Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06051/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:OMISSÃO DE PRONUNCIA; DA CULPA NA DISSIPAÇÃO DO PATRIMÓNIO SOCIETÁRIO.
Sumário:1. Conforme é jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

2. A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 487º, n.º 2, e 799º, n.º 2 do Código Civil; Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível: - o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, afim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a oposição à execução nº ……………….. e apensos, instaurada no serviço de finanças de Seia contra a sociedade J. ………… F. …………..& Filhos, Lda., por dividas de Contribuições para a Segurança Social relativas aos anos 1993 e 1994, e revertida contra o Oponente e aqui Recorrido José …………………..
veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
Assim, nos termos do artigo 690º do Código de Processo Civil:
a) A douta sentença ora recorrida enferma de vários vícios, conducentes à sua nulidade:
- Omissão, que deixou de apreciar questões que devesse apreciar, nos termos da 1ª parte do art. 668º nº1 d) do C. Proc. Civil - Violação do art. 175º do CPPT – conhecimento oficioso da prescrição; - Violação do princípio do dispositivo;
- Erro de julgamento;
- Erro na apreciação da prova testemunhal e valoração da prova.
b) Reza o art.º 175° do CPPT que: "a prescrição ou duplicação de colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito."
c) Como tal, tendo sido invocada pelo oponente e contestada pela Fazenda, esta questão controversa deveria ter sido sanada e dirimida na decisão judicial, ora em crise, até, porque, corno se disse, é de conhecimento oficioso, fazendo parte do rol dos poderes cognoscitivos do juiz da causa. Peca, portanto, por omissão de pronúncia.
d) Não tendo proclamado a não prescrição das dívidas, na tese defendida pela Fazenda, tendo feito "tábua rasa" da questão a dirimir, violou a douta sentença o princípio do dispositivo, plasmado no art.º 660°, n° 2 do CPC que impõe que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras.
e) Não existiu por parte do oponente nenhuma prova positiva da sua ausência de culpa na diminuição do património social, o que impediu a devedora originária de satisfazer os seus débitos. Não juntou provas documentais da existência de avultadas dívidas dos clientes, designadamente, extractos de conta-corrente com demonstração de saldos devedores, balancetes, demonstrações de resultados, constituição de provisões, etc.
f) E se é bem verdade que todos os meios de prova estão sujeitos à livre apreciação do julgador, também é verdade que a ausência de outros meios de prova, mais credíveis e imparciais, corno os documentos (ainda que sem força probatória plena) deve igualmente ser valorada (desfavoravelmente) contra quem tem o ónus da prova, in casu, o oponente.
g) Existindo património social suficiente para liquidar as contribuições e impostos existirá sempre culpa do gestor pelo impedimento do pagamento ou pela omissão de diligências conducentes a este mesmo pagamento, por parte da sociedade tendo na presente situação a acção especial de recuperação de empresa, interposta em Março de 1995, impedido inclusive a cobrança coerciva por parte da fazenda pública dos valores em falta. Mais uma vez se relembra que as dívidas dizem respeito a contribuições para a Segurança Social (retidas na fonte dos salários dos trabalhadores) dos anos de 1993 e 1994.
h) A culpa - como é sabido - consiste na omissão de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extra­ contratual, quer no domínio da responsabilidade contratual- cfr. art.s 487.º n.º2 e 799º n.2 do Código Civil
I) A culpa relevante no âmbito do então Dec-Lei n.º 68/87, quer hoje do art. 13.º do CPT, não é a que eventualmente respeite apenas ao incumprimento da obrigação de pagamento do imposto relaxado exequendo - mas só aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para a satisfação dos créditos fiscais- cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 29.1.1990, in Acórdãos Doutrinais n.º 372, pág. 323 e segs e de 12.1 L1997, recurso n.º 21 469.
j) "...impõe-se ao administrador ... que as suas opções discricionárias não sejam o fruto de improvisações irresponsáveis ou negligentes mas de decisões meditadas, ainda que envolvendo riscos, devidamente calculados e ponderados.
As testemunhas arroladas e inquiridas, afirmam que o despedimento dos trabalhadores era uma solução que se impunha.
K) O oponente não logra ilidir a presunção legal do art.º 13º do CPT, pelo que deve ser responsabilizado, subsidiariamente pelas dívidas fiscais.
l) A douta sentença, ora recorrida, parte de premissas erradas para extrair conclusões que carecem de justificação, pelo que deve ser substituída por outra que julgue improcedente a oposição.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser declarada a nulidade da sentença recorrida, ou a sua revogação, como é de inteira JUSTIÇA!”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso, por a decisão não padecer de quaisquer vícios.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pela Recorrente consistem em apreciar se a sentença a quo está ferida de nulidade por omissão de pronúncia e se errou no julgamento de facto e de direito ao considerar que o ora Recorrido logrou provar a falta de culpa na dissipação do património da sociedade executada originária.

II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“II.1-Dos Factos Provados
Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal apresentada encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:
1). Desde 15/03/1982, encontra-se inscrito/registado na Conservatória do Registo Comercial de Seia, o contrato social da J. ………….. F. …………….. & Filhos, Lda., com sede em………………, Seia, cujo objeto social se reporta à indústria de fabricação têxtil e todas as atividades inerentes, incluindo a importação e exportação e a compra e venda dos respetivos produtos, sendo o capital de Esc. 138.000.000$00. Capital que veio a ser reforçado, em 01/03/88 e em 03/08/90, esta última por incorporação de reservas livres (Esc. 79.760.000$00), por incorporação de reservas de reavaliação do ativo imobilizado corpóreo (Esc. 87.240.000$00) e por entregas em dinheiro realizadas pelos sócios no valor de Esc. 50.000.000$00 – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
2. Em Agosto de 1990, (deliberação de 14/06/89) o capital social da empresa inteiramente subscrito e realizado em dinheiro e outros valores, era de Esc. 500.000.000$00 e, correspondia à soma das seguintes quotas: quota de Esc. 60.000.000$00 do sócio Joaquim …………………. e oito quotas no valor de Esc. 55.000.000$00 pertencente cada uma aos sócios José ………………………………; António ………………………..; Maria ……………………….; Maria da Graça …………………….; João ……………………………..; Joaquim ………………………………………; Luís ……………………… e Miguel ………………………….. – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
3. A gerência da sociedade, desde 1982, pertencia aos sócios: Joaquim …………………………, José ……………………………, António …………………., Joaquim …………………………… e Luís …………………………., sendo que eram necessárias as assinaturas de dois gerentes para obrigar a sociedade, e obrigatórias a assinatura de Joaquim ……………………….. ou de António ……………………… – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
4. Em 1991, é realizado novo reforço de capital, sendo Esc. 252.000.000$00, por incorporação de reservas de reavaliação, na proporção das quotas dos sócios e Esc. 248.000.000$00 em dinheiro, este subscrito pelos sócios, José ………………………………………, António ………………………., Maria ……………………………………………………., Maria da Graça ………………………., João …………………………………, Joaquim ……………………………, Luís ……………………. e Miguel ……………………….. O capital social após o reforço era de Es. 1.000.000.000$00 – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
5. Em 31/12/1991, são nomeados gerentes Joaquim ……………………, José ……………………….., António …………………………….., Joaquim ………………………….., João ……………………….. e Luís …………………………., bastando a assinatura de dois gerentes para obrigar a sociedade – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
6. A empresa inicialmente laborava com cerca de 1400 trabalhadores sendo que, quando passou a ter mais dificuldades entre 1993 e 1995 tinha cerca de 800 trabalhadores, tendo terminado com cerca de 500 trabalhadores, em 1999 – cfr. depoimento da testemunha Carlos …………………;
7. Em 27/12/1993, é realizada a penhora dos vários imóveis para pagamento da quantia de Esc. 712.729.697$00, que a Fazenda Publica moveu a J. ………………….. & ………………, Lda., por dívidas desta ao Centro Regional de Segurança Social da Guarda, dos anos de 1985, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993 provenientes do processo de execução fiscal nº 93/100631.2 – cfr fls. 299 a 345 do processo Op. 512/08 (SITAF);
8. Na mesma data, em 27/12/1993, é realizada a penhora dos vários móveis para pagamento da quantia de Esc. 712.729.697$00, que a Fazenda Publica moveu a J. …………………….. & ……………….., Lda., por dívidas desta ao Centro Regional de Segurança Social da Guarda, dos anos de 1985, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993 provenientes do processo de execução fiscal nº 93/100631.2 – cfr. fls. 347 a 407 do processo Op. 512/08 (SITAF);
9. A 01/09//1994, é realizada a penhora de bens móveis da originária devedora, para pagamento de dividas de contribuições ao CRSS da Guarda do ano de 1993, proveniente do processo de execução fiscal nº …………………… – cfr. fls. 203 dos presentes autos;
10. Empresa aderiu a vários planos para sanear as suas dívidas nomeadamente ao Plano Mateus e vários acordos específicos com a Segurança Social, para pagamento de dívidas de Impostos e Contribuições em atraso – cfr. depoimentos das testemunhas António ……………….. e Carlos ……………………..;
11. Em princípios de 1995 é requerida pela J. ……………………. & Filhos, Lda., Ação Especial de Recuperação de Empresa que mereceu despacho judicial de prosseguimento da ação em 20/3/1995. Nesse âmbito foi nomeada a comissão de credores, composta da seguinte forma:
Centro Regional de Segurança Social;
Instituto de Emprego e Formação Profissional;
Caixa Geral de Depósitos, SA
F…………….. – Fibras ……………………., SA.
Fernando ……………………. - cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos


12. Em 09/11/95, por deliberação da Assembleia de Credores é aprovada a gestão controlada, a qual é homologada por sentença da mesma data com transito em julgado em 21/12/95 – cfr. fls. 13 dos presentes autos;
13. Em 21/12/1995, no âmbito da gestão controlada, são nomeados gerentes: António …………………….., José …………………….., Joaquim ………………………… e João …………………………… – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
14. Em 28/12/1995, a sociedade delibera a redução do capital social para Esc. 500.000.000$00, incidindo a redução sobre todas as quotas na proporção respectiva – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
15. As dificuldades económicas da empresa começaram a surgir entre 1993 e 1995, a empresa originária devedora prosseguia métodos trabalho muito tradicionais, apoiados em máquinas antigas que requeriam muita mão-de- obra. As condições sociais decorrentes do mercado exigiam salários elevados o que levou à perda da competitividade da empresa. Por outro lado, a empresa detinha muito crédito mal parado de clientes, sendo que o passivo de dívidas ao Estado começou a adensar-se – cfr. depoimento das testemunhas António ………………….. e Carlos ……………………………….;
16. A empresa sempre privilegiou o pagamento dos salários aos trabalhadores do que o pagamento dos impostos ao Estado, sendo que mesmo quando foi decretada a falência os salários em atraso, não deixaram de ser pagos – cfr. depoimento da testemunha Carlos Alberto Martins Jerónimo;
17. Em 24/10/1996, é deliberado que a J. ………………………….. & ……………., Lda., seja transformada para sociedade anónima, sendo o capital social de Esc. 500.000.000$00, dividido em 500.000 ações ao portador de valor nominal de Esc. 1.000$00 cada uma – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos.
18. Em 1997 para pagamento dos subsídios de Natal aos trabalhadores, a empresa teve de ser intervencionada pelo IAPMEI. Na altura, a gerência foi nomeada e integrava pessoas do próprio IAPMEI – cfr. depoimento da testemunha António da Silva Curto;
19. Em 23/04/1998, é registada a cessação de funções dos gerentes, José ……………………….., António ………………………….. e de Joaquim …………………………………….., por renúncia de 09/02/1998 – cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
20. Em 04/01/1999, são designados como membros do Conselho de Administração, António ……………………, José ……………………….. e Maria ……………………………… - cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
21. Em 02/01/2003, é registada a falência da J. …………………… & ………., SA., causa: situação de insolvência, impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, por sentença de 22/10/1999 e, transitada em julgado em 25/05/2000 - cfr. fls. 11 a 15 dos presentes autos;
22. A divida revertida contra o oponente refere-se às contribuições indicadas no quadro seguinte:

      Processo
Data Instauração
    Tributo
    Período
Quantia Exequenda
………………………………………7 e
apensos
      19/01/1994
Contribuições
    03/10/11/ 93
    € 204..304,84
................ e…………….
apensos
      19/01/1994
Contribuições04/05/06/07 / 94
    € 276.540,81
      TOTAL
€ 480.845,65
- cfr. fls. 94 dos presentes autos;

23. De 28/03/1995, data em que os processos foram avocados ao tribunal comum, até 26/1/1999 (efetuada a penhora) o processo de execução esteve parado - cfr. fls.141 a 163 e 242 dos presentes autos;
24. Em 18/10/2007 o, ora oponente, é citado pessoalmente da reversão como responsável subsidiário, pela dívida exequenda da responsável originária, J. ……………………… & …………., SA., no valor de € 480.845,65 – cfr. fls. 230 dos presentes autos;
25. Da certidão de citação da reversão assinada pelo oponente, consta a identificação do processo em execução fiscal com o nº ……………………….e apensos, com referencia à divida em execução fiscal no valor de € 480.845,65, proveniente de Contribuições, indicando-se o número da certidão de divida; período a que respeita a divida de imposto; o tributo em causa e o valor respectivo - cfr. fls. 230 dos presentes autos;
26. Do despacho de reversão consta a seguinte fundamentação “ (…) a originária devedora J. …………………….e Filhos, SA., não possui quaisquer bens, tendo sido declarada falida por sentença de 22/10/1999, no processo nº 86/98, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia (…) Assim, porque se encontra reunida a condição prevista na alínea a) do nº 2 do art. 153º do CPPT, reverto a presente execução nos termos da al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT, a totalidade da divida antes referida contra os responsáveis subsidiários como a seguir se indica: Contra António ………………………, NIF …………….. e José …………………, NIF ………………….(…)“ – cfr. fls. 232 dos presentes autos;

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.
III. 3- MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas, expressamente referidos no probatório supra. António …………….., Economista, foi Técnico Oficial de Contas da J. ……. …………………..e ………….., Lda., há cerca de 14/15 anos, desde 1993 até 20/07/1998. Referiu as grandes dificuldades sentidas pela empresa originária devedora, a partir de 1993, imputando ao facto de haver muito crédito mal parado por parte dos clientes. Revelou o facto de a empresa ter aderido a vários planos de ajuda para pagamento das suas dívidas ao Estado, atestando que o oponente era gerente ativo, tendo integrado o conselho de gerência no âmbito da gestão controlada. Carlos ……………………., trabalhou para a originária devedora, desempenhando o cargo de Diretor de Recursos Humanos. Explicou as grandes dificuldades sentidas pela J. ……………………. e ………., Lda., pelo elevado número de trabalhadores que foram consolidando salários mais elevados. Explicou que a gerência sabia que a prioridade seria despedir trabalhadores, mas privilegiando uma política social a empresa não trilhou o caminho que se impunha. Explicou que o oponente foi sempre gerente de facto da J. ………………… e ……………., Lda.. Os depoimentos das testemunhas foram credíveis, não só pela argumentação que se manifestou dentro de uma linha factual homogénea traçada pelas mesmas, a qual é reforçada pela prova documental existente nos autos.”


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.
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II.2. Do Direito
Conforme resulta de teor das alegações e conclusões de recurso o que está agora em causa é apenas saber se a decisão a quo incorreu em omissão de pronúncia quando não conheceu da prescrição das dívidas exequendas, invocada pelo Recorrido.
Apesar do Recorrido se ter conformado com a decisão a quo proferida na presente oposição, vem agora a Fazenda Publica invocar, nesta sede recursiva, que a prescrição das dividas tendo sido alegada pelo Recorrido e sendo de conhecimento oficioso devia ter sido conhecida pelo Tribunal a quo para assim determinar que as dividas não se encontram prescritas.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no citado art. 615º, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art.125º, nº.1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art.608º, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Por outras palavras, e em síntese, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando esta deixe de decidir alguma questão colocada pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra (art.608.º, n.º2 e 615.º, n.º1 alínea d), do CPC);
Conforme é jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, quando o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia (cf. Ac. TCAS de 30/1/2014 - proc.6995/13; ac. TCAS de 27/2/2014 - proc.7343/14; ac. TCAS de 26/6/2014 - proc.7784/14).
No caso concreto, foi essa a situação que se verificou, o que se retira do exame da fundamentação de direito da decisão recorrida, constante de fls. 296 do processo. De tal fundamentação consta, especificamente, que:
"Fica prejudicada a análise das demais questões – art. 660º nº 2 do Código de Processo Civil ex. vi art. 2º al. c) do CPPT.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
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Importa agora averiguar se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento de direito quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrido sendo gerente da sociedade executada originária logrou demonstrar que não teve culpa na dissipação do seu património nos termos do disposto no art. 13º do Código do Processo Tributário (CPT).
A este respeito sentença a quo, atendendo ao que ficou provado decidiu que:
“(…) O oponente admite a gerência efetiva da sociedade. Defende, contudo, a falta de culpa na insuficiência do património social para solver as dívidas tributárias. (…)
Incumbindo, pois, ao oponente a prova de que não foi por culpa sua que o património da executada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos exequendos, a matéria de facto provada, permite, que, em termos da citada relação causal, se possa concluir pela elisão de tal presunção por parte do mesmo oponente.
Na verdade, da prova produzida resulta que perante a existência e acumulação dos prejuízos, foi requerida a medida especial de recuperação de empresa, acabando por ser decretada a falência em 22/10/1999. E da factualidade apurada conclui-se que o resultado danoso (insuficiência do património) se ficou a dever a causas internas (baixa competitividade) externas (dividas de clientes) em face das quais, aliás, o oponente assumiu uma gestão que contemplou o acionamento dos meios legais atinentes para que os credores vissem os seus créditos satisfeitos (recuperação de empresas e apresentação à falência).
(…)
Assim, com créditos (de clientes) avultados não pagos e sem património, com medidas de prudência empreendidas com vista à proteção dos credores não pode ser imputado ao oponente a culpa na insuficiência do património para solver as dívidas tributárias, pelo que neste respeito a ação tem de proceder uma vez que a responsabilidade subsidiária assacada ao oponente é ilegal.”

Por seu lado a Recorrente não se conformando veio alegar e concluir que:
Não existiu por parte do oponente nenhuma prova positiva da sua ausência de culpa na diminuição do património social, o que impediu a devedora originária de satisfazer os seus débitos. Não juntou provas documentais da existência de avultadas dívidas dos clientes, designadamente, extractos de conta-corrente com demonstração de saldos devedores, balancetes, demonstrações de resultados, constituição de provisões, etc.
Existindo património social suficiente para liquidar as contribuições e impostos existirá sempre culpa do gestor pelo impedimento do pagamento ou pela omissão de diligências conducentes a este mesmo pagamento, por parte da sociedade tendo na presente situação a acção especial de recuperação de empresa, interposta em Março de 1995, impedido inclusive a cobrança coerciva por parte da fazenda pública dos valores em falta. Mais uma vez se relembra que as dívidas dizem respeito a contribuições para a Segurança Social (retidas na fonte dos salários dos trabalhadores) dos anos de 1993 e 1994.”

Cumpre apreciar e decidir.
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no art. 13º do CPT, diploma que esteve em vigor até 31/12/1998, levando em consideração os anos de 1993 e 1994, uma vez que as dividas aqui em causa são de CRSS (contribuições para a segurança social) relativas a esse período temporal.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.art.146º, do CPCI; art.239º, nº.2, do CPT; art.153º, nº.2, do CPPT).
O regime que aqui nos importa da responsabilidade subsidiária está consagrado no art.13º do CPT da seguinte forma:
"Artigo 13º
Responsabilidade subsidiária
Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.”

A questão aqui em análise plasmada na 2ª parte do citado artigo está, desde há muito, resolvida na Jurisprudência tendo-se vindo a entender que o artigo 13º do CPT não consagra qualquer presunção de gerência de facto, com base na gerência de direito, e que a única presunção consagrada nesse preceito legal é a presunção de culpa do gerente na insuficiência do património das empresas e sociedades para a satisfação dos créditos fiscais, o que significa que a Administração Fiscal não está obrigada a prová-la. Esta presunção de culpa terá de ser ilidida pelo revertido.
A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 487º, n.º 2, e 799º, n.º 2 do Código Civil; Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível: - o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, afim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse.
Ora, no caso em concreto e analisando a prova produzida verifica-se que o Recorrido demonstrou que houve dívidas vultuosas de clientes as quais foram fatais para a prossecução do giro comercial da sociedade, o que aconteceu por volta do período a que se reporta a dívida exequenda, ou seja, a partir de 1993 a 1995.
Resulta ainda claro que desde o exercício de 1993 que a executada sociedade foi objecto de penhoras sucessivas a vários imóveis e bens móveis da empresa face às dificuldades em solver as suas dividas fiscais. Por outro lado, a empresa originária devedora, detinha muito equipamento antigo o que se traduzia em ter que incorrer em elevado número de mão-de-obra.
Neste sentido, verifica-se que a sociedade tinha custos de laboração muito elevados ao que acresciam salários actualizados e cada vez mais altos, sendo que a política social desenvolvida pela empresa foi sempre muito proteccionista quanto aos trabalhadores, factor que impediu, como se impunha, a redução de pessoal para que a empresa fosse viável.
Acresce que, no início de 1995 a empresa apresentou acção especial de recuperação de empresa (o CRSS integrava a comissão de credores) verificando-se que o Recorrido, na sequência da aprovação da gestão controlada foi nomeado gerente.
Nesse âmbito, o Recorrido renegociou por diversas vezes com a Segurança Social, acordos de pagamento de contribuições em atraso e aderiu a vários planos especiais de pagamento da AF, nomeadamente, o Plano Mateus.
Além disso, foi proferida sentença de declaração de falência em finais de 1999, sendo que a presente reversão tem em vista a cobrança de dívidas que não obtiveram pagamento em sede de liquidação do activo no processo de falência.
Uma das formas diligentes (embora não a única) para que aos credores não vejam diminuída a possibilidade de cobrança dos seus créditos (ainda que à custa do património social) será a de a sociedade devedora, no caso de constatar que se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações, requerer a execução universal das dívidas ou, se for caso disso, apresentar-se à recuperação. Ou seja, perante situações de crise da empresa, os gerentes estão obrigados a usar de critérios de prudência, não comprometendo os direitos dos credores (designadamente não deixando acumular situações insustentáveis) e, perante a subsistência dessas situações críticas, estão obrigados a apresentarem-se, nos prazos legais, à recuperação de empresa ou à falência, e a não privilegiar nenhum credor.
Assim, com créditos de clientes avultados não pagos e sem património, com medidas de prudência empreendidas com vista à protecção dos credores não pode ser imputado ao Recorrido a culpa na insuficiência do património para solver as dívidas tributárias. Estes elementos factuais são, em nosso entender, relevantes e suficientes para fundamentar a decisão da ausência de culpa do Recorrido.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso.

III.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 19 de Novembro de 2015.
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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)
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(Anabela Russo)