Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05670/12
Secção:CT- 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/05/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. JUROS COMPENSATÓRIOS. FUNDAMENTAÇÃO. ERRO MATERIAL. RECTIFICAÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, mas neles é devida uma fundamentação autónoma, de molde a permitir apreender o seu exacto quantitativo e a forma como foi alcançado;
2. Se na notificação dos juros compensatórios, na respectiva fundamentação, são indicados dois valores iguais, quer quanto ao imposto sobre que incidem quer no montante dos juros contados, sendo que este montante de juros contados é também o que consta, no mesmo documento de cobrança como valor a pagar, tem de se concluir, que existe um erro material na importância indicada do imposto sobre que incidem os juros;
3. Conclusão que sai reforçada pela notificação à contribuinte, na mesma altura, desse imposto donde resultaram tais juros compensatórios;
4. Tal erro material assim ostensivo, apenas tem por efeito o de haver lugar à respectiva rectificação.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., contribuinte ..., veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por despacho do Relator de 12-4-2012, transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A Representante da Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo tribunal a quo, fls. 203 a 209 dos autos, vem dela interpor o presente recurso.
B) A sentença julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo A... e por conseguinte determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios em crise no presente processo.
C) Para o efeito fundamenta a sua posição nos artigos 35.º n.º 9 e 77.º n.º 1, ambos da LGT.
D) Imputando às liquidações adicionais o vício de falta de fundamentação.
E) Refere no parágrafo 11 do ponto 2. Direito, fls 208 dos autos, que "constata-se que a liquidação impugnada apesar de indicar o montante sobre o qual são calculados os juros compensatórios, esse montante é manifestamente errado. Com efeito, tal montante é o mesmo que é indicado com sendo o valor dos juros compensatórios apurado após a aplicação da respectiva taxa».
F) E no parágrafo seguinte continua dizendo que "Ora, torna-se necessário que a fundamentação da liquidação de juros compensatórios evidencie com clareza o seu cálculo, o que não sucede no caso em apreço, que manifestamente há erro na indicação do valor sobre o qual são calculados os juros compensatórios, e por conseguinte fica-se sem se saber como este foi apurado. Estamos perante uma fundamentação contraditória».
G) E a correcção levada a cabo pela administração fiscal não é admissível uma vez que seria fundamentação a posteriori.
H) Ora, acontece que a douta sentença incorre em erro de julgamento, porquanto imputa às liquidações o vício de falta de fundamentação, por não ter sido descrito o montante sobre o qual incidem os juros de mora, uma vez que esse montante embora indicado é o mesmo do montante dos juros devidos.
I) Esse erro consta não da fundamentação do acto mas sim da notificação da liquidação dos juros compensatórios, e os vícios da notificação não invalidam a liquidação, nem podem determinar a sua anulação conforme determina a sentença ora recorrida.
J) Resulta dos autos que a liquidação de juros compensatórios se encontra devidamente fundamentada com a indicação do montante sobre que incide a taxa de juro, o período a que se reporta, os dias em atraso a taxa aplicável e o valor apurado, e a essa conclusão chegaria o impugnante se tivesse lançado mão do disposto no artigo 37.º do CPPT, (cfr. fls. 93, 98, 103, 108, 113, 118, 123, 128, 133, 138, 143, 149, 152, 154, 159, 164 e 169 dos autos).
K) Pelo que à liquidação de juros não poderá ser imputado o vício de falta de fundamentação.
L) E, quanto ao erro evidenciado, nas notificações das liquidações, evidentemente e conforme resulta do probatório, o impugnante ficou a saber o itinerário cognitivo da administração fiscal ao liquidar aqueles valores, porque embora o valor sobre o qual incida a taxa de juro seja igual ao valor de juros devidos, na mesma data, em que recebeu o montante das liquidações de juros compensatórios, a impugnante, recebeu as liquidações adicionais de IVA por falta de liquidação.
M) E ficou a saber que o "imposto em falta sobre o qual incidem juros» é o IVA em falta, liquidado adicionalmente, e não o valor dos juros devidos.
N) Pelo que aquele erro não contendeu com quaisquer direitos de defesa do impugnante, não podendo o mesmo ser considerado invalidante da eficácia da notificação.
O) Acresce a tudo o exposto que, a repetição incorrida na notificação das várias liquidações de juros compensatórios, tratou-se de um erro de escrita (artigo 249.º do CC) e como tal passível de rectificação a todo o tempo conforme artigo 148.º do CPA.
P) Erro esse que conforme resulta do probatório já foi corrigido através do oficio do Serviço de Finanças do Funchal 2, junto aos autos a fls 189 a 191.
Q) Pelo exposto ao decidir como decidiu o tribunal a quo fez errada interpretação dos artigos 35.º n.º 9 e 77.º n.º 1 da LGT, aplicando as normas às notificações da decisões administrativas quando as mesma se aplicam apenas à decisões (e não às notificações das decisões).
R) Devendo a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por nova decisão que julgue a acção improcedente, com a absolvição total do pedido.
S) Consequentemente e pelo uso reprovável do processo de impugnação judicial, uma vez que deduziu uma pretensão judicial de forma abusiva, sem indagar antes acerca do erro incorrido pela administração fiscal e com consciência de não ter direito à pretensão invocada artigo 456.º n.º 1 e 2 al. d) do CPC, deverá ser condenado como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, cuja quantificação se deixa ao prudente arbítrio de V. Ex.ª.

Fazendo-se, assim, a necessária, sã e habitual JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também o recorrido veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


I. Considerou o Tribunal a quo que, tal como invocado pelo ora RECORRIDO, o acto tributário sub judice enferma de um vício de forma por manifesta falta de fundamentação, pelo facto de as liquidações de juros compensatórios impugnadas não indicarem correctamente o montante do imposto sobre o qual foi efectuado o cálculo de juros compensatórios (ao indicarem uma correspondência absoluta entre o imposto em falta e os juros compensatórios liquidados) e, nessa medida, falta-lha um elemento essencial insuprível a posteriori.
II. Salvo o devido respeito, não colhe a posição defendida pela IRFP quando afirma que se trata de um mero lapso de escrita, suprível pelo facto de as liquidações de juros compensatórios terem sido recebidas na mesma data das liquidações adicionais de IVA, o que permitiria inferir que seria o valor do IVA adicionalmente liquidado a base sobre a qual incidiria a taxa de juros compensatórios.
III. As liquidações adicionais de juros compensatórios não estão integradas nos respectivos actos de liquidação adicional de IVA, tendo sido objecto de liquidação autónoma face a essas, pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e artigo 77.º e 35.º, n.º 9, da LT, a única fundamentação que releva é aquela que, expressa, correcta e inequivocamente consta da liquidação de juros compensatórios.
IV. Assim, a dedução possível, por confronto com outros documentos ou informações, não permite suprir as deficiências de fundamentação das liquidações de juros compensatórios impugnadas, do mesmo modo que irreleva qualquer fundamentação feita a posteriori, já em sede de impugnação judicial, pela IRFP.
V. Pelo que a questão de fundo do presente recurso é exclusivamente a da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da actuação da administração tributária, em especial, a completude da fundamentação dos actos tributários sub judice.
VI. A este respeito, constitui jurisprudência assente que não releva que a administração tributária venha, posteriormente à prática do acto tributário, referir as razões que presidiram ao acto tributário, não relevando a chamada fundamentação a posteriori, a qual consubstancia "gritante ilegalidade" (cf. acórdão do TCA Sul de 23.02.2006 e de 10.05.2011, processos n.º 00144/03 e n.º 03716/10, respectivamente).
VII. E nem se diga, como faz a IRFP, que o ónus de requerer a fundamentação do acto tributário - ou a clarificação da mesma - recai sobre o contribuinte, socorrendo-se, para o efeito, do disposto no artigo 37.º do CPPT.
VIII. Isto porque, em cumprimento do disposto no artigo 35.º, n.º 9, da LGT, essa fundamentação é um elemento essencial - e como tal, indispensável - da legalidade da liquidação de juros compensatórios, pelo que é à administração tributária que incumbe a tarefa de confirmar, e assim garantir, que os actos tributários que emite estão de acordo com as formalidades legalmente previstas para o efeito (cf. acórdão do STA de 11.02.2009, processo n.º 01002/08).
IX. Este é, aliás, o único entendimento conforme com a jurisprudência actual e dominante deste Ilustre Supremo Tribunal, de acordo com a qual não supre a falta de fundamentação do acto o facto de o contribuinte não ter usado da faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, pois não é de admitir a fundamentação a posteriori, apenas sendo admissível a fundamentação contextua1, ou seja, aquela que integra o próprio acto (cf. acórdãos do STA de 11.02.2009 e de 30.11.2001, processos n.º 01002/08 e 0619/11, respectivamente).
X. In casu, a fundamentação expressa das liquidações de juros compensatórios impugnadas padecem de um erro manifesto num dos seus elementos essenciais, que determina a sua anulabilidade por falta de fundamentação, porquanto, em suma, a administração tributária não cumpriu cabalmente o seu dever de fundamentação dos actos de liquidação de juros compensatórios, não cumprindo assim o onus probandi que sobre ela impendia.
XI. Assim, atendendo a que o cálculo de juros compensatórios apresentado nas liquidações é aritmeticamente impossível, e não tem qualquer aderência à realidade, deverá concluir-se que se está, não só, perante uma falta de fundamentação que afecta a validade dos actos impugnados, determinando a respectiva anulabilidade, mas também perante um vício de violação de lei, designadamente, por incumprimento do disposto nos artigos 268.º da CRP e 77.º da LGT, melhor concretizado, especificamente para efeitos das liquidações de juros compensatórios, no artigo 35.º, n.º 9, da LGT.
XII. Por todo o exposto, não colhe também a afirmação de que o IMPUGNANTE, ora RECORRIDO, "fez um uso reprovável do processo de impugnação judicial", o que surge demonstrado não apenas peja jurisprudência favorável ora reproduzida, mas também pela procedência da impugnação judicial, evidenciando que os seus argumentos são vá1idos e plenamente aceitáveis, improcedendo assim o pedido de condenação do IMPUGNANTE, ora RECORRIDO, como litigante de má-fé.
XIII. Razão pela qual deve ser julgado improcedente o presente recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA DE DEFERIMENTO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PELO IMPUGNANTE, ORA RECORRIDO, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS EM CRISE, NOS TERMOS JULGADOS PELO TRIBUNAL A QUO, REITERANDO-SE A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA IRFP DE CONDENAÇÃO DO IMPUGNANTE, ORA RECORRIDO, COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por os documentos constantes do autos darem esteio à tese da recorrente, de que ocorreu um erro material nas referidas notificações, que assim não inquina de tal vício as respectivas liquidações.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a AT logrou provar por fundamentação contemporânea do acto, que a errada menção do imposto sobre que incidia a taxa de juros compensatórios, apenas ocorria na sua notificação; Se tal errada menção do montante do imposto sobre que incidia a taxa de juros constitui um erro material, ostensivo, susceptível de rectificação; E se o ora recorrido, com a dedução da presente impugnação judicial, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, levando à sua condenação como litigante de má fé.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Na sequência de uma acção de inspecção à impugnante foram efectuadas liquidações adicionais de IVA aos períodos dos anos de 2004 a 2006, no valor total de 245.949,68€, nos termos do disposto no art.º 87.º do CIVA (relatório de inspecção a fls 2 e ss do Processo Administrativo).
B) Foram emitidas à impugnante as seguintes liquidações de juros compensatórios de IVA identificadas a fls 1 e 2 do dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido (documentos de fls 12 a 27 dos autos).
C) A p.i. foi apresentada em 29/09/2009 (fls. 1 dos autos).

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescenta ao probatório mais uma alínea, em ordem a dele constar a rectificação do erro quanto ao montante do imposto sobre que incidia a taxa para encontrar o montantes dos juros compensatórios.
D) Os montantes de imposto sobre que incidiam os juros compensatórios liquidados, mencionados na alínea B) supra, foram corrigidos pela AT, das mesmas tendo notificado o ora recorrido pelo ofício n.º 2877, de 20-8-2010, conforme documento de fls 188 a 191 dos autos


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a fundamentação dos juros compensatórios é contraditória por o valor sobre que incide ser igual ao total dos juros contados, para além de que tal falta é insuprível, sendo impossível de a suprir a posterior.

Para a Fazenda Pública (FP), ora recorrente, é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido conducente à sua revogação, pugnando que tal erro de menção do valor sobre que incidem os juros apenas consta da notificação remetida que não da própria liquidação dos mesmos juros e que, em todo o caso, sempre nos encontraríamos perante um erro material de escrita, rectificável a todo o tempo, sem quaisquer outros efeitos, para além de continuar a pugnar pela condenação do ora recorrido como litigante de má fé.

Vejamos então.
Que a liquidação de juros compensatórios comporta uma fundamentação autónoma, própria, diversa da relativa ao imposto sobre que incidem, não a colocam as partes em causa e nem dúvidas se colocam a tal respeito, tendo em conta o disposto os art.ºs 35.º, n.ºs 8 e 9 e 77.º da LGT, como de resto constitui jurisprudência corrente, designadamente deste TCAS, como se decidiu no acórdão n.º 1.166/06(1).

Fundamentação que, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deve acompanhar a respectiva notificação, ainda que, tal falta, não conduza, necessariamente, à anulação dessa liquidação comunicada, como parece pretender o recorrido, contendendo apenas com a sua eficácia, como igualmente constitui jurisprudência corrente(2).

No caso, nas 16 liquidações de juros compensatórios, foi indicada essa fundamentação mínima exigível para permitir ao contribuinte aferir da legalidade dos montantes desses juros compensatórios, como seja o montante sobre que incidiam, a taxa aplicada, o período temporal e a quantificação apurada, no seu quadro “Fundamentação”, de fls 12 e segs dos autos, como deles se pode constatar.

Porém e em todos eles, invariavelmente, o imposto em falta sobre o qual incidem os juros, é da mesma ordem de grandeza do valor dos juros, depois de lhe ter sido aplicada uma percentagem como taxa desses juros, pelo que desde logo é ostensivo, manifesto, que os dois montantes não podem ter a mesma ordem de grandeza, tendo um deles, pelo menos, de se encontrar errado, e no caso, só se podia concluir que o valor errado, ali mencionado, era o relativo ao imposto em falta sobre o qual incidem os juros, já que o valor a pagar coincidia com o valor dos juros, mais abaixo indicado, designadamente na parte relativa à identificação do documento de cobrança.

Pugna a recorrente que, o que se mostra errado, é a notificação com essa menção de imposto em falta sobre que incidem os juros que não o respectivo cálculo, oportunamente efectuado, onde foram indicadas as quantias exactas de tal base, como invoca nas suas conclusões recursivas I) e J), apontando como documentos que lhe dão razão à sua tese os de fls 93 e segs dos autos.

Porém, analisando cada um desses documentos prints informáticos, ainda que mencionem tal valor do imposto em falta em concordância com o posterior montante dos juros apurados em cada uma dessas liquidações, deles se não vê que tenha sido com a sua base que tais juros foram calculados, não se vendo rasto que sejam contemporâneos de tal liquidação, antes já se referindo a momentos posteriores a ela, como seja a data da notificação dessa própria liquidação, pelo que não prova a AT, como lhe cabia nos termos do n.º1 do art.º 74.º da LGT, que tenha produzido tal fundamentação contemporânea a tal liquidação, e se o não foi é a mesma imprestável para o fim em causa, pelo que nesta parte e por este fundamento a sentença recorrida não merece a censura que a recorrente lhe assaca.

Porém, já o mesmo não acontece quanto à natureza de tal erro na menção de tal valor de imposto em falta sobre que incidia a taxa aplicada, tendo em vista encontrar o montante devido desses juros, nas notificações efectuadas ao ora recorrido.

Face ao contexto dos vários elementos dessa fundamentação das liquidações, com a comunicação desses elementos legalmente devidos, não poderia deixar de se apreender que o imposto em falta sobre que incidiam os juros não poderia deixar de se encontrar errado, já que era impossível que tivesse a mesma ordem de grandeza do valor dos juros aí calculados(3), pelo que tal erro ou lapso se tem de qualificar como de material, ostensivo e patente(4), que ao abrigo do disposto nos art.ºs 249.º do Código Civil e 148.º do CPA, apenas dá lugar à respectiva rectificação, como no caso veio a suceder – cfr. matéria da alínea D) do probatório, ora acrescida - sem quaisquer outras consequências, com irrelevância, como acontece em geral, mesmo com os actos praticados no processo, nos termos do disposto no art.º 667.º do CPC, em que, igualmente, apenas há lugar à respectiva rectificação.

Aliás, em anotação ao art.º 667.º do CPC, de então, já o Prof. Alberto dos Reis(5), defendia igual entendimento, ao escrever ... o artigo é de aplicar, qualquer que seja a causa ou a forma do erro material ...o erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real..., doutrina que também deve ser aplicada ao acto administrativo, sabido que nele também se contém uma manifestação de vontade, no caso, de um órgão administrativo, destinada a produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação concreta em que a Administração é parte(6), em que igualmente tenha sido expresso um teor que não corresponde à vontade real pretendida externar.

Na matéria da sua conclusão S) continua a recorrente a pugnar pela condenação do ora recorrido como litigante de má fé, em multa e indemnização que não quantifica, pelo que apenas se pode encontrar em causa a multa, já que a indemnização depende de expresso pedido nesse sentido – cfr. n.º1 do art.º 456.º do CPC – por não poder deixar de ter a consciência de se encontrar a exercer um direito que sabia não lhe poder ser conferido, o que a procedência da impugnação em 1.ª Instância, desde logo, dificilmente, poder conduzir a pretensão do mesmo cuja falta de fundamento não podia ignorar, não sendo assim patente, manifesto, que o mesmo não estivesse convencido que não pudesse obter ganho de causa na presente impugnação, pelo que nesta parte o recurso não pode deixar de improceder, com a manutenção da sentença recorrida nesta parte.


Nestes termos, procede o recurso por aquele fundamento e sendo de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu, com a improcedência da impugnação judicial deduzida, já que esse era o único fundamento por que se pedia a anulação de tais liquidações de juros (ainda que no art.º 29.º da sua petição de impugnação o ora recorrido tenha, também, qualificado tal vício de violação de lei, mas sem invocar quaisquer outra factualidade em ordem a tal subsunção jurídica).


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida no tocante à procedência da impugnação a qual se julga improcedente, e em mantê-la, no demais.


Custas do recurso por ambas as partes, fixando-se a taxa de justiça em uma UC quanto à recorrente pela parte em que decaiu, e na 1.ª Instância, as custas são devidas apenas pela impugnante.


Lisboa,05/03/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
JOAQUIM CONDESSO
LUCAS MARTINS




1- O qual teve por Relator, igualmente o do presente.
2- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 3-5-2006, recurso n.º 154/06.
3- Tanto mais que o ora recorrido também havia sido notificado dessas liquidações de IVA, em si, onde tais montantes de IVA lhe haviam sido comunicadas, que constituíam o montante sobre que incidiam os juros calculados, logo também por aqui não pode deixar de ficar ciente donde resultava tal erro dessa fundamentação dos juros calculados, como o mesmo, materialmente, não contesta – cfr. matéria da sua conclusão II. das suas contra-alegações.
4- Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25-9-1996, recurso n.º 20.004
.5 - In Código de Processo Civil, anotado, Vol. V., Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 130.
6- Cfr. Mário Esteves de Oliveira, de acordo com as lições proferidas durante o ano lectivo de 1979/80 aos 3.º e 4.º anos da licenciatura em Direito, da Universidade de Lisboa, pág. 521 e segs.