Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05523/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/24/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
DEVER DE SIGILO BANCÁRIO.
AMPLITUDE DA ÁREA DE TUTELA DA NORMA IMPOSITIVA DO SIGILO BANCÁRIO.
CONCEITO DE INDÍCIO NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL.
“FRAUDE CARROSSEL” EM SEDE DE I.V.A.
TIPO-DE-ILÍCITO DE FRAUDE FISCAL PREVISTO NO ARTº.103, DO R.G.I.T.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº.655, do C.P.Civil).
2. O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados.
3. A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual.
4. Actualmente, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos.
5. Indício, no âmbito do processo penal, consiste na circunstância certa através da qual se pode chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que é objecto de prova. O convencimento indiciário fundamenta-se num esquema silogístico. Neste, a premissa maior, de natureza problemática, é constituída pelas máximas da experiência e pelo senso comum; a premissa menor, que deve revestir características de certeza, é constituída pela circunstância indiciante; a conclusão, finalmente, conjuga logicamente a premissa menor, concreta e certa, com a premissa maior, abstracta e problemática, assim constituindo o designado "argumentum demonstrativum delicti".
6. Em termos gerais, a “fraude carrossel” implica a existência de várias empresas que, supostamente, realizam transacções entre si, sendo que uma delas, por praticar transmissões intracomunitárias de bens, não liquida I.V.A. nos termos do R.I.T.I. (Regime do I.V.A. nas Transacções Intracomunitárias). No entanto, deduz o I.V.A. suportado nas supostas aquisições de bens, o que origina assim, ilegitimamente, uma permanente situação de crédito de imposto perante o Estado. Temos assim que o elemento fundamental da “fraude carrossel” consiste no aproveitamento da associação de operações em que o I.V.A. é cobrado pelo fornecedor ao seu cliente (geralmente no âmbito de operações dentro de um Estado-Membro) e de operações sem cobrança do I.V.A. entre os contratantes (geralmente no âmbito de operações intracomunitárias). Esta associação, que é inerente ao regime actual, permite a um sujeito passivo a aquisição de bens sem pré-financiamento do I.V.A. e a facturação, em seguida, do I.V.A. ao abrigo de uma entrega interna destes bens. Sucede que tal sujeito passivo desaparece (missing trader ou operador desaparecido) e não paga esse I.V.A. à administração fiscal, enquanto que o comprador dos bens exerce o seu direito à dedução. Ou seja, não só não se paga como se tenta recuperar impostos que nunca foram pagos, através de reembolsos.
7. No artº.103, do R.G.I.T., surgem como elementos do tipo a prática de condutas ilegítimas visando, além do mais, a obtenção indevida de reembolsos susceptíveis de causar a diminuição das receitas tributárias, desde que a vantagem patrimonial ilegítima não seja inferior a € 15.000,00 (sendo inferior passamos a estar perante contra-ordenação). Por outro lado, o meio pelo qual se pode praticar o crime de fraude fiscal, nos termos das diversas alíneas do nº.1 do preceito, pode consistir, além do mais, na celebração de negócio simulado quanto ao valor. Estamos perante crime de perigo (o qual se basta com a conduta tipificada que vise obter a vantagem patrimonial indevida), assim não sendo necessário a verificação concreta do dano/enriquecimento indevido.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“A... - COMÉRCIO DE RELÓGIOS E ACESSÓRIOS, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.319 a 328 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente o recurso, estruturado ao abrigo do artº.146-B, do C. P. P. Tributário, da decisão do Director-Geral dos Impostos de derrogação do sigilo bancário de todas as contas existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o recorrente e relativamente ao ano de 2007.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.334 a 355 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Foi aberto procedimento de inspecção tributária pela ordem de serviço nº.O1201100052, incidente sobre I.R.S. e I.V.A. do ano de 2007, respeitante ao contribuinte “A...-Comércio de Relógios e Acessórios, Lda.”, com sede na Rua da Indústria Vidreira, nº.96, r/c Esq., Marinha Grande;
2-Foi proferida decisão de derrogação do sigilo bancário, emitida pelo substituto legal do Director-Geral dos Impostos, a 15 de Junho de 2011 que despoletou os presentes autos e que se pretende ver anulada no âmbito dos presentes autos;
3-A decisão de derrogação do sigilo bancário foi tomada nos termos do artº.63-B, nº.2, al.a), da Lei Geral Tributária, não entendendo o autor do ato que se verificava concretamente a prática de qualquer ilícito criminal fiscal;
4-Já no âmbito da decisão recorrida entendeu, salvo o devido respeito, erroneamente, o Tribunal “a quo” que se verifica nos presentes autos indícios da prática de um ilícito criminal fiscal, mas para isso releva apenas partes do relatório de inspecção tributária;
5-O levantamento do sigilo bancário que o recorrente pretende ver anulada trata-se de uma intromissão ilegal no âmbito da sua esfera pessoal/societária, uma vez que não existe qualquer fundamento de facto ou de direito nos presentes autos que o possa justificar;
6-Até porque nenhuma instituição bancária fica indiferente perante este pedido, falando de imediato com os seus clientes e desconfiando da sua integridade. Essa situação é incómoda e lesiva do bom nome da sociedade;
7-O ponto A da matéria de facto dada como provada é conclusivo. Importa referir que a inspecção tributária iniciou-se a 24 de Janeiro de 2011 e o processo-crime é aberto simultaneamente. Como é que sendo o processo-crime simultâneo à abertura do procedimento de inspecção, como é que já haviam “vários factos que por indiciarem a prática de condutas ilegítimas visando a não liquidação e dedução indevida de IVA”;
8-Salvo o devido respeito, que é muito, a existência de atos que consubstanciem a prática de um crime tributário deveria ter sido apreciada factualmente nos presentes autos e não foi, usando-se de conjeturas para justificar a decisão do Tribunal;
9-Por último o facto dado como provado deveria ter a seguinte redação:
A - Foi efetuado um procedimento inspetivo externo aberto pela ordem de serviço nº. OI201100052, incidente sobre l.R.S. e I.V.A. do ano de 2007, respeitante ao contribuinte “A...-Comércio de Relógios e Acessórios Lda”, com sede na Rua da ...;
B - Foi determinado a abertura de um processo de inquérito nº5/2011.6IDLRA contra o contribuinte;
10-Ora, importa no caso concreto referir que este facto, que este ponto B, não passa de uma transcrição de passagens do relatório de inspecção, que nem sequer estão autonomizadas entre si;
11-No âmbito do ponto B da matéria de facto dada como provada não se compreende a relevância que é dada à sociedade B.... Na verdade, contrariamente ao afirmado no relatório “Analisada a contabilidade do sujeito passivo relativa ao exercício de 2007, verifica-se que o principal cliente é uma empresa italiana com a denominação social “B...S.R.L.” (B...ITÁLIA). Se analisarmos o valor total de vendas realizado no ano de 2007, o mesmo foi de € 1.870.099,87, ou seja, quase 2 milhões de euros. Ora, o relatório fala em € 444.695,49 de vendas efetuadas à B...Itália, pelo que concluir como se conclui, não se pode concluir e induz em erro;
12-No entanto, relativamente às trocas comerciais entre estas sociedades, certamente por lapso não consta do presente ponto B a parte em que se refere “As referidas faturas estão arquivadas nas pastas de contabilidade encontrando-se anexados documentos de transporte. No entanto, verifica-se que o mesmo documente de transporte serve para várias faturas”;
13-Ou seja...existe na contabilidade o respetivo suporte documental das operações, a própria administração tributária verificou a existência de prova física das transações, mas esse facto foi ignorado no âmbito dos presentes autos, não se podendo então concretizar que estamos perante operações simuladas;
14-Verifica-se uma clara incorreção, mesmo incongruência, no relatório de inspeção tributária e consequentemente na própria matéria de facto nos presentes autos.
15-Foi celebrado um contrato de cessão de créditos e de débitos, é natural que quanto a essas faturas não existam movimentos financeiros. E note-se que é a própria Administração Fiscal, no âmbito do relatório de inspecção tributária, que dá substancialidade às operações, descrevendo minuciosamente o conteúdo do CMR;
16-Mais uma vez existe prova da efetividade das operações, no próprio relatório da inspecção tributária;
17-Então, conclui o relatório de inspecção que existe uma cadeia, um esquema de fraude em carrossel transnacional e segue este entendimento o Tribunal “a quo”. No entanto, existem no próprio relatório factos (tal como supra alegado) que obstam a esta conclusão e que não foram considerados nos presentes autos;
18-No caso concreto, o Tribunal não verificou dados suficientes para, limitando-se a transcrever a convicção do inspector tributário, a segui-la e a pugnar pela existência de um crime fiscal;
19-No final da decisão em causa e como já se transcreveu refere-se que o despacho que determinou o levantamento do dever de sigilo concretiza factualidade passível de configurar crime fiscal;
20-Não há qualquer conduta que consubstancie a prática de crime, a Administração apenas fala em indícios, sem que a ora recorrente se possa defender concretamente, porque esses factos não existem. Não são alegadas a existência de faturas falsas, ou de incorrecções na contabilidade. Existem comprovativos da remessa de bens, pelo que as mesmas não podem ser qualificadas de simuladas;
21-Por último, a vantagem patrimonial é um dos elementos do tipo do crime de fraude fiscal, mas não é o único. Andou mal ao considerar o Tribunal que basta a confirmação da vantagem para se estar perante uma situação de crime de fraude fiscal. Mais uma vez andou mal o Tribunal “a quo”, na interpretação que fez dos factos e da sua subsunção ao direito;
22-Nestes termos, e nos demais de direito, deve a douta sentença recorrida ser anulada e, em consequência, ser substituída por outra que determine a anulação da decisão de derrogação do sigilo bancário decretado no âmbito do procedimento de inspecção tributária. V. Exas assim decidindo, farão a costumada JUSTIÇA!
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.397 a 421 dos autos), sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 17/2/2012, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, nos autos supra identificados, que julgou improcedente o recurso interposto, ao abrigo do artº.146, do C.P.P.T., contra a decisão que determinou a derrogação do sigilo bancário sobre informações e documentos relativos à recorrente;
2-Em causa está o despacho de 15/6/2011, proferido pelo substituto legal do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da al.a), do nº.1, e al.a), do nº.2, do artº.63-B, da L.G.T., com a redacção dada pela Lei 55-B/2004, de 30/12, com fundamento na informação produzida pela inspecção tributária ao abrigo da ordem de serviço nº.OI201100052, de 11/1/2011, tendo por objecto I.R.C. e I.V.A. de 2007;
3-Mais concretamente, no âmbito daquela acção inspectiva efectuada à recorrente foram detectados factos que, por indiciarem a prática de condutas visando a não liquidação e a dedução indevida de I.V.A., inserida num esquema de fraude carrossel transnacional, determinaram a instauração do processo de inquérito nº.5/2011.6IDLRA, bem como o pedido de autorização de acesso às contas bancárias em nome da recorrente para efeitos de apuramento da sua situação jurídico-tributária;
4-Entende a recorrente que a decisão de derrogação de sigilo bancário enferma de vício de violação de lei por falta dos respectivos pressupostos legais e que o Tribunal “a quo”, ao julgar improcedente o recurso interposto, incorreu em erro de julgamento no que respeita à apreciação da matéria de facto e à interpretação e aplicação do direito;
5-O Tribunal “a quo” entendeu, em síntese, julgar totalmente improcedente o recurso interposto, por considerar que a administração tributária concretizou e pormenorizou factos e comportamentos que indiciam a prática pela recorrente de crime doloso em matéria tributária, “factos esses que não foram infirmados pela reclamante que, em face do alegado na p.i, se limita a informar, sem provar uma prática operacional, no mínimo rocambolesca, de pagamentos efectuados por vales - CTT das vendas efectuadas a clientes finais pela internet, atenta a implantação normalizada das formas de pagamento nas compras on line”;
6-Mais consta do probatório assente na douta sentença sob recurso que os factos subjacentes à decisão em crise não foram minimamente infirmados pela recorrente, a qual não cuidou de comprovar a efectiva transacção de mercadorias que suporta a dedução de I.V.A., no montante de € 79.789,50, nem tão-pouco de explicar a razão de ser do contrato de cessão de créditos que está na sua origem;
7-Sobre os factos concretamente identificados pela inspecção tributária, a seguir discriminados, a recorrente não logrou infirmar o juízo da existência de indícios da prática de crime de fraude fiscal subsumível à alínea a), do nº.1, do artº.63-B, da L.G.T.:
a. A R. encontra-se colectada pela actividade de comércio a retalho de relógios, artigos de ourivesaria e joalharia desde 12/08/2003;
b. No ano de 2007 a R. registou na sua contabilidade transmissões intracomunitárias de bens à B...S.R.L (B...), cliente sediada em Itália com a actividade de comércio por grosso de relógios através da internet;
c. Efectuada a análise ao registo contabilístico das operações entre a R. e a B... em 2007, com facturas emitidas no montante de € 444.695,49 e recebimentos contabilizados de € 443.973,20,
d. Destacou-se a existência de um Contrato de Cessão de Créditos e de Débitos, de 27/02/2007, que serviu de suporte documental para abater o saldo devedor de B..., cliente com sede em Itália, por compensação de um crédito da C..., Lda., empresa fornecedora da R. com sede em Portugal;
e. Concretizando, através daquele Contrato de Cessão de Créditos e de Débitos, celebrado a 27/02/2007, a C... cede à B... o crédito que detém sobre a R. no valor de € 459.739,50, para pagamento do débito da B... de € 379.950,00, sendo que todas as partes aceitam as cessões dos respectivos créditos e débitos, extinguindo-se os mesmos por compensação;
f. Uma análise mais detalhada indicia que o circuito documental registado entre aquelas três sociedades, a B... com sede em Itália, a R. e a C... com sede em Portugal não corresponde a um circuito efectivo de mercadorias mas antes a um esquema de fraude destinado a obter uma vantagem patrimonial ilegítima junto do Estado Português;
g. Na verdade, a suposta dívida da B...T para com a R., mencionada no aludido Contrato, coincide com 2 facturas de 26/02/2007 (véspera do contrato), referentes à transmissão intracomunitária de 7.599 relógios Swatch, ao preço unitáro de €50,00 (7.599*50.00 = 379.950.00):
h. Por sua vez, a R. contabilizou a aquisição à C... de 7.599 relógios ao preço unitário de € 50.00. através de 5 facturas de 06/02/2007 e 26/02/2007, cujo pagamento foi contabilizado a 28/02/2007, tendo como suporte documental aquele contrato;
i. Já a C... apresentou no correspondente período de tributação (0703T) aquisições intracomunitárias de bens à B... no montante de €384.708,87:
j. Ora, estes factos são, por si só, indiciadores de que a mercadoria a que se referem as vendas facturadas pela R. à B... são as que constam adquiridas pela R. à C..., pelo valor de € 459.739,50 (€ 379.950,00 acrescido de IVA no montante de € 79.789,50);
k. A reforçar estes indícios, prossegue o Relatório da inspecção tributária com mais factos;
l. Nenhum dos sujeitos passivos intervenientes naquele contrato de cessão entregou IVA ao Estado Português, para o que contribuiu as operações realizadas com a firma D..., Lda, cuja actividade foi cessada em 2005, em nome de quem se encontram registados débitos na contabilidade da R. no ano de 2007, por um valor fixo mensal de €3.483,00, tendo como suporte documental meros documentos internos;
m. A C... cessou a sua actividade em 28/02/2007, não entregando imposto ao Estado Português, o que alcançou através da dedução do crédito de imposta reportado a 2005 e referente mercadorias adquiridas à D...;
n. A R. deduziu na correspondente declaração periódica de imposto o IVA liquidado no montante de € 79.789,50;
o. Quanto à D..., trata-se de uma empresa que no ano de 2005 esteve integrada num esquema semelhante de aquisições e transmissões intracomunitárias com a B... e a ora R.;
p. A exposição apresentada pela R. a titulo de audição prévia não logrou justificar ou contrariar os factos ou a convicção expressa naquele Relatório da inspecção Tributária;
q. No seu direito de audição a R. tentou reduzir a importância das relações comerciais com B..., assim como a referência às relações comerciais havidas no ano de 2005, centrando a sua atenção na conta-corrente com a B... e nos respectivos Iançamentos de vales dos CTT, o que não prejudicou a análise à concreta operação identificada no Relatório da inspecção tributária como especialmente indiciadora do crime de fraude fiscal;
r. Para comprovar a veracidade das transacções comerciais que alega a R. apresentou uma listagem das supostas mercadorias fornecidas à B..., porém a listagem não associa as mercadorias às facturas emitidas e devidamente identificadas no Relatório da inspecção tributária;
s. Mais, a R. não apresentou qualquer listagem da suposta mercadoria adquirida à C..., donde resulta que não comprovou minimamente a veracidade das operações comerciais registadas na contabilidade;
t. Não é de menosprezar o facto de no ano de 2005 ter acontecido um esquema semelhante entre a B..., a D... e a ora R., conforme quadro demonstrativo junto àquele Relatório;
u. Assim como o facto de a conta de sócios/accionistas/empréstimos "E... LLC" registar lançamentos a crédito e a débito desprovidos do respectivo suporte documental susceptível de comprovar qual a sua natureza e origem;
8-Quanto aos indícios a retirar dos factos supra descritos, afigura-se evidente que os mesmos são fortemente indiciadores de um crime de fraude fiscal inserida num esquema carrossel transnacional que levou à obtenção pela R. de uma vantagem patrimonial ilegítima através da dedução indevida de I.V.A. no montante de € 79.789,50;
9-Efectuada a prova da verificação dos pressupostos de derrogação do sigilo bancário, de acordo com o ónus que lhe compete, conforme artº.74, nº.1, da L.G.T., compete à recorrente contraditar os factos e a prova que os sustenta, o que comprovadamente não fez;
10-Mais prossegue a recorrente nas suas alegações de recurso, pretendendo que a mesma não foi proferida com fundamento na verificação de indícios da prática dolosa de crime em matéria tributária, prevista na alínea a), do nº.1, do artº.63-B, da L.G.T., mas antes no facto de o sujeito passivo não ter dado consentimento para a consulta de documentos, nos termos da alínea a), do nº.2, do artº.63-B, da L.G.T.;
11-Lavra a recorrente não só em desconhecimento da lei como, igualmente, em contradição com todo o processado até à data;
12-Desde logo, e na sequência do consignado no artº.125, do C.P.A., para os actos administrativos em geral, prevê o artº.77, da L.G.T., que a fundamentação das decisões proferidas pela administração tributária pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações e propostas, incluindo os que integram o relatório da inspecção tributária;
13-Mais, a decisão de derrogação do sigilo bancário ora em crise não menciona qualquer divergência com o relatório que lhe serviu de fundamento, nos termos do previsto no artº.63, nº.1, do R.C.P.I.T.;
14-Por sua vez, resulta do teor dos relatórios da inspecção tributária, de 4/4/2011, a fls. 4 do anexo 5, e de 6/6/2011, a fls.4 do anexo 9, ambos inclusos no documento junto com a oposição, a enunciação expressa, clara, suficiente e congruente das suas motivações, aí se incluindo, atentos os factos e as disposições legais enunciadas, a verificação de indícios da prática de crime em matéria tributária, contemplada na alínea a), do nº.1, do artº.63-B, da L.G.T.;
15-Ao longo de todo o processado em sede administrativa e judicial a recorrente nunca revelou qualquer desconhecimento das motivações e das disposições legais que justificaram a prática daquele acto controvertido, antes pelo contrário;
16-Sobretudo não o fez perante o Tribunal “a quo”, não assistindo qualquer razão à recorrente quando invoca erro da sentença sob recurso na apreciação do enquadramento legal dos factos em apreciação;
17-No que importa à matéria de facto considerada provada pela sentença sob recurso, a mesma explicitou que a sua convicção assentou nos factos apurados pela Inspecção Tributária, devidamente documentados nos autos, cuja descrição concretizada e pormenorizada levou o Tribunal “a quo” a concluir ser ajustada a apreciação de que os mesmos são claramente indiciadores da prática de crime fiscal;
18-Não houve por parte da sentença “a quo” qualquer insuficiência na apreciação da matéria de facto com relevo para os autos, contrariamente ao que a recorrente alega mas não identifica ou sequer explica de forma concretizada, como tem sido seu apanágio ao longo de todo o processo;
19-Em síntese, no âmbito do recurso que interpôs, competia-lhe o ónus de contestar os factos enunciados para fundamento da derrogação do sigilo bancário, o que, tal como apreciou a sentença sob recurso, não fez minimamente;
20-Mais, entende a recorrente que a administração tributária recolheu toda a informação concreta e precisa necessária ao apuramento da sua situação tributária global, em resultado da análise efectuada à sua contabilidade, não se verificando, por isso, qualquer insuficiência de elementos susceptível de justificar a derrogação do sigilo bancário;
21-Não é essa, porém, a conclusão que se retira do alegado pelas partes e da prova produzida nos autos;
22-Dispõe o artº.65, da L.G.T., que se presumem verdadeiros e de boa fé (...) os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, desde que não revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
23-Sucede, porém, conforme explicitado na informação que serviu de base à decisão sob recurso, que os registos contabilísticos não facultaram à inspecção tributária o conhecimento claro e inequívoco pretendido quanto à situação tributária global da ora recorrente, nem esta logrou comprovar a natureza das operações subjacentes aos seguintes lançamentos contabilísticos:
a. No que respeita às relações da R. com a D..., Lda., com actividade cessada desde 2005, “no exercício em análise, 2007, ainda se verifica a contabilização de pagamentos supostamente relacionados com essas facturas (...), debitando um valor fixo mensal de €3.483,00 em contrapartida da conta "1202 - Barclays -204506653", tendo, como suporte documental apenas documentos internos com os movimentos contabilísticos das contas”, cfr. fls. 9 do anexo 5 do documento junto com a oposição com o nº.1;
b. “...verifica-se a existência da conta sócios/accionistas/empréstimos "255104 - E...Management LLC", onde foram registados apenas movimentos a débito, sendo os dois primeiros movimentos registados com o nº2007011-3-101, em 31/01/2007, no valor de € 152.250,00, e de €2.100,00, constando como suporte um documento interno com os lançamentos da contabilidade”, a fls.10 do anexo 5 do documento junto com a oposição com o nº.1;
c. “Consultado o extracto da conta Banco Barclays, nº.15504506653, verifica-se em 05/01/2007 um movimento no montante de € 152.250,00, correspondente ao crédito do cheque nº24461978, desconhecendo-se o conteúdo do mesmo”, a fls.10 do anexo 5 do documento junto com a oposição com o nº.1;
d. “Verifica-se ainda a contabilização a débito no decurso de exercício de 2007 da quantia fixa mensal de € 2.100,00 por contrapartida da conta bancos “1202 - Barclays -204506653”, tendo como suporte documental apenas documentos internos com os movimentos contabilísticos das contas”, a fls.10 do anexo 5 do documento junto com a oposição com o nº.1;
24-Por outro lado, importa salientar que existindo indícios da prática de crime em matéria tributária, o que implica que o crime esteja indiciado mas não concretamente documentado na contabilidade, esta deixa de beneficiar da presunção de veracidade;
25-Ou seja, não é minimamente expectável que um crime em matéria tributária, seriamente evidenciado pelos factos apurados pela inspecção tributária, conste evidenciado na contabilidade do sujeito passivo;
26-A qual deixa, por essa via, de beneficiar da presunção de veracidade consignada no artº.75, da L.G.T., e, concomitantemente, de constituir um registo fiável quanto às contas e demais informação bancária existente em nome da recorrente e subsumível no nº.10, do artº.63-B, da L.G.T.;
27-Ou seja, quando a situação tributária da recorrente referente a I.V.A. e I.R.C., de 2007, não se encontra completamente esclarecida, e a sua contabilidade já não beneficia da presunção de veracidade, passa a ser perfeitamente adequado e proporcional ao fim de apuramento da sua situação tributária global aceder aos documentes bancários que estão na posse das respectivas instituições bancárias e sociedades financeiras;
28-Afinal, se relativamente à operação de maior montante, referente à transmissão intracomunitária de bens à B..., com sede em Itália, foi possível à inspecção tributária reunir elementos que levam a concluir pela dedução indevida de I.V.A. praticada pela recorrente no montante de € 79.789,50, continua, ainda, por apurar a natureza jurídica de outras operações lançadas na sua contabilidade, constituindo o acesso a todas as operações e fluxos financeiros efectuados em seu nome através de instituições de crédito e sociedades financeiras um importante contributo para o apuramento pretendido;
29-Afigura-se, assim, que o acesso a toda a informação em seu nome, na posse de instituições de crédito ou sociedades financeiras, resulta perfeitamente adequado e proporcional ao objectivo pretendido de apurar a situação contributiva real da recorrente, sendo de manter na ordem jurídica a decisão sob recurso;
30-Por fim, se o acesso directo a toda a informação protegida pelo sigilo bancário em nome da recorrente não faculta à inspecção tributária mais elementos do que aqueles a que ela já acedeu, não se vislumbra qual o interesse da mesma em opor-se à decisão de derrogação de sigilo bancário, nem tão-pouco se alcança qual o interesse da recorrente em interpor o presente recurso, reagindo de forma tão veemente contra uma decisão que ela própria reputa de inútil e inócua;
31-Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o presente recurso em virtude de a sentença recorrida não incorrer em qualquer erro de julgamento.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.433 a 436 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.321 a 324 dos autos):
1-No âmbito do procedimento inspectivo externo efectuado ao abrigo da Ordem de Serviço OI201100052, incidentes sobre I.R.S. e I.V.A., do ano de 2007, respeitante ao contribuinte “A... - Comércio de Relógios e Acessórios, L.da.”, com sede em Rua da Indústria Vidreira, nº.96, r/c Esq., Marinha Grande, a Administração Tributária verificou vários factos que por indiciarem a prática de condutas ilegítimas visando a não liquidação e a dedução indevida de I.V.A. relativa a fraude fiscal integrada num esquema de carrossel, os quais determinaram a instauração do Processo de Inquérito com o no 5/2011.6 IDLRA (cfr.cópia de informação, parecer e despacho que fundamentaram o pedido de derrogação de sigilo bancário e se encontram juntos a fls.122 a 129 dos presentes autos);
2-Ainda no decurso do procedimento inspectivo identificado no nº.1 foi apurado o que a seguir parcialmente se transcreve:
“(...)
O sujeito passivo encontra-se colectado pela actividade de comércio a retalho de relógios, artigos de ourivesaria e joalharia desde 12/08/2003.
Analisada a contabilidade do sujeito passivo, relativa ao exercício de 2007, verifica-se que o principal cliente é uma empresa italiana com a denominação social B... S.R.L. (B... ITALIA), IT 0196821002, com a actividade de comércio por grosso de relógios através da Internet, à qual foram declaradas vendas intracomunitárias no valor de € 444.695,49, tendo por base as seguintes facturas:
(...)
Na contabilidade, as referidas facturas estão dadas como recebidas, no ano de 2007, tendo por base vários depósitos bancários e um contrato de cessão de créditos e débitos, conforme se resume no quadro seguinte:
(...)
Da análise efectuada aos recebimentos contabilizados, constatou-se que a sua maioria corresponde a depósitos de múltiplos cheques efectuados na conta 155 204506653 do Barclays, cuja média de valores por cheque ronda os € 50,00, sendo os depósitos efectuados geralmente à sexta-feira.
O recebimento de maior relevância tem como suporte documental um Contrato de Cessão de Créditos e de Débitos celebrado a 27/02/2007, entre C..., LDA e B... ITALlA e A..., LDA, em que a C..., LDA cede à B... ITALlA o crédito que detém sobre a A..., LDA no valor de € 459.739,50, para pagamento do seu débito, pelo preço de € 379.950,00, aceitando expressamente todos os outorgantes as respectivas cessões, conforme previsto na cláusula primeira do referido contrato.
(...)
Verifica-se que o montante de € 379.950,00 previsto no contrato de cessão de créditos e débitos é coincidente com o somatório das facturas n.º4255 e 4256 emitidas em 26/02/2007 (dia anterior à data de celebração do contrato) pela A..., LDA à B... ITALIA, nos montantes de €259.950,00 e €120.000,00, respectivamente, conforme se comprova no quadro seguinte:
(...)
Nenhum dos intervenientes nestas transmissões apurou imposto (IVA) a entregar ao Estado, tendo para o efeito contribuído as operações realizadas com a empresa D..., LDA que esteve registada com a actividade de Comércio a Retalho de Relógios, tendo iniciado a actividade em 28/07/2005 e cessado em 15/10/2005, o que corresponde a cerca de 2,5 meses de exercício de actividade.
(...)
Relativamente ao volume de negócios verificou-se que 3 sujeitos passivos nos quais se incluem a A... LDA e a C..., LDA, declaram nos anexos P da declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) terem efectuado compras à D..., LDA em 2005 no montante de total de € 4.567.647,00.
(...)
Em face do exposto, existem fundados indícios que os vários sujeitos passivos identificados foram intervenientes num esquema de fraude em carrossel transnacional, tendo sido A... LDA. o último elo nacional de uma cadeia de compras e vendas de relógios que se iniciou em uma empresa italiana passou por três empresas nacionais e voltou a empresa italiana inicial, com enquadramento legal nos artigos 103° e 104° do RGIT.’
(...).
Tais indícios são reforçados com o facto de no exercício de 2005 ter acontecido um esquema semelhante com os intervenientes comuns: B... ITALlA, D... LDA, e A..., LDA. (...),
Face a esta situação, a A... LDA terá obtido uma vantagem patrimonial correspondente à dedução indevida do IVA (€ 79.789,50) constante das facturas de compras à empresa C..., LDA.
Na constituição da empresa A... LDA, para além de outros sócios gerentes foi também sócio fundador a empresa E...LLC, (E...) com participação de 35% no capital.
Consultado o sistema informático da DGCI verifica-se que a E...é uma empresa sediada nos Estados Unidos da América, registada como não residente sem estabelecimento estável, (...), com morada do representante (...) Marinha Grande (que coincide com a sede da empresa em análise A... LDA.)
Na contabilidade da empresa A... LDA., no exercício de 2007 verifica-se a existência da conta sócios/accionistas/empréstimos “255104 – E...Management LLC”, onde foram registados apenas movimentos a débito, sendo os dois primeiros movimentos registados com o n.º 2007011-3-101, em 31/01/2007, no valor de €152.250,00 e de € 2.100,00, constando como suporte um documento interno com os lançamentos da contabilidade.
A conta sócios/accionistas/empréstimos “255104 – E...Management LLC” , apresenta um saldo de abertura no montante de € 244.550,00, tendo o sócio gerente – G..., justificado que tal valor resulta de diversos movimentos financeiros entre ambas as empresas decorrentes da celebração de um contrato de conta corrente, (...).
(...)”
(cfr.cópia de informação, parecer e despacho que fundamentaram o pedido de derrogação de sigilo bancário e se encontram juntos a fls.122 a 129 dos presentes autos);
3-Em 15/6/2011, por despacho proferido pelo substituto legal do Director-Geral dos Impostos, agindo nessa qualidade por este se encontrar ausente no estrangeiro em missão de serviço publico e com os fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças de Leiria, foi autorizado que os funcionários da Inspecção Tributária devidamente credenciados acedessem a todas as contas bancárias existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, relativamente a contas de que seja titular a recorrente, relativamente ao ano de 2007 (cfr.documento junto a fls.135 dos presentes autos);
4-A Recorrente tomou conhecimento da decisão supra por carta registada com aviso de recepção que foi assinado por carta registada com aviso de recepção entregue em 7/7/2011 (cfr.documentos juntos a fls.61 a 65 dos presentes autos);
5-Em 18/7/20111, foi apresentada a p.i. de recurso que originou os presentes autos (cfr.p.i. junta a fls.1 e seguintes dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos autos não resulta provado a materialidade das operações efectuadas, nomeadamente a respectiva expedição para o cliente final e/ou o correspondente pagamento, ainda que por vale postal “CTT”.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…No que respeita aos factos provados, a convicção do Tribunal formou-se essencialmente com base na prova documental junta aos autos, em concreto na análise crítica do teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra. A prova testemunhal produzida nos autos não acrescentou nenhum elemento relevante já que se limitou à comprovação dos elementos contabilísticos, com incidência para os dossiês de banca, que, por sua vez, já haviam sido fornecidos aos serviços de Inspecção Tributária…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso e que o recorrente impugna parcialmente a mesma, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
6-Em 13/4/2011, o Director-Geral dos Impostos assinou projecto de decisão de levantamento do sigilo bancário da empresa recorrente, “A... - Comércio de Relógios e Acessórios, L.da.”, com o n.i.p.c. 506 659 666, concordando com informação e parecer prévios, no sentido de se verificarem os condicionalismos previstos, além do mais, no artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, mais ordenando a notificação da recorrente com vista ao exercício do direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls.121 a 129 dos presentes autos);
7-Em 6/6/2011, foram exarados informação e parecer que fundamentaram o despacho de derrogação de sigilo bancário identificado no nº.3 supra, os quais se encontram juntos a fls.136 a 142 dos presentes autos e se dão aqui por reproduzidos;
8-Da informação identificada no nº.7 consta, além do mais, o seguinte:
“…uma vez que foi recusada a autorização para consulta dos documentos bancários, a Administração tributária tem poder de aceder directamente aos mesmos, conforme prevê a al.a) do nº.2 do artigo 63-B da LGT, com a redacção dada pela Lei nº.55-B/2004 de 30 de Dezembro…”.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente o presente recurso deduzido por “A... - Comércio de Relógios e Acessórios, L.da.”, ora recorrente, em consequência do que manteve a decisão recorrida de derrogação do sigilo bancário e identificada no nº.3 da matéria de facto supra exarada.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o nº.1 da matéria de facto dada como provada é conclusivo. Importa referir que a inspecção tributária iniciou-se a 24 de Janeiro de 2011 e o processo-crime é aberto simultaneamente. Como é que sendo o processo-crime simultâneo à abertura do procedimento de inspecção, como é que já haviam “vários factos que por indiciarem a prática de condutas ilegítimas visando a não liquidação e dedução indevida de IVA”. Que a existência de atos que consubstanciem a prática de um crime tributário deveria ter sido apreciada factualmente nos presentes autos e não foi, usando-se de conjeturas para justificar a decisão do Tribunal. Que o nº.1 da matéria de facto provada se deveria desdobrar em dois números. Que no âmbito do nº.2 da matéria de facto dada como provada não se compreende a relevância que é dada à sociedade B.... Na verdade, contrariamente ao afirmado no relatório “Analisada a contabilidade do sujeito passivo relativa ao exercício de 2007, verifica-se que o principal cliente é uma empresa italiana com a denominação social “B...S.R.L.” (WB... ITÁLIA). Se analisarmos o valor total de vendas realizado no ano de 2007, o mesmo foi de € 1.870.099,87, ou seja, quase 2 milhões de euros. Ora, o relatório fala em € 444.695,49 de vendas efetuadas à B...Itália, pelo que concluir como se conclui, não se pode concluir e induz em erro. Que existe na contabilidade o respetivo suporte documental das operações, a própria administração tributária verificou a existência de prova física das transações, mas esse facto foi ignorado no âmbito dos presentes autos, não se podendo então concretizar que estamos perante operações simuladas. Mais conclui o relatório de inspecção que existe uma cadeia, um esquema de fraude em carrossel transnacional e segue este entendimento o Tribunal “a quo”. No entanto, existem no próprio relatório factos que obstam a esta conclusão e que não foram considerados nos presentes autos (cfr.conclusões 7 a 9 e 11 a 17 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
“In casu”, começando pelo exame da alegada necessidade de desdobramento da factualidade constante do nº.1 do probatório, não entende o Tribunal razão para a mesma, dado que nos encontramos perante factualidade instrumental no que diz respeito à decisão do processo. Mais se dirá que não se visualiza qual o relevo a retirar do alegado facto da acção de inspecção tributária e o processo-crime terem sido iniciados na mesma data. Qual o relevo que se pretende dar a tal coincidência de datas ? Para a decisão do processo não se antevê nenhum relevo. Apenas se poderá concluir é que a instauração de um inquérito crime pressupõe a eventual existência de indícios da prática de ilícitos criminais.
Passando à alegada não apreciação factual da existência de actos que consubstanciem a prática de um crime tributário nos presentes autos, tal conclusão do recorrente não é verídica pelas seguintes razões:
1-A eventual existência de factualidade com natureza criminal-fiscal consta do relatório da inspecção tributária que fundamentou a decisão de derrogação do sigilo bancário (cfr.nºs.1 e 2 da matéria de facto provada);
2-O exame de tal factualidade igualmente faz parte do enquadramento jurídico da douta sentença, no qual se chega à conclusão que estaremos perante matéria enquadrável no crime de fraude fiscal previsto no artº.103, do R.G.I.T.
Acrescente-se, no entanto, que o acesso a informações e documentos bancários ao abrigo do artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária (redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12), tem por pressuposto a existência de meros indícios da prática de crime em matéria tributária e não da condenação com trânsito em julgado em tal prática.
Avançando, quanto à relevância dada no relatório da inspecção tributária à empresa italiana com a denominação social “B...S.R.L.” é a mesma óbvia, dado que o alegado esquema de fraude fiscal em carrossel transnacional começa e acaba na aludida empresa italiana. Pelo que não percebemos a “admiração” da recorrente.
Por último, quanto aos alegados elementos probatórios que obviam à conclusão de que nos encontramos perante transações reais e não simuladas, mais uma vez a recorrente se limita a fazer afirmações despidas de conteúdo fáctico no âmbito do presente processo. Para a tal conclusão se chegar basta examinar a matéria de facto não provada constante da sentença recorrida e supra exposta. E recorde-se que, no essencial, a materialidade das transações cuja prova era pedida à recorrente tinha a ver com o dito esquema de fraude fiscal em carrossel transnacional devidamente descrito no nº.2 da matéria de facto provada.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Também aduz o recorrente que a decisão de derrogação do sigilo bancário foi tomada nos termos do artº.63-B, nº.2, al.a), da Lei Geral Tributária, não entendendo o autor do acto que se verificava, concretamente, a prática de qualquer ilícito criminal fiscal. Que não há qualquer conduta que consubstancie a prática de crime. Que a Administração apenas fala em indícios, sem que a ora recorrente se possa defender concretamente, porque esses factos não existem. Não são alegadas a existência de faturas falsas, ou de incorrecções na contabilidade. Existem comprovativos da remessa de bens, pelo que as mesmas não podem ser qualificadas de simuladas. Que a vantagem patrimonial é um dos elementos do tipo do crime de fraude fiscal, mas não é o único. Que andou mal ao considerar o Tribunal que basta a confirmação da vantagem para se estar perante uma situação de crime de fraude fiscal (cfr.conclusões 3 e 18 a 21 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Antes de mais, diremos que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, a decisão de derrogação do sigilo bancário em exame nos presentes autos fundamenta-se, além do mais, na existência de indícios da prática de crime em matéria tributária consagrada no artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 55-B/2004, de 30/12, e dado que a Lei 94/2009, de 1/9, nada trouxe de novo a esta alínea do preceito (cfr.nºs.2 e 6 da matéria de facto provada e supra exarada).
A primeira concretização legislativa do sigilo bancário, no nosso país, data de 1967 e surgiu com o dec.lei nº.47909, de 7/9/1967. Mais tarde, a matéria do segredo bancário passou a ser disciplinada pelo dec.lei nº.729-E/75, de 22/12/1975. Seguidamente, surge-nos o dec.lei nº.2/78, de 9/1, diploma que pretendeu instituir um regime de segredo bancário de âmbito geral, de molde a abranger também as instituições de crédito não nacionalizadas, operando, em consequência, a revogação do diploma de 1975. O dec.lei nº.2/78, de 9/1, foi, entretanto, revogado pelo dec.lei nº.298/92, de 31/12, diploma este que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cujos artºs.78 a 84 vieram reformular a disciplina jurídica do segredo bancário (cfr.para uma resenha histórica do segredo bancário poderá ver-se em Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Coimbra, pág.346 e seg.; uma extensa abordagem da evolução legislativa do segredo bancário, também no acórdão do Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.229 e seg.).
O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, proc.35/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/3/2011, proc.196/11).
Sustenta-se a necessidade de compatibilizar o segredo bancário com os deveres inspectivos da administração fiscal, partindo-se da ideia de que a tributação segundo o lucro real, constituindo a concretização de um princípio constitucional de igualdade (artº.104, da C.R.P.), exige uma distribuição justa dos encargos tributários entre os contribuintes e implica necessariamente a possibilidade de investigação administrativa dos elementos contabilísticos e documentais respeitantes às operações bancárias (cfr.Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal, nº.377, Janeiro-Março de 1995, pág.23 e seg.). Nesta perspectiva, poderia entender-se que os artºs.134, do C.I.R.S. e 125, do C.I.R.C., na medida em que facultam o livre acesso dos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos aos locais destinados ao exercício de actividades tributáveis e ao exame dos livros e documentos que as suportam, representam, desde logo, um regime de excepção ao dever de segredo profissional por parte das entidades que disponham de informação relevante relativamente aos sujeitos passivos de imposto. Consentindo em considerar que o segredo bancário se fundamenta no direito à reserva da privacidade dos cidadãos e representa um instrumento necessário à dinâmica da actividade bancária e do sistema financeiro, justifica-se o dever de cooperação das instituições de crédito para com a administração fiscal com base na necessidade de harmonizar esses valores com o dever fundamental de pagar impostos e com as exigências sociais de arrecadar justa e atempadamente as receitas fiscais.
Em reforço deste entendimento poderia, ainda, apontar-se a extensão da regra de confidencialidade aos funcionários da administração tributária, relativamente aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes, instituída pelo artº.64, da L.G.T., que poderia significar o reconhecimento implícito, por parte do legislador, da necessidade de preservar o sigilo bancário na relação interna entre a banca e fisco.
A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta matéria, tomando clara posição em favor da segunda alternativa. A situação económica do cidadão espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artº.26, nº.1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito. Numa época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido. Não sendo um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, é de aceitar que as restrições ao segredo bancário apenas possam derivar de lei formal expressa e que a sua aplicação concreta possa ser objecto de um adequado controlo jurisdicional (cfr.ac.Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28/7/1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.316 e seg.).
Nestes termos, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos. O novo equilíbrio entre os valores mencionados assenta no reconhecimento de que a perspectiva mais garantística e restritiva do sigilo bancário pode dar cobertura a situações pouco transparentes, tanto para a A. Fiscal, a qual se vê privada de elementos essenciais para o apuramento do imposto, como para os próprios particulares, dado que o eventual benefício do instituto do segredo bancário pode gerar uma desigual repartição da carga tributária (cfr.Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Fisco, nº.33, Julho de 1991, pág.14; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.127 e seg.).
Independentemente de se tomar partido por uma das posições que ficaram expressas acima, o sigilo bancário não se apresenta hoje, na ordem jurídica portuguesa, com carácter absoluto, podendo sofrer compressões impostas pela necessidade de salvaguardar determinados direitos ou princípios (v.g.combate à fraude e evasão fiscais de que é expoente a Lei 30-G/2000, de 29/12).
“In casu”, a decisão de revogação do sigilo bancário objecto do presente processo foi efectuada, além do mais, ao abrigo do artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12.

É a seguinte a redacção do preceito em análise:
Artigo 63º.-B
“Acesso a informações e documentos bancários”
1-A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do titular dos elementos protegidos:
a)Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;


Haverá, portanto, que examinar se estão reunidos os pressupostos legais da decisão de derrogação do sigilo bancário objecto do presente recurso, de acordo com o regime previsto no aludido artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12.
Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que o conceito de documento bancário utilizado pelo preceito se encontra previsto no artº.63-B, nº.10, da L.G.Tributária.
Indício, no âmbito do processo penal, consiste na circunstância certa através da qual se pode chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que é objecto de prova. O convencimento indiciário fundamenta-se num esquema silogístico. Neste, a premissa maior, de natureza problemática, é constituída pelas máximas da experiência e pelo senso comum; a premissa menor, que deve revestir características de certeza, é constituída pela circunstância indiciante; a conclusão, finalmente, conjuga logicamente a premissa menor, concreta e certa, com a premissa maior, abstracta e problemática, assim constituindo o designado "argumentum demonstrativum delicti" (cfr.Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, pág.346 e seg.).
Consideram-se suficientes os indícios sempre que dos mesmos resultar uma possibilidade razoável de, ao arguido e em sede de julgamento, vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, ou, por outras palavras, quando seja de considerar mais provável a condenação do que a absolvição do agente da infracção (cfr.artº.283, nº.2, do C.P.Penal). A lei não estabelece, nem nunca o poderia fazer com rigor, o que sejam indícios suficientes, remetendo o aplicador do Direito para a referida "possibilidade razoável".
Ao contrário do que acontece em sede de julgamento, durante o qual a condenação deve basear-se numa certeza da prática do ilícito imputado, buscada numa cimentada e sã apreciação crítica da prova, quando esta não é vinculada (v.g.artºs.163 e 169, do C.P.Penal), o mesmo rigor não é reclamado pelo legislador nas fases da acusação ou pronúncia, conforme já mencionado.
Estamos, portanto, perante questão (a análise da suficiência de indícios) que a lei deixa, na maior parte das situações (todas aquelas em que a prova não é vinculada), ao prudente critério do aplicador do Direito e que, em cada caso, deve ser analisada e decidida ponderadamente (cfr.J. Figueiredo Dias, D. Processual Penal, I, pág.133; ac. R.Coimbra 31/3/93, C.J., 1993, II, pág.65).
“In casu”, de acordo com a matéria de facto provada, no despacho objecto do presente recurso, através da remissão operada para as informações e pareceres que o fundamentam, concretiza-se factualidade indiciadora do crime de fraude fiscal previsto no artº.103, do R.G.I.T., tudo em virtude da prática de esquema de fraude em carrossel transnacional (cfr.nºs.2, 6 e 7 da matéria de facto provada).
Passemos ao exame do que seja a fraude em carrossel em sede de I.V.A., para depois averiguarmos se a mesma é passível de enquadramento no tipo-de-ilícito de fraude fiscal previsto no citado artº.103, do R.G.I.T.
A fuga e fraude fiscais são hoje um fenómeno de contornos cada vez mais sofisticados, sendo comuns os casos de facturas falsas, de não entrega dos montantes liquidados a terceiros ou da “fraude carrossel” do I.V.A.
Para além do seu impacto orçamental, a fraude em matéria de I.V.A. cria distorções da concorrência que favorecem os operadores desonestos.
Como é sabido, de acordo com o sistema de I.V.A. nas transacções intracomunitárias instituído em 1993, as mercadorias circulam isentas de imposto, tendo o sujeito passivo direito à dedução do imposto suportado a montante (transmissões intracomunitárias de bens com isenção que confere direito à dedução do imposto suportado), o que dá azo à utilização abusiva deste regime.
Em termos gerais, a “fraude carrossel” implica a existência de várias empresas que, supostamente, realizam transacções entre si, sendo que uma delas, por praticar transmissões intracomunitárias de bens, não liquida I.V.A. nos termos do R.I.T.I. (Regime do I.V.A. nas Transacções Intracomunitárias). No entanto, deduz o I.V.A. suportado nas supostas aquisições de bens, o que origina assim, ilegitimamente, uma permanente situação de crédito de imposto perante o Estado. Temos assim que o elemento fundamental da “fraude carrossel” consiste no aproveitamento da associação de operações em que o I.V.A. é cobrado pelo fornecedor ao seu cliente (geralmente no âmbito de operações dentro de um Estado-Membro) e de operações sem cobrança do I.V.A. entre os contratantes (geralmente no âmbito de operações intracomunitárias). Esta associação, que é inerente ao regime actual, permite a um sujeito passivo a aquisição de bens sem pré-financiamento do I.V.A. e a facturação, em seguida, do I.V.A. ao abrigo de uma entrega interna destes bens. Sucede que tal sujeito passivo desaparece (missing trader ou operador desaparecido) e não paga esse I.V.A. à administração fiscal, enquanto que o comprador dos bens exerce o seu direito à dedução. Ou seja, não só não se paga como se tenta recuperar impostos que nunca foram pagos, através de reembolsos.
Concluindo, a denominada “fraude carrossel” tem como consequência, para o Estado defraudado, uma dedução de imposto que não é financeiramente suportada por uma prévia entrega de imposto liquidado (cfr.Clotilde Celorico Palma, IVA - A nova Directiva e o Regulamento para o combate à fraude nas transaccões intracomunitárias, Revista TOC, nº.107, Fevereiro de 2009, pág.38 e seg.).
No caso “sub judice”, atenta a matéria constante do probatório (cfr.nº.2 da matéria de facto provada), deve concluir-se que existem indícios de que a sociedade recorrente enquadrou a sua actividade num esquema de fraude em carrossel do qual constitui o último elo nacional, ao efectuar a dedução indevida do IVA (€ 79.789,50) constante das facturas de compras de relógios à empresa “C..., L.da.”, após o que declara a venda dos mesmos à empresa italiana B... ITALlA, enquanto transacção intracomunitária e invocando a isenção de I.V.A. ao abrigo do artº.14, do R.I.T.I. Mais se deve relevar que a empresa recorrente não fez prova da existência real das operações envolvidas nestas transacções, no que se refere à entrega física das mercadorias (cfr.matéria de facto não provada).
Por último, analisemos o tipo-de-ilícito de fraude fiscal previsto no citado artº.103, do R.G.I.T.
O normativo em causa tem como antecedente o artº.23, do R.J.I.F.N.A., no mesmo surgindo como elementos do tipo a prática de condutas ilegítimas visando, além do mais, a obtenção indevida de reembolsos susceptíveis de causar a diminuição das receitas tributárias, desde que a vantagem patrimonial ilegítima não seja inferior a € 15.000,00 (sendo inferior passamos a estar perante contra-ordenação). Por outro lado, o meio pelo qual se pode praticar o crime de fraude fiscal, nos termos das diversas alíneas do nº.1 do preceito, pode consistir, além do mais, na celebração de negócio simulado quanto ao valor. Estamos perante crime de perigo (o qual se basta com a conduta tipificada que vise obter a vantagem patrimonial indevida), assim não sendo necessário a verificação concreta do dano/enriquecimento indevido (cfr.ac.S.T.J., 27/11/2007, proc.07P3324; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.688 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.199 e seg.).
“In casu”, salvo melhor opinião, os presentes autos contêm indícios da prática de crime de fraude fiscal por parte da sociedade recorrente, sendo que o negócio simulado consiste na alegada venda à empresa italiana B... ITALlA, mais consistindo a vantagem patrimonial indevida no montante de I.V.A. deduzido (€ 79.789,50).
Em conclusão, encontram-se preenchidos os pressupostos de derrogação do sigilo bancário consagrados no artº.63-B, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, na redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24 de Abril de 2012



(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)