sentido, justifica-se que, ao nível do grupo empresarial, seja dado o mesmo tratamento fiscal, em matérias de operações internas do grupo e de compensação de resultados negativos das sociedades integrantes, o qual se encontra reservado para as operações realizadas entre os vários sectores da mesma entidade jurídica. Em certos casos, o respeito pelo princípio da neutralidade do imposto só se consegue através de um regime de consolidação dos resultados, o qual derroga o princípio da personalidade do imposto e assim elimina as desvantagens da não neutralidade da tributação separada das sociedades pertencentes ao grupo (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.45 e seg.).
A justificação desta figura jurídica e seu regime legal assenta, ainda, na defesa do princípio da capacidade contributiva como concretização do princípio da igualdade, na medida em que estes se apresentam como os limites das opções do legislador na estruturação do regime jurídico-fiscal aplicável ao grupo de sociedades, designadamente, em matéria de definição dos deveres inerentes à relação jurídica fiscal e de identificação e distribuição da responsabilidade fiscal no seio do grupo. A eliminação da dupla tributação económica dos dividendos surge, igualmente, como fundamento legitimador, cuja total concretização advém do apuramento de um único resultado tributável e de uma só liquidação, bem como da admissibilidade de compensação de perdas entre as sociedades integradas no grupo. A introdução do regime do grupo de sociedades deve desincentivar, igualmente, o recurso a meios fraudulentos de evasão fiscal no seio do mesmo, neutralizando as eventuais vantagens decorrentes do recurso às técnicas dos preços de transferência ou da sub-capitalização, bem como potencia a actividade económica das empresas sem que esteja em causa o combate à concorrência fiscal prejudicial. Em igual medida, tal regime jurídico preserva o princípio da liberdade de empresa (cfr.art.80, al.c), da Constituição da República Portuguesa), na vertente da liberdade de organização empresarial, devendo o legislador abster-se de introduzir obstáculos ou restrições injustificadas de natureza fiscal que contendam com o direito de livre organização empresarial, na opção por um grupo de sociedades. Atento o exposto, este regime jurídico apresenta, como vantagens fundamentais:
a) a possibilidade de adopção da forma societária mais adequada ao mercado, eliminando as desvantagens da não neutralidade da tributação separada de sociedades;
b) uma maior transparência e visibilidade dos fluxos entre as sociedades do grupo, os quais serão fiscalmente irrelevantes, afastando as vantagens de métodos evasivos;
c) a tributação conjunta faculta à A. Fiscal e à própria sociedade-dominante uma visão conjunta e mais aproximada da verdadeira situação financeira e patrimonial e da capacidade contributiva da unidade empresarial que constitui o grupo de sociedades;
d) por último, este regime de tributação constitui um instrumento útil, válido e adequado de apoio à reestruturação empresarial e de promoção da competitividade, mesmo a nível internacional (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.50 e seg.).
Na teorização que desenvolve, a doutrina releva que os regimes de tributação dos grupos de sociedades se caracterizam, regra geral, por instituírem um procedimento que, em maior ou menor grau, abstrai da autonomia jurídica das entidades que integram os grupos e permite que, de alguma forma, a unidade formada pelas sociedades que constituem o grupo se reflicta nas operações de quantificação e liquidação, instituindo mecanismos de apuramento conjunto da matéria tributária ou, simplesmente, permitindo a compensação de resultados entre as várias sociedades. Adoptada por diversos sistemas jurídicos da União Europeia e, especialmente, por Portugal, o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria colectável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respectiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber:
a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades;
b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo.
Em resultado da liquidação única, a tributação do grupo de sociedades gera apenas uma dívida tributária, cabendo à sociedade-dominante o dever de apresentação da declaração conjunta de rendimentos, na qual apura o resultado unitário a partir da matéria tributável apurada em conjunto, de acordo com as regras específicas aplicáveis aos grupos de sociedades. Importa, ainda, referir que este regime jurídico-fiscal é de aplicação voluntária, assumindo a sociedade-dominante o poder decisório de optar pela aplicabilidade do mesmo (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.61 e seg.).
O legislador não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr.artº.59, nºs.2 e 3, do C.I.R.C.) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C. S. Comerciais. Assim, o nível de integração entre as sociedades do grupo tem de ser especialmente intenso, para que o mesmo seja fiscalmente elegível, devendo apresentar-se como um grupo fortemente integrado, centralizado, estruturado e hierarquizado, no qual existam elevados níveis de participação no capital das várias sociedades-dominadas por parte da sociedade-dominante (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.74 e seg.).
A realidade unitária fiscal que caracteriza o grupo de sociedades não coloca em crise a estrutura da relação jurídico-fiscal que se encontra subjacente às personalidades jurídicas de cada uma das sociedades componentes do grupo, as quais permanecem na posição jurídica de contribuintes (enquanto entidades que realizam o pressuposto de facto e que vão ver o seu rendimento tributado), não obstante a tributação dos seus rendimentos ser realizada conjuntamente e em observação dos encargos globalmente suportados, nos termos dos princípios que fundamentam este regime específico. Atenta a previsão do citado artº.59, do C.I.R.C., e a sua sistematização no diploma em apreço, as respectivas normas apenas têm eficácia em sede de regras de apuramento da matéria tributável, não alterando nem definindo nenhuma nova situação ou posição subjectiva passiva por parte do grupo, pelo que a doutrina defende não poder este assumir o cariz de contribuinte ou de sujeito passivo “strictu sensu”. Neste sentido, o regime de tributação do lucro consolidado pode definir-se como consistindo num mero método de quantificação da matéria tributável das várias sociedades que integram o grupo, método segundo o qual, partindo-se do resultado individual de cada uma das sociedades, determinado de acordo com as regras gerais, se procede às devidas correcções, em resultado, designadamente, da eliminação das operações internas do grupo conforme mencionado supra, e se efectua a soma algébrica desses resultados corrigidos, quantificando-se a matéria tributável do grupo de sociedades, e procedendo-se, por fim, à liquidação e às deduções à colecta que tiverem lugar (cfr.Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.89 e seg.).
Evidencia-se, ainda que, em consequência da previsão normativa inserta no artº.92, do C.I.R.C., na definição da responsabilidade fiscal dos entes integrados no grupo de sociedades, o legislador fiscal consagrou que a sociedade-dominante se assume como devedora principal e originária da prestação tributária devida pelo grupo, sendo as sociedades-dominadas subsidiariamente responsáveis em relação ao devedor principal e solidariamente entre si. Como consequência do acabado de mencionar, cabe exclusivamente à sociedade-dominante, nos termos do artº.96, nº.6, do C.I.R.C., o dever de entregar a declaração periódica referente aos rendimentos do grupo, cuja quantificação e apuramento vai obedecer às regras específicas do regime de tributação do lucro consolidado, bem como as declarações periódicas individuais de cada sociedade pertencente ao grupo, elaboradas de acordo com as regras gerais de apuramento da matéria tributável em sede de I.R.C. No entanto, as declarações individuais de rendimentos das sociedades constituintes dos grupos tributados sob o regime de consolidação não dão origem a liquidações directas de I.R.C., antes tendo fins meramente estatísticos e de análise sectorial dos respectivos elementos, sendo que todas as correcções que sobre as mesmas recaiam produzem efeitos na declaração de rendimentos do grupo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12; Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.114 e seg.).
“In casu”, igualmente se deve chamar à colação a noção de prestações suplementares.
Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação de capital, da qual se diferenciam (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.235 e seg.; Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º. Volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1989, pág.297 e seg.).
Passemos à vertente contabilística.
No Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, vigente à data dos factos, a expressão “partes de capital” era empregue para designar a subconta 411 da subconta 41 (Investimentos financeiros) da conta 4 (Imobilizações), onde, ao lado das contas “Obrigações e títulos de participação” (412), “Empréstimos de financiamento” (413), “Investimentos em Imóveis” (414) e “Outras aplicações financeiras” (415), deveriam ser registados os investimentos em “partes de capital” na óptica do investidor (sócio).
Já para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.9691/16; António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 1995, pág.545 e 574; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, os juros pagos pelo empréstimo contraído com vista ao pagamento de prestações suplementares anteriormente efectuadas devem considerar-se um custo fiscal da sociedade impugnante/recorrida, mais caindo no crivo de indispensabilidade constante do examinado artº.23, nº.1, do C.I.R.C., porque necessários à continuação da actividade da mesma empresa, cujo objecto social se reconduz à gestão de participação sociais, conforme mencionado supra (estamos perante contracção de empréstimos que facultem à sociedade a necessária liquidez para prosseguir a sua actividade económica normal).
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente o presente esteio do recurso e, em consequência, manter-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017




(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)