Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1445/19.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:ASILO;
TRAMITAÇÃO ACELERADA;
ART. 19.º DA LEI N.º 27/2008, DE 30.06;
CARÁCTER MANIFESTAMENTE INFUNDADOS DO PEDIDO;
ART. 21.º DA LEI N.º 27/2008, DE 30.06;
INSTRUÇÃO DO PEDIDO.
Sumário:i) Na fase liminar de apreciação do pedido de proteção internacional - asilo e autorização de residência por proteção subsidiária -, a enunciação de questões não pertinentes ou de relevância mínima deve ser aferida pelo confronto daquelas com a análise, ainda que perfunctória, de informações disponíveis sobre a requerente e o respetivo país de origem;

ii) Apenas no caso de não resultar das declarações da requerente algum suporte e plausibilidade, aferidos em função dos demais dados disponíveis referidos no ponto i) que antecede e de uma avaliação objetiva do receio de perseguição ou da existência de sistemática violação dos direitos humanos no país de origem, é que o pedido de proteção internacional deve ser considerado infundado ao abrigo do art. 19.º da Lei do Asilo.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

CHIDINMA…………………….., natural da Nigéria, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção especial urgente de pedido de asilo por si proposta contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na qual havia peticionado, para si e para o seu filho menor, a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

«(…)

O Tribunal a quo não deveria ter absolvido o recorrido dos pedidos.
Estão preenchidos os requisitos para a concessão de asilo.
Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo deveria ter concedido asilo ou em última racio, concedesse autorização de residência por protecção subsidiária, dando benefício da dúvida.

Salvo melhor opinião, a recorrente reúne os requisitos para a concessão de asilo, artigo 3 da Lei 27/2008 de 30 de Junho.

A recorrente sofreu actos de perseguição, pelos agentes de perseguição, provocando assim um nexo de causalidade, existindo um risco sério e real.

A recorrente continua a afirmar a violação dos direitos humanos ou o risco de sofrer ofensa grave, caso volte ao seu país de origem.»


O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP não se pronunciou.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o tribunal a quo errou ao concluir pela inexistência dos pressupostos para a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária e assim ter mantido o despacho de 30.05.2019, do Recorrido, que considerou ambos os pedidos infundados.

II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. A A. apresentou um pedido de protecção internacional na Áustria em 16 de Abril de 2018;

Cf registo do sistema EURODAC de fs. 3 e ss. do p.a e capa do processo de fs. 4 também do p.a.

2. No dia 17 de Abril de 2019, a A. apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, tendo sido submetida, nesse mesmo dia a questionário preliminar, onde declarou junto daqueles serviços que deixou o país de origem porque foi atacada por ter ajudado uma pessoa gay a escapar de ser morta, que polícia e a comunidade local andavam à sua procura, que os “area boys” queriam matá-la e que a polícia queria prendê-la;

Cf registo do EURODAC e fls. 2, declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional de fls. 14 e questionário preliminar de fls. 5 e ss., todas do p.a

3. Em 27 de Maio de 2019, a A. prestou declarações, no âmbito do procedimento originado pelo seu pedido de protecção internacional, junto dos serviços do SEF, tendo-lhe sido perguntado e a mesma respondido, além do mais, o seguinte:

«(...)

P. Tem algum problema de saúde?

R Estava com 7 meses e meio de gravidez quando no dia 26/04/2019 fui ao hospital fazer uma consulta de rotina de obstetrícia. Fiz umas análises ao sangue e urina. E na Áustria já tinham detetado diabetes gestacional. Por isso, explicaram-me que, para segurança da saúde do bebé e minha, seria mais seguro eu ficar internada neste último mês de gravidez até dar à luz, para irem monitorizando e tratando sempre que necessário porque os resultados estavam a piorar. Explicaram-me que seria mais seguro fazer uma cesariana. No dia 19/05/2019 o bebé nasceu por cesariana. Passados 3 ou 4 dias, quando tudo já estava bem com o bebé, deram-nos alta do hospital.

P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista?

R. Sim.

P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

R O meu filho nasceu agora na Maternidade Alfredo da Costa no dia 19/05/2019. Chama-se Kelvin …………………. O pai do bebé, Franklin……………….., chegou a Portugal no dia em que ele nasceu [……………]. Sou cristã. Completei um bacharelato (Higher National Diploma) em Comunicação Social. Era estudante e tinha um hobby para os meus tempos livres: fazia chapéus para pessoas amigas, para a igreja, para casamentos e outras cerimónias. A Áustria transferiu-me para Portugal ao abrigo do Regulamento de Dublin aos 16/04/2019.

P. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

R Viajei de avião da Nigéria para Portugal em abril de 2018. Depois fui de comboio até à Áustria onde pedi asilo. Depois a Áustria transferiu-me para Portugal ao abrigo do Regulamento de Dublin aos 16/04/2019.

P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoa sobre os motivos que a levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

R Eu ajudei um homem homossexual a fugir de ser morto. Por isso vieram atrás de mim.

P. Pode descrever melhor esse episódio?

R Eu ajudei um homem homossexual a fugir. Eles souberam que fui eu quem o ajudou e, por isso, vieram atrás de mim. E estas cicatrizes que tenho na cabeça (a requerente apontou para uma cicatriz na cabeça) e no braço (a requerente apontou para uma cicatriz no braço) foram eles quem fizeram.

P. Pode dar o máximo de pormenores possível sobre o que aconteceu? Como se passou? Como ajudou essa pessoa a escapar? E outros pormenores?

R Estavam a persegui-lo e ele estava a fugir para minha casa. Estavam a bater-lhe com muitas coisas e havia sangue, e ele correu para minha casa. Eu não sabia quem ele era. Estavam a persegui-lo e ele veio a correr para minha casa, e eu perguntei: ”O que aconteceu? O que aconteceu?” Quando ele entrou em minha casa eu não lhes disse que ele estava lá, compreende?

P. Pode descrever essa cena em pormenor? Relatando como essa cena se passou com o maior número de detalhe possível?

R Quando souberam que tinha sido eu, vieram atrás de mim. Começaram a bater-me e a dizer que eu tinha de entregar a pessoa. E a dizerem que, por eu o ter ajudado, isso era o mesmo que ter cometido o crime dessa pessoa. Eu perdi a consciência. O médico reanimou-me e disse que os "area boys" tinham ido à minha procura no hospital. E a minha mãe disse-me que a polícia tinha ido à minha procura lá em nossa casa. E que a polícia estava sempre a ir à minha procura lá em casa. Por isso eu já não regressei a minha casa.

P. Tem relatório do hospital dessa ocorrência?

R Não. Tenho foto dos pontos na cabeça guardadas no telemóvel de quando estive no hospital para fazer os pontos na cabeça.

P. A foto como a obteve?

R. Não sei.

P. Tem qualquer outro documento relativo a essa agressão / tratamento no hospital?

R. Não.

P. Ok. Continuando então, seria possível voltar ao momento em que ajudou o senhor a fugir. Pode descrever o momento em si em pormenor, como se de uma cena de um filme se tratasse? Pode começar por explicar onde estava? O que estava afazer? E tudo o que depois se passou?

R Eu estava cá fora. Este homem estava a correr com roupas com sangue e rasgadas. E eu não lhes disse onde ele estava, percebe? Não o denunciei. Como já lhe disse foi isso.

P. Se bem compreendi ajudou um senhor que estava a fugir. E depois não denunciou que ele tinha estado em sua casa, é correto?

R. Sim.

P. E desde que o viu correr e até ao momento final em que não o denunciou? O que se passou entre esses dois momentos, em pormenor?

R Havia um homem que estava a fugir pela sua vida, e fugiu para minha casa. Os "area boys" (rapazes maus da zona, na explicação da requerente) estavam a persegui-lo e a dizer ”Esse gay! Esse gay!” Mas eu não o denunciei. Por isso, entretanto, eles foram embora e depois ele também foi embora. Depois disseram-me: ”Eu vi esse homem entrar em casa! Onde está a pessoa que escondeu? Tem de a entregar!” Eu disse: ”Eu não escondi ninguém”. E responderam: 'Escondeste!” Antes de eu saber o que se passava, já estavam a bater-me. Perdi a consciência. Quando eu acordei no hospital, o médico disse-me que os rapazes tinham ido ao hospital à minha procura.

P. Foi o médico quem lhe disse que tinham ido à sua procura?

R Sim. E a minha mãe também me disse que a polícia tinha ido a minha casa à minha procura.

P. Fale agora sobre os receios que tem em regressar ao seu país.

R Vão matar-me. Eu não quero morrer. Dizem que eu ajudei alguém a fugir, e que eu cometi o mesmo crime que essa pessoa cometeu. E por isso são 15 anos de cadeia.

P. Que crime em concreto?

R Que eu ajudei uma pessoa homossexual a fugir. Na Nigéria ser homossexual é um crime: o crime é a homossexualidade.

P. O que receia em concreto se regressar?

R A Polícia prende-me. E não quer morrer. Eles matam-me.

P. Eles quem?

R Os ”street boys”. E a polícia prende-me.

P. Porque a prendem?

R Porque ajudei uma pessoa homossexual a fugir. Por isso cometi o mesmo crime que essa pessoa.

P. Deseja acrescentar algo ao seu relato que não lhe tenha sido questionado, e que considere relevante para a análise do seu pedido de proteção?

R. Não

P. Dispõe de elementos de prova que confirmem as suas declarações?

R. Não.

(...)»;

Cf auto de declarações de fls. 20 e ss. do p.a

4. No dia 30 de Maio de 2019, foi lavrada pelos serviços do SEF a informação n° 999/GAR/19, sobre o pedido de protecção internacional da Requerente, ora A., na qual se lê, além do mais, o seguinte:

«7. Da apreciação da admissibilidade do pedido

(...)

Em primeiro lugar, analisando as declarações da requerente, constata-se que a mesma não alegou quaisquer factos concretos donde se possa inferir ter sido vítima de ameaças ou perseguições pelas autoridades em consequência da atividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, pelo que não se encontra preenchido o previsto no n° 1 do artigo 32 da Lei citada.

Atento o preceituado no n° 2 do artigo 32 da mesma lei, nomeadamente perseguição por motivo associado a raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões politicas, pressupostos essenciais do direito à concessão de asilo garantido pelo artigo 3o, n°2, da Lei 27/2008 de 30/06 (...), importa agora analisar o presente caso.

Assim, analisado o seu caso, constata-se que os motivos invocados não têm qualquer relação com raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas. Quanto à filiação em certo grupo social, incluída no mesmo artigo, e atento o fato de a requerente não alegar ser homossexual, pode concluir-se que a requerente tampouco integra qualquer grupo social específico alvo de perseguição no país, conforme previsto no mesmo articulado - n°2 do artigo 3°da lei 27/2008 de 30/06 (...).

Pelo que, não sendo notória qualquer efetiva perseguição de que tenha sido vítima em consequência de atividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou perseguição por raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas, ou filiação em certo grupo social, na aceção do artigo 3.° da Lei n.° 27/08, de 30.06 com as alterações introduzidas pela lei n° 26/14 de 05.05, julga-se o presente pedido infundado por incorrer na alínea e) do n.° 1, do artigo 19°, da lei 27/08, de 30.06 (...).

8. Da Autorização de Residência por Proteção Subsidiária Da análise da situação invocada pela requerente, conclui-se que esta não reúne os requisitos para se enquadrar na definição de refugiado, nos termos do artigo 3° da lei de Asilo. No entanto, cabe agora, e de acordo com do n° 2 do artigo 10°, analisar se é elegível para proteção subsidiária.

O artigo 7°da Lei n.°27/08 de 30.06 (...) atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por proteção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem e m risco de sofrer ofensa grave.

Conforme definido na Lei de Asilo considera-se ofensa grave, nomeadamente:

a) A pena de morte ou execução;

b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou

c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

Face ao contexto das alegações prestadas pela requerente e tendo em conta as considerações do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo - ”EASO Country of Origin lnformation Report Methodology”, procedeu-se à recolha de informação respeitante ao seu país de origem. Da pesquisa efetuada, não se encontrou qualquer informação que corrobore que em matéria de direito penal da Nigéria, existe condenação equivalente aos mesmos anos de prisão que se aplicariam a uma pessoa LGBTI, para uma situação desta natureza.(1) (2)

Assim, objetivamente, não há nada que aponte para que a permanência da requerente no seu país se tenha tornado insustentável a ponto de a fazer abandoná-lo ou que, caso regresse à Nigéria, a requerente corra o risco de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante ou tortura, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, de acordo com o artigo 7° da Lei de Asilo.

Atendendo ao supra exposto, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de proteção subsidiária, e por isso infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.° 1 do artigo 19° da Lei n.9 27/08 de 30.06 (...).

9. Proposta

Face aos factos expostos no ponto 7, consideramos o pedido de asilo infundado, por se enquadrar nas alíneas e) do n° 1, do artigo 19° da Lei n.° 27/08 de 30.06 (...) pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3° da Lei citada.

Tendo em conta o exposto no ponto 8, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de proteção subsidiária, e por isso infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.° 1 do artigo 19° da Lei n. °27/08 de 30.06 (•••)•

Assim, submete-se à consideração da Exma. Diretora Nacional do SEF a proposta acima, na alínea e) do n. ° 1, do artigo 19° e n. ° 1 do artigo 20°, ambos da Lei n. °27/08, de 30 de junho (...)».

Cf informação do SEF de fls. 30 e ss. do p.a

5. No mesmo dia 30 de Maio de 2018, foi exarada, no procedimento de protecção internacional relativo ao pedido da A., decisão pela Directora Nacional do SEF, decisão essa onde se lê, entre o mais, o seguinte:

«(...)

De acordo com o disposto nas alíneas e) do n.° 1, do artigo 19° e no n° 1 do artigo 20°, ambos da Lei n. ° 27/08, de 30.06 (...), com base na informação 999/GAR/19 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pela cidadã que se identificou como CHIDINMA………………………., nacional da Nigéria, infundado.

Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, apresentado pela cidadã acima identificada, infundado. (•••)»;

Cf decisão de fs. 37 do p.a

6. A 17 de Julho de 2019, foi lavrada pelos serviços do SEF a informação n° GAR/2019, no processo de protecção internacional respeitante a Kelvin…………………., filho da Requerente, informação onde consta, entre o mais, o seguinte:

«Aos 17-04-2019 a cidadã CHIDNMA……………………., nascida a 17.04.1988, nacional da Nigéria, solicitou protecção internacional registada sob o n.° ………., tendo o pedido sido considerado infundado por decisão proferida pela Exma. Sra. Diretora Nacional do SEF aos 30-05-2019.

Aos 18-06-2019, cidadã supra referida requereu protecção internacional para o seu filho menor, KELVIN ………………………….., nascido em Lisboa aos 19-05-2019.

Assim cumpre incluir na decisão proferida pela Directora Nacional do SEF, o menor KELVIN ……………. e, nos termos das disposições legais constantes no processo ……….., deverá considerar-se o pedido de protecção internacional infundado.»',

Cf informação junta com o r.i. como doc. n.° 9.

7. No dia 18 de Julho de 2019, foi exarado sobre a informação referida no ponto anterior, decisão pela Directora Nacional do SEF, decisão onde consta, entre o mais, o seguinte:

«Visto.

1. Concordo com o que vem proposto.

2. Nos termos do n.° 1 do artigo 20. ° da Lei n. °27/2008, de 30.06 com as alterações introduzidas pela Lei n. °26/2014, de 05.05, considero o presente pedido infundado.

(...)»;

Cf decisão junta com o r.i como doc. n.° 9.

8. Em data não concretamente determinada, mas certamente anterior ou no dia 19 de Julho de 2019, a decisão e a informação aludidos e parcialmente transcritos nos pontos 4. e 5., foram entregues à Autora;

Cf comprovativo de envio por correio de fls. 40e teor do e-mail de fls. 41, todas do p.a Cf também data do pedido de apoio judiciário de fls. 43 do p.a.

9. A A., em data não concretamente determinada, mas após 31 de Maio de 2019, remeteu para os serviços do SEF uns designados esclarecimentos e correcções ao auto de declarações, nos quais se lê, entre o mais, o seguinte:

«3. A requerente acrescente “Pode descrever essa cena em pormenor? Relatando como essa cena se passou com o maior número de detalhe possível” (Página 5 do Auto), os homens souberam através dos vizinhos que o homem entrara na sua casa. O homem já tinha fugido;

4. Na resposta a “Se bem compreendi ajudou um senhor que estava a fugir. E depois não denunciou que ele tinha estado em sua casa, é correcto?” (Página 6 do Auto), a requerente clarifica e adita que permitiu a entrada do senhor, e não o denunciou, pois não acredita que se possa tirar a vida a alguém, independentemente do motivo;

5. Finalmente, a requerente acrescenta que pretende ficar em Portugal, para refazer a sua vida com o filho.

(...)»;

Cf exposição junta aos autos pela A., quanto ao envio, posição das partes (art. 21.° do r.i., não impugnado).

10. A A. à data dos factos supra apresentava uma cicatriz vertical, desde as sobrancelhas até ao cabelo, de não menos de dez centímetros de altura e de não menos de meio centímetro de largura na testa;

Cf reproduções fotográficas juntas com o r.i. como doc. n.° 5, conjugadas com as declarações proferidas no processo administrativo acima referidas e as posições das partes.

11. (…) [eliminado, por se tratar de manifesto lapso de repetição do facto anterior]

12. A A. padece de diabetes gestacional controlada, à data de 22 de Maio de 2019, com metformina e insulina.

Cf. dados da alta de internamento de 22-5-2019junta aos autos pela Autora.

*

Julgo não provados os seguintes factos:

A) A A. saiu da Nigéria grávida do filho que viria a nascer em Portugal;

B) A A. encontrava-se grávida à data das agressões que aludiu nas declarações prestadas junto dos serviços do SEF acima mencionadas e parcialmente transcritas no ponto 3.;

C) A A. padecia, à data da propositura da acção, de patologia no fígado que se encontra em investigação clínica em Portugal;

D) O filho da Requerente acima referido padece de patologia que se manifesta exterior e visivelmente na zona do crânio.

*

Nada mais foi dado como provado ou não provado com interesse para a decisão da causa.

**

A matéria de facto foi dada como provada face às posições das partes e ao teor dos documentos juntos ao processo, de acordo com o que ficou plasmado a propósito de cada facto.

O facto constante da alínea A) dá-se como não provado por a Requerente ter dito que saiu do seu país em Abril de 2018 (o que bate certo com a data em que formulou um pedido protecção internacional junto das autoridades austríacas - cf. ponto 1. dos factos provados) e o menor ter nascido, em Portugal, a 19 de Maio de 2019 (cf. assento de nascimento junto aos autos). Assim sendo, face à duração da gestação publicamente conhecida - 9 meses - não logrou a A. convencer o Tribunal que saiu do seu país de origem já grávida.

A Requerente alude apenas a uma gravidez, se atentarmos nos artigos 6.°, 9.°, 10.°, 14.°, disse aos serviços do SEF que tinha um único filho - cf auto de declarações de fls. 20 e ss. do p.a - e não alegou nem juntou qualquer elemento de prova de que estivesse grávida aquando das agressões. Considerando isso, conjugado com o exposto no parágrafo anterior, há também que dar o facto constante da alínea B) como não provado.

Dá-se como não provado o facto constante da alínea C). A documentação hospitalar junta pela A. é absolutamente inócua, não identificando qualquer doença, nem qualquer especialidade médica conexa com tratamento do órgão em causa (apenas resulta do que foi junto ao processo judicial um acompanhamento conexo com obstetrícia e nutrição, tudo na Maternidade Alfredo da Costa).

O facto constante da alínea D) não se dá como provado face ao teor das fotos, que não é minimamente conclusivo, face à ausência de junção de prova idónea (p. ex., relatório médico) que demonstre a veracidade do mesmo, e ainda pela circunstância de o médico que procedia ao acompanhamento do bebé na USF Extramuros ter declarado, no dia 24 de Julho de 2019 (antes da prolação e da notificação da decisão administrativa sub judice) que o menino apresentava um desenvolvimento normal - cf. carta de acompanhamento dessa data junta pela Autora.

II.2. De direito

A Recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida, por esta ter sancionado positivamente a decisão administrativa que considerou infundado o seu pedido de proteção formulado quanto à concessão de asilo e também no que se refere à proteção subsidiária (art.s 3.º e 7.º da Lei nº 27/2008, de 30.06 (doravante, Lei do Asilo).

Para fundamentar a sua decisão exarou o tribunal a quo o seguinte discurso fundamentador, o qual se transcreve na sua parte relevante:

«(…) Apreciemos.

No presente caso, como já se deixou dito, a decisão foi proferida na fase preambular do procedimento de apreciação do pedido de protecção internacional, onde o SEF simplesmente apura do fundamento e admissibilidade dos pedidos, para efeitos de passagem à fase seguinte, tendo sido aplicado o regime de tramitação e decisão previsto no art. 19.° da Lei n° n° 27/2008, de 30-6 (aplicável, como dissemos, por remissão do n° 1 do art. 23.° da Lei referida).

O art. 19.° da Lei n° 27/2008, de 30-6, tende a não fazer prosseguir para a fase subsequente pedidos que estejam, face aos elementos recolhidos numa apreciação substancial liminar, condenados ao malogro. Na aplicação desta norma, as declarações prestadas pelos requerentes de protecção internacional, o circunstancialismo em torno do pedido, os documentos logo apresentados e as informações recolhidas são importantes pontos de partida para a decisão das entidades administrativas, como se depreende do teor das alíneas do n° 1 do artigo em causa.

Dito isto, importa aqui trazer à discussão as normas constantes desse art. 19.° aplicadas pela Administração e pertinentes para aferir da correcção da decisão sub judice.

O pedido de protecção internacional foi sujeito a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado por se entender que se verificava a situação prevista na al. e) do n° 1 do art. 19.° da Lei n° 27/2008, de 30.6:

«Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária» [al. e)].

Face ao que resulta dos autos, sendo a disposição também invocada na resposta pela Entidade Demandada, é ainda pertinente a previsão contida na al. c): «O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção.».

Vejamos, então, se a análise administrativa da situação vertente, perante o declarado pela A. (uma vez esta não alega ter apresentado qualquer elemento documental ou outro meio de prova admitido em direito que confirmasse o teor das suas declarações), o circunstancialismo da situação e aquilo que são as informações internacionais pertinentes, é a correcta.

Analisemos à luz dos fundamentos constantes das alíneas c) e e).

Segundo o que interpreto da decisão administrativa, o SEF entende que o relato da A. não é pertinente e suficiente, carreando matéria de facto que não é susceptível de fundamentar a concessão de protecção internacional.

Parece-nos que a Administração ajuíza correctamente.

Concretizemos.

Debrucemo-nos no que disse a A. no âmbito do procedimento (cf. ponto 3. dos factos provados):

-É nacional da Nigéria;

-Saiu do seu país em Abril de 2018, chegou a Portugal nessa altura e daqui viajou para a Áustria, país que a transferiu para Portugal ao abrigo do Regulamento Dublin;

-Foi mãe já em Portugal no dia 19 de Maio de 2019;

-Diz que ajudou um homossexual, escondendo-o dos perseguidores, e, por isso, foi objecto de violência por parte dos “area boys”;

-A cicatriz que tem na cabeça e outra resultam desse episódio;

-A polícia andou à sua procura.

Invoca, em juízo, para além do referido no procedimento administrativo, as situações clínicas sua e do filho menor.

(…).

Deixemos já expresso que o direito de asilo da A. é manifestamente inexistente pois a situação da mesma não se enquadra minimamente nas hipóteses previstas no art. 3.° da Lei n° 27/2008, de 30-6. Com efeito, não há narração de perseguição ou ameaça grave de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana - n° 1 do referido artigo -, nem relato de receio de perseguição, com fundamento, em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social - n° 2 do mesmo artigo.

Assim, é totalmente improcedente o pedido de asilo para si e para o seu filho.

Vejamos, então, se estão reunidos os pressupostos para fazer avançar o procedimento quanto à protecção subsidiária.

A protecção subsidiária é um instituto aplicável em situações de facto que comportem o risco de ofensa grave à vida ou integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos - cf. art. 7.°, n.os 1 e 2, al. c), da Lei n,° 27/2008, de 30-6.

(…)

Quando à protecção subsidiária, a Lei exige que se verifiquem “motivos significativos para acreditar que [o nacional de país terceiro] não pode voltar para o seu país de origem (...), quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por ocorrer um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do art. 7.º - cf al. x) do n° 1 do art. 2.° da Lei n° 27/2008, de 30-6.

Não basta, portanto, ao cidadão estrangeiro alegar genericamente receio de voltar ao seu país.

Descendo ao caso sub judice, verifica-se que o relato e o carreado pela A. são insuficientes.

Concretizemos.

A prova da A. reside, essencialmente, nas suas declarações, as quais, segundo o n° 4 do art. 18.° da Lei n° 27/2008, de 30-6, devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em Direito, a não ser que esteja reunidas cumulativamente as seguintes condições: o requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido; o requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes; as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis; o pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido; tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.

O relato, em si, é insuficiente, designadamente por faltar alegação sobre motivos significativos para acreditar que a A. não pode voltar ao seu país de origem por aí poder estar gravemente ameaçada, por existir uma sistemática e indiscriminada violação dos direitos humanos perante a inércia e impotência das autoridades estatais.

Nestes casos, de acordo com a leitura conjugada da al. c) do n° 1 e do n° 2 do art. 6.° da Lei n° 27/2008, de 30-6 - aplicável à protecção subsidiária por força do n° 3 do art. 7.° -, a Lei impõe que sejam alegados e demonstrados motivos fundamentados/significativos de que o Estado não é capaz de tomar medidas capazes de prevenir, detectar, proceder judicialmente e punir os actos de perseguição/ameaça grave, ou de que existe uma situação de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, perante a inacção ou impotência dos agentes estatais.

Não sendo alegado que seja o Estado nem qualquer outra organização identificada nos termos da al. b) do n° 1 do art. 6.° da Lei n° 27/2008, de 30-6, os agentes da ameaça, existe um ónus acrescido de narração e prova a vários níveis, designadamente a narração de factos que consubstanciam uma concreta incapacidade do Estado e das demais organizações instaladas no país de origem de proporcionarem a protecção das vítimas contra a ameaça em causa.

Sobre isso, a narração (e prova) é absolutamente omissa, não relatando comportamentos das autoridades da República Federal da Nigeriana que, pelo menos, indiciem significativamente que não se irá proporcionar a protecção em causa, como, p. ex., a existência de situações semelhantes à da A. que, denunciadas, ficaram sem reacção das autoridades e forças de segurança.

Quanto às autoridades, a A. relata apenas que a mãe lhe disse que a polícia andou à sua procura, sendo absolutamente omissa quanto a actos concretos de ameaça física ou moral.

Por outro lado, não resulta dos autos, nem de informações internacionais conhecidas deste Tribunal que os “area boys” sejam, actualmente, uma organização activa com conexões com as autoridades policiais e que actuem fora do âmbito da criminalidade comum (não basta dizer que “a mãe lhe disse que a polícia havia estado em sua casa à sua procura”; seria lógico que, se houvesse uma conexão perigosa entre os “area boys” e as autoridades policiais, dada a gravidade do seu estado, que a polícia a procurasse no hospital, tal como fizeram os “area boys”, e não junto da sua mãe).

A alegação sobre a violência indiscriminada na Nigéria, na sua zona de residência (ou em qualquer outro lugar), também é absolutamente vaga, sendo que, não se desconhecendo a situação, importa aqui deixar expresso que os relatos internacionais reportam situações de violência em zonas específicas e dirigido a membros de movimentos de índole religiosa e separatista, designadamente o conflito entre as autoridades estatais e o Boko Haram, na zona nordeste, e entre aquelas e o IPOB, na zona Este e Sudeste (cf “Freedom in the World 2018 - Nigeria 2018”, publicado pela Freedom House em 28 de Maio de 2018, disponível em http://www.refworld.org/docid/5b2cb85a3.html; “Amnesty Internacional Report 2017/18 - Nigeria”, publicado pela Amnistia Internacional em 22 de Fevereiro de 2018, disponível em https://www.refworld.org/docid/5a993898a.html; “World Report 2018 - Nigeria”, publicado pela Humam Rights Watch em 18 de Janeiro de 2018, disponível em https://www.relworld.org/docid/5a61ee464.html).

Quanto à eventual prisão, o SEF consultou informação internacional disponível e concluiu, dessa consulta efectuou - como decorre do teor da informação levada ao probatório no ponto 4. (concretamente § 4.° e notas de rodapé do ponto 8. aa informação) -, que a conduta da Requerente não era punível com prisão, realidade que a mesma não logrou infirmar.

Assim, quanto ao esforço para fundamentar o seu pedido, mostra-se que o mesmo não é considerável, como exige a al. a) do n° 4 do art. 18.° da Lei n° 27/2008, de 30-6.

Por outro lado, também não se mostra que a A. tenha apresentado todos os elementos de prova ao seu dispor. Também não apresentou justificação satisfatória para o não ter feito.

É certo que não é exigível aos requerentes de protecção internacional, face às circunstâncias que em que pode ter decorrido a fuga do seu país, apresentarem logo todos os elementos de prova idóneos a corroborar a sua alegação.

Sucede que, na presente situação, a A. saiu do seu país em Abril de 2018, há mais de um ano, e, não obstante o tempo decorrido, não apresentou junto dos serviços do SEF nem em Tribunal nenhum elemento de prova para corroborar as suas declarações quanto aos factos respeitantes ao seu país de origem.

Assim sendo, está também preenchida a hipótese prevista na al. b) do n° 4 do art. 18.° da Lei n° 27/2008, de 30-6.

Por fim, a A., apesar de alegar ter entrado na Europa, através de Portugal, inexplicavelmente foi pedir protecção internacional na Áustria, o que determina que esteja também prevista a hipótese prevista na al. d) do n° 4 do art. 18.° da Lei n° 27/2008, de 30-6.

Em suma, estão preenchidas as hipóteses previstas nas alíneas a), b) e d) do n° 4 do art. 18.° da Lei n° 27/2008, de 30-6, pelo que as declarações da Requerente, ora A., não são suficientes para demonstrar o preenchimento, em termos mínimos, dos pressupostos da concessão de protecção subsidiária.

Quanto à situação de saúde, a alegação da A. é absolutamente vaga e conclusiva, não demonstrando que a mesma seja impeditiva do regresso ao seu país.

Assim, o pedido da A. é manifestamente inviável, por estarem preenchidas as alíneas c) e e) do art. 19.° da Lei n° 27/2008, de 30-6.

Não merece pois censura a conduta administrativa, quanto à A. e quanto ao menor, concluindo-se que os actos impugnados (o principal, respeitante à A., e o dependente, respeitante ao menor) se deverão manter na ordem jurídica.». (sublinhados nossos).

Antes de prosseguir, cumpre esclarecer, desde já, o seguinte:

Tendo em conta o contexto legal em que foi proferida a decisão impugnada, da qual conheceu a sentença recorrida, o que está efetivamente em causa no presente recurso é saber se a sentença recorrida errou, ao secundar, positivamente, a decisão administrativa, que considerou infundado o pedido de asilo e de proteção internacional formulado pela A. ora Recorrente, situação que, a obter provimento em sede do presente recurso, terá como consequência, apenas, a revogação da sentença recorrida e, conhecendo em substituição, a condenação do R., ora Recorrido, em prosseguir com a instrução dos pedidos de asilo ou de proteção internacional apresentados pela Recorrente, se estes não se considerarem manifestamente infundados.

Com efeito, no caso dos autos a decisão impugnada foi proferida na fase preliminar do procedimento de concessão de proteção internacional, que se reconduz apenas à verificação do fundamento e admissibilidade dos pedidos de asilo e de proteção subsidiária, para efeito de admissão ou não à fase de instrução - nos termos dos art. 20.º, n.º 1 e art. 24.°, n.º 4 da Lei de Asilo.

Vejamos então.

Os pedidos de proteção internacional consideram-se infundados quando se verifique qualquer das situações previstas no art. 19.° da Lei do Asilo que, sob a epígrafe “tramitação acelerada”, dispõe o seguinte:

1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:

a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;

b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;

c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;

d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;

e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;

f) O requerente provém de um país de origem seguro;

g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;

h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;

i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;

j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.» (sublinhados nossos).

Do preceito legal supra citado e transcrito decorre que o legislador densificou o conceito “infundado” do pedido orientado por critérios de evidência, atendendo a que se trata ainda de uma fase de apreciação liminar, que visa fazer uma triagem, permitindo que não se prossiga na apreciação/instrução daqueles que manifestamente não reúnam os requisitos mínimos para serem considerados, o que tem de ser lido à luz do princípio da boa administração, orientada por critérios de eficiência (cfr. art 5.º do CPA).

Regressando ao caso em apreço.

A sentença recorrida considerou estarem preenchidas as assinaladas alíneas c) e e) do art. 19.º supra citado e transcrito (cfr. fls. 16 da mesma), ou seja:

i) Alínea c): por clara incoerência e contraditoriedade das declarações prestadas pela Recorrente, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contrárias a informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção.

a. Ora, decorre dos autos que a única diligência do SEF efetuada sobre o país de origem teve como objetivo a procura de informação que corroborasse “que em matéria de direito penal da Nigéria, existe condenação equivalente aos mesmos anos de prisão que se aplicariam a uma pessoa LGBTI, para uma situação desta natureza” (cfr. facto n.º 3 e fls. 15 da sentença), não tendo logrado obtê-la;

b. Não indagou em que zona da Nigéria residia a A., ora Recorrente, para aferir da existência de sistemática violação dos direitos humanos – art. 7.º n.º 1 da Lei do Asilo – sendo que, da leitura do mapa constante do relatório EASO - Country_Guidance_Nigeria_2019, Armed conflicts on the territory of Nigeria(3), se verifica que todo o território tem conflitos armados – designadamente, guerrilha -, alguns deles de grande intensidade.

c. Indagação essa que se revela ainda mais necessária, sabendo que a Recorrente é Cristã (cfr. facto n.º 3) e que na Nigéria a perseguição a Cristãos é uma realidade violenta(4).

d. O pai do bebé, Franklin Chikere, chegou a Portugal no dia em que ele nasceu – 19/05/2019 (7 meses) [PPI 766/19], pelo que, tendo sido aberto processo ao progenitor, a análise da situação da mãe e do bebé deve ser vista conjugadamente com a sua situação e não separadamente, ao abrigo do art. 68.º da Lei do Asilo, caso se possa vir a estar perante uma situação de reagrupamento familiar.

e. Assim como não indagou, não obstante a vaguidade das declarações prestadas pela A., ora Recorrente, da sua situação de saúde e do seu filho, menor, à data com apenas 8 dias de vida.

Em face do que, e sem necessidade de mais considerações, não pode considerar-se evidente o carácter infundado dos pedidos formulados pela Recorrente, devendo, sim, o procedimento prosseguir para cabal e completa instrução do mesmo, atendendo, designadamente, a todas as circunstâncias supra expostas e ainda, segundo relato muito recente, o seguinte:

Em 2019, a crise na Nigéria entrou no seu sexto ano. Desde que os violentos ataques do grupo islâmico Boko Haram começaram a se espalhar pela fronteira nordeste da Nigéria em 2014, Camarões, Chade e Níger se tornaram o que se tornou um conflito regional devastador.

Até o momento, a região da bacia do lago Chade é afetada por uma emergência humanitária complexa. Mais de 3,3 milhões de pessoas foram deslocadas, incluindo 2,5 milhões de deslocados internos no nordeste da Nigéria, mais de 513.000 deslocados internos nos Camarões, Chade e Níger e mais de 244.000 refugiados em Os quatro países

A crise foi exacerbada pela fome e desnutrição causada por conflitos, que atingiram níveis críticos nos quatro países da região. Apesar dos esforços dos governos e da ajuda humanitária em 2019, cerca de 3,5 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar na região do Lago Chade e dependem de assistência.

Os desafios de proteção para os deslocados são exacerbados pela insegurança e instabilidade socioeconômica, com as comunidades da região do Sahel enfrentando pobreza crônica, condições climáticas severas, epidemias recorrentes, infraestrutura precária e acesso limitado a serviços básicos.

As forças armadas nigerianas, juntamente com a Força Multinacional Conjunta, expulsaram extremistas de muitas das áreas que controlavam, mas esses avanços foram ofuscados pelo aumento dos ataques do Boko Haram nos países vizinhos. Apesar do retorno de deslocados internos e refugiados nigerianos em áreas acessíveis, a crise continua séria(5).

Razões pelas quais, não poderá manter-se a sentença recorrida, devendo o pedido da A., ora Recorrente – desde que não se verifique ainda qualquer das situações de inadmissibilidade previstas no art. 19.°-A -, ser admitido, nos termos dos art.s 21.° ss. da Lei do Asilo, tendo em vista a sua instrução, para efeitos de ser proferida a decisão final de concessão ou de recusa de asilo ou de proteção internacional.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida e, em substituição, condenar o R., ora Recorrido, a admitir os pedidos de proteção internacional formulados pela A., ora Recorrente, com os efeitos previstos no art. 21.º, n.º 1, da Lei do Asilo.

Sem Custas, por isenção objetiva (art. 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06).

Lisboa, 18.12.2019.



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Dora Lucas Neto


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Pedro Figueiredo


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Cristina Santos


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(1) EASO - European Asylum Support Office: Nigeria; Individus pris pau r cbles , November 2018, https://www.ecoi.net/en/file/local/2003968/2018EASO COI Nigeria Targetingl ndividuals FRpdf (accessed on 30 May 2019).

(2) UKHome Office: Country Policy and Information Note Nigeria: Sexual orientation and gender identity or expression, April 2019 https://www.ecoi.net/en/jile/local/2007990/Nigeria - CPIN - SOGIE-final versionG April 2019 .pdf(accessed on 30 May 2019).

(3) pg.74,disponível em:
https://www.easo.europa.eu/sites/default/files/Country_Guidance_Nigeria_2019.pdf

(4) pgs.103/104 https://coi.easo.europa.eu/administration/easo/PLib/2018_EASO_COI_Nigeria_TargetingIndividuals.pdf

(5) Relato disponível na seguinte página da ACNUR: https://www.acnur.org/emergencia-en-nigeria.html