Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2073/16.5BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA;
SUBSTITUIÇÃO OU AMPLIAÇÃO DO PEDIDO FORMULADO NUM PROCESSO CAUTELAR
Sumário:
I – É ilegal e inadmissível a reclamação para a conferência, nos termos do art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, da emissão, pela Secretaria, de uma guia de pagamento;
II - O art.º 113.º, n.º 4, do CPTA, permite a substituição ou ampliação do pedido formulado num processo cautelar, na sua pendência;
III – Uma alegada ilegalidade das decisões judiciais tomadas no processo cautelar, não é fundamento que justifique um pedido de alteração dos pressupostos de facto e de Direito inicialmente existentes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

D......... veio apresentar em 12-08-2019, neste TCAS, um requerimento, que requer que seja apensado aos autos cautelares n.º P.2073/16.5BELSB e que tramite como incidente de tais autos. Através do indicado requerimento pede-se a alteração da providência decretada nos autos cautelares, por ter ocorrido uma alteração superveniente dos pressupostos inicialmente existentes, decorrente da ilegalidade das decisões judiciais aí tomadas.

Em 22-08-2019 determinou-se ao Requerente para que, em 10 dias, viesse a aperfeiçoar o seu requerimento, indicando, em termos claros, quais as concretas providências que pretendia ver adoptadas, em alteração ou acrescento à providência antes decretada.

O Requerente foi notificado de tal despacho em 26-08-2019.

Em 09-09-2019 o Requerente entregou novo requerimento.

Em 13-09-2019 foi prolatado despacho que julgou que o prazo de 10 dias terminava em 05-09-2019 e determinou à Secretaria para notificar o Requerente para pagar a multa devida.

O Requerente apresentou novo requerimento em 26-09-2019 invocando a nulidade do despacho da Relatora de 13-09-2019.

Por despacho de 01-10-2019 foi mantida a decisão antecedente, foi julgado extemporâneo o requerimento entregue em 09-09-2019 e foi mandado desentranhar tal requerimento. Mais se julgou ser válido apenas o requerimento inicial, que foi notificado à contraparte para responder.
Não foi apresentada resposta pela contraparte.

O Requerente entregou novo requerimento em 25-10-2019, de reclamação para a conferência, nos termos do art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, da guia emitida em 13-09-2019 e dos despachos de 13-09-2019 e de 01-10-2019.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

Reclamação para a conferência da guia emitida em 13-09-2019 e dos despachos de 13-09-2019 e de 01-10-2019:
Porque o ora Reclamante foi notificado em 26-08-2019 do despacho de 22-08-2019, o prazo de 10 dias aí indicado terminava em 05-09-2019. Tendo o ora Reclamante apresentado o seu requerimento em 09-09-2019, no 2.º dia após aquele prazo, foi determinado por despacho de 13-09-2019 que a Secretaria notificasse para o ora Reclamante pagar a multa devida.
Foi, então, emitida a guia objecto da reclamação em apreço.

O art.º 27.º, n.º 2, do CPTA, permite a reclamação para a conferência, em 10 dias, dos despachos do relator, com excepção dos de mero experiente (cf. também art.º 29.º, n.º 1, do CPTA).
Por conseguinte, é ilegal e inadmissível a reclamação ora apresentada quando referida à indicada guia, que não constitui um despacho do Relator.
Por seu turno, se se entender o requerimento apresentado em 25-10-2019 como uma reclamação para a conferência do despacho de 13-09-2019, essa reclamação é extemporânea.
No restante, porque o despacho de 13-09-2019 foi de mero expediente, também não era reclamável para a conferência, caindo na excepção indicada na parte final do 27.º, n.º 2, do CPTA.
Em suma, é inadmissível a reclamação ora apresentada quando referida à guia emitida em 13-09-2019 e é extemporânea essa reclamação se referida ao despacho de 13-09-2019.

No despacho de 01-10-2019 negou-se a correcção e reforma do despacho anterior e determinou-se o desentranhamento e devolução ao apresentante do requerimento entregue em 09-09-2019, porque extemporâneo. Mais se determinou, que se mantinha válido apenas o requerimento inicial, que deveria ser notificado à contraparte, para responder.
Diz o Reclamante que o despacho de 01-10-2019 é nulo por omissão de fundamentação e está errado, porque não poderia ter sido julgado extemporâneo o requerimento por si entregue e a guia que foi emitida para pagar a multa é nula e inválida, já que foi notificada à Mandatária do Reclamante e vem em nome deste. Mais invoca o Reclamante, que não é obrigado a ter cartão de multibanco ou internet para pagar a guia e que não tem dinheiro para esse efeito.
A decisão reclamada ostenta uma fundamentação factual e de Direito, a necessária para a decisão aí constante. Logo, essa decisão não sofre de qualquer nulidade por falta de fundamentação, pois não existe um incumprimento absoluto do dever de fundamentação – cf. art.º 615.º do CPC.

Como acima já se disse, se o Reclamante foi notificado em 26-08-2019 do despacho de 22-08-2019, o prazo de 10 dias terminava em 05-09-2019 e a apresentação do seu requerimento em 09-09-2019 equivalia à apresentação no 2.º dia após aquele prazo.
Quanto aos restantes argumentos esgrimidos na Reclamação improcedem, pois a emissão da guia cumprir os termos da Portaria n.º 82/2012, de 29-03.
Improcede, assim, a reclamação apresentada ao despacho de 01-10-2019.

Da alteração da providência decretada
O art.º 113.º, n.º 4, do CPTA, permite a substituição ou ampliação do pedido formulado num processo cautelar, na sua pendência.
O 124.º, n.º 1, do CPTA, permite a alteração da providência decretada após trânsito em julgado da providência, caso ocorra uma alteração superveniente dos pressupostos inicialmente existentes.
Como é afirmado pelo Requerente, nos autos cautelares, por sentença de 05-01-2018, confirmada pelo Ac. do TCAS de 06-08-2018, foi julgada parcialmente procedente a providência cautelar antecipatória aí requerida e foi intimado o IMTT a repor a matrícula 18-…-CE e a pagar provisoriamente a D......... a quantia de €2.077,85.
O Acórdão do TCAS de 06-08-2018 já transitou em julgado.
Assim, o pedido de alteração da providência tem de ser enquadrado no 124.º, n.º 1, do CPTA.
Diz o Requerente que ocorreu uma alteração superveniente dos pressupostos inicialmente existentes, decorrente da ilegalidade das decisões judiciais tomadas nos autos cautelares.
Este fundamento não tem cobertura no citado 124.º, n.º 1, do CPTA.
Portanto, falece o pedido de alteração ou revogação da decisão cautelar decretada por a alegada ilegalidade das decisões judiciais não constituir uma alteração dos pressupostos de facto e de Direito inicialmente existentes.

Mais se indique, que o requerimento apresentado também não pode ser entendido como uma nova acção cautelar, por assim não ter sido interposto, por não vir dirigido ao tribunal competente para esse efeito e por não cumprir os requisitos indicados nos art.ºs 112.º e 114.º do CPTA. Na verdade, como acima se mencionou, o requerimento apresentado vem configurado como um incidente a correr separadamente para efeitos de alteração da providência decretada.

Acresce, que o art.º 362.º, n.º 4, do CPC (ex vi art.º 1.º do CPTA), estipula que é inadmissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que já foi julgada injustificada. Nesta medida, se se pretender entender o requerimento entregue como um novo pedido cautelar, relativo aos pedidos que decaíram na providência anteriormente julgada, deve considerar-se que tal requerimento é ilegal para esse efeito, por a tal obstar o art.º 362.º, n.º 4, do CPC.
Querendo o Requerente reagir contra decisões judiciais que diz erradas e que não acautelaram os seus direitos e interesses, o meio apropriado é o recurso dessas decisões e não a interposição de um requerimento para um Tribunal inferior ou para o mesmo Tribunal visando a substituição e ampliação das decisões já prolatadas.

Quanto à convolação do requerimento entregue num novo requerimento cautelar, a ser conhecido pela 1.ª instância, não se justifica assim determinar, pelas razões antecedentes e porque o mencionado requerimento sempre teria de ser rejeitado liminarmente, nos termos do art.º 116.º, als. a) e d) do CPTA.
O indicado requerimento não vem correcta e sequencialmente articulado (cf. art.ºs 114.º, n.º 2, al. g), do CPTA e 147.º, n.º 2, do CPC) e é desprovido de um pedido final, que esteja claramente determinado (cf. art.º 114.º, n.º 2, al. f), do CPTA). No referido requerimento também não se identifica qual é a acção de que o processo cautelar depende, explicitando-se qual é o pedido formulado na acção principal e que se quer acautelar com uma nova providência (cf. art.ºs 112.º, n.º 1 e 114.º, n.º 2, al. e), do CPTA). Da mesma forma, o referido requerimento é deficitário na indicação do respectivo requerente, porque omite a morada da sua residência (cf. art.º 114.º, n.º 2, al. b), do CPTA).
O referido requerimento apresenta-se, ainda, contraditório nos seus próprios termos e nessa mesma medida teria de ser considerado inepto para consubstanciar uma nova PI cautelar. Na verdade, nesse requerimento não se afirma a intenção de apresentar uma nova acção cautelar, mas alega-se querer-se alterar a providência já decretada e não se fundam as respectivas alegações nos critérios indicados no art.º 120.º do CPTA, mas em outras razões relativas a uma alegada ilicitude das decisões já proferidas em sede cautelar e nos danos que daí decorreram para o requerente.
Pretendendo-se através deste requerimento cautelar alcançar os mesmos efeitos jurídicos que deveriam ser alcançados com uma acção principal de indemnização, é também manifesta a falta de fundamento para a apresentação de uma acção cautelar visando a obtenção antecipada de tal indemnização.
Em suma, no caso, não há que determinar a convolação do requerimento entregue num requerimento que vise despoletar uma nova providência cautelar a ser conhecida em 1.ª instância, por tal convolação se manifestar um acto processual inútil.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em julgar inadmissível a reclamação apresentada relativamente à guia emitida em 13-09-2019;
- em julgar extemporânea a reclamação apresentada do despacho de 13-09-2019;
- em julgar improcedente a reclamação apresentada do despacho de 01-10-2019;
- em julgar improcedente o pedido de alteração ou revogação da decisão cautelar decretada;
- custas de incidente pelo Recorrente, que se fixam em 2 UC, sem prejuízo do apoio judicial de que goze.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2019.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)