Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07558/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
ARTº.20, Nº.1, DO C.I.V.A. PRESSUPOSTOS LEGAIS DO DIREITO À DEDUÇÃO DO I.V.A.
EXCLUSÃO DO DIREITO À DEDUÇÃO PREVISTO NO ARTº.21, DO C.I.V.A.
ARTº.21, Nº.1, AL.A), DO C.I.V.A.
CONCEITO DE VIATURAS DE TURISMO.
MECANISMO DA INFORMAÇÃO VINCULATIVA.
ARTº.68, DA L.G.T.
EFICÁCIA INTER-PARTES DA INFORMAÇÃO VINCULATIVA.
QUESTÕES NOVAS.
Sumário:1. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).

2. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.

3. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

4. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

5. Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.

6. O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no artº.21, do C.I.V.A., encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define.

7. O artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., "a contrario sensu", só exclui do campo das viaturas de turismo os veículos automóveis que, pelo seu tipo de construção e equipamento, seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial. Assim, quando o legislador definiu as viaturas de turismo como as que não sejam destinadas unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, pretendeu com esta referência intencional à expressão "unicamente", e imbuído do mencionado propósito de evitar a possibilidade do aproveitamento para fins particulares da faculdade de dedução do I.V.A. na aquisição de bens e serviços, que só relativamente às viaturas que, pelas suas características, tivessem somente a potencialidade de ser afectas àquelas actividades, e não mais, seria possível o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado na sua aquisição.

8. O artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., não define o conceito de viaturas de turismo por contraposição ao conceito de viaturas de mercadorias. É que na definição do conceito de viatura de turismo constante desta norma, ao se apresentar como viaturas de turismo, por um lado, os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, e, por outro lado, os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, é pressuposto da intenção do legislador de que, naquela primeira espécie de viaturas de turismo, cabem os veículos de mercadorias (que possam ter outro destino/utilização para além do transporte de mercadorias). Estamos, efectivamente, perante um conceito próprio do Código do I.V.A. que não remete para a classificação ou tipologia constante do Código da Estrada. De facto, se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido.

9. Como corolário do princípio da colaboração da Administração, em geral, com os particulares (cfr.artº.7, do C.P.Administrativo), o artº.59, nº.3, al.e), da L.G.Tributária, prevê a cooperação da Administração Tributária com os contribuintes consubstanciada, além do mais, na emissão de informação vinculativa sobre situações tributárias concretas (cfr.artº.68, da L.G.T.).

10. Nos termos da lei (cfr.artº.57, nº.1, do C.P.P.Tributário), uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. O C.P.P.T. não fixa qualquer prazo de validade à informação prestada, é preciso notar que ela tem, no entanto, dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas. Por último, se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade.

11. A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objecto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial, conforme aludido supra. Regime diferente existe para as informações genéricas proferidas pela Administração Tributária sobre a interpretação das normas tributárias que estejam em vigor no momento do facto tributário, relativamente às quais, nos termos do artº.68-A, nº.1, da L.G.T., a Administração Tributária fica vinculada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação.

12. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
JOSÉ …………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.99 a 113 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente tendo por objecto liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao 3º. trimestre de 2007 e no montante total de € 5.136,80.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.159 a 177 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Relativamente às questões 1 e 2 supra (vd. ponto 17), é entendimento do recorrente que, no caso em apreciação, estamos perante uma viatura que face às suas características, ao nível de construção e equipamento, tem como único destino possível o transporte de mercadorias ou uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial;
2-Com efeito, o veículo automóvel adquirido pelo ora recorrente é, segundo o certificado de matrícula, um veículo automóvel de marca Toyota, modelo Hilux, da categoria ligeiro, do tipo mercadorias, com lotação de 5 pessoas, incluindo o condutor, com a matrícula …….., não fazendo este documento qualquer alusão à classificação "misto";
3-Tal aliás o que decorre do artigo 106 do Código da Estrada, que refere o seguinte:
"(...)
Os automóveis classificam-se em:
a)Ligeiros: veículos com peso bruto igual ou inferior a 3500kg e com lotação não superior a 9 lugares, incluindo o do condutor.
b)Pesados: veículos com peso bruto superior a 3500kg ou com lotação superior a 9 lugares, incluindo o do condutor.
Os automóveis ligeiros ou pesados incluem-se, segundo a sua utilização, nos seguintes tipos:
a)Passageiros: veículos que se destinam ao transporte de pessoas.
b)Mercadorias: veículos que se destinam ao transporte de carga (...)".
4-Acresce, que a viatura adquirida, pelo ora recorrente, é, na realidade, um veículo automóvel que, pelo seu tipo de construção e equipamento, se destina, única e exclusivamente, a uma utilização com carácter agrícola, face ao CAE que possui;
5-Com efeito, tendo em atenção que a viatura em questão possui caixa aberta, verifica-se que a sua construção não se coaduna com o normal e cabal transporte de passageiros para fins particulares, na medida que a referida viatura não possui o conforto e a segurança adequada a um quotidiano transporte de passageiros;
6-Efectivamente, face ao seu tipo de construção, e de acordo com o senso comum, ninguém iria adquirir este tipo de viatura a pensar que a mesma para além do seu uso, por exemplo, no transporte de produtos agrícolas, poderia servir, igualmente, para o transporte habitual de passageiros na sua vida particular. Sendo, também, de bom senso considerar que a mesma não foi com certeza fabricada tendo em vista tal utilidade;
7-Acresce, que o direito fiscal utiliza os conceitos com o mesmo significado que possuem nos outros ramos de direito (vide artigo 11 da LGT). Assim, se para todos os efeitos, a viatura em questão é considerada como viatura ligeira de mercadorias e não viatura de turismo, deve também, para efeitos fiscais, a mesma não ser considerada como viatura de turismo, pelo que o IVA liquidado na sua aquisição deve ser considerado dedutível, nos termos dos artigos 19 e 20, com exclusão da aplicação do disposto no artigo 21, todos do CIVA;
8-Relativamente à questão 3 supra (vd. ponto 17), é entendimento do ora recorrente que a existência de decisões com entendimentos diferentes, emanadas pela AT, relativamente a situações em tudo semelhantes, afectam e violam o princípio da segurança jurídica e da igualdade, previsto na CRP e na LGT;
9-Na verdade, as informações vinculativas também conferem alguns direitos a terceiros, relacionadas com a boa fé e com o princípio da igualdade;
10-Ora, no caso "sub judice", o facto da AT tratar de forma diferente situações em tudo idênticas, viola claramente o princípio da igualdade, previsto no artigo 55 da LGT, bem como os artigos 13 e 266, ambos da CRP;
11-Acresce, que a AT ao não respeitar as orientações dadas por si a outros contribuintes, relativamente a situações semelhantes, está a violar claramente o estado de Direito e o princípio da segurança jurídica, ambos previstos no artigo 2 da CRP.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.189 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.191 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.102 a 104 dos autos - numeração nossa):
1-O ora impugnante encontra-se inscrito no ano de 2007, para efeitos fiscais, pela actividade de "Cerealicultura", a que corresponde o CAE 001111, tendo exercido igualmente a actividade de viticultura e criação de animais bovinos (cfr.relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);
2-O impugnante encontra-se enquadrado em sede de IVA no regime normal trimestral (cfr.relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);
3-Em 18/09/2007, o impugnante adquiriu o veículo automóvel da marca Toyota, modelo Hilux, com a matrícula …………., pelo preço de € 25.599,99, do qual € 4.442,97 corresponde a IVA suportado (cfr.factura junta a fls.25 do processo administrativo apenso);
4-Do Certificado de Matrícula/Livrete do veículo identificado no número que antecede consta a categoria de veículo "Ligeiro", o tipo de veículo "Mercadorias" e a referência ao número de 5 lugares sentados - incluindo condutor (cfr.documento junto a fls.9 do processo administrativo apenso);
5-Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as fotografias do veículo constantes de fls.49 a 51 dos presentes autos;
6-O impugnante deduziu o IVA suportado na aquisição mencionada no nº.3 supra na declaração periódica de IVA de 2007/09T (cfr.matéria não controvertida; relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);
7-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº.OI201100286, de 30/03/2011, foi efectuada uma acção de inspecção ao impugnante, relativa ao IRS e IVA do ano de 2007 (cfr. relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);
8-Na sequência da acção de inspecção referida no nº.7 que antecede, os serviços de inspecção tributária concluíram, para o que aqui importa, pela indevida dedução pelo impugnante de IVA no terceiro trimestre de 2007 (2007/09T), no montante de € 4.442,97 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);
9-Consta do capítulo III do relatório da inspecção elaborado após a realização da referida inspecção, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, como fundamento da correcção mencionada no número anterior, o seguinte:

"(...)
III.1.-IVA
No período de 0709T para apuramento do imposto devido, foi deduzido o imposto suportado na aquisição de um veículo automóvel, com a matrícula …………, de Categoria "Ligeiro", do Tipo "Mercadorias" e com o número de lugares sentados incluindo condutor de 5, no montante de 4.442,97 € (ver Anexo 1).
Nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 21° do CIVA "exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo.
É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor."
Pelas características descritas no Certificado de Matrícula da Viatura verificamos que estamos perante uma viatura de utilização mista, pois a mesma tem uma caixa que permite transportar carga/mercadoria e também permite transportar cinco pessoas incluindo o condutor.
Assim, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 21° do CIVA, uma vez que estamos perante uma viatura de uso misto que não tem mais de nove lugares, o IVA suportado na aquisição da mesma não confere direito à dedução.
Importa ainda referir que o conceito de viatura utilizado no Código do IVA, nunca teve qualquer ligação com o conceito de viatura definido no Código da Estrada.
O CIVA prevê viaturas de turismo que são viaturas que pelo seu tipo de construção ou equipamento não são destinadas unicamente ao transporte de mercadorias e viaturas mistas, e o Código da Estrada prevê viaturas ligeiras de passageiros e viaturas ligeiras de mercadorias, ou seja, não é possível equiparar os conceitos.
(...)"
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.14 a 23 do processo administrativo apenso);

10-Na sequência da correcção mencionada no nº.8 supra, a Administração Tributária procedeu à emissão da liquidação de IVA nº…………., relativa ao terceiro trimestre de 2007, no valor de € 4.442,97, e da liquidação dos respectivos juros compensatórios, com o nº.11165444, no valor de € 693,83 (cfr.documentos juntos a fls.31 e 33 dos presentes autos);
11-Em 9/01/2012, o ora impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas no nº.10 que antecede, nos termos constantes de fls.5 a 8 do processo administrativo apenso, solicitando a sua anulação;
12-Por despacho de 12/04/2012, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Elvas, foi indeferida a reclamação identificada no número anterior (cfr.documento junto a fls.64 a 66 do processo administrativo apenso);
13-Em 4/05/2012, foi deduzida a presente impugnação (cfr.registo postal constante de fls.2 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa, em face das possíveis soluções de direito…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
14- A p.i. que originou os presentes autos, que o ora recorrente titula como impugnação judicial, apresenta os seguintes fundamentos:
a)Que a viatura automóvel adquirido pelo impugnante é um veículo ligeiro de mercadorias cuja utilização está relacionada com o exercício da sua actividade, pelo que deverá o valor do imposto suportado com a sua aquisição ser considerado dedutível;
b)Que a liquidação ora impugnada incorre no vício de violação do disposto nos artºs.19 e 20, do C.I.V.A., visto estarem reunidos os pressupostos para que se opere o direito à dedução do imposto no caso concreto;
c)Que a liquidação ora impugnada incorre no vício de violação do disposto no artº.21, do C.I.V.A., dado que o imposto deduzido pelo impugnante não se encontra em nenhuma das situações previstas no mesmo preceito, como legitimadoras da exclusão do direito à dedução do I.V.A.;
d)Que a Administração Tributária, num outro caso, já proferiu informação vinculativa em sentido favorável à sua posição;
e)Termina pugnando pela procedência da presente impugnação e pela consequente anulação das liquidações objecto do processo (cfr.conteúdo da p.i. junta a fls.2 a 19 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente, em virtude do decaimento dos respectivos fundamentos, mais mantendo na ordem jurídica os actos tributários objecto do presente processo (cfr.nº.10 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o veículo automóvel adquirido por si é, segundo o certificado de matrícula, um veículo automóvel de marca Toyota, modelo Hilux, da categoria ligeiro, do tipo mercadorias, com lotação de 5 pessoas, incluindo o condutor, com a matrícula 03-DU-48, não fazendo este documento qualquer alusão à classificação "misto". Que a viatura em questão possui caixa aberta, verifica-se que a sua construção não se coaduna com o normal e cabal transporte de passageiros para fins particulares, na medida que a referida viatura não possui o conforto e a segurança adequada a um quotidiano transporte de passageiros. Que o direito fiscal utiliza os conceitos com o mesmo significado que possuem nos outros ramos de direito (vide artigo 11 da L.G.T.). Assim, se para todos os efeitos, a viatura em questão é considerada como viatura ligeira de mercadorias e não viatura de turismo, deve também, para efeitos fiscais, a mesma não ser considerada como viatura de turismo, pelo que o I.V.A. liquidado na sua aquisição deve ser considerado dedutível, nos termos dos artigos 19 e 20, com exclusão da aplicação do disposto no artigo 21, todos do C.I.V.A. (cfr.conclusões 1 a 7 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; artº.72, da L.G.T.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada ao impugnante/recorrente ao ano fiscal de 2007, a A. Fiscal efectuou uma correcção ao I.V.A. deduzido pelo mesmo (€ 4.442,97), com base no disposto no artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., correcção essa relativa ao tributo suportado pelo recorrente na aquisição da viatura com matrícula 03-DU-48, visto considerar que nos encontramos perante uma viatura de turismo, na medida em que, dada a sua construção e equipamento, não é destinada unicamente ao transporte de mercadorias, ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial e industrial. Podendo, também, ser utilizada no transporte de passageiros, na medida em que tem uma lotação de cinco lugares. E, por outro lado, não obstante ser um veículo misto, não tem mais de nove lugares, com inclusão do condutor (cfr.nºs.3 e 9 do probatório).
Por sua vez, o recorrente defende que a viatura em questão é considerada como viatura ligeira de mercadorias, que se destina unicamente ao uso diário na sua actividade agrícola, e não viatura de turismo, mais devendo o I.V.A. da sua aquisição ser considerado dedutível, nos termos do artºs.19 e 20, do C.I.V.A., assim não sendo aplicável ao caso concreto o disposto no artº.21, do mesmo diploma. Pelo que, a liquidação ora impugnada enferma do vício de violação dos artºs.19, 20 e 21, do C.I.V.A.
O Tribunal "a quo", deu razão à Fazenda Pública.
Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
Sendo esta a regra, o C.I.V.A. estabelece, por outro lado, em certos casos, a exclusão do direito à dedução. Encontra-se nesta situação, o artº.21, do mesmo diploma.
O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a I.V.A. suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de I.V.A., nos termos em que a doutrina as define (cfr.Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.295 e seg.).
Quer isto dizer que o legislador, mesmo admitindo que os bens ou serviços identificados no artº.21, nº.1, do C.I.V.A., possam destinar-se a fins empresariais, por reconhecer ser particularmente difícil o controlo da utilização dos referidos bens ou serviços e com o intuito de evitar a possibilidade de elevado nível de fraude, procurou evitar as dificuldades que surgiriam na administração do imposto devido ao contencioso que inevitavelmente se iria gerar sobre esta matéria, consagrando na citada norma legal um conjunto de bens e serviços excluídos do direito à dedução, independentemente da sua utilização.
É neste contexto e com o referido propósito que surge a exclusão do direito à dedução do imposto prevista no artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., em discussão nos autos, respeitante às "despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos".
Resulta desta disposição legal que não se poderá, além do mais, deduzir o I.V.A. contido nas despesas com a aquisição de viaturas de turismo.
Ora, esclarece esta mesma alínea a), "in fine", que:
"É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de 9 lugares, com inclusão do condutor.".
Conforme se referiu, a Fazenda Pública não considerou dedutível o I.V.A. suportado na aquisição do veículo adquirido pelo recorrente, com fundamento no disposto no examinado artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A.
Cumpre, por isso, averiguar se o referido veículo deve ser classificado, nos termos e para os efeitos daquela disposição legal, como viatura de turismo.
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Como resulta do probatório (cfr.nº.4 da factualidade provada), a viatura em causa é identificada no respectivo livrete como veículo ligeiro, tipo mercadorias.
Todavia, a norma em questão (artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A.), "a contrario sensu", só exclui do campo das viaturas de turismo os veículos automóveis que, pelo seu tipo de construção e equipamento, seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
Assim, quando o legislador definiu as viaturas de turismo como as que não sejam destinadas unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, pretendeu com esta referência intencional à expressão "unicamente", e imbuído do mencionado propósito de evitar a possibilidade do aproveitamento para fins particulares da faculdade de dedução do I.V.A. na aquisição de bens e serviços, que só relativamente às viaturas que, pelas suas características, tivessem somente a potencialidade de ser afectas àquelas actividades, e não mais, seria possível o exercício do direito à dedução do I.V.A. suportado na sua aquisição.
Pelo que, a decisão sobre se estamos, ou não, perante uma viatura de turismo, passa por aferir se o veículo em causa está destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, caso em que não será considerada viatura de turismo e, portanto, o sujeito passivo pode exercer o direito à dedução, ou se, pelo contrário, para além dessa funcionalidade, a viatura pode ser afecta a outras funcionalidades.
Não dependendo, nesta medida, a qualificação da viatura como viatura de turismo, e, consequentemente, o direito à dedução do I.V.A. suportado com a sua aquisição, da verificação da finalidade ou utilização que é, concretamente, dada à mesma - contrariamente ao que resulta da alegação do recorrente - dado que a norma em apreciação, diferentemente do que acontece com o estatuído nos artºs.19 e 20 do C.I.V.A., abstrai dessa utilização, antes fazendo relevar o tipo de construção e equipamento da viatura, por motivos de prevenção que são a razão de ser da sua previsão. O que está em causa é a possibilidade ou não de dar à viatura um destino diferente daquele a que faz referência a norma.
Ora, entendemos que o caso em apreciação é um daqueles em que estamos perante uma viatura que, face às suas características ao nível de construção e equipamento, não tem como único destino possível o transporte de mercadorias ou uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial.
De facto, tem razão a Fazenda Pública quando afirma que o número de lugares da viatura - cinco lugares - é efectivamente revelador de que a viatura não se destina unicamente àquelas mencionadas utilidades.
Admite-se que para o exercício da actividade do recorrente seja necessária a viatura em apreciação. No entanto, para além de não se vislumbrarem razões para concluir que para o exercício da actividade do mesmo seja necessária uma viatura com 5 lugares, o facto é que, com esta especificidade, a viatura pode não só ser destinada às funções decorrentes da sua actividade, como também é susceptível de ser utilizada na satisfação de outras finalidades, de cariz particular, concretamente o transporte de passageiros.
Sendo, de resto, de conhecimento geral que, actualmente, cada vez mais se opta pela aquisição deste tipo de viaturas de utilização mista, precisamente tendo em vista as vantagens advenientes das diversas utilizações que o seu tipo de construção e equipamento permite, permitindo, simultaneamente, a sua utilização profissional mas também particular.
E não se diga que a exclusão da viatura em causa do conceito de viatura de turismo decorre do facto de tal constar no seu livrete, ao identificar o veículo do tipo mercadorias.
Desde logo, não podemos concluir que o artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., defina o conceito de viaturas de turismo por contraposição ao conceito de viaturas de mercadorias. É que na definição do conceito de viatura de turismo constante desta norma, ao se apresentar como viaturas de turismo, por um lado, os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial, e, por outro lado, os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, é pressuposto da intenção do legislador de que, naquela primeira espécie de viaturas de turismo, cabem os veículos de mercadorias (que possam ter outro destino/utilização para além do transporte de mercadorias).
Estamos, efectivamente, perante um conceito próprio do Código do I.V.A. que não remete para a classificação ou tipologia constante do Código da Estrada. De facto, se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido.
Acresce que, deixando de se prever legalmente, designadamente no Código da Estrada, o tipo de veículo misto, definido no artº.106, nº.2, al.c) deste diploma legal (na versão anterior ao dec.lei 44/2005, de 23/02) como aquele que se destina ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga, na realidade estes veículos, com as características que lhe são apontadas, não deixaram de existir. Simplesmente passaram a ser classificados num dos tipos que hoje se mantém. Razão pela qual não se pode concluir que, por definição, todos os veículos de mercadorias se destinam unicamente ao transporte de mercadorias.
Face ao exposto, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a viatura em causa se enquadra no conceito de viatura de turismo, nos termos e para os efeitos consignados no artº.21, nº.1, al.a), do C.I.V.A., pelo que não é dedutível o I.V.A. suportado pelo recorrente na sua aquisição, em virtude do que se julga improcedente este fundamento do recurso.
Aduz, igualmente, o recorrente que a Administração Tributária, num outro caso, já proferiu informação vinculativa em sentido favorável à sua posição, sendo que estas informações também conferem alguns direitos a terceiros (cfr.conclusão 9 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Como corolário do princípio da colaboração da Administração, em geral, com os particulares (cfr.artº.7, do C.P.Administrativo), o artº.59, nº.3, al.e), da L.G.Tributária, prevê a cooperação da Administração Tributária com os contribuintes consubstanciada, além do mais, na emissão de informação vinculativa sobre situações tributárias concretas (cfr.artº.68, da L.G.T.).
Nos termos da lei (cfr.artº.57, nº.1, do C.P.P.Tributário), uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. O C.P.P.T. não fixa qualquer prazo de validade à informação prestada, é preciso notar que ela tem, no entanto, dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas. Por último, se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/11/2011, proc.3013/09; Sérgio Vasques, O Mecanismo da Informação Vinculativa, C.T.F. 397, Jan/Mar 2000, pág.118 e 119; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª.edição, 2012, pág.622 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.). Por último, refira-se que o regime legal actual da emissão de informações vinculativas está previsto nos artºs.68, da L.G.Tributária, e 57, do C.P.P.Tributário.
A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objecto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial, conforme aludido supra. Regime diferente existe para as informações genéricas proferidas pela Administração Tributária sobre a interpretação das normas tributárias que estejam em vigor no momento do facto tributário, relativamente às quais, nos termos do artº.68-A, nº.1, da L.G.T., a Administração Tributária fica vinculada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objecto dessa mesma orientação.
Em conclusão, não é legítima a invocação, por qualquer outra pessoa que não o sujeito passivo que solicitou a informação vinculativa, de uma eventual eficácia "erga omnes" da informação prestada.
Por último, alega o recorrente que a existência de decisões com entendimentos diferentes, emanadas pela A.T., relativamente a situações em tudo semelhantes, afectam e violam o princípio da segurança jurídica e da igualdade, previsto na C.R.P. e na L.G.T. Que a A.T., ao não respeitar as orientações dadas por si a outros contribuintes, relativamente a situações semelhantes, está a violar claramente o estado de Direito e o princípio da segurança jurídica, ambos previstos no artº.2, da C.R.P. (cfr.conclusões 8, 10 e 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
A questão sob apreciação não foi invocada na petição inicial (cfr.nº.14 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida na conclusão que se deixou exposta haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 10 de Julho de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)