Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1003/10.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
ÓNUS PROBATÓRIO
INEXISTÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS
INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL
CULPA
Sumário:I-A demonstração da inexistência ou insuficiência fundada de bens do devedor originário recai sobre a Entidade Exequente, sendo que o conceito de “fundada insuficiência” deve ser fixado objetivamente.

II-Os pressupostos de facto determinantes para a reversão, quantia em dívida e insuficiência patrimonial do devedor originário, são os que se verificarem no momento da reversão.

III-Tendo o despacho de reversão sido emitido com base na inexistência de bens penhoráveis, e remetendo, expressamente, para as diligências efetuadas pela AT, não enferma de qualquer erro nos pressupostos de facto, seja porque não se comprova a existência de bens penhoráveis, seja porque não há qualquer deficit de instrução, que possa redundar em erro invalidante da reversão.

IV-Subsumindo-se a realidade fática no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, a demonstração da inexistência de culpa na insuficiência do património e no pagamento das dívidas revertidas compete ao Recorrente, não obstante a prova gerência de facto se encontrar na esfera jurídica da AT.

V-Se resulta, por um lado, demonstrado que o gerente optou por dar prioridade ao pagamento aos trabalhadores, em detrimento da AT, e, por outro lado, o Recorrente não alega factualidade e não demonstra, como legalmente se impunha, que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, não ilide a presunção legal de culpa que sobre si impende.

VI-Ademais, resultando provado que as dívidas objeto de cobrança coerciva, integram dívidas de retenção na fonte e IVA, tal imprime uma densidade superior na ilisão da culpa, na medida em que as quantias foram retidas e já se encontravam na posse da devedora originária, logo alocou-as, como visto deliberadamente, para outros campos e circuitos financeiros.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


C… (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 352………….. e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “U… Lda”, tendo por objeto a cobrança coerciva de dívidas referentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de 2002, 2003, 2004 e 2005, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-Retenção na Fonte (IRS-RF) dos anos de 2004, 2005 e 2006, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios, de 2002, 2003, 2004 e 2005 e coimas, tudo no montante global de €542.550,89, a qual julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide relativamente às dívidas de coimas e improcedente no demais.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1ª Ao contrário do disposto no art. 659° n° 2 do CPC, que apenas impõe que o Tribunal discrimine os factos que considera provados, o art. 123° n° 2 do CPPT impõe que o Tribunal discrimine a matéria provada da não provada e fundamente a respetiva decisão, pelo que, não tendo havido uma seleção da matéria considerada relevante para a decisão da causa, apenas indicar quais os factos julgados provados e não referir que factos foram julgados não provados com relevância para a decisão da causa, consubstancia uma violação do referido art. 123° n° 2 do CPPT e, consequentemente, a nulidade prevista no art. 125° n° 1, 2a parte, do CPPT (feita de discriminação dos factos relevantes para a decisão da causa julgados não provados), o que expressamente se argui para todos os devidos efeitos.

2ª Sobre a questão de saber se, no caso dos presentes autos, em que não houve sequer identificação e muito menos penhora dos bens ainda da propriedade da devedora principal, se pode operar a reversão contra o devedor subsidiário ou se, pelo contrário, em tal hipótese, se mostra, em concreto, abusiva qualquer reversão, por não ter sido, na verdade, feito qualquer juízo fundado sobre a suficiência ou não dos bens propriedade da devedora originária para pagamento da quantia exequenda, não se verificando portanto os pressupostos de que o legislador a faz depender a reversão, nos termos do art. 23° da LGT, o Tribunal a quo não se pronunciou, quando se impunha que o fizesse, razão pela qual se mostra verificada a nulidade de feita de pronúncia sobre questão que o juiz deva apreciar, prevista no art. 125° n° 1, 4a parte, do CPPT, o que expressamente se argui para todos os devidos efeitos.

3ªA sentença recorrida deveria ter recaído expressamente sobre os seguintes factos, considerados pelo próprio Tribunal a quo, e bem, relevantes para a decisão da causa, os quais devem ser julgados provados:

a. A devedora principal era, à data da reversão contra o ora oponente (e ainda é atualmente) proprietária de bens penhoráveis;

b. Tais bens não foram objeto de qualquer penhora no âmbito do processo de execução fiscal no qual foi operada a reversão contra o ora oponente;

c. Não foi assim sequer ponderada a suficiência ou insuficiência de tais bens penhoráveis propriedade da devedora principal para a satisfação da dívida exequenda;

d. Não tendo havido penhora de tais bens no âmbito do processo de execução fiscal onde foi operada a reversão, não foi atribuído a tais bens qualquer valor, o que impossibilita a ponderação sobre a sua suficiência para satisfação da dívida.

4ª A matéria fáctica vertida na al. AB) dos factos provados deveria ter sido julgada não provada, devendo, em sua substituição, ser dado como provado que:

- o Oponente, enquanto gerente da devedora originária, Apenas tinha a alternativa de optar entre o não pagamento dos salários líquidos e não pagamento ao fornecedor único, C……, com o consequente inevitável encerramento da sua atividade e inerente irrecuperabilidade das dívidas já vencidas e, por outro lado, a não entrega ao Estado dos valores correspondentes ao cumprimento das obrigações tributárias e para-fiscais da sociedade de molde a conseguir manter a sociedade em atividade (factos vertidos nos artigos 122° e 123° da petição inicial de oposição); e que

-o Oponente acabou por pagar os salários líquidos aos trabalhadores e pagar ao seu fornecedor único para a continuação da atividade da Univícola, como única forma de impedir o encerramento da atividade da devedora originária e, consequentemente, como única forma de tentar recuperar os montantes necessários para o pagamento das dívidas vencidas (fectos vertidos no artigo 124° da petição inicial de oposição).

5ª Caso se considere que não se verifica a nulidade de falta de pronúncia sobre questão que o juiz deva apreciar, pelas razões expostas no capítulo III supra, ainda assim não poderia o recorrente deixar de discordar do Tribunal a quo, por este ter considerado que não se mostrava violado o art. 23° n° 2 da LGT, já que não se pode deixar de considerar que este preceito legal impõe que se apure quais os concretos bens da propriedade do devedor principal e qual o seu valor e apenas com tais elementos se possa concluir pela fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário, o que não foi feito no caso sub iudice, pelo não é possível concluir, como concluiu o Tribunal a quo, pela fundada insuficiência de bens do devedor originário.

6ª Tendo o Tribunal a quo reconhecido na fundamentação da decisão, a fls. 10 da douta sentença, que «perante a prova produzida, quando muito afigura- se-nos, que o Oponente não tem culpa pela actual situação de insuficiência patrimonial da empresa para responder pelas dívidas exequendas e que foi um gestor cuidadoso (...)», não se pode deixar de reconhecer que o Oponente e ora Recorrente geriu da melhor forma possível a sociedade devedora originária, com o maior zelo e diligência, embora as circunstâncias do mercado em que a atividade da sociedade se inseria e particularmente as alterações impostas pela Sociedade C…, de quem esta dependia economicamente, a tenham impedido de ter ganhos suficientes para cumprir todas as obrigações societárias para com os credores, entre os quais o Estado, pelo que se deve concluir que a falta de pagamento dos impostos em causa não é imputável ao Recorrente, julgando-se procedente o presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!”


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A Recorrida Fazenda Pública, devidamente notificada não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa segundo as várias soluções de direito resulta assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) No dia 30.07.1998 foi constituída a sociedade por quotas “U… Lda”, tendo sido nomeados gerentes C… e E…. (Doc. a fls.162/164 do PEF)

B) A sociedade obriga-se com a assinatura conjunta de ambos os gerentes. (Doc. a fls.162/164 do PEF)

C) Corre termos no Serviço de Finanças de Oeiras - 3 o processo de execução fiscal n.º 35……….. e apensos, contra «U… Lda», tendo por objecto a cobrança coerciva de dívidas de referentes IVA (2002, 2003, 2004 e 2005), IRS (2004, 2005 e 2006), IRC (2002, 2003, 2004 e 2005) e Coimas no montante de € 542.550,89.(PEF)

D) No dia 03.04.2006, a Policia de Segurança Pública lavrou os “Autos de Apreensão” relativos aos veículos de matrícula …….., ……, ……, …… e ….., propriedade da devedora originária, tendo sido designado fiel depositário o Oponente. (Doc. fls. 391/395 dos autos)

E) No dia 22.07.2008, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 3, proferiu despacho determinando a notificação para exercício do direito de audição prévia do Oponente, para efeito da reversão da execução por dívidas no processo de execução fiscal a que alude a al.C) do probatório. (Doc. fls. 115 do PEF)

F) No dia 06.08.2008, o Oponente exerceu o direito de audição prévia, nos termos documentados a fls. não paginadas do PEF.

G) No dia 27.08.2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 3 proferiu despacho de reversão, do qual consta designadamente o seguinte:

“De acordo com as diligencias efectuadas e a informação disponível nas aplicações informáticas da “ Justiça Fiscal”, cujos extractos se juntam a estes Autos a folhas 220 e seguintes, verifica-se que a devedora principal, U… Lda (…) não tem bens ou valores susceptíveis de penhora. (…)

Constatada a inexistência de bens da originária devedora tendo como fundamento legal o disposto no artigo al.b) do n.º1 do artigo 24º da LGT, artigo 153º, n.º2 al.a) do CPPT e ainda al.b) do n.º1 do art.8º do RGIT ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra os subsidiários responsáveis gerentes (…) C… (…) pela divida supra identificada e que esteve na origem do presente processo (…).” (Doc. a fls.237/238 do PEF)

H) No dia 02.01.2011, o Oponente foi citado na execução. (Doc. a fls. 247/251 e 252 do PEF)

I) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 3 de 22.06.2011, foram excluídos da reversão os processos de execução relativos as coimas fiscais no montante de € 63.479,42, tendo sido determinado o prosseguimento da execução apenas quanto ao valor da quantia exequenda remanescente de € 479.071,47. (Doc. fls.249 dos autos)

J) A devedora originária foi distribuidora oficial dos produtos produzidos e comercializados pela Sociedade C….., S.A., em regime de exclusividade. (Doc. n.º1 junto à p.i. e prova testemunhal)

L) A devedora originária realizou investimentos em frota de veículos pesados, em recursos humanos e em outros meios materiais, que não podiam sequer ser usados para a comercialização de outros produtos. (Prova testemunhal)

M) Os investimentos a que alude a al.L) do probatório foram realizados para conseguir exercer a referida actividade de distribuidora exclusiva da C…. (Prova testemunhal)

N) A devedora originária viu-se forçada a rejeitar a distribuição de várias marcas concorrentes com as da C… para a zona geográfica que lhe estava atribuída. (Prova testemunhal)

O) A devedora originária encontrava-se numa situação de total dependência económica da C… desde 1992, revendendo apenas na área geográfica que lhe fora adjudicada pela C…. (Prova testemunhal)

P) A actividade da devedora originária era acompanhada, fiscalizada e controlada pela C….(Docs. nºs 7 e 8, 15 e 16 juntos à p.i. e prova testemunhal)

Q) A C…, com a alteração da sua estrutura accionista, a partir de 2001, iniciou todo um processo de alteração da sua estrutura de distribuição, numa luta pelo controlo do mercado cervejeiro português, tendo implementado novas políticas comerciais e de gestão, que passaram pelo estabelecimento de uma política de promoções agressiva, que todos os distribuidores foram obrigados a praticar e suportar. (Prova testemunhal)

R) O lucro da actividade da devedora originária diminuiu em consequência do comportamento comercial da C…. (Prova testemunhal)

S) A C… acordava directamente com os Clientes da devedora originaria as condições comerciais que deveriam ser praticadas pela, impondo que o desconto de rappel e outros descontos fossem suportados que apenas era reembolsada a preço de custo, o que praticamente anulava a margem de lucro da devedora originária, sem que esta pudesse negociar tais condições. (Docs. nºs 17 a 20 juntos á p.i. e prova testemunhal)

T) Foram exigidos, pela C…, a realização de investimentos, não só no que respeita à permanente (re)decoração dos veículos e fardamento do pessoal, mas sobretudo com o equipamento/sistema informático (designadamente com o Projeto 3E) e recursos humanos especializados em gestão e que estivesses habilitados a operar com tal sistema. (Docs. nºs 2 a 6 juntos á p.i. e prova testemunhal)

U) Foram retirados à devedora originária Clientes essenciais (entre os quais o Cliente S…, em Julho de 2002), por parte da C…. (Docs. nºs 9 a 14 juntos à p.i. e prova testemunhal)

V) Em virtude das políticas comerciais praticadas pela C…, a situação financeira da devedora originaria foi-se degradando, não conseguindo diminuir o seu passivo na conta corrente com a C…, tendo celebrado com esta um acordo de pagamento em prestações do referido passivo. (Docs. nºs 22 e 23 juntos à p.i. e prova testemunhal)

X) Em março de 2005, a devedora originária intentou uma providência cautelar contra a C…, para evitar a cessação do contrato de distribuição e da sua actividade, à qual foi dado total provimento. (Doc. n.º 28 junto à p.i.)

Z) O Oponente, como gerente da devedora originária, tinha conhecimento da existência de dividas Estado.(Prova testemunhal)

AA) Entre o Oponente e representantes da Fazenda Pública foram realizadas reuniões para tentar solucionar a difícil situação da devedora originária, tendo o Oponente proposto dar à Fazenda Nacional todos os bens indicados no Doc. n.º29 junto à pi. e prova testemunhal.

AB) O Oponente optou por não proceder à entrega dos valores correspondentes ao cumprimento das obrigações tributárias e para-fiscais da sociedade procedendo ao pagamentos dos salários líquidos e ao seu fornecedor único, C…. (Prova testemunhal)

AC) O Oponente sempre geriu a devedora originária, com toda a diligência de que era capaz e tentou cumprir os seus deveres de gerente o melhor que foi capaz. (Prova testemunhal)


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A decisão recorrida considerou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, e bem assim nos depoimentos prestados, tudo conforme retratado nas alíneas do probatório.”

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Elimina-se a alínea AC) constante na factualidade assente, porquanto a mesma mais não representa que uma conclusão, inteiramente concatenada com a questão de direito em discussão nos autos, concretamente ilisão da culpa, e inerente demonstração da existência de uma gestão criteriosa e diligente por parte do Oponente, ora Recorrente, donde insuscetível de integrar o acervo fático.

Com efeito, o que tem de integrar a factualidade são as ocorrências da vida real devidamente substanciadas espácio-temporalmente, para que depois o Tribunal possa concluir se o Oponente, ora Recorrente, foi diligente e se atuou com o critério e prudência legalmente exigíveis.

Destarte, “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado (1)”.


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (2)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

H) A 29 de agosto de 2008, o Serviço de Finanças de Oeiras 3, expediu carta registada com aviso de receção endereçada para o Oponente, para o seu domicílio fiscal sito em Rua ……... nº…, …,- …, …., …., com a indicação alfanumérica RC02……., tendente à citação da reversão indicada em G), a qual foi recebida 01 de setembro de 2008 (cfr. doc. de fls. 250, e 298 e 299 dos autos);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

AC) A 5 de maio de 2001, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, apresentou requerimento de plano de pagamento prestacional, referenciado em AA), tendo nomeado para efeitos de garantia um conjunto de veículos automóveis ligeiros de mercadorias, o stock existente no armazém sito na Quinta da Bela Vista e bem assim o direito ao trespasse desse mesmo armazém, cujo valor global dos bens ascendia a €580.114,94 (cfr. fls. 244 a 247 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

AD) A 21 de fevereiro de 2007, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, apresenta um requerimento junto do órgão da execução fiscal do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“U…, LDA., pessoa colectiva n.° ………………, executada no processo acima referido, tendo para tal efeito sido notificada, vem juntar ao mesmo os elementos contabilísticos solicitados, prestando os seguintes esclarecimentos:

A executada vem requerer a junção do balancete analítico datado de Dezembro de 2006, o qual ainda não se encontra devidamente concluído, conforme se verifica pela sua análise - Cfr. Doc. n.° 1 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido.

A executada vem juntar aos autos o mapa de amortizações datado de 2005, por ser o único de que dispõe — Cfr. Doc. n. 2 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido.

A executada faz notar que, dos veículos automóveis referidos nesse mapa apenas dispõe dos veículos de mercadorias com as matrículas …, …, …, … e …, os quais se encontram apreendidos, no âmbito do processo nº ………. e aps, movido pelo Instituto de Segurança Social-Cfr. Docs nºs 3 a 7 que se juntam.

Os restantes veículos foram entregues para abate, por nem sequer ser possível a sua deslocação.

Quanto à facturação, a executada informa que, desde 15.07.2005, que deixou de ter actividade comercial, pelo que não procedeu a qualquer facturação nos últimos 90 dias.

A executada, em virtude da cessação da sua actividade comercial, não dispõe de quaisquer instalações arrendadas, tendo cessado os contratos de arrendamento de que era titular em Junho de 2004 e em Novembro de 2005 - Cfr. Docs. n.°s 8 e 9 que se juntam.

JUNTA: 9 documentos e uma cópia.” (cfr. fls. 389 e seguintes dos autos);

AE) A 28 de maio de 2008, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº ………… e apensos, cujo valor da quantia exequenda ascendia a €542.550,89, e acrescidos no montante de €149.694,70, tudo perfazendo o valor global de €692.245,59 (cfr. fls. 94 a 97 do PEF apenso);

AF) A 07 de agosto de 2008, a AT realizou diligências tendentes a apurar da existência de bens penhoráveis na esfera da sociedade devedora originária “U…, Lda”, tendo indagado da existência de bens imóveis, resultando a asserção de que “não foram encontrados quaisquer prédios” (cfr. fls. 132 e 222 do PEF apenso);

AG) Na mesma data foram encetadas diligências de pesquisa junto do Sistema Informático de Penhoras Eletrónicas (SIPA) no atinente a “Outros Valores e Rendimentos”, “Certificados de Aforro”, “Rendas”, “Embarcações”, resultando a indicação de que “não foram encontrados registos” (cfr. fls. 222 a 224 do PEF apenso);



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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide relativamente às dívidas de coimas e improcedente no demais, não se conformando com o Recorrente com a aludida improcedência.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

Ø a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;

Ø em caso negativo se incorre em erro de julgamento de facto, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, ter omitido factualidade reputada fundamental para a presente lide.

Ø a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos da reversão, no atinente ao benefício da excussão prévia e relativamente à demonstração da culpa.

Apreciando.

Comecemos pela nulidade por falta de fundamentação de facto.

Alega a Recorrente que de harmonia com o disposto no artigo 123.º do CPPT o juiz na elaboração da sentença deve descriminar a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões, o que não foi cumprido pelo Tribunal a quo, na medida em que não ocorreu uma seleção da matéria considerada relevante para a decisão da causa, apenas sendo indicados os factos julgados provados e nada referindo quantos aos factos não provados com relevância para a decisão da causa, existindo uma fórmula genérica para o efeito, o que consubstancia uma violação do referido artigo 123.° n° 2 do CPPT.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação de facto, a Doutrina (3) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (4)”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III denominado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, evidenciando se o suporte é meramente documental ou testemunhal e existindo um item inerente à própria motivação da matéria de facto-o qual, em rigor, não é sindicado-.

Logo quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, ocorreu a correspondente fixação e ponderação permitindo percecionar a factualidade reputada relevante para a lide e o respetivo meio probatório atinente ao efeito.

No concernente à factualidade não provada consta na sentença sub judice a seguinte menção: “Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa”, entendendo-se que a aludida fórmula-ainda que não represente a melhor e mais adequada técnica jurídica- contém o mínimo de fundamentação que afasta tal nulidade (5).

Note-se ademais, que contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente existiu uma seleção da matéria de facto relevante, conforme se pode aferir, com clareza, do teor do elenco da factualidade contemplada nas alíneas A) a AC), sendo que se essa fundamentação é acertada e se o Tribunal a quo analisou com a devida propriedade e com acerto o litígio, já não integra nulidade da decisão, mas, tão-só, erro de julgamento.

Daí que não possa lograr provimento, neste e para este efeito, o expendido pela Recorrente quanto à factualidade contemplada no requerimento apelidado de ampliação da base instrutória, até porque, nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, é de distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Logo, como é bom de ver, não é pela liminar admissão de um requerimento de ampliação da base instrutória e pela asserção, preliminar, que a factualidade nele invocada pode revestir, eventualmente, relevo para a presente lide, que, a final, a mesma tem de integrar o probatório.

É certo que a factualidade constante no acervo probatório, pode afigurar-se insuficiente para dirimir o litígio, no entanto, tal a suceder, redunda, quando muito em erro de julgamento e não em nulidade da decisão por falta de fundamentação. Ademais, o Tribunal ad quem, no âmbito dos seus poderes de cognição já procedeu ao aditamento e às alterações ao probatório que reputou relevantes para a presente lide.

Em face de todo o exposto, e tendo presente que, como visto, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade da decisão recorrida, conclui-se que inexiste nulidade por falta de fundamentação de facto.

Atentemos, ora, na nulidade por omissão de pronúncia.

O Recorrente sustenta que pese embora concorde com a conclusão adotada pelo Tribunal a quo no atinente à densificação do conceito de benefício de excussão prévia, a verdade é que a questão foi colocada com outra dimensão e perspetiva, e com base em realidade fática não ponderada, ou seja, o que era importante aferir e analisar era da concreta possibilidade e legitimação da reversão porquanto não foram identificados bens suscetíveis de penhora, inviabilizando, nessa medida, a efetivação da reversão por falta de cumprimento dos pressupostos contemplados no artigo 23.º da LGT.

Ora vejamos,

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (6).

Vejamos, então.

Atentando na petição inicial constata-se que o Recorrente convoca o benefício da excussão prévia, o qual é densificado, ulteriormente, no requerimento denominado de ampliação de base instrutória -expressamente, admitido pelo Tribunal a quo e sem qualquer contestação, donde, devidamente consolidado nos autos-arguindo a falta de verificação dos pressupostos contemplados no artigo 23.º, nº2 da LGT, atinentes à demonstração da prévia excussão do património da sociedade devedora originária.

Sendo que o Juiz do Tribunal a quo, no item que intitula de “prévia excussão do património da sociedade” analisa a questão e convoca, desde logo, a argumentação das partes, aludindo aos cinco veículos propriedade da devedora principal identificados no aludido requerimento de base instrutória, entendendo, no entanto, que face ao regime legal vigente “[n]ão é hoje necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão (…) sendo bastante que se verifique a fundada insuficiência, resultante do auto de penhora ou de outros elementos de que órgão da execução fiscal disponha”.

Pelo que, o Tribunal a quo analisou a questão convocada, embora tenha concluído no sentido inverso ao propugnado pelo Recorrente, no entanto, como é bom de ver, tal não configura omissão de pronúncia.

Mais uma vez importa frisar que se o Tribunal a quo analisou, adequada e acertadamente a questão à luz da factualidade carreada aos autos, tal configurará, verificando-se, um erro de julgamento. De resto, importa ter presente que os aludidos bens móveis sujeitos a registo constam da factualidade assente, mormente, na alínea D), sendo que se foi devidamente interpretada essa factualidade ou se foi descurada factualidade reputada relevante para a apreciação da aludida questão tal não traduz, de todo, omissão de pronúncia.

Com efeito, como doutrinado no Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, prolatado no processo nº 7095/10, datado de 23 de março de 2017: “O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. (…) O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.”

Destarte, tendo a sentença recorrida emitido pronúncia sobre a questão do benefício da excussão prévia, e concluído pela verificação dos pressupostos para a reversão, pese embora possa padecer de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, não padece, seguramente, de omissão de pronúncia.


***


Aqui chegados, atentemos, ora, na impugnação da matéria de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (7).

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Vejamos, então, quais as concretas alegações neste particular.

O Recorrente requer, desde logo, que sejam aditados como factos provados os que infra se descrevem, e que alega encontrarem-se suportados documentalmente:

1 - A devedora principal era, à data da reversão contra o ora oponente (e ainda é atualmente) proprietária de bens penhoráveis;

2 - Tais bens não foram, objeto de qualquer penhora no âmbito do processo de execução fiscal no qual foi operada a reversão contra o ora oponente;

3 - Não foi assim sequer ponderada a suficiência ou insuficiência de tais bens penhoráveis propriedade da devedora principal para a satisfação da dívida exequenda;

4 - Não tendo havido penhora de tais bens no âmbito do processo de execução fiscal onde foi operada a reversão, não foi atribuído a tais bens qualquer valor, o que impossibilita a ponderação sobre a sua suficiência para satisfação da dívida.

Mas, a verdade é que atentando nas considerações de direito supra expendidas, a Recorrente não cumpriu os requisitos elencados no citado artigo 640.º do CPC, porquanto, não obstante faça menção a fls. 391 a 395 dos autos, a verdade é que o faz genericamente e no sentido da asserção da alínea D) dos factos provados, e sem que daí permita inferir qualquer meio probatório-perfeitamente individualizado e devidamente substanciado, como legalmente se impõe-para cada um das realidades fáticas supra aludidas e para as quais requer o respetivo aditamento.

De relevar, outrossim, que pese embora convoque fls. 68 e seguintes do processo de execução fiscal-ainda que, mais uma vez de forma genérica e não devidamente concretizada- a verdade é que, ainda assim, não é possível inferir qualquer correspondência com os aludidos factos.

Com efeito, era fundamental que para cada um dos factos supra expendidos indicasse, com a devida substanciação e motivação, o evidenciado meio probatório e porque razão assim o ajuizava, o que, como visto, não sucede no caso vertente. Mais importa relevar que, não pode, de todo, consubstanciar uma impugnação da matéria de facto, com os requisitos consignados no aludido normativo, uma remissão genérica para a factualidade vertida no requerimento de ampliação de base instrutória.

Ora, como é bom de ver, tendo presente a disciplina constante no citado normativo quanto à impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo. (8)

De todo o modo, e sem embargo do exposto, sempre importa relevar que as aludidas asserções não revestem, de todo, a roupagem de um facto porquanto, por um lado, eminentemente conclusivas, valorativas e coadunadas com o thema decidendum, e por outro lado, sem a devida substanciação em termos espácio-temporais.

Note-se que, a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais(9)”.

Prosseguindo.

O Recorrente requer, outrossim, que a matéria de facto constante na alínea AB), seja julgada como não provada, porém não avança qual o meio probatório atinente ao efeito, sendo certo que a aludida alínea foi fixada por meio da valoração da prova testemunhal produzida, e o Recorrente não procede à sua impugnação convocando quais os depoimentos que foram, erradamente, valorados com os respetivos trechos áudio tendentes a justificar que a aludida factualidade passasse a constar como não provada.

De sublinhar, neste particular, que ainda não se alcance, com clareza, o que o Recorrente pretende inferir quanto ao confronto da alínea AB) com as alíneas O), R), U) e V), sempre importa relevar que não se vislumbra qualquer contradição que permita fundar a assunção da realidade consignada na alínea AB), enquanto factualidade não provada.

Pelo que, sem necessidade de considerandos adicionais rejeita-se, igualmente, a aludida impugnação.

Prosseguindo, ainda, no campo da impugnação da matéria de facto, concretamente no aditamento dos factos que infra se enumeram:

- o Oponente, enquanto gerente da devedora originária, apenas tinha a alternativa de optar entre o não pagamento dos salários líquidos e não pagamento ao fornecedor único, C…, com o consequente inevitável encerramento da sua atividade e inerente irrecuperabilidade das dívidas já vencidas e, por outro lado, a não entrega ao Estado dos valores correspondentes ao cumprimento das obrigações tributárias e para-físcais da sociedade de molde a conseguir manter a sociedade cm atividade (factos vertidos nos artigos 122.º e 123.º da petição inicial de Oposição e que resultam da prova testemunhal, designadamente das declarações das testemunhas G… e Dra. P…);

-o Oponente acabou por pagar os salários líquidos aos trabalhadores e pagar ao seu fornecedor único para a continuação da atividade da Univinícola, como única forma de impedir o encerramento da atividade da devedora originária e, consequentemente, como única forma de tentar recuperar os montantes necessários para o pagamento das dívidas vencidas (factos vertidos no artigo 124º da petição inicial de oposição e que resultam da prova testemunhal, designadamente das declarações das testemunhas G… e Dra. P…).

Mas a verdade é que também, neste âmbito, não foram cumpridos os requisitos consignados no citado normativo, e isto porque, ainda que o Recorrente referencie a formulação dos respetivos factos –cuja formulação, de resto, e à semelhança do evidenciado anteriormente era insuscetível de figurar enquanto tal, na medida em que era conclusiva, valorativa e consubstanciava o juízo de entendimento que o Recorrente propugna quanto à questão em contenda- a verdade é que fundando-se o aludido aditamento, exclusivamente, na prova testemunhal o Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita.

Com efeito, ainda que convoque o depoimento das testemunhas inquiridas, a verdade é que não indica, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desses mesmos depoimentos, não realizando, outrossim, qualquer transcrição dos mesmos e que permita suportar o aditamento requerido.

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC , aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Face a todo o exposto, é rejeitada a impugnação da matéria de facto, na medida em que não cumpre com os requisitos evidenciados no citado artigo 640.º do CPC.


***


Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos da reversão, em termos da demonstração da inexistência/insuficiência do património e do benefício da excussão prévia e em sede de culpa.

Vejamos, então.

O Recorrente defende que foi preterido o disposto no artigo 23.º, nº2 da LGT, na medida em que previamente à reversão operada contra o Recorrente, não foi ponderada a suficiência ou insuficiência de bens penhoráveis propriedade da devedora principal, sendo certo que a sociedade devedora originária ofereceu e nomeou bens à penhora, conforme resulta da alínea AA) da factualidade assente, tendo, outrossim, sido apreendidos veículos automóveis como atestado pela alínea D) do acervo fático.

Sublinhando, assim, que atentando no despacho de reversão não resulta demonstrada qualquer ponderação quanto à existência de bens penhoráveis, o seu valor e a sua insuficiência para o pagamento da dívida exequenda, sendo que apenas com esses elementos se pode concluir pela fundada insuficiência de bens do devedor originário, donde o cumprimento do aludido artigo 23.º, nº2 da LGT.

Apreciando.

Para o efeito, importa, desde logo, ter presente que segundo o consignado no artigo 22.º, nº3 da LGT: “A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.”

Sendo, igualmente, de convocar o artigo 23.º da LGT, o qual sobre a epígrafe de “responsabilidade tributária subsidiária” dispõe que:

“1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.

3 - Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

E bem assim o preceito legal 153.º, n.º 2, do CPPT, o qual prevê que:

“O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos legais resulta que, por um lado, o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, donde satisfazendo o crédito primeiramente de acordo com os seus bens, só podendo, assim, exigir o cumprimento por parte do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles, e por outro lado, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores. Mais importando ter presente que a demonstração da inexistência ou insuficiência fundada de bens do devedor originário, recai sobre a Entidade Exequente (artigo 74.º, n.º 1, da LGT).

Sendo certo que da interpretação conjugada dos nº 2 e 3 do citado normativo 23.º da LGT, dimana a possibilidade de emissão do ato de reversão antes da prévia excussão dos bens do devedor originário, na medida em que a letra da lei utiliza, expressamente, as expressões “bens penhoráveis” e “sem prejuízo do benefício da excussão” as quais, naturalmente, só têm sentido se a reversão ocorrer antes da excussão.

O mesmo se inferindo da possibilidade de suspensão consignada no aludido nº3, a qual só se encontra razão de ser na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, sob pena da mesma ser desprovida de qualquer sentido útil.

No atinente ao âmbito e alcance da expressão “fundada insuficiência”, importa chamar à colação o doutrinado no Aresto proferido pelo STA, no âmbito do processo nº 0123/12, de 16 de maio de 2012, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“A lei utiliza a expressão «fundada insuficiência», sem porém fornecer critérios seguros que orientem o órgão de execução fiscal na formulação do juízo sobre a previsível insuficiência do património do devedor originário para satisfação da dívida exequenda e acrescido. Isso não significa que aquelas normas usem o conceito indeterminado «insuficiência» pura e simplesmente para atribuir ao órgão de execução qualquer liberdade na avaliação dos bens penhoráveis. Que não se trata de uma directriz de discricionariedade resulta logo da alínea b) do nº 2 artigo 153º do CPPT ao considerar como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência «os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha». Com esta indicação o legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um juízo técnico da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário.

Ou seja, o conceito «insuficiência» deve ser fixado objectivamente com recurso aos conhecimentos técnicos do direito fiscal, de forma a obter uma avaliação rigorosa e adequada dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo o conceito ser preenchido subjectivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre valor dos bens penhorados.”

Feito o devido enquadramento jurídico e tecidos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, façamos, então, a devida incursão no acervo fático dos autos.

A 5 de maio de 2001, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, apresentou requerimento de plano de pagamento prestacional, tendo nomeado para efeitos de garantia um conjunto de veículos automóveis ligeiros de mercadorias, o stock existente no armazém sito na Quinta da Bela Vista e bem assim o direito ao trespasse desse mesmo armazém, cujo valor global dos bens ascendia a €580.114,94.

Mais dimanando que, a 21 de fevereiro de 2007, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, apresenta um requerimento no qual procede à junção do balancete analítico datado de dezembro de 2006, o respetivo mapa de amortizações datado de 2005, relevando, expressamente, que apenas é proprietária dos veículos de mercadorias com as matrículas …, …, …, … e … os quais, no entanto, se encontram apreendidos. Salientando, outrossim, que todos os outros veículos tinham sido entregues para abate, que não tinha qualquer faturação face à inexistência de atividade operada a partir de 15 de julho de 2005, e bem assim que não dispunha de quaisquer instalações arrendadas, na medida em que cessou os respetivos contratos em junho de 2004 e novembro de 2005.

Por seu turno, a 28 de maio de 2008, a sociedade devedora originária “U…, Lda”, foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº …………. e apensos, cujo valor da quantia exequenda ascendia a €542.550,89, e acrescidos no montante de €149.694,70, tudo perfazendo o valor global de €692.245,59.

Sendo que, a 07 de agosto de 2008, a AT realizou diligências tendentes a apurar da existência de bens penhoráveis na esfera da sociedade devedora originária “U…, Lda”, tendo indagado da existência de bens imóveis, resultando a asserção de que “não foram encontrados quaisquer prédios”.

Tendo sido, igualmente, encetadas diligências de pesquisa junto do Sistema Informático de Penhoras Eletrónicas (SIPA) no atinente a “outros valores e rendimentos”, “certificados de aforro”, “Rendas”, “Embarcações”, resultando a indicação de que “não foram encontrados registos”.

Promanando, in fine, que a 27 de agosto de 2008, foi prolatado despacho de reversão do qual resulta, desde logo, a expressa menção de que “acordo com as diligências efectuadas e a informação disponível nas aplicações informáticas da “Justiça Fiscal”, cujos extratos se juntam a estes autos a folhas 220 e seguintes, verifica-se que a devedora principal, U…, Lda”, NIPC ……., não tem bens ou valores susceptíveis de penhora”.

Ora, face ao supra expendido, e contrariamente ao defendido pelo Recorrente não houve lugar ao incumprimento do consignado no artigo 23.º, nº2 da LGT, tendo a AT diligenciado na existência de bens penhoráveis não tendo obtido quaisquer registos atinentes ao efeito.

De sublinhar, neste particular, que em sentido inverso ao propugnado pelo Recorrente, o despacho de reversão espelha essas mesmas diligências e remete para os documentos constantes no PEF que as atestam, não incorrendo, nessa medida, em qualquer erro sobre os pressupostos de facto.

Mais importa ressalvar que não logra o efeito almejado pelo Recorrente, o requerimento apresentado no ano de 2001, porquanto em momento temporal bem anterior à efetivação da reversão, em rigor mais de sete anos da sua concretização. Ademais, como visto, em data ulterior e temporalmente próxima da efetivação da reversão da execução fiscal, é a própria devedora originária que reconhece e confirma que inexiste qualquer património para além de cinco veículos ligeiros de mercadorias, os quais, no entanto, se encontram penhorados à ordem de outro processo executivo por dívidas da Segurança Social-logo insuscetíveis de penhora nestes autos-e que os demais foram abatidos.

Acresce, ainda, que é o próprio Recorrente em sede de audição prévia que, igualmente, reconhece que “[o] único património de que a executada U…, Lda sempre dispôs era o exclusivamente necessário para o desenvolvimento da sua actividade, designadamente veículos automóveis pesados de distribuição-tendo alguns, pelo decurso dos anos se transformando em sucata e estando outros penhorados à ordem desse serviço de finanças-e o seu stock, que foi esgotado”, realidade fática, igualmente, sublinhada na petição inicial, concretamente, no artigo 130.º.

De enfatizar, ainda neste particular, que em nada pode relevar, neste e para este efeito, as diligências encetadas pelo próprio Recorrente no final do ano de 2012, porquanto, a inexistência ou fundada insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, tem de reporta-se ao momento em que a reversão ocorre.

Com efeito, os pressupostos de facto determinantes para a reversão, quantia em dívida e insuficiência patrimonial do devedor originário, são os que se verificarem no momento da reversão (10).

In fine, e sem embargo de todo o exposto, sempre importa relevar que atento o valor da dívida exequenda, concretamente, €542.550,89, os convocados cinco veículos automóveis -não obstante, como visto, se encontrarem já penhorados noutro processo executivo e já apreendidos e a expressa assunção da inexistência de qualquer outro património-, sempre a reversão sub judice se encontrava, fundadamente, legitimada.

Logo, tendo o despacho de reversão sido emitido com base nesse pressuposto de facto, e remetendo, expressamente, para as diligências efetuadas pela AT, o mesmo não enferma de qualquer erro nos pressupostos de facto, seja porque não se comprova a existência de bens penhoráveis, seja porque não há qualquer deficit de instrução, que possa redundar em erro invalidante da reversão.

Porquanto, tudo visto e ponderado, improcede a alegação do Recorrente, inexistindo a alegada preterição do artigo 23.º, nº2 da LGT.


Prosseguindo.


Subsiste, ora, por analisar a questão da culpa, a qual o Recorrente sufraga que foi, devidamente, ilidida, na medida em que demonstrou que não teve qualquer culpa na depauperação do património e na falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva.


Aduzindo, para o efeito, que se o Tribunal a quo deu como provado que a situação financeira da empresa se deteriorou em virtude das políticas comerciais da C…, de quem a atividade da devedora originária dependia, tem de concluir-se que a falta de pagamento dos impostos não é imputável ao Recorrente.


Vejamos, então.


In casu, é indisputada a gerência de facto do Recorrente, defendendo, no entanto, que é parte ilegítima ao abrigo do artigo 24.º, nº1, alínea b) da LGT, porquanto não teve culpa na insuficiência do património e na falta de pagamento das dívidas tributárias.


Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.


Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.

Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

No caso vertente, conforme resulta do recorte probatório dos autos, o despacho de reversão fundamentou-se na al. b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, por estar assente e ser indisputado que o Recorrente exerceu as suas funções de gerente da sociedade devedora originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram, onerando, por conseguinte, o Recorrente com a respetiva presunção de culpa imputando-lhe a falta de pagamento.

Razão pela qual, compete, ora, apurar se o Recorrente logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai nos termos desta disposição legal, da qual resulta ser-lhe assacado o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do Código das Sociedades Comercias (CSC), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos, quer em omissões, foi adequada ao incumprimento do pagamento das dívidas em cobrança coerciva.

“[o]perando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a atuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstrato, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a ação ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a ação se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.(11)”

Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente quando sustenta que é parte ilegítima por ter ilidido a presunção de culpa.

Importa, desde já, evidenciar que o Recorrente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que o próprio tenha adotado tendentes a obviar o incumprimento e falta de pagamento das dívidas executadas.

É certo que resultou provado que a difícil situação económica da sociedade devedora originária foi motivada pela situação de total dependência económica da C… desde 1992, tendo, nesta decorrência, realizado investimentos em cumprimento de orientações e exigências desta, e bem assim que a sociedade devedora originária até intentou uma providência cautelar contra a C… tendente a evitar a cessação do contrato de distribuição e da sua atividade, a qual logrou provimento, mas a verdade é que tais factos não relevam, per se, para afastar a presunção de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias e isto porque, como já devidamente evidenciado, o Recorrente teria de provar que o próprio encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a remeter para a conjuntura e para as consequências dela decorrentes, competindo-lhe fazer prova positiva de quais as ações em concreto desenvolvidas pelo Recorrente enquanto Gerente, nomeadamente se ele desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

De relevar, outrossim, que os bens foram oferecidos como garantia de pagamento do plano prestacional no ano de 2001, sendo que o despacho de reversão remonta, como visto, a finais de 2008, logo seria curial demonstrar-se o que é que o Recorrente enquanto gerente dessa sociedade realizou para obviar a falta de pagamento das dívidas objeto de cobrança coerciva.

Ademais, não podemos descurar tendo, naturalmente, de valorar-se em conformidade que resulta provado que o Recorrente fez uma opção conscienciosa de pagamento dos salários aos seus trabalhadores e faturas do fornecedor C…, em detrimento do pagamento das dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva.

Com efeito, como doutrinado no Aresto do TCAN, prolatado no âmbito do processo nº 01309/11, de 11 de março de 2021, resultando demonstrado que o gerente “[t]erá optado por dar prioridade ao pagamento aos trabalhadores, em detrimento da Administração Tributária. (…) se orientou verbas para outros fins, como parece tê-lo realizado, em vez de assegurar os seus compromissos fiscais, jamais conseguirá provar a sua falta de culpa como gestor.”

Acresce, outrossim, que integram as dívidas objeto de cobrança coerciva, dívidas de retenção na fonte e IVA, logo a própria natureza das mesmas imprime uma densidade superior na ilisão da culpa, na medida em que as quantias foram retidas e já se encontravam na posse da devedora originária, logo alocou-as, como visto deliberadamente, para outros campos e circuitos financeiros.

Aduza-se, em abono da verdade, que o IVA cobrado e o IRS retido não são receitas próprias da sociedade mas sim uma “quantia em trânsito” para ser entregue ao Estado, ou seja, trata-se de dinheiro entregue por terceiros, liquidado nas facturas emitidas, ou retido a terceiros, de que o Oponente era um mero depositário, tendo obrigação de o entregar nos cofres do Estado”(12).

Em face do exposto, conclui-se que do acervo probatório dos autos não é possível ilidir-se a presunção com a qual se encontrava onerado, não tendo sido feita prova positiva por parte do Recorrente que não atuou com culpa na falta de pagamento das dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva.

Destarte, estão, efetivamente, reunidos os pressupostos legais para responsabilizar o Oponente, ora Recorrente, pelo pagamento das quantias exequendas cobradas coercivamente no processo de execução fiscal nº……... E por assim ser, a decisão recorrida que assim o sentenciou não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se.


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Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.



Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


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(1) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(3) Neste sentido Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
(4) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
(5) Vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, prolatado no processo nº 1134/10, de 22.05.2019.
(6) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
(7) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando
(8) Vide, neste âmbito o Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9BEPRT.
(9) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
(10) Vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nº0647/15 e 0511/16, datados de 16.03.2016 e 03.05.2017, respetivamente.
(11) Vide Acórdão proferido pelo do TCA Sul, no processo n.º 3267/09, datado de 6 de outubro de 2009.No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, prolatados nos processos nºs 868/11, de 09.07.2020 e 350/09, de 16.09.2019.
(12) Vide, designadamente, Aresto do TCAN, proferido no processo nº 01435/12.1