Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:430/13.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS;
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:i) O ónus da prova do excesso de ajudas de custo, da sua desnecessidade ou de que as verbas atribuídas não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas suportadas em resultado de certa deslocação do trabalhador ao serviço da entidade empregadora cabe à AT.
ii) O ónus mencionado pode ser observado através da recolha de indícios que, de forma individualizada, permitam apreender a ocorrência de remuneração, sob a aparência do pagamento de ajudas de custo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão




I- Relatório

C.......... veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, no valor de € 12.077,17.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 256 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 05 de Abril de 2017, julgou improcedente a impugnação.

O impugnante interpôs recurso jurisdicional contra a sentença.

Nas alegações de fls. 288 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formulou as conclusões seguintes:

«A. A sentença recorrida provocou no Recorrente alguma surpresa, até atento o sentido das diversas decisões que têm vindo a ser proferidas em processos similares.

B. A questão essencial trazida a recurso prende-se, de uma forma geral, com a questão de perceber a quem caberia, neste caso concreto, instruir a base probatória necessária ao procedimento de liquidação de IRS aqui discutido, isto para que se pudesse inferir o carácter remuneratório ou meramente compensatório dos montantes pagos a título de ajudas de custo.

C. A declaração de substituição referida foi entregue pelo ora Recorrente na sequência de uma notificação perpetrada pelos serviços de Inspecção da AT, no dia 07-12-2011 - Ofício n.º 036224 - a qual consubstanciou uma proposta de apresentação de declaração de substituição relativa ao IRS de 2008, pelo que não foi deliberadamente submetida pelo Recorrente, na consciência de uma qualquer lapso na declaração original, pois que este foi, de facto, impelido (ou, pelo menos, convidado) pelos serviços de inspecção da AT a alterar a declaração inicialmente submetida.

D. O Recorrente não se pode conformar com a qualificação de valores remuneratórios das ajudas de custos que foram pagas pela entidade patronal, nem com a tributação correspondente.

E. A apresentação de uma declaração de substituição não decorreu de acto de iniciativa do contribuinte, como se este quisesse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos, mas na sequência da instauração de uma acção inspectiva e após ter o Recorrente sido instado pela Administração Tributária para corrigir os valores nos termos que ela própria o indicou.

F. O facto de ter sido apresentada a declaração de substituição não faz – nem poderá fazer com que o contribuinte fique privado de vir posteriormente a demonstrar que alguns dos dados que constam da declaração, não obstante terem sido por si indicados, não correspondem à verdade, isto é, não se infere a sua vontade de, voluntariamente e em consciência, corrigir ou regularizar a sua situação tributária, o que resulta até de o recorrente nunca ter reputado incorrecta a sua situação tributária no ano em questão.

G. A declaração de substituição aqui discutida foi entregue unicamente em resultado da proposta de correcção notificada pela AT, e em manifestação de boa-fé e vontade de colaborar activamente com a administração.

H. A apresentação da referida declaração de substituição era, portanto, uma faculdade que assistia ao aqui recorrente não podendo nunca da mesma resultar, para si, qualquer preclusão de direitos, até porque aquele é leigo em questões fiscais e legais, limitando-se a seguir as indicações da Administração Tributária na convicção de que a verdade tributária jamais seria afectada.

I. Aliás a discordância do Recorrente com os termos da proposta da AT resulta patente do facto de uma vez recebida a liquidação adicional que plasmou o entendimento da mesma, se ter feito valer de todos os meios conferidos por Lei de forma a contrariar os seus fundamentos, conseguindo inclusivamente fazer valer em juízo a sua tese.

J. Ou seja, em conclusão, a opção pela adesão a uma proposta endereçada pela AT, e na estrita medida da mesma, não poderá significar que passará a caber ao Recorrente o ónus de sustentar facticamente a liquidação adicional que daí resultar, uma vez que esta plasmará, unicamente, entendimentos que a Administração, e só a Administração, pretende fazer valer, sendo que, pretender fazer valer o inverso seria contrário às regras da distribuição do ónus da prova no procedimento tributário (artigo 74.º da LGT).

K. Cite-se, à míngua de melhor exposição que pudesse ser feita, e em face da identidade de situações, o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0901/14 de 28-01-2015, de que foi relatora a Conselheira Ana Paula Lobo:

“Na sequência de uma acção inspectiva veio a AT a considerar que tinham os ditos montantes a natureza remuneratória, convidando os contribuintes a apresentar uma declaração de substituição que serviu de base à elaboração dos actos de liquidação impugnados.

Entendem os contribuintes que, pese embora tenham apresentado as declarações de substituição, não se conformam com a qualificação de valores remuneratórios das ajudas de custo que lhe foram pagas pela sua entidade patronal, nem com a tributação correspondente.

A apresentação de uma declaração de substituição, como resulta dos autos não decorreu de acto de iniciativa do contribuinte que com ele visasse corrigir um dado que inserira na sua declaração inicial de rendimentos. Ela surge, na sequência de uma acção inspectiva e após ter sido instado pela AT para corrigir os valores, nos termos que ela indicou.

Não estamos, verdadeiramente a falar de uma confissão de dívida, nem de uma confissão de rendimento, muito menos de uma confissão da sua ocultação. Movemo-nos no âmbito do direito tributário em que o legislador entendeu que, nestes casos, deve ser apresentada uma declaração de substituição e a sua não apresentação é punível com coima. Mas da apresentação dessa declaração não decorre que, sem possibilidade de discussão contenciosa do que dela conste, o contribuinte afirma e aceita a legalidade da tributação que com base nela ocorre.

(…)

A questão do ónus da prova nestas situações foi já apreciado e decidido de forma reiterada e uniforme em numerosos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, Acs. do STA, de 06.03.2008 - Processos nºs 01043/07 e 01063/07, de 12.03.2008 - Processos nºs 01042/07 e 01065/07 e de 23.04.2008 - Processos nºs 01055/07 e 01044/07 e no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 8/11/06, no recurso 01082/04, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Parafraseando este último referido acórdão, diremos: «Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.

(…)

Compete à Administração Tributária demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS. (destacados e sublinhados nossos) ”.

L. Ora não deixa de ser caricato que os Serviços da Administração Tributária venham, em nome próprio, propor ao contribuinte que altere a sua situação tributária quando essa proposta “não espelha nem tem de espelhar qualquer posição da Administração Fiscal (…)”, sendo, por isso, patente a má-fé com que litiga a Administração Tributária nesta sede.

M. Não é pelo facto de a AT não se reconhecer no entendimento de uma missiva por si endereçada ao contribuinte (!) que passará este, apenas por a esta aderir, a ter o ónus de suportar a fundamentação do acto liquidação que se lhe seguirá, confessando e precludindo o direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva, tendo tal notificação necessariamente de espelhar o entendimento e a posição da Administração Tributária, sob pena de o contribuinte ser um barco à deriva nos desígnios arbitrários da AT, que usa e abusa do direito.

N. Subsumindo, o Recorrente, totalmente leigo nestas matérias, é notificado de que se encontra a correr termos um procedimento de inspecção, sendo impelido, por meio de notificação, a substituir a declaração de rendimentos, o que de pronto fiz, na convicção de que tal alteração não alteraria a qualificação e a configuração dos seus rendimentos, gerando, injustificadamente, mais imposto a pagar.

O. Seja como for, o ora Recorrente levou aos autos os elementos necessários para a prolacção de uma decisão materialmente justa, que sempre consideraria os montantes auferidos como meras ajudas de custo sem natureza remuneratória.

P. E a verdade é que a Administração Tributária não elenca factos suficientes para concluir que as importâncias em causa não devem ser qualificadas como compensação ou ajudas de custo, sendo certo que o Recorrente provou a existências de factos tributários que fundamentam o seu direito.

Q. Quanto à questão do ónus da prova e da falta de fundamentação que sempre caberia à AT veja-se as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C.......... em identidade de circunstâncias nos processos n.ºs. n.ºs 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 453/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA, 127/13.9BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C.......... nos processos n.ºs 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM e pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Sintra e Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da C.......... nos processos n.ºs 1176/13.2BESNT, 764/13.1BEPNF, respectivamente.

R. No mesmo sentido foi o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n.º 764/13.1BEPNF, que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, teve por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 (ut. Doc. n.º 1).

S. Mal andou, pois, a sentença recorrida incorrendo em erro na apreciação jurídica sobre a quem impende o ónus da prova dos factos que sustentam a liquidação de imposto naquela sede impugnada.

T. Termos em que, deverá ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, substituída por outra que anule a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008 e respectivos juros compensatórios.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DO DIREITO QUE V.S. EX.AS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:

Deve ser, por V.ªs Ex.ªs, dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue procedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais.

Assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.»


X

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1. Em 08/01/2008, foi assinado pela C………., Lda. e o Impugnante, um documento designado por “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “Primeira (Objecto e funções) A C.........., que tem a actividade de trabalhos e serviços de manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado, admite ao seu serviço o 2° Outorgante, para exercícios das funções inerentes á categoria profissional de Serralheiro de Tubos de 1ª, podendo ainda desempenhar outras funções afins e compatíveis com sua qualificação, de acordo com a lei aplicável. Segunda (Prazo e justificação) O presente contrato de trabalho a termo incerto tem início em 08 Janeiro 2008 e fundamenta-se na alínea f) do art. 143º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, justificando-se face ao acréscimo excepcional de actividade da empresa, devido ás diversas obras e trabalhos adjudicados á C.........., que obriga a um reforço temporário do quadro de pessoal. Terceira (Horário de trabalho) O período normal de trabalho é de 40 horas semanais, distribuídas de Segunda-feira a Sexta- feira, no horário das 08h00 ás 17h00, com intervalo para descanso e refeição das 12h00 ás 13h00, e com descanso semanal ao Sábado e Domingo, ou outro a definir pela C.........., dentro dos condicionalismos legais. Quarta (Local de trabalho, deslocações e destacamento) 1. O 2º Outorgante é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C.........., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C.......... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada. 2. No início da execução do presente contrato, o 2º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da Somi - Civitavecchia em Roma, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho. 3. O 2º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C........... 4. Em eventual situação de destacamento, o 2º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais. Quinta (Retribuição) I. A título de retribuição base, a C.......... pagará ao 2º Outorgante o valor mensal de 600,00 € (SEISCENTOS E CINQUENTA EUROS). 2. O 2º Outorgante tem direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, nos termos legalmente previstos. 3. Os pagamentos serão efectuados por meio de TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 57 a 59 dos autos).;

2. O montante pago a título de ajudas de custo ao Impugnante é variável (facto que se retira dos recibos de vencimentos referentes aos meses de Janeiro a Dezembro de 2008 – fls. 60 a 64 dos autos);

3. Em 11/03/2009, o Impugnante apresentou a sua declaração de rendimentos do exercício de 2008, da qual consta, no Anexo A, rendimento bruto a quantia de € 11.455,37 (cfr. doc. junto a fls. 52 a 55 dos autos);

4. O Impugnante foi sujeito a uma inspecção de âmbito parcial ao seu IRS de 2008 com base na ordem de serviço nº OI201101398 (cfr. doc. junto a fls. 44 a 51 dos autos);

5. No âmbito da inspecção identificada no ponto anterior foi elaborado, a 22/12/2011, um Relatório Inspectivo do qual consta o seguinte: “(…)II.3.1 - Enquadramento does) Sujeito(s) Passivo(s) II.3.1.1 -Imposto sobre o Rendimento De acordo com a declaração modelo 3 do ano de 2008 entregue em 11 de Março de 2009 (anexo 1), o agregado familiar é composto apenas pelo sujeito passivo. Neste exercício o sujeito passivo C.........., possuidor do número de identificação fiscal …………. auferiu rendimentos de trabalho dependente (categoria A do IRS) nos termos do artigo 2.° do Código do IRS. II.3.2 - Análise declarativa Da análise inicial aos dados existentes, e relativamente ao ano em apreço, verificou-se que o contribuinte procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS com o anexo A, em que declarou os seguintes valores:


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a) Valor pago ou posto à disposição pela empresa "C.........., Lda.", NIPC .........., com sede na Rua………., Lote 10, 1 ° Dto., Paivas, ……Amora; III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL III.1 - Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares De acordo com os elementos recolhidos na empresa "C.........., Lda. ", foram pagos ao S.P.A, no ano de 2008, rendimentos de trabalho dependente no montante de € 11.45,37. Da análise aos recibos de vencimento verificou-se que a empresa pagou ainda com carácter de regularidade uma importância a título de "ajudas de custo" que no ano de 2008 atingiu o montante de € 36.710,58, conforme consta de extracto dos valores pagos durante esse ano e que se junta como anexo 2. Estes valores, pagos a título de ajudas de custo e que foram efectivamente recebidos pelo trabalhador, não foram objecto de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos e também não foram englobados pelo sujeito passivo em análise. De acordo com o artigo 249.° da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data dos factos, " ... na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie ... " e " ... até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.". Assim, e de acordo com o artigo 2° do Código do IRS, 1 - Consideram-se rendimentos de trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas á disposição do seu titular, provenientes de: a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado; (...) 2 - As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações… prémios e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. 3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) d) As ajudas de custos e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício. Por outro lado, e nos termos do ofício nº 34931, de 30 de Agosto de 1995, da DGCI, "As ajudas de custo abonadas pelas empresas aos seus trabalhadores, serão aceites como custo do exercício nos termos da alínea d) do artigo 23º do Código do IRC, desde que se destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos. As despesas em causa considerar-se-ão devidamente documentadas, quando o boletim itinerário emitido pelo trabalhador indique o dia ou dias em que esteve deslocado, o local da deslocação, a natureza do serviço efectuado que originou a deslocação e o respectivo abono diário e total. " Refere ainda o mesmo ofício que: "o abono de ajudas de custo destina-se a fazer face a despesas com alimentação e alojamento" e que "se as despesas com alimentação e alojamento são pagas pela entidade patronal, ou seja, dá-se o reembolso dos montantes efectivamente despendidos, o abono simultâneo de ajudas de custo por já não ter essa natureza e não se enquadrar em nenhuma outra norma de exclusão de tributação, deverá ser tributado como rendimento da categoria A". Como se pode ainda verificar na legislação vigente "a exclusão de tributação dos valores pagos pelas empresas aos seus trabalhadores, a título de ajudas de custo, apenas ocorre quando reunidas as condições necessárias para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado, estando essas condições previstas no Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril. A principal das condições necessárias para a atribuição do abono de ajudas de custo é a deslocação física do funcionário para fora daquele que é definido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 106/98 como domicílio necessário do trabalhador. Nos termos dessa legislação, "... sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestas serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida anteriormente ou a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções. ". Assim, a atribuição de ajudas de custo apenas não será tributada em sede de IRS quando o trabalhador é deslocado do local (localidade) onde aceitou prestar serviço. Nessa mesma legislação verifica-se que para todos os trabalhadores é obrigatória a indicação do local de trabalho, sendo este local o domicílio necessário do trabalhador. Para se considerar o pagamento de ajudas de custo, além de ter de se verificar os pressupostos legais e documentais da sua atribuição, é condição necessária que o trabalhador seja deslocado ocasionalmente para local diferente daquele para o qual foi contratado e onde se encontra a exercer actividade, para aí, excepcionalmente, desempenhar funções. Pelo que, apenas as deslocações feitas para fora do local constante do contrato de trabalho é que determinam o direito à atribuição de ajudas de custo, nos termos da atribuição aos servidores do Estado e, como tal, não sujeitas a tributação em sede de IRS, na parte que não excedam os limites legais. Da análise de diversos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente o disposto na cláusula quatro, nº 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações. No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato (anexo 3), coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4). Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de "ajudas de custo", supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C........., Lda, faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores, pelo que não oferecem grande credibilidade. Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de "manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado" em diversos países da União Europeia. Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo pagos aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação. Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22º do Código do IRS. Deste modo, porque a entidade pagadora dos rendimentos, não procedeu à retenção do IRS correspondente, cabe ao titular dos mesmos a responsabilidade originária pelo seu pagamento de acordo com o nº 2 do artigo 103.° do Código do IRS, pelo que se procederá à correcção das remunerações declaradas de harmonia com o disposto no nº 4 do artigo 65° do mesmo Diploma, mediante o acréscimo das importâncias pagas a título de "ajudas de custo". Face ao exposto verifica-se a omissão de rendimentos na declaração entregue pelo sujeito passivo pelo que se propõe a alteração dos rendimentos declarados, nos termos do nº 4 do artigo 65º do Código do IRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria "A" nos seguintes termos:


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VI – REGULARIZAÇÕES EFECTUADAS PELO S.P. NO DECURSO DA

ACÇÃO INSPECTIVA No decurso do direito de audição, o sujeito passivo regularizou a sua situação tributária ao entregar, em 21.12.2011 a declaração de substituição modelo 3 de IRS referente ao ano de 2008 (anexo 5), tendo declarado os valores propostos no projecto de relatório. (…)” (cfr. doc. junto a fls. 20 a 24, frente e verso, do processo instrutor junto aos autos);

6. Em 21/12/2011 o Impugnante apresentou uma declaração modelo 3 de IRS de substituição para o ano de 2008, declarando no Anexo A, como rendimentos de trabalho dependente a quantia de € 48.225,98, retenções na fonte no montante de € 582,00 e contribuições no valor de € 969,18 (cfr. doc. junto a fls. 31 e 32, frente e verso do processo instrutor junto aos autos);

7. Em 12/01/2012, a Administração Tributária procedeu à emissão da Nota de Compensação nº…………, tendo sido apurado um valor a pagar, no montante de € 12.072,17, (cfr. Doc. junto a fls. 65 dos autos);

8. Em 08/05/2012 o Impugnante deduziu uma reclamação graciosa do acto de liquidação identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 3 a 33 do processo instrutor junto aos autos);

9. Em 20/06/2012 foi elaborada uma informação propondo o indeferimento da reclamação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 34 a 39, frente e verso, do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

10. O Impugnante foi notificado para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento (cfr. doc. junto a fls. 40 do processo instrutor junto aos autos);

11. Em 11/07/2012 foi elaborada uma informação mantendo a proposta de indeferimento (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

12. Em 12/07/2012 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos)

13. Em 18/07/2012 o sujeito passivo foi notificado, por carta registada e com aviso de recepção, da decisão do Diretor de Finanças de Setúbal, por delegação, em indeferir a reclamação graciosa (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

14. Em 21/08/2012, o Impugnante deduziu um recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

15. Em 13/12/2012 foi elaborada pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares uma informação, a qual aprecia o recurso hierárquico deduzido pelo Impugnante, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) 9 - Conforme ficou explícito supra o autor do ato de indeferimento da reclamação graciosa, fundamentou a sua decisão na mesma linha de raciocínio, ainda que de forma mais detalhada, daquela que já havia sido expendido no relatório da inspeção tributária da Direção de Finanças de Setúbal, que esteve na origem de uma correção à declaração de IRS dos sujeitos passivos, do ano de 2008. 9.1 - assim sendo, e dado que o ato de indeferimento da reclamação graciosa não padece de qualquer enfermidade formal, há que verificar a validade dos fundamentos substanciais atinentes à matéria em análise; 9.2 - tudo se resume a saber se uma determinada quantia que foi paga ao sujeito passivo, ora recorrente, pela sua entidade patronal se subsume ao conceito de remunerações de trabalho dependente, e sujeitas à incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ou se pelo contrário, não se subsume a essa realidade; 9.3 - os recorrentes pugnam pelo entendimento de que as importâncias em questão são verdadeiras ajudas de custo, enquanto que o relatório da inspeção tributária sustenta que essas importâncias constituem antes rendimentos do trabalho dependente. 10 - A este propósito, dispõe o art. 2º nº 3 d) do Código do IRS (CIRS) que "Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo ( ... ) na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício" 11 - XAVIER DE BASTO (in "Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos", Coimbra Editora, 2007) refere que "as ajudas de custo, ( ... ) são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas peta trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica" - fim de citação. 11.1 - a posição deste Autor é aquela que é unanimemente aceite pela generalidade da doutrina e da jurisprudência relativamente à definição das ajudas de custo, e está de acordo com o escopo visado pelo pagamento destas importâncias: o ressarcimento de despesas em que o trabalhador (ou outros) incorreu ao serviço da sua entidade patronal e que sempre seriam da responsabilidade desta, não constituindo esses pagamentos um acréscimo patrimonial do trabalhador em troca da prestação do seu trabalho. 12 - Conforme se verificou supra, a norma do art. 2º nº 3 d) do CIRS, estabelece duas condições para que as ajudas de custo tenham efetivamente esse caráter: não ultrapassaram o montante previsto para os servidores do Estado - condição quantitativa – e/ou serem conferidas em condições idênticas às que são abonadas a esses mesmos servidores - condição qualitativa; 12.1 - deste modo há que ir beber ao diploma legal- o Decreto-Lei nº 106/98 de 24/04 que estabelece as condições de abono de ajudas de custo aos servidores do Estado, importantes densificações legislativas; 12.2 - importante precisão é realizada pelo art. 2.° desse diploma ao estabelecer três realidades distintas incorporadas no significado de "domicilio necessário", sendo elas: i) a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; ii) a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior; iii) a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções. 12.3 - antes de definir o que se entendia por domicilio necessário, o legislador, no art. 1º, tinha deixado taxativamente em que situações, e apenas nessas, é que é devida a ajuda de custo: "os funcionários ( ... ) quando desfocados do seu domicilio necessário por motivo de serviço público, têm direito ao abono de ajudas de custo ( ... ) de acordo com o disposto no presente diploma" (realce nosso); 12.4 - é, pois claro, que o legislador só permite o pagamento de ajudas de custo quando haja deslocação do funcionário do domicílio necessário, tal qual esse domicílio é definido nos termos do art. 2º. 13 - Regressando à factual idade do caso concreto, existe nos autos, anexo ao relatório da inspeção tributária, um elemento fundamental para descortinar o sentido do pagamento efetuado ao recorrente: a cópia do seu contrato de trabalho; 13.1 - refere-se no nº 1 da cláusula quarta desse documento que "o 2º outorgante [o recorrente] é contratado para as oficinas sitas no local da sede da C.........., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C.......... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada."; 13.2 - segue o nº 2 da mesma cláusula dispondo que "no início da execução do presente contrato, o 2º outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da Somi Civitavecchia s.r.l., em Roma, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação do trabalho" (realce nosso); 13.3 - conclui-se das disposições do contrato que ficou definido, abi nitio, que o local de trabalho do recorrente era não apenas o local da sede da empresa, mas, especificamente, um determinado local de trabalho, na cidade de Roma; 13.4 - aliás diz-se nesse mesmo clausulado que o recorrente se deslocará para esse local em Roma; 13.5 -sendo o contrato de trabalho o documento fundador da relação jurídica laboral que se estabelece entre trabalhador e empregador, e o que fica lá plasmado é a vontade fiel do que as partes resolverem dispor para reger esse seu vínculo jurídico, não há prova melhor, pois porque proveniente de declarações do trabalhador/recorrente e da entidade pagadora, que o local de trabalho em Roma, também constituía domicílio necessário do trabalhador/recorrente; 13.6 - decorre pois, destas declarações negociais, em termos que não oferecem margem para dúvida, que o local de trabalho em Roma, integra, de modo perfeito e objetivo, o conceito de domicílio necessário a que se aludiu supra, e que, relembra-se, é determinante para decidir quando há direito ao pagamento a verdadeiras ajudas de custo; 13.7 - ora, tendo ficado estipulado no contrato de trabalho que por uma determinada remuneração mensal, o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho no domicílio necessário, in casu, em Roma, entre outros, não havia motivo que justificasse o pagamento de ajudas de custo. As quantias que assim foram designadas, mais não são do que remunerações efetivas, ainda que as partes as denominem de outra forma; 13.8 - como resulta claro da legislação invocada supra, não tem o trabalhador de receber ajudas de custo pela prestação de trabalho no domicílio necessário; 13.9 - a prestação de trabalho fora do local do domicílio necessário constitui uma situação de excecionalidade na vida da relação jurídica laboral, fundando-se aí a razão de ser da atribuição de ajudas de custo. Ora in casu, o local de trabalho Roma não constituía uma excecionalidade na relação jurídica laboral do recorrente e da sua contra parte, mas antes a regra, a normalidade; 13.10 - esta constatação é razão bastante, plena, e determinante para se chegar à conclusão que os montantes pagos pela entidade pagadora e que constituem o cerne da questão em análise, revestem, de facto, a natureza de retribuição em troca do trabalho prestado, acréscimo patrimonial na esfera jurídica do trabalhador, e não ajudas de custo. 14 - Aduz ainda o recorrente, que a decisão da Administração Fiscal não cumpriu os ónus legais que sobre ela recaem em termos probatórios e de fundamentação da decisão: 14.1 - antes de mais, constate-se a posição pacífica e assente na doutrina relativamente à fundamentação dos atos em matéria tributária: i) a fundamentação, sob um ponto de vista formal, tem uma função endógena - ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão - e uma função exógena - ao permitir ao destinatário do ato uma opção esclarecida entre a conformação com o ato ou a sua impugnação; ii) por outro lado, sob ponto de vista substancial, a fundamentação deve exprimir a fundamentação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico; 14.2 - tudo isto se cumpriu no relatório da inspeção tributária. Veja-se: 14.3 - em termos probatórios encontra-se escrupulosamente cumprido o disposto no art. 74º da LGT dado que no relatório da inspeção constam os elementos probatórios que levaram à formulação de uma determinada conclusão: a situação táctica do trabalhador, e o contrato de trabalho do recorrente, peça fundamental para a qualificação dos montantes em questão como rendimentos sujeitos a tributação e não como ajudas de custo; 14.4 - quanto ao percurso de fundamentação, ele cumpre o estipulado no art. 77º nº 1 da LGT, pois o relatório contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação do facto tributário e a descrição das operações de apuramento da matéria tributável; 14.5 - relembre-se, que o art. 77º nº 1 da LGT exige uma "sucinta exposição das razões de facto e de direito" que motivam a decisão, por oposição a uma exposição circunstanciada ou detalhada; 14.6 - da análise do relatório resulta ainda que a fundamentação do ato é contemporânea e integrada neste, pois no relatório procede-se a uma correta concatenação dos factos expostos e da aplicação do Direito, com vista à conclusão de que as importâncias recebidas e denominadas de ajudas de custo, constituem antes verdadeiro acréscimo patrimonial, e por isso, tributável em sede de IRS; 14.7 - a fundamentação do ato tributário é ainda expressa, e inequívoca, não havendo razão para que o destinatário não possa reconstituir os passos que originaram o ato; 14.8 - e tanto o recorrente entendeu perfeitamente a reconstituição da fundamentação do ato que, nas suas alegações, tenta rebater (sem sucesso, viu-se supra) toda a fundamentação levada a cabo pela inspeção tributária no relatório. 15 - Decorre de tudo o supra expandido, não proceder, pois, nenhum dos argumentos que o recorrente apresentou na sua petição recursiva, pelo que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não padece de qualquer erro, sendo inteiramente de manter. IV - CONCLUSÃO 16 - Pelos fundamentos expostos, propõe-se o indeferimento do presente recurso hierárquico e a dispensado exercício do direito de audição prévia nos termos da parte II, ponto 3, alínea a) da Circular nº 13/99 da DGCI. (…)” (cfr. doc. junto a fls. não numeradas, frente e verso, dos autos);

16. Por despacho de 19/10/2013, da directora de serviço da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi indeferido o recurso hierárquico identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);

17. Por ofício de 18/01/2013 foi o mandatário do Impugnante notificado do indeferimento do recurso hierárquico por si deduzido contra a liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2008 (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor junto aos autos);


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Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, não se provaram os que não constam da factualidade supra.


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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

X


2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento no enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença recorrida.

A sentença julgou improcedente a presente impugnação. Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte.
«Independentemente de se considerarem as quantias indicadas nos recibos de vencimento e que constam dos contratos celebrados entre a entidade patronal e o Impugnante marido, desde logo se coloca a questão de saber se as quantias que constam do contrato de trabalho, sem indicação de valores diários, bem como as que constam dos vários recibos de vencimentos ultrapassam ou não os limites legalmente estabelecidos para os servidores do Estado. De facto, decorre do art. 2º do CIRS que as ajudas de custo apenas não são tributadas quando não excedam os limites impostos aos servidores do Estado. // Não tendo essa prova sido efectuada pelos Impugnantes e sendo este um elemento fundamental para a não sujeição das quantias auferidas, terá de improceder a presente impugnação».
2.2.2. O recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento no que respeita ao enquadramento jurídico da causa. Alega que «levou aos autos os elementos necessários para a prolacção de uma decisão materialmente justa, que sempre consideraria os montantes auferidos como meras ajudas de custo sem natureza remuneratória e que a Administração Tributária não elenca factos suficientes para concluir que as importâncias em causa não devem ser qualificadas como compensação ou ajudas de custo, sendo certo que o Recorrente provou a existências de factos tributários que fundamentam o seu direito».

2.2.3. Os autos convocam a aplicação do disposto no artigo 3.º/3/d), do CIRS (versão vigente), que determinava que «[c]onsideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: // [a]s ajudas de custo (…) na parte em excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. // Os limites legais … serão os anualmente fixados para os servidores do Estado» (n.º 14).

Com vista à interpretação da norma em presença, dir-se-á que a mesma assenta na ideia de que que «a entrada no património do trabalhador de determinadas importâncias que, se abaixo de certos limites ou em certas circunstâncias, não correspondem propriamente a rendimento, passam a partir desses limites ou fora dessas circunstâncias a ter uma finalidade equivalente à da remuneração»[1]. A norma deve ser interpretada no quadro do sistema jurídico assente numa sociedade aberta, concorrencial, de mercado. O que obriga a AT a justificar os pressupostos da sua actuação sempre que interfere na gestão das empresas ou desconsidera as declarações do contribuinte. Daí que se afirme que o ónus da prova do excesso de ajudas de custo, da sua desnecessidade ou de que as verbas atribuídas não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas suportadas em resultado de certa deslocação cabe à AT[2].

A jurisprudência fiscal assente tem sublinhado que,
«A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim» [Acórdão do TCAS, de 28/09/2017, P. 578/13.9.BEALM].
Vejamos então se o recorrente tem razão ao afirmar que no caso estão demonstrados a ocorrência dos pressupostos da atribuição de ajudas de custo não tributáveis.
2.2.4. No caso, em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Em 08/01/2008, o impugnante foi contratado pela empresa C.......... para trabalhar, como Serralheiro de Tubos de 1ª (Cláusula 1ª do contrato, n.º 1 do probatório).
ii) O impugnante foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da C.........., obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C.......... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada (Cláusula 4ª do contrato, n.º 1 do probatório).
iii) No início da execução do contrato, o impugnante comprometeu-se a deslocar-se para as instalações/obra da Somi - Civitavecchia em Roma (Cláusula 4ª do contrato, n.º 1 do probatório).
iv) O montante pago a título de ajudas de custo ao Impugnante é variável (n.º 2 do probatório).
v) A fundamentação da correcção em apreço é, em síntese, a seguinte:
«De acordo com os elementos recolhidos na empresa "C.........., Lda. ", foram pagos ao S.P.A, no ano de 2008, rendimentos de trabalho dependente no montante de € 11.45,37. Da análise aos recibos de vencimento verificou-se que a empresa pagou ainda com carácter de regularidade uma importância a título de "ajudas de custo" que no ano de 2008 atingiu o montante de € 36.710,58, conforme consta de extracto dos valores pagos durante esse ano e que se junta como anexo 2. Estes valores, pagos a título de ajudas de custo e que foram efectivamente recebidos pelo trabalhador, não foram objecto de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos e também não foram englobados pelo sujeito passivo em análise. (…) // No presente caso, como relativamente a outros trabalhadores da empresa em causa, constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato (anexo 3), coincidia com o local onde os trabalhadores prestaram o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações (anexo 4). Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de "ajudas de custo", supera o valor da respectiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C........., Lda, faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores, pelo que não oferecem grande credibilidade. Tendo presente informações recolhidas na empresa, no ano em análise, os trabalhadores estiveram envolvidos na prestação de serviços de "manutenção e reparação de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras, serralharia e electricidade, instalações de gás e ar condicionado" em diversos países da União Europeia. Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação contabilizando esses valores como Deslocações e Estadas. Por outro lado, procedia igualmente à contabilização dos valores designados por Ajudas de Custo pagos aos trabalhadores, constatando-se assim que estes últimos eram pagos de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas pelos trabalhadores, nem visavam a sua respectiva compensação. Por este facto, e como já se referiu, estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) e que deveriam ter sido englobados nos termos do artigo 22º do Código do IRS» (RIT, “Fundamentos da correcções meramente arimética”, n.º 5 do probatório).
No que respeita à fundamentação da correcção em exame, cumpre referir que a mesma não é clara, precisa e congruente, na medida em que assenta nos dados coligidos na empresa em relação aos vários contratos de trabalho, pelas mesmas celebrados. Não existem elementos que individualizem e que comprovem a asserção de que as quantias percebidas pelo impugnante, enquanto trabalhador da empresa, correspondem a retribuição, salvo a regularidade e o montante das mesmas, na medida em que supera o montante da remuneração. Destarte, a fundamentação em causa parece residir no facto de as quantias serem pagas ao trabalhador de forma regular, não dependendo da apresentação de documentos comprovativos de despesas realizadas. Tal asserção nada nos diz sobre o carácter compensatório/remuneratório das despesas em causa. Dos elementos coligidos nos autos resulta que o impugnante, foi contratado para exercer as suas funções nas instalações da empresa, no Seixal, sem prejuízo de aceitar o seu destacamento para o estrangeiro, em função das necessidades e das obras a realizar pela empresa. Foi neste quadro, no exercício das suas funções, por conta da empresa, que o recorrente foi destacado para Roma; e foi no quadro de tal destacamento que o mesmo viu serem-lhe atribuídas as quantias em causa, a título de ajudas de custo (V. Cláusula 4ª do contrato, n.º 1 do probatório).Tais deslocações ocorreram ao serviço da entidade patronal, atendendo a que o local da prestação laboral contratada pelo impugnante corresponde à sede da empresa, ou seja, Seixal, sem prejuízo da possibilidade de o impugnante se deslocar a obras da empresa fora do local normal de trabalho, tendo em vista a realização da sua prestação laboral (V. cláusula 4.º do contrato de trabalho). «O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta»[3]. «O trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido…»[4]. «Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador (…)»[5]. No caso em exame, o local de trabalho corresponde às instalações da empresa, sem prejuízo das deslocações realizadas pelo trabalhador por conta da empresa (V. Cláusula 4.º do contrato de trabalho). No início do contrato, o trabalhador foi deslocado para as instalações/obra da Somi – Civitavecchia, em Roma, mas tal não obsta a que o local contratado para a realização da prestação laboral seja a sede da empresa (V. Cláusula 4.º, n.º 1, do contrato de trabalho). Pelo que é as oficinas sitas na sede da empresa correspondem ao domicilio profissional do impugnante (artigo 83.º/1, do Código Civil).
As quantias em apreço foram pagas pela entidade empregadora como compensação pelas despesas incorridas pelo trabalhador/impugnante nas deslocações ao estrangeiro, em nome - e por conta - da entidade empregadora, ao abrigo da referida Cláusula 4.º do contrato de trabalho, com vista a fazer face às despesas inerentes a tais deslocações, não havendo qualquer superação dos limites legais. A recorrida não impugna, nem infirma, os pressupostos elencados.
Como se refere no Acórdão do TCAS, proferido no P. 578/13.9 BEALM, de 28/09/2018, num caso idêntico ao presente, e cuja jurisprudência se reitera,
«(…) “Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.
Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª (aqui, montador) numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.
Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.
O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.
Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos”.
Também aqui, já vimos, são absolutamente idênticas as condições em que o (…) foi contratado pela C.........., quanto ao local / locais para prestação do trabalho.
E prosseguindo, refere o acórdão do TCA Norte que “De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.
Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.
Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.
Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.
Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».
Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).
Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.
(…)
Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar”.
Tal como decidido pelo TCA Norte, são estas razões mais que suficientes para concluir que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, sem prejuízo de este juízo de procedência assentar em diferente fundamentação, concretamente na circunstância de a Administração Tributária não ter logrado demonstrar, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.
Há, também, que manter o decidido quanto à anulação da liquidação de juros compensatórios, já que, não sendo o imposto devido, não se afigura legal a liquidação de juros que visam compensar o atraso da liquidação do imposto».

Em face do exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida, ao julgar em sentido diferente do referido, incorreu em erro de julgamento no enquadramento jurídico da causa, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.

Motivo porque se impõe julgar procedentes as presentes conclusões recursórias.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.

Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça, dado não ter proferido contra-alegações de recurso.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)


[1] André Salgado de Matos, Código do IRS, anotado, ISG, 1999, p. 83.
[2] V. João Ricardo Catarino, Ainda a propósito do regime substantivo e fiscal das ajudas de custo, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 2, Número 3, Outono, 2009, pp. 279/293, máxime, pp. 283/291.
[3] Artigo 1152.º do Código Civil.

[4] Artigo 154.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (vigente à data).
[5] Artigo 260.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (vigente à data).