Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1400/15.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO;
OPOSIÇÃO.
Sumário:I. O prazo previsto no art.º 203.º, n.º 1, al. a), do CPPT, é um prazo judicial, contando-se nos termos do então art.º 144.º do CPC/1961 (atual art.º 138.º).
II. Para efeitos de aferição da caducidade do direito de ação em autos de oposição à execução fiscal, há que ter em conta o regime previsto no art.º 145.º, n.ºs 5 e 6, do CPC/1961 (atual art.º 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

N.... (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 06.04.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual se julgou verificada a caducidade do direito de ação e, em consequência, se absolveu a Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) da instância de oposição que aquele apresentara ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3492201001…..

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Está errada a decisão do Tribunal a quo;

b) O Oponente foi citado a 15.09.2010;

c) O Oponente apresentou via fax, para a número correto constante do Portal da AT a sua oposição;

d) Ao Oponente não pode ser responsabilizado pela omissão da AT em averbar no SITAF o ato processual praticado em tempo e por meio (fax) previsto na Lei”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a apreciar (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de a oposição ter sido tempestivamente apresentada?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Contra a sociedade S…. Lda foi instaurado, no Serviço de Finanças de Loures 4 o processo de execução fiscal nº 3492201001….., relativo a dívidas de IVA de 2007, no valor de €35.526,96 (fls 2 a 4, do PEF);

B) Conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Comercial da sociedade identificada em A) desde a sua constituição que a gerência foi exercida por S…. (ora oponente) (fls 9 e 10 do PEF);

C) A sociedade executada encontra-se em processo de insolvência com o nº 1658/11.0TYLSB, do 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (;

D) Em 30-06-2010 foi proferido despacho com vista á audição prévia (reversão) do oponente (fls 12, do PEF);

E) Proferido despacho de reverão foi o oponente citado em 15-09-2010 (fls 21 a 26, do PEF;

F) Em 20-10-2010 o oponente deduziu oposição à execução fiscal identificada em A) que correu termos sob o nº 2645/10.1BELRS (informação disponível no SITAF, relativa a este processo);

G) Em 23-09-2011 no processo de oposição identificado em F) foi proferido despacho de indeferimento liminar por se verificar, no caso, uma cumulação ilegal de execuções (decisão do processo nº 2645/10.1BELRS);

H) Por fax de 29-12-2011 o oponente deduziu a presente oposição”.

II.B. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos que estiveram na origem dos presentes (autos n.º 2645/10.1BELRS, disponíveis para consulta na plataforma SITAF) elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Nesse seguimento, é a seguinte a redação dos factos que se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

F) Pelo menos a 18.10.2010 o oponente apresentou, via correio postal e via fax, oposição à execução fiscal identificada em A) que correu termos sob o n.º 2645/10.1BELRS (informação disponível no SITAF, relativa a este processo – carimbo a aposto na primeira página da petição inicial apresentada e informação prestada pelo órgão de execução fiscal nos termos do art.º 208.º, n.º 2, do CPPT).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da não verificação da caducidade do direito de ação

Entende o Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, na medida em que apresentou a oposição dentro do prazo legal para o efeito.

Vejamos.

Os presentes autos tiveram origem nos autos n.º 2645/10.1BELRS, no âmbito dos quais foi proferida decisão no sentido da ocorrência de cumulação ilegal de execuções, rejeitando-se liminarmente a oposição.

Nessa sequência, foi apresentada a presente oposição, dando cumprimento ao art.º 476.º do CPC/1961.

Neste conspecto, o Tribunal a quo entendeu ser pertinente, para efeitos da aferição da tempestividade da oposição, considerar o momento indicado no art.º 207.º do CPPT, sendo que, acrescentamos, tal momento tem de ser visto, neste prisma, relativamente à oposição primitivamente apresentada, considerando a norma constante da parte final do mencionado art.º 476.º do CPC/1961, então em vigor.

O cerne da discordância prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter entendido, para os efeitos do art.º 207.º do CPPT lido em conjugação com o art.º 476.º do CPC/1961, situar-se tal data no dia 20.10.2010, considerando o Recorrente que tal envio ocorreu a 15.10.2010.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 203.º, n.º 1, al. a), do CPPT, a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal.

Por outro lado, há que ter em consideração que este prazo é um prazo judicial (2) (cfr. art.º 20.º, n.º 2, do CPPT), contando-se nos termos do disposto no art.º 144.º do CPC/1961.

Ademais, é ainda de ter em consideração o disposto no art.º 145.º do CPC/1961. Assim, nos termos dos n.ºs 5 e 6 desta disposição legal:

“5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:

a) Se o ato for praticado no primeiro dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de meia UC;

b) Se o ato for praticado no segundo dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de três UC;

c) Se o ato for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de sete UC.

6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário”.

Portanto, o ato pode ainda ser praticado nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, desde que paga a multa respetiva, quer por iniciativa do apresentante, quer na sequência de notificação da secretaria, nos termos consignados no n.º 6 do art.º 145.º do CPC/1961 (atual art.º 139.º n.º 6 do CPC/2013).


É ainda de considerar que, de acordo com o art.º 191.º, n.º 3, do CPPT (na redação então vigente), a citação dos revertidos tem de ser citação pessoal.


A definição de citação pessoal consta do art.º 192.º do mesmo código, cujo n.º 1 remete, desde logo, para o regime do CPC.


Nesse seguimento, o art.º 233.º do CPC/1961, aplicável in casu (atenta a data da realização da citação), refere, no seu n.º 2, que a citação pessoal é feita por uma de três modalidades:

“a) Transmissão eletrónica de dados (…);

b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do nº 5 do artigo 237º-A, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do nº 3 do mesmo artigo;

c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, resulta que a citação do recorrente foi feita a 15.09.2010, o que não é controvertido.


Tendo sido o Recorrente citado a 15.09.2010, o prazo de 30 dias previsto no referido art.º 203.º, n.º 1, al. a), do CPPT, terminou a 15.10.2010.


Como tal, considerando o disposto no art.º 145.º, n.º 5, do CPC/1961 (atual art.º 139.º, n.º 5), poderia ainda ser apresentada a oposição até ao dia 20.10.2010, desde que liquidada a multa respetiva (quer por iniciativa do Recorrente quer na sequência de notificação para o efeito, nos termos consignados no n.º 6 da mesma disposição legal).


Com efeito, uma vez que dia 15.10.2010 foi uma sexta-feira, os 1.º e 3.º dias úteis subsequentes foram os dias 18.10.2010 e 20.10.2010.


Assim, desde logo, mesmo considerando a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, sempre teria de ser previamente aferido o cumprimento do disposto nos art.ºs 145.º, n.º 5 e 6, do CPC/1961, o que não sucedeu.


Ademais, resulta dos autos que não há elementos que permitam concluir de forma inequívoca pelo momento em que foi remetida a petição de oposição ao órgão de execução fiscal.


Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que a certidão do PEF, remetida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, não se encontra completa, não constando da mesma a petição da oposição primitiva. Por outro lado, dos elementos constantes dos autos n.º 2645/10.1BELRS resulta que, pelo menos, a 18.10.2010 a petição deu entrada junto do OEF, como decorre do facto F), na redação que lhe foi ora conferida. Fica, no entanto, por esclarecer a concreta data em que a referida petição ali deu entrada via fax, dado que ali se refere que terá sido dia 18.10.2018, não constando, no entanto, dos autos o documento recebido, pelo órgão de execução fiscal, via fax, onde esteja registada tal data e sendo tal informação contraditada pelo Recorrente, que afirma ter remetido tal fax a 15.10.2018.


Como tal, assiste razão ao Recorrente, quando refere padecer a decisão recorrida de erro de julgamento, devendo, no entanto, ser realizadas diligências instrutórias, no sentido, desde logo, de localizar os elementos do PEF não remetidos pelo Tribunal de Comércio, por forma a obter informação rigorosa sobre a data de envio da petição de oposição via fax (que, de todo o modo, foi sempre, pelo menos, a 18.10.2010). Se se concluir ter sido a petição remetida a 15.10.2010, deverá a oposição seguir os seus trâmites, se mais nada obstar à realização das diligências instrutórias requeridas e ao conhecimento do mérito. Se se concluir ter sido remetida a 18.10.2010, deverá ser dado cumprimento ao disposto no art.º 145.º, n.º 6, do CPC/1961, dependo a tramitação subsequente da resposta à notificação que venha a ser feita.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, revogando a decisão recorrida;

b) Determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que aí prossigam nos termos referidos, se nada mais obstar;

c) Sem custas;

d) Registe e notifique.

Lisboa, 05 de junho de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2014 (Processo: 01706/13).