Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1028/12.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVE BASEAR-SE NUM RESULTADO RACIONALMENTE SUSTENTADO.
REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA.
ARTº.63, Nº.4, DA L.G.T. (REDACÇÃO DA LEI 37/2010, DE 2/9).
LIMITAÇÃO DOS PODERES DE FISCALIZAÇÃO DA A. TRIBUTÁRIA.
REPETIÇÃO DE UM PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO EXTERNO.
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO INTERNO OU EXTERNO. CRITÉRIO DO LUGAR DA REALIZAÇÃO.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
NOÇÃO DE "FACTOS NOVOS" ENQUADRÁVEL NO ARTº.63, Nº.4, DA L.G.T.
"FACTOS NOVOS" OBJECTIVA E SUBJECTIVAMENTE SUPERVENIENTES.
VIOLAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTº.63, Nº.4, DA L.G.T., NO QUE DIZ RESPEITO À CREDENCIAÇÃO EFECTUADA, VISTO QUE A SEGUNDA INSPECÇÃO EXCEDE O ÂMBITO DA AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA PARA O EFEITO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado.
7. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
8. O artº.63, da L.G.T., constitui um marco histórico no procedimento tributário português, dado que veio, pela primeira vez, estabelecer o quadro geral de configuração do exercício das competências inspectivas como um procedimento de natureza tributária. Na verdade, antes da L.G.T., a lei conferia um conjunto de poderes inspectivos à A. Fiscal, mas não os submetia a um procedimento, com tudo o que isso representa, no que diz respeito à perda de garantias dos contribuintes e de discricionariedade da acção da Fazenda Pública.
9. O artº.63, nº.4, da L.G.T. (redacção da Lei 37/2010, de 2/9) introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.
10. De acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
a-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
b-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração tributária;
c-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.
11. Quanto ao lugar da realização, o procedimento de inspecção pode classificar-se como interno ou externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração Tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas. Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços da Fazenda Pública, instalações ou dependências, designadamente, através da análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12).
12. Deverão considerar-se como "factos novos", para efeito do artº.63, nº.4, da L.G.T., aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se "factos novos" aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado neste preceito (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.), impõe à Administração Tributária o dever de só incomodar os contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção, assim não sendo admissível, por força daquele princípio que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer consequência para a Fazenda Pública.
13. Não deverão considerar-se "factos novos" os factos subjectivamente supervenientes (aqueles que não chegaram ao conhecimento dos Serviços de Inspecção, não obstante já se terem verificado) sempre que os Serviços de Inspecção Tributária pudessem deles ter tomado conhecimento se cumpridos os deveres de diligência que são exigidos na actuação da Administração Pública, tal implicando que a mera alegação de que os Serviços não viram, ou não relevaram, determinado documento constante da escrita analisada não deve servir de suporte à autorização de uma nova inspecção externa que incida sobre o mesmo sujeito passivo, tributo e exercício. Por outras palavras, no caso de esses factos não terem sido conhecidos por razões imputáveis aos contribuintes, podem fundamentar a decisão de uma nova acção inspectiva, mas só nos casos em que a A. Fiscal não os detectou, nem seria exigível que os detectasse.
14. No caso dos autos, além do mais, a segunda inspecção excede o âmbito da autorização que foi concedida aos S.I.T. pelo Director-Geral dos Impostos, assim violando o regime previsto no examinado artº.63, nº.4, da L.G.T., no que diz respeito à citada credenciação a efectuar, no dizer da lei, pelo dirigente máximo do serviço.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.1180 a 1186-verso do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "L…… - Comércio de Máquinas e Veículos, S.A.", intentada e tendo por objecto actos de liquidação de I.R.C. e juros compensatórios, relativos ao ano de 2008 e com o montante total de € 719.695,79.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.1203 a 1206 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O Tribunal a quo entendeu que a nova inspecção realizada, a coberto das Ordens de Serviço nº OI20….. e nº OI20…., havia excedido o âmbito da autorização concedida aos SIT, pelo Despacho do DGI de 02/12/2012, dado que, na primeira inspecção concluída em 2009, se havia tido acesso aos registos contabilísticos e documentos de suporte (diários de compras, vendas e inventário de bens), pelo que a AT podia (neste caso, devia) ter agido com a diligência necessária, e tomado conhecimento das falhas apontadas no segundo procedimento inspectivo agora controvertido;
2-Na primeira acção de inspecção não interveio a mesma equipa de inspectores que esteve no procedimento inspectivo realizado ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI20…., de 2010/10/09 e nº OI20…., de 2011/03/17;
3-Pelo que o Tribunal a quo não tem como estabelecer a dimensão do acesso à contabilidade, nem a natureza dos documentos acedidos;
4-Tal facto resulta provado pelo depoimento da testemunha da Fazenda Pública ouvida em sede da audiência de inquirição de testemunhas, quando afirmou que não havia intervindo na primeira acção inspectiva;
5-Tal factualidade não integra o probatório;
6-Nem ao abrigo no exercício dos seus poderes do inquisitório e direcção do processo, acolhido no art. 13º do CPPT, o Tribunal a quo promoveu a produção de atinente prova;
7-O mesmo probatório é omisso quanto à fixação de qualquer factualidade relativa á descrição dos actos inspectivos praticados no decurso da primeira acção de inspecção;
8-Na falta de atinente prova, o Tribunal a quo não podia estabelecer, muito menos presumir, que, na primeira inspecção, os SIT tiveram acesso aos registos contabilísticos e documentos de suporte - diários de compras, vendas e inventário de bens;
9-Por outro lado, as ordens de serviço emitidas para o segundo procedimento inspectivo exibem ter âmbito geral ou polivalente, destinando-se ao controlo da situação tributária global e às transferências transfronteiriças;
10-Nos termos conjugados dos artigos art. 14º, nº 1, alínea a) e 15º, nº 1, ambos do RCPIT, um procedimento de inspecção será geral ou polivalente quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários, podendo ainda ser objecto de alteração durante a execução inspectiva, mediante despacho fundamentado da entidade que o houver ordenado (art. 15º/1 do RCPIT);
11-Ao promover as correcções em sede de IRC do ano de 2008, no âmbito do procedimento inspectivo alicerçado na Ordem de Serviço nº OI20…., de 9/11/2010, a AT actuou no âmbito dos seus legais poderes de correcção, em observância dos limites estabelecidos pela credencial emitida;
12-Conforme prova documental produzida pela AT nos autos, que não foi impugnada e integra o ponto G do probatório;
13-A acção inspectiva não excedeu o âmbito da autorização concedida pelo Exmo Senhor Director-Geral dos Impostos;
14-A sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, seja por ausência de prova produzida e adstrita às conclusões que perfilha, e em que assenta a sua decisão final, seja por deficiente avaliação da prova documental produzida pela AT, levada aos pontos A a G do probatório, fazendo, por conseguinte, errónea interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, do art. 63º, nº 3 da LGT (actual nº 4) e dos artigos 14º e 15º, ambos do RCPIT, pelo que não deve manter-se;
15-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando a decisão ora recorrida, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.1227 e 1228 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.1181 a 1183-verso do processo físico):
A) Através da carta-aviso n.º …/08, recebida a 13.11.2008, a impugnante, "L…… - Comércio de Máquinas e Veículos, S.A.", foi notificada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças (DF) de Leiria do início de uma acção de inspecção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, aos exercícios de 2006, 2007 e 2008 (cfr.documento junto a fls.278 do processo físico - II volume);
B) Em cumprimento da OI20….., em 20.11.2008, os SIT deram início à acção inspectiva referida na alínea antecedente, que terminou em 26.10.2009, motivada por divergências no cruzamento de dados do VIES (cfr.documento junto a fls.1148 a 1154 do processo físico - IV volume, cujo teor se dá aqui por reproduzido; informação exarada a fls.34 a 36 do processo administrativo apenso - I volume, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
C) A acção de inspecção referida na alínea antecedente foi concluída sem propostas de correcções, em virtude das regularizações efectuadas, voluntariamente, pela impugnante (cfr.factualidade admitida por acordo - artº.14 da contestação junta a fls.296 e seg. do processo físico);
D) Em resultado de uma ficha de fiscalização remetida em 17.06.2010, pela DF de Lisboa, em 26.11.2010, foi elaborada uma “Informação” no Gabinete do Subdirector-Geral da IT, na qual se afirma, na parte relevante o seguinte:
“(…)
4. Tal como foi informado, posteriormente, em 17.06.2010, em resultado de um procedimento de inspecção promovido pela Direcção de Finanças de Lisboa, ao Sujeito Passivo J.P C….. – Comércio de Máquinas SA (…), foram efectuados diversos cruzamentos, na sequência dos quais foram detectadas irregularidades na facturação da sociedade L….. Comércio Máquinas e Veículos SA.
5. Verificaram aqueles serviços existir divergências entre facturas constantes da contabilidade desta empresa e os que se encontram depositados na Alfândega de Peniche, podendo tais divergências ser susceptíveis de configurar uma omissão de proveitos por parte da referida empresa.
6. Do que vem informado, extrai-se que os dados entretanto identificados podendo ser susceptíveis de correcção em sede de IVA e de IRC, podem indiciar, igualmente, a prática de eventual crime fiscal, pelo que é agora solicitado, com base nestes novos factos e de modo a serem efectuadas as correcções que se mostram devidas, que seja autorizada a realização de um novo procedimento de inspecção, referente ao exercício de 2007 e 2008, o qual deve incidir, igualmente, sobre o IRC e o IVA.
(…)”.
(cfr.informação exarada a fls.34 a 36 do processo administrativo apenso - I volume, que se dá por reproduzida);
E) Por despacho de 02.12.2010, o Director-Geral dos Impostos autorizou a realização de novo procedimento inspectivo, de âmbito geral, aos exercícios de 2007 e 2008, com os fundamentos constantes da informação referida na alínea antecedente (cfr.despacho exarado na informação a fls.34 do processo administrativo apenso - I volume, que se dá por reproduzido);
F) De acordo com a informação da DF de Lisboa havia uma divergência nos valores constantes da factura n.º 705…, entre o exemplar que se encontrava na contabilidade - com 3 páginas e total facturado de € 218.543,00 - e o exemplar depositado na Alfândega de Peniche - com 6 páginas e total facturado de € 612.720,00 (cfr.relatório da segunda inspecção tributária junto a fls.11 a 31 do processo administrativo apenso - I volume);
G) Ao abrigo das ordens de serviço n.º OI20…., de 09.11.2010, e OI20…., de 17.03.2011, a impugnante foi objecto de uma nova acção de inspecção externa, de âmbito geral, além do mais, aos exercícios de 2007 e 2008, destinada ao controlo da situação tributária global e às transferências transfronteiras, que teve início em 25.05.2011 (cfr.relatório da segunda inspecção tributária junto a fls.11 a 31 do processo administrativo apenso - I volume);
H) Em 01.03.2012, foi finalizado o relatório de inspeção tributária, no qual se concluiu, na parte relevante, o seguinte:
“(…)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III.1 IRC - Custo de Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas.
(…) No entanto, pela análise efectuada à contabilidade do sujeito passivo, verificou -se a existência de movimentos contabilísticos em que não foi seguido o método de Inventário Permanente, o que compromete o correcto apuramento do CMVMC por este método. Como exemplo das situações detectadas que não foram registadas de acordo com este método de inventário, refiram -se os registos contabilísticos efectuados na conta 71.8 com a designação de Descontos e abatimentos em Vendas mas na qua l são registadas operações relacionadas com devolução de vendas – não tendo sido registada a respectiva entrada em inventário dos bens/produtos devolvidos (Junta-se prova em anexo 9, conforme extractos e cópia de alguns documentos que se juntam a título exemplificativo).
(…)
Afim de assegurar a efectiva realização das operações contabilizadas nos exercícios, bem como a dedutibilidade fiscal das mesmas, procedemos a uma análise contabilística, no sentido de confirmar que o lucro tributável dos anos em causa foi determinado de acordo com as regras estabelecidas nos artigos 16º, 17º e 18º do código do IRC.
Após essa análise, constatamos que os valores das compras registados na contabilidade nos exercícios de 2008 e 2009 se encontram sobrevalorizados, pois existem situações de facturas de compras que foram contabilizadas em duplicado e até em triplicado. Por verificação dos documentos suporte dos respectivos registos verificamos que em alguns dos casos o registo foi efectuado com base em cópias das facturas originais que já tinham elas próprias dado origem a um registo, noutros casos o registo foi efectuado com base num outro documento mas que se referia à mesma operação/aquisição. Essas facturas encontram -se devidamente identificadas nos quadros seguintes.

A) Exercício de 2008
A.1 Documentos de Compras de diversos fornecedores contabilizados mais que uma vez no exercício 2008, juntam-se em anexo 2 fls. 1 a 10 cópias dos mesmos.
Durante o exercício de 2008 o sujeito passivo contabilizou, em três situações distintas, as facturas de compra abaixo discriminadas:

“Texto integral com imagem”
Quadro 2
* Descrição do movimento contabilístico, constante do analisador do SAF-T 2008 (Standard A… File for T…, Portaria 321-A/2007 de 26 Março). Juntam-se em anexo 2 fls. 25 a 31 cópias extraídas do SAF-T das Linhas de Movimentos Contabilísticos relacionadas com os registos mencionados no quadro 2, nos quais se pode verificar que de modo intencional, ou não, o número de registo não foi sempre o mesmo (para a mesma factura).

No quadro anterior é indicado o nº de registo no diário 10 – Compras, a identificação do fornecedor, o número da factura, data e montante (valor), sendo evidente na coluna 3 quais os documentos cujo valor deu origem a mais do que um registo (em anexo 2 juntamos cópias dos mesmos).
Assim, enquanto o montante das três facturas em questão totaliza 1.082.686,80 euros, correspondendo aos registos com os nº(s) 100…, 301… e 100…, os custos da empresa com redução indevida do lucro tributário, ascende a € 1259 758,80 (um milhão duzentos e cinquenta e nove mil setecentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos) resultante da soma dos seguintes valores (€ 676 852,00 + € 228 762,80 + € 177 072,00 + € 177 072,00), ou seja o valor que a empresa contabilizou em registos duplicados.
Importa no entanto referir que no ano de 2008 os registos indevidos e em duplicado não são apenas estes. Além das facturas constantes do quadro anterior foram ainda contabilizadas no mesmo exercício as facturas de compra constantes no quadro nº 3, todas elas referentes ao fornecedor Power C….. com sede nos EUA, e que tal como o referido no quadro anterior foram contabilizadas mais do que uma vez, mas neste caso por valores que nem sempre são coincidentes. Note-se que o montante original das facturas deste fornecedor se encontra denominado em dólares (USD), no entanto na sua conversão para euros (€) o valor da mesma factura não é coincidente pelo que deu origem a registos de montantes distintos. É ainda mencionado no quadro seguinte a identificação das máquinas adquiridas a través da indicação do nº de série.
A.2 Facturas de compras do fornecedor Power C…. contabilizadas (registadas) no exercício de 2008 mais do que uma vez (encontram-se em anexo 2 fls. 11 a 24 cópias das mesmas):

“Texto integral com imagem”

Quadro 3
Juntam-se em anexo 2 fls. 32 a 45 cópias extraídas do SAF-T das Linhas de Movimentos Contabilísticos relacionadas com os registos mencionados no quadro 3, nos quais se pode verificar que de modo intencional, ou não, o número de registo não foi sempre o mesmo (para a mesma factura).

Refira-se que o fornecedor Power C….. tem sede nos EUA, ou seja um país Terceiro para efeitos das disposições relativas ao IVA, conforme alínea c) do nº2 do art.º 1 do CIVA, sendo as aquisições de bens consideradas importação nos termos do art.º 5º do CIVA e sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 1º do CIVA.
Consultados os registos das importações de bens efectuadas pelo sujeito passivo L….. SA, no exercício de 2008, verificou-se que neste exercício apenas foi efectuada uma importação de bens proveniente do fornecedor Power C….. . Do respectivo DAU consta a indicação da factura Proj. 66… (a que corresponde a factura Nº 269… indicada no quadro acima e que a própria factura contém a indicação inequívoca que corresponde ao mesmo documento), com data de 2008/01/21 no valor de USD 143.260,00. Além da factura nº 269… atrás referida, consideramos ainda como facturas correspondentes a aquisições reais e consideradas custo fiscal a factura nº 274…, no valor de € 107.630,52 correspondente à aquisição efectuada ao fornecedor Power C…. com sede no EUA e que foi enviada directamente para Angola e à qual corresponde uma venda da L….. SA à empresa T….., isenta de IVA.
Além desta, foram ainda consideradas as facturas 0908….-001 CE no valor € 221.686,75, factura Proj 78… no valor de € 112.158,30 e factura Proj 78… no valor € 117.751,00 pelo facto de termos a confirmação dos seus efectivos pagamentos através de documentos bancários das respectivas transferências internacionais em benefício do fornecedor [CDI (Crédito Documentário Internacional) de 16 -03-2009, CDI de 13-02-2009 e CDI 19-01-2009, respectivamente, encontram-se em anexo 6 os respectivos documentos comprovativos]. Resulta do quadro 3 que o montante total dos registos duplicados na conta do fornecedor Power C….. que empolaram indevidamente os custos da empresa no exercício 2008 com redução implícita do lucro tributário, ascende a € 1.228.577,65 (um milhão duzentos e vinte e oito mil quinhentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos) resultante da soma dos valores em euros inscritos a negrito (bold) no quadro transacto. Este valor é a diferença entre o total dos registos que ascende a € 1.902.872,49 e o valor dos documentos correspondentes aos documentos de aquisição efectiva cuja soma é de € 674.294,84.
Todas as facturas referidas nos quadros 2 e 3 foram contabilizadas a débito da conta 31 – Compras, logo influenciaram negativamente o resultado líquido da sociedade ou seja contribuíram para a redução do lucro tributável, contrariando o disposto nas regras previstas concretamente nos artigos 17º e 23º do CIRC. Neste contexto, o montante total dos registos em questão que empolaram indevidamente os custos da empresa com redução implícita do lucro tributário no exercício de 2008, ascende a € 2.488.336,40 [€ 1.259.758,80 (quadro 2) + € 1.228.577,60 (quadro3)].
Conforme já referimos este custo não reúne contudo os pressupostos para a sua consideração como custo fiscal previstos no artigo 23º do CIRC e na alínea g) do artigo 42º do CIRC (actual alínea g) do artigo 45º do CIRC).
(…)”.
(cfr.relatório da segunda inspecção tributária junto a fls.11 a 31 do processo administrativo apenso - I volume)
I) Em 21.09.2011, a impugnante assinou as notas de diligências, referentes ao procedimento de inspecção mencionado na alínea G) supra (cfr.documentos juntos a fls.281 e 282 do processo físico - II volume);
J) No final do ano de 2007, após contagem física das existências, a impugnante apurou que estavam em falta nos registos contabilísticos equipamentos no montante global de € 4.501.360,77, com origem nos exercícios anteriores a 2005 (cfr.factualidade admitida por acordo - artº.27 da contestação junta a fls.296 e seg. do processo físico);
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos que interesse registar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, não impugnados, constantes dos autos e do PAT, na posição das Partes e no depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
A testemunha arrolada pela impugnante, P….., na qualidade de fiscal único, demonstrou ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi inquirido, tendo, no essencial, explicado que, no seguimento da inspecção realizada, os documentos que tinham sido objecto de registo em duplicado e triplicado foram retirados da contabilidade, com a consequente alteração do IES de 2008 e anulação das operações registadas na conta sócios, tendo o aumento de capital sido realizado com base nos resultados transitados.
A testemunha da AT confirmou as informações constantes do RIT e esclareceu que a divergência relativa ao fornecedor J.P. C….. - Comércio de Máquinas S.A. não teve implicações para efeitos das correcções em causa nos autos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, determinar a anulação dos actos tributários objecto do processo, relativos a I.R.C. e juros compensatórios do ano de 2008 e no montante total de € 719.695,79, tudo em virtude da violação do regime previsto no então artº.63, nº.3, da L.G.T., pelo segundo procedimento inspectivo identificado na al.G) do probatório supra.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que na primeira acção de inspecção não interveio a mesma equipa de inspectores que esteve no segundo procedimento inspectivo, tudo conforme depoimento da testemunha da Fazenda Pública ouvida na audiência de inquirição de testemunhas. Que tal factualidade não integra o probatório. Que o mesmo probatório é omisso quanto à fixação de qualquer factualidade relativa à descrição dos concretos actos inspectivos ocorridos no decurso da primeira acção de inspecção. Que na falta da atinente prova, o Tribunal “a quo” não podia concluir que, na primeira inspecção, os S.I.T. tiveram acesso aos registos contabilísticos e documentos de suporte do sujeito passivo (cfr.conclusões 2 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada, e menciona os pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc. 1770/06.8TVLSB-B.L1-2).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285).
No caso concreto, desde logo, quanto à produção de prova testemunhal, face ao depoimento produzido pela testemunha da Fazenda Pública, o recorrente não cumpre o citado ónus previsto no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6), relativamente aos concretos pontos da transcrição do mesmo depoimento testemunhal que, alegadamente, corroboram a sua pretensão.
Mais se deve vincar que nenhum relevo reveste a prova da factualidade incidente sobre a identidade, ou não, da equipa de inspectores que realizou os dois procedimentos inspectivos, em sede de aplicação do regime previsto no artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4), tudo conforme infra se examinará.
Por outro lado, no que se refere à conclusão da matéria do probatório ser omisso quanto à fixação de qualquer factualidade relativa à descrição dos concretos actos inspectivos ocorridos no decurso da primeira acção de inspecção, remete-se o apelante para o teor das als.A) e B) da matéria de facto supra exarada, mais se realçando, também neste caso, a desnecessidade de prova dos concretos actos inspectivos ocorridos no decurso da primeira acção de inspecção.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este fundamento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida, neste esteio.
Defende o recorrente, igualmente e em síntese, que as ordens de serviço emitidas para o segundo procedimento inspectivo demonstram ter o mesmo âmbito geral ou polivalente, destinando-se ao controlo da situação tributária global do sujeito passivo e às transferências transfronteiriças. Que a A. Fiscal actuou no âmbito dos seus legais poderes de correcção, em observância dos limites estabelecidos pelas credenciais emitidas. Que a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, devido a errónea interpretação e aplicação dos normativos legais em causa, designadamente, do artº.63, nº.3, da L.G.T., e dos artºs.14 e 15, ambos do R.C.P.I.T. (cfr.conclusões 9 a 14 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Por outro lado, refira-se que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/04/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/03/2017, proc.5428/12).
O artº.63, da L.G.T., constitui um marco histórico no procedimento tributário português, dado que veio, pela primeira vez, estabelecer o quadro geral de configuração do exercício das competências inspectivas como um procedimento de natureza tributária. Na verdade, antes da L.G.T., a lei conferia um conjunto de poderes inspectivos à A. Fiscal, mas não os submetia a um procedimento, com tudo o que isso representa, no que diz respeito à perda de garantias dos contribuintes e de discricionariedade da acção da Fazenda Pública (cfr. José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.653).
A legalidade do segundo procedimento inspectivo em exame nos presentes autos (cfr.als.E) a G) do probatório), no que ao caso interessa (limitação aos poderes de fiscalização), deve ser aferida pelo regime previsto no artº.63, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 37/2010, de 2/9, que não de acordo com a anterior redacção constante do nº.3 do mesmo normativo, conforme decidiu o Tribunal “a quo” (cfr.artº.12, nº.3, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7343/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.132).
É a seguinte a redacção do preceito em exegese:
Artigo 63º.
“Inspecção”

4-O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que esta introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.
Atente-se que o procedimento de inspecção pode classificar-se como procedimento interno ou procedimento externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração Tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas. Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços da Fazenda Pública, instalações ou dependências, designadamente, através da análise formal e de coerência dos documentos da escrita do contribuinte. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/02/2014, proc.7026/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7343/14; Joaquim Freitas da Rocha e Outro, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.81 e seg.).
Deverão considerar-se como “factos novos”, para efeito do preceito sob exame, aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se “factos novos” aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado neste preceito (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.), impõe à Administração Tributária o dever de só incomodar os contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção, assim não sendo admissível, por força daquele princípio que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer consequência para a Fazenda Pública. Por outras palavras e de acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
1-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
2-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração Tributária;
3-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.
Ou seja, trata-se de uma baliza que visa conferir estabilidade à relação jurídico-tributária, constituindo dessa forma um limite à discricionariedade da Administração Tributária. E essa estabilidade apenas pode ser colocada em crise, permitindo a repetição de um procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, mediante decisão, fundamentada com base em factos novos e oriunda do dirigente máximo do serviço, conforme o já supra mencionado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7343/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.548 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.206 e 209 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.656 e seg.).
Em conclusão, o examinado artº.63, nº.4, da L.G.T., direcciona-se para situações de fiscalização "stricto sensu", na medida em que faz referência à irrepetibilidade do "procedimento externo de fiscalização" e não do procedimento de inspecção em sentido amplo. Aliás, basta atentar na letra da norma, na qual o legislador faz uma primeira referência ao "procedimento da inspeção e os deveres de cooperação", mas que, para efeitos de irrepetibilidade, se refere claramente ao "procedimento externo de fiscalização". Por outras palavras, a lei apenas proíbe a existência de mais do que um procedimento de fiscalização externo, quanto ao mesmo sujeito passivo, período e imposto (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/07/2012, proc.5303/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.206; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.52 e seg.).
Voltando, ainda, à definição do que sejam "factos novos", para efeitos da norma sob exegese, dir-se-á que não deverão considerar-se factos novos os factos subjectivamente supervenientes (aqueles que não chegaram ao conhecimento dos Serviços de Inspecção, não obstante já se terem verificado) sempre que os Serviços de Inspecção Tributária pudessem deles ter tomado conhecimento se cumpridos os deveres de diligência que são exigidos na actuação da Administração Pública, tal implicando que a mera alegação de que os Serviços não viram, ou não relevaram, determinado documento constante da escrita analisada não deve servir de suporte à autorização de uma nova inspecção externa que incida sobre o mesmo sujeito passivo, tributo e exercício. Por outras palavras, no caso de esses factos não terem sido conhecidos por razões imputáveis aos contribuintes, podem fundamentar a decisão de uma nova acção inspectiva, mas só nos casos em que a A. Fiscal não os detectou, nem seria exigível que os detectasse (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.549 e 550; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.657; Nuno de Oliveira Garcia e Outra, Inspecção Tributária Externa e Relevância dos Actos Materiais de Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, 2013, Número 1, pág. 249 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a impugnante/recorrida foi objecto de uma primeira acção de inspecção externa, de âmbito parcial, em sede de I.R.C. e I.V.A., aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, a coberto da ordem de serviço n.º OI20….., tendo esta terminado em 26.10.2009, sem qualquer correcção proposta, em virtude da regularização voluntária, por parte do sujeito passivo, das situações detectadas pelos S.I.T. (cfr.als.B) e C) do probatório).
Ao abrigo das ordens de serviço n.º OI20…, de 09.11.2010, e OI20…, de 17.03.2011, a impugnante/recorrida foi objecto de uma nova acção de inspecção externa, de âmbito geral, além do mais, aos exercícios de 2007 e 2008. Esta nova acção de inspecção encontra-se ancorada no despacho de 02.12.2010 do Director-Geral dos Impostos, podendo, por isso, afirmar-se que a A. Fiscal tinha a autorização necessária para desencadear uma nova acção de inspecção (cfr.als.D) a F) do probatório).
No entanto, nos termos da autorização que foi conferida pelo Director-Geral dos Impostos, esta nova inspecção destinava-se a comprovar, em especial, uma situação de divergência na factura nº.705…, relativa ao fornecedor “J.P.C…. - Comércio de Máquinas S.A.”, entre o exemplar que se encontra na contabilidade - com 3 páginas e total facturado de € 218.543,00 - e o exemplar depositado na Alfândega de Peniche - com 6 páginas e total facturado de € 612.720,00 - podendo tal divergência evidenciar uma omissão de proveitos e a eventual prática de um crime fiscal (cfr.als.D) e F) dos factos provados).
O certo é que, da leitura do relatório da segunda inspecção levada a efeito pela A. Fiscal, não se consegue descortinar em que medida é que esse facto sustenta ou, pelo menos, serve de ponto de partida para as correcções agora apresentadas pela Fazenda Pública. Com efeito, os S.I.T. não extraem qualquer consequência dessa novidade para as correcções que agora apresentam, constatando-se, ao invés, que, a pretexto deste facto (e da autorização entretanto obtida), os mesmos reinspeccionam a sociedade impugnante e chegam à conclusão, além do mais, que a sua contabilidade apresenta incorrecções patentes, no registo de compras, no âmbito de aquisições internacionais a diversos fornecedores, no montante total de € 2.488.336,40 e para o exercício de 2008 (cfr.als.G) e H) do probatório).
Esta segunda inspecção excede, por isso, o âmbito da autorização que foi concedida aos S.I.T. pelo Director-Geral dos Impostos, assim violando o regime previsto no examinado artº.63, nº.4, da L.G.T., no que diz respeito à citada credenciação a efectuar, no dizer da lei, pelo dirigente máximo do serviço.
Por outro lado, estamos perante actividade inspectiva externa que tem por base "factos novos" subjectivamente supervenientes, na definição supra descrita, dado que os Serviços de Inspecção Tributária podiam deles ter tomado conhecimento na primeira inspecção externa, se cumpridos os deveres de diligência que são exigidos na actuação da Administração Pública. Por outras palavras, os S.I.T. podiam (ou seja, neste caso, deviam) ter agido com a diligência necessária, e tomado conhecimento das falhas agora detectadas. Com estes pressupostos, também por este motivo, se deve concluir que não nos encontramos perante "factos novos" passíveis de enquadramento na previsão do citado artº.63, nº.4, da L.G.T.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.1257 do processo físico: satisfaça, remetendo cópia do presente acórdão, embora sem nota de trânsito em julgado.
D.N.
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Lisboa, 14 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)