Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2247/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:FALTA DE AVERIGUAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS DO DEVEDOR PRINCIPAL;
CONSEQUÊNCIAS.
Sumário:1. Se a AT não avaliou todo o património da devedora principal não está habilitada a concluir que esta não tem bens suficientes para solver a dívida tributária.
2. E portanto, também não está demonstrada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal de que fala o art. 23º/2 LGT e não pode proceder à reversão da execução contra o devedor subsidiário.

3. O que conduz à revogação do despacho de reversão e consequente absolvição do Oponente da instância executiva, e não à extinção do processo de execução fiscal, como foi decidido na sentença.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira.
RECORRIDO: M………...
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução revertida contra M……., de que é devedora originária M…. & I….., Lda.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I - Os autos à margem identificados visam a extinção da execução contra o ora Recorrido, com a consequente condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas e, com a qual não concordamos.

II – Defende o Tribunal “a quo” que a questão a dirimir é aferir se a reversão contra o Recorrido é ilegal por ilegitimidade, salientando que, a ilegitimidade posta em causa é uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda.

III - A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento que: “(…) a Administração Tributária e Aduaneira (AT) não procedeu à avaliação (nem à penhora) dos estabelecimentos comerciais da devedora originária, limitando-se à avaliação e à penhora dos seus bens imobilizados”, desconhecendo - se se a penhora do estabelecimento comercial permite garantir o cumprimento da dívida exequenda nos autos. Defendendo que tal só seria possível através de uma avaliação técnica que não chegou a ser feita.

IV – Aduz que que o dever da AT é o de não determinar a reversão até que se adquira a certeza sobre tal valor e apure da sua suficiência para cumprimento da dívida exequenda (artigo 23.º, n.º 2 da LGT), concluindo que a AT não o logrou fazer, o que implica que a reversão não se pode manter e, consequentemente, deve a execução ser extinta quanto ao ora Recorrido, decidindo, assim, pela procedência quanto a este fundamento, sendo por isso, a presente oposição procedente.

V - Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão, sendo outro o seu entendimento, já que considera, com a devida vénia, que a mesma incorreu em erro de julgamento, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para concluir quer pela ilegitimidade do Recorrido quer quanto ao ónus da prova previsto no artigo 23.º, n.º 2 da LGT não devem ser imputados à AT.

VI – É o próprio Recorrido que reconhece que foi gerente quer de direito quer de fato da devedora originária (ponto 5.º do petitório), concluindo-se, assim, irrefutavelmente, que tendo sido gerente no período a que as dívidas reportam, nessa qualidade participou na vida societária, como qualquer sócio e gerente quando é nomeado.

VII - Impondo-se-lhe, por isso, o dever de administrar a empresa de modo que esta subsista e cresça, já que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos.

VIII – Refira-se que a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma atuação determinada na condução da sociedade.

VIII – Ora, tendo o ora Recorrido sido citado nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT e, exercida que foi a gerência na devedora originária, no momento em que o facto constitutivo e o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto confluíram, cabe- lhe a ele provar a inexistência de culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária, para satisfação do crédito fiscal em execução, ou seja, impende sobre ele o ónus de demonstrar que não foi por sua culpa a falta de pagamento da dívida, que ora se discute.

IX – Sendo que a culpa relevante para a imputação da responsabilidade subsidiária é a que deriva da diligência exigível a um gerente, no sentido de cuidar do património da empresa para que esta se mantenha viva, progrida e cumpra com os seus credores, e a não satisfação desse desiderato leva a concluir pela sua omissão aos deveres a que se tinha proposto aquando da sua indigitação, que não cumpriu o dever de diligência e o mandato que lhe foi concedido.

X - À luz daqueles que são os deveres gerais de diligência, dos deveres funcionais de administração, daquela que é a atuação prudente e exigível na defesa dos interesses da sociedade de que foi gerente, o ora Recorrido, simplesmente, foi incapaz de materializar uma atuação que obviasse, ou, pelo menos, minorasse uma previsível situação de insuficiência do património societário, que configurasse uma conduta minimamente diligente da sua parte, não logrando, assim, demonstrar que tal insuficiência foi, de todo, alheia à sua vontade.

XI - Ao invés, afigura-se a esta Representação que o Recorrido, agiu com culpa pelo não pagamento dos tributos em dívida, já que, pese embora nunca tenha posto em causa a sua qualidade de gerente de direito e de facto da devedora originária, também, nunca mandou pagar as dívidas quer no prazo de cobrança voluntária quer coercivamente através do PEF que lhe foi instaurado para o efeito.

XII - Contudo, apesar de não ter pago as dívidas em crise, ressarciu – se com rendimentos quer da categoria “A” quer da categoria “F” da devedora originária, nos anos a que as dívidas respeitam, melhor descriminados no ponto 27.º das presentes alegações, concluindo-se que, atento aos elementos probatórios junto aos autos, tudo aponta no sentido que teve uma atuação conducente à insuficiência do património da devedora originária.

XIII – Assim, tendo o prazo de pagamento das dívidas em crise, terminado no período da sua gerência e, não tendo demonstrado quer a ausência de fundos quer que essa insuficiência não se ficou a dever à sua prudente e adequada gestão e, não tendo ilidido essa presunção de culpa que sobre ele recaia (artigo 24.º, n.º 1, al. b) da LGT), só nos resta inferir que é parte legítima para a reversão das dívidas, não sendo por isso, aquela ilegal.

XIV - Por último e, quanto ao facto do tribunal “a quo” defender que se desconhece a penhora do estabelecimento comercial e, que tal poderia permitir o cumprimento da dívida exequenda nos autos, devendo a AT não determinar a reversão até que se tivesse adquirido a certeza sobre o valor dos bens da devedora originária, diremos:

XV - Com a devida vénia, discorda a Fazenda Pública deste entendimento, uma vez que foi a própria devedora originária que requereu o pagamento da dívida em prestações, tendo oferecido como garantia bancária a hipoteca de bens imóveis de uma das suas sócias, isto porque, tinha consciência que o valor do trespasse não seria suficiente para garantir o pagamento das prestações em falta, como referiu em documentos junto as autos.

XVI – Facto que se veio a comprovar, uma vez que pese embora lhe tenha sido deferido o pedido do pagamento em prestação da dívida em crise, nunca conseguiu pagara nenhuma das referidas prestações.

XVII - Afigurando-se-nos, com a devida vénia, que laborou em erro o tribunal “a quo” ao concluir e afirmar que a AT não procedeu à avaliação (nem à penhora) dos estabelecimentos comercias da devedora originária, o que acarretou a procedência deste fundamento e, consequentemente da presente oposição.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a oposição por não estar demonstrada nos autos a insuficiência patrimonial da devedora originária.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Pelo averbamento da inscrição ap. 14/19490…., foi registada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a designação do ora Oponente como gerente da sociedade M....... & I........, Lda, obrigando-se esta com a assinatura de um gerente (cfr. certidão junta a fls. 114 e 115 do processo de execução apenso aos autos);

B) Foram instaurados contra a sociedade identificada em A), pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, os seguintes processos de execução fiscal, entretanto apensos:

1. Processo n.º 3247200401083…, instaurado em 14.12.2004, por dívida de IVA do período 2004/0…T, no valor de 9.132,69 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 16.08.2004;

2. Processo n.º 3247200501015…, instaurado em 23.02.2005, por dívida de IVA do período de 2004/0…T, no valor de 8.308,55 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 15.11.2004;

3. Processo n.º 3247200501041…, instaurado em 30.04.2005, por dívida de IVA do período de 2004/1…T, no valor de 6.196,62 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 15.02.2005;

4. Processo n.º 3247200501092…, instaurado em 24.06.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2004, no valor de 1.183,43 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.12.2004;

5. Processo n.º 3247200501096…, instaurado em 30.06.2005, por dívida de IVA do período de 2005/0…T, no valor de 8.663,06 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 31.05.2005;

6. Processo n.º 3247200501103…., instaurado em 04.08.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2004, no valor de 2.010,96 EUR, tendo

como data limite de pagamento voluntário o dia 20.01.2005;

7. Processo n.º 3247200501106…, instaurado em 06.08.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.197,71 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.02.2005;

8. Processo n.º 3247200501110…, instaurado em 11.08.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.139,54 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 24.03.2005;

9. Processo n.º 3247200501114…, instaurado em 07.09.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.164,29 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.04.2005;

10. Processo n.º 3247200501115…, instaurado em 07.09.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.150,79 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.05.2005;

11. Processo n.º 3247200501117…, instaurado em 07.09.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.145,26 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.06.2005;

12. Processo n.º 3247200501124…, instaurado em 05.10.2005, por dívida de IRC do ano de 2004, no valor de 7.905,62 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 24.08.2005;

13. Processo n.º 3247200501131…, instaurado em 14.10.2005, por dívida de IVA do período de 2005/0…T, no valor de 7.171,74 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 16.08.2005;

14. Processo n.º 3247200501132…, instaurado em 17.10.2005, por dívida de IRS (retenções na fonte) do ano de 2005, no valor de 1.464,79 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 20.07.2005;

15. Processo n.º 3247200501171…, instaurado em 18.12.2005, por dívida de IVA do período de 2005/0...T, no valor de 11.412,32 EUR, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 18.11.2005.

(cfr. fls. 1 e 176 e seguintes do processo de execução apenso);

C) Aos 19.06.2008, foi elaborado auto de penhora no âmbito dos processos de execução mencionados em B), assinado pelo ora Oponente, do qual consta a penhora e efectiva apreensão de “Equipamento utilizado na actividade da firma executada, que constitui todo o imobilizado corpóreo da mesma, devidamente descriminado em listagem anexa de três páginas e que se encontrava na sede da empresa”, relativos a dois restaurantes situados em C….... O........ e na Rua do A…....., em Lisboa, tendo sido atribuído aos bens o valor de 6.980,00 EUR (cfr. fls. 93 a 96 do processo de execução apenso);

D) Em 16.09.2008, no âmbito dos processos de execução mencionados em B), foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, com o seguinte teor:

“(…)


“Texto Integral com Imagem”

(…)” (cfr. fls. 101 e 102 do processo de execução apenso);

E) Em 27.09.2011, no âmbito dos processos de execução mencionados em B), foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, com o seguinte teor:

“(…)


“Texto Integral com Imagem”

(…)” (cfr. documento de fls. 113 do processo de execução apenso);


F) Ainda em 27.09.2011, foi elaborada, no âmbito dos processos de execução mencionados em B), a seguinte informação:


“Texto Integral com Imagem”


(…)” (cfr. documento de fls. 126-127 do processo de execução apenso);

G) No seguimento da informação mencionada na alínea anterior, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, no qual determinou a notificação do ora Oponente para efeitos de exercício do direito de audição prévia à reversão da execução identificada em B) supra, constando do mesmo o seguinte:

“(…)

“Texto Integral com Imagem”

(…)” (cfr. documento de fls. 127 verso do processo de execução apenso);


H) Notificado para o efeito, o Oponente apresentou, em 11.10.2011, requerimento onde exerceu o direito de audição prévia à reversão (cfr. documento de fls. 131 e 132 do processo de execução apenso);

I) Na sequência do mencionado em G) que antecede, foi elaborada informação, no âmbito dos processos de execução mencionados em B), com o seguinte teor:

“(…)


“Texto Integral com Imagem”

(…)

“Texto Integral com Imagem”



(cfr. documento de fls. 139-140 do processo de execução apenso);

J) Em 14.10.2011, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 despacho de reversão contra o ora Oponente da execução identificada em B) supra, com o seguinte teor:“

(…)

“Texto Integral com Imagem”



(…)

“Texto Integral com Imagem”


(…)” (cfr. documento de fls. 140 verso a 141 verso do processo de execução apenso);


K) No seguimento do despacho mencionado em J) que antecede, foi remetido ao Oponente, por carta registada com aviso de recepção, o designado ofício de “CITAÇÃO (Reversão)”, recepcionado em 18.10.2011, do qual consta, quanto aos fundamentos da reversão, o seguinte:

“(…)

(cfr. ofício de citação e aviso de recepção juntos a fls. 142 e 142 verso do processo de execução apenso).


*

FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.


*

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

No processo não está em causa o exercício efetivo da gerência da devedora principal por parte do Oponente, nem a sua culpa na insuficiência do património para solver as dívidas tributárias.

Ao contrário do que alega o Exmo. Representante da Fazenda Pública, nesta fase não se trata de saber se Oponente era ou não gerente da devedora originária e se provou, ou não a falta de culpa na insuficiência patrimonial, sendo, por tal razão, manifestamente improcedentes as conclusões I a XIII que pretendem demonstrar a gerência efetiva por parte do Oponente (admitida na petição inicial) e a sua culpa na insuficiência patrimonial da sociedade.

Antes de partirmos para essa discussão, é necessário averiguar se estão reunidos os pressupostos factuais relativos à insuficiência patrimonial da devedora principal para poder operar a reversão.

Com efeito, nos termos do art.º 22º/2 da LGT, para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas.

Resulta do n.º 3 do mesmo preceito que a responsabilidade tributária por dívidas de outrém e, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.

A subsidiariedade implica que o devedor só pode ser acionado por reversão na execução fiscal depois de comprovada a insuficiência dos bens do devedor principal.

O n.º 2 do art.º 23º da LGT concretiza esse princípio exigindo ao credor tributário que esgote, em primeiro lugar, o património do devedor originário e eventuais responsáveis solidários.

Por isso, a responsabilidade subsidiária apenas poderá ser concretizada depois de a AT confirmar a insuficiência de bens do devedor originário e responsáveis solidários, caso existam. Para o efeito, cabe-lhe desenvolver todas as diligências necessárias para apurar a existência de bens e, ou créditos, penhoráveis do devedor originário e responsáveis solidários.

E se depois dessas averiguações concluir pela inexistência ou insuficiência de bens, deverá prosseguir com o processo para reversão da execução contra o responsável subsidiário.

Isto não quer dizer que a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários esteja dependente do prévio esgotamento dos bens do devedor principal. Não está, pois nos termos do art.º 153º do CPPT:

1 - Podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas referidas no artigo 148.º, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada.

2 - O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Como vemos, a lei separa dois momentos distintos na responsabilização subsidiária. O primeiro, é o momento em que a administração tributária pode efetuar a reversão. Esse momento ocorre logo que se determine a insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e eventuais responsáveis solidários. Essa determinação decorrerá da avaliação do valor do ativo do responsável originário e da sua comparação com o valor da dívida.

Apurando-se a insuficiência do activo para solver as dívidas tributários, a AT poderá chamar à execução os responsáveis subsidiários e, após a necessária audição, constituí-los devedores mediante citação.

Neste caso, ficará suspenso o processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, como resulta do n.º 3 do art. 23º LGT, sem prejuízo de a AT poder lançar mão das providências destinadas a assegurar a cobrança do crédito tributário.

O segundo momento é aquele em que a AT pode iniciar os actos de coerção sobre o património do devedor. Neste (segundo) momento, antes de executar o património do devedor subsidiário, é necessário que tenha sido previamente excutido o património do devedor principal, a fim de se delimitar com precisão o âmbito da responsabilidade financeira do revertido[1].

Pois bem, no caso em apreço, a AT reverteu a execução contra o responsável subsidiário sem apurar se os bens da devedora originária eram ou não suficientes para solver a dívida tributária.

Ou seja, no primeiro dos momentos equacionados, a AT sem apurar o valor da totalidade dos bens que integram a esfera patrimonial da devedora principal, procedeu à reversão da execução contra o responsável subsidiário.

E não foi por desconhecer a existência de bens que a AT não os considerou. No exercício do direito de audição o revertido alertou para o facto de AT nada ter diligenciado “...relativamente ao apuramento do valor do trespasse do estabelecimento que certamente será significativo em função da sua antiguidade e bom nome, concluindo-se daqui que não estão reunidos os pressupostos materiais para que a reversão se verifique...”.

Perante esta observação, na informação subsequente dos serviços, diz-se apenas que “dada a conjectura económica grave do país, e tendo em conta uma regra básica da economia, em que um bem tem o valor que a procura lhe confere, de nada vale ao executado deter a posse de um trespasse sobre um estabelecimento de restauração com “...antiguidade...” e “...bom nome...”, se depois na venda não existirem propostas cujo valor permitam colmatar os valores em dívida da empresa...”.

Referindo ainda que “...nada impede a reversão contra os responsáveis subsidiários, a posterior citação e penhora, mas impedindo a venda dos bens, até que a excussão dos bens da empresa seja feita...

Ou seja, não obstante reconhecer a existência do bem em causa, a AT optou por desvalorizá-lo com base em critérios meramente subjectivos. Naturalmente, todos os bens têm o valor que a procura lhes confere pelo que, dizendo isso, não se diz nada de relevante. O que importa é saber se o bem é susceptível de procura, ou não, e qual o seu valor de mercado - de forma aproximada, evidentemente.

Mas a AT demitiu-se dessa averiguação e procedeu à reversão da execução. Ilegalmente, a nosso ver, pois não tendo avaliado todo o património da devedora principal não está habilitada a concluir que esta não tem bens suficientes para solver a dívida tributária.

Dito de outro modo, agora com referência ao quadro legal, não está demonstrada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal de que fala o art. 23º/2 LGT.

E foi a esta conclusão que a douta sentença chegou:

“... é pressuposto da reversão, accionando validamente os gerentes ou administradores por dívidas fiscais da empresa que representam, que esta não tenha bens suficientes para através deles se obter o pagamento dos débitos (benefício da excussão).

Ora, da análise do despacho de reversão sindicado nos autos e das informações que lhe serviram de suporte [cfr. alíneas D), E), F), G) I) e J) do probatório] verifica- se que, tendo o órgão de execução fiscal procedido à penhora de caixa, de contas bancárias, de um veículo automóvel com um valor comercial aproximado de 2.500,00 EUR e do imobilizado de dois estabelecimentos da devedora originária, o mesmo não diligenciou tendo em vista a avaliação dos referidos estabelecimentos enquanto universalidade, onde se inclui o invocado direito de trespasse, tal como alegado pelo Oponente.

Com efeito, a expressão “direito ao trespasse”, corresponde, em geral, a uma forma incorrecta de designar o próprio estabelecimento comercial como unidade jurídica, que se define como conjunto de bens e serviços organizado pelo comerciante para o exercício da sua actividade ou exploração comercial, devendo-se entender que é penhorado o próprio estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, abrangendo também o direito ao arrendamento e trespasse quando esteja instalado em prédio arrendado, até porque o direito ao trespasse («tout court») não é bem susceptível de penhora, na medida em que o trespasse não é nenhum bem.

Tal significa que o que pode ser penhorado não é o direito ao trespasse, mas sim a universalidade que é susceptível de ser trespassada, ou seja, o estabelecimento comercial.

No caso em apreciação, a Administração Tributária limitou-se a avaliar e penhorar o imobilizado dos referidos estabelecimentos comerciais, em vez de assim proceder quanto aos próprios estabelecimentos no seu conjunto, enquanto unidades jurídicas.

E confrontado o órgão de execução fiscal sobre tal falta, em sede de direito de audição prévia à reversão, foi referido em informação proferida no processo de execução, parcialmente reproduzida em I) do probatório, que, “dada a conjectura económica grave do pais, e tendo em conta uma regra básica da economia, em que um bem tem o valor que a procura lhe confere, de nada vale ao executado deter a posse de um trespasse sobre um estabelecimento de restauração com “…antiguidade…” e “…bom nome…”, se depois na venda não existirem propostas cujo valor possa colmatar os valores em dívida da empresa”.

Ora, esta é uma afirmação genérica e abstracta que nada nos diz quanto ao real ou presumível valor dos referidos estabelecimentos comerciais. E é isto que importava para a tomada da decisão de reversão. Sendo que é de presumir que um estabelecimento antigo e com bom nome, ainda que em período de baixa económica, não terá um valor económico de menosprezar. Para mais estando situados em C….... O…..... e na Rua do A…..... [cfr. alínea C) do probatório].

Certo é, e isto é que importa, que a Administração Tributária não procedeu à avaliação (nem à penhora) dos estabelecimentos comerciais da devedora originária, limitando-se à avaliação e penhora dos seus bens imobilizados.

Ora, “o conceito «fundada insuficiência» constante do n.º 2 do artigo 23.º da LGT e da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, deve ser fixado objectivamente com recurso aos conhecimentos técnicos, de forma a obter uma avaliação rigorosa dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo ser preenchido subjectivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre o valor dos bens penhorados” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.2012, processo n.º 0123/12).

Tratando-se de bens penhoráveis, incumbia à A. Fiscal averiguar sobre o seu estado e valor, para a partir daí poder extrair uma conclusão justificada e segura sobre a respectiva suficiência ou insuficiência para pagamento da dívida exequenda e sustentar a legalidade da reversão contra o devedor subsidiário” (acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.01.2006, processo n.º 00032/05.2BEPNF).

Ao lançar mão do conceito indeterminado “insuficiência” de bens, exigindo até que tal insuficiência seja “fundada”, a lei obriga a que o órgão da execução fiscal faça uma investigação aturada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos responsáveis solidários” (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.10.2015, processo n.º 07046/13).

Nos termos do artigo 23.º/2, da LGT, compete à A. Fiscal o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes” (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.02.2016, processo n.º 07514/14).

No caso em exame, desconhece-se se a penhora do estabelecimento comercial permite garantir o cumprimento da dívida exequenda nos autos. No entanto, tal só seria possível através de uma avaliação técnica que não chegou a ser feita. Mas se assim é, ou seja, se não existe um juízo certo e firme sobre o valor dos bens da devedora originária susceptíveis de garantir a dívida exequenda, então, como já foi decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.10.2016 (processo n.º 09123/15), “o dever da Administração é o de não determinar a reversão até que se adquira a certeza sobre tal valor e se apure da sua suficiência para cumprimento da dívida exequenda (artigo 23.º/2, da LGT). O que no caso não logrou ser feito. Pelo que a reversão não se pode manter e a execução deve ser extinta quanto ao oponente/recorrido”.

Com os fundamentos invocados, a sentença determinou a extinção do processo de execução fiscal n.º 32472000401083…. e apensos.

Mas como o julgamento respeita apenas ao despacho de reversão que não foi precedido das necessárias averiguações de bens, consideramos mais adequada a revogação do despacho de reversão e consequente absolvição do Oponente da instância executiva, como é jurisprudência do STA[2] e não a extinção do processo de execução fiscal, como foi decidido na sentença.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Contudo, revoga-se o segmento decisório da sentença na parte em que determinou a extinção do processo de execução fiscal, que ora se substitui pela absolvição da instância do Oponente da instância executiva.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Mário Rebelo)

(Patrícia Manuel Pires)

(José Vital Brito Lopes)

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[1] Seguimos de perto José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 198 e segs.
[2] Cfr. Ac. do STA n.º 0700/15 de 24-02-2016 Relator: CASIMIRO GONÇALVES