Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1279/07.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CDT
RENDIMENTOS PAGOS A NÃO RESIDENTES
PROVA DA RESIDÊNCIA/ FORMULÁRIOS
Sumário:Os formulários destinados a provar a residência do beneficiário dos rendimentos têm caráter “ad probationem” e não “ad substantiam”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por L... SEGUROS, S.A, contra a liquidação nº2006 6..., relativa a retenções na fonte, de IRC do exercício de 2004 (e correspondentes juros compensatórios), no montante total de €70.842,26, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, determinando em consequência a anulação parcial do acto impugnado quanto a IRC - Retenções na Fonte do exercício anual de 2004 no montante de €40.147,18, bem como os respectivos juros compensatórios.

II. Assim, o presente recurso dirige-se, como não poderia deixar de ser, à matéria em que a posição da AT não obteve provimento, ou seja, manifesta-se o nosso desacordo quanto ao entendimento do Tribunal a quo relativo a aceitação da prova efectuada em sede de audição prévia e que determinou a anulação das correcções efectuadas em relação à retenção na fonte não efectuada sobre os rendimentos pagos as sociedades E..., Sa", "E... LLP", e "T... Informática, LTda".

III. Para concluir pela procedência da matéria sobre a qual versa o presente recurso o Tribunal a quo entendeu, em síntese, que "...quanto às sociedades "E..., Sa", "E... LLP", e "T... Informática, LTda", tendo em conta as supra referidas normas dos art°90°, n°4, 90°-A, n° 6 do CIRC e o nº 4 do artigo 43° da Lei n° 67-A/2007, de 31.12, tendo a Impugnante vindo apresentar a prova requerida aquando do exercido do direito de audição prévia, para a dispensa da retenção do imposto, através da entrega dos respectivos formulários legais (como não se encontrava controvertido), nesta parte e com esta fundamentação, a impugnação tem de proceder, com a anulação da liquidação em causa na parte respectiva, ou seja, no montante de 40.147,18€, bem como dos respectivos juros compensatórios.".

IV. Ora, com tal entendimento não nos podemos conformar, porquanto, contrariamente ao entendido pelo decisor, consideramos nós que a prova do domicílio para efeitos de aplicações dos benefícios previstos em convecções para evitar dupla tributação terá que ser efectuada antes do efectivo pagamento realizado à entidade não residente.

V. Razão pela qual, assim não tendo sido entendido, imputamos a sentença vício de violação de lei.

VI. Desde logo porque, tal como determinava o artigo n°90° do CIRC, na versão em vigor à data dos factos, nas situações em que o substituto tributário não estava obrigado a reter na fonte IRC, nomeadamente quando tal dispensa resultasse de CDT, o sujeito passivo encontrava-se obrigado a exigir antes do pagamento prova do domicílio dos beneficiários em Estado signatário de Convecção para evitar dupla tributação.

VII. Sendo que, nos termos do n° 4 do art°90° do CIRC " Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregara totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei,".

VIII. Ora, encontra-se provado nos autos que a impugnante não efectuou a retenção da fonte sobre os rendimentos pagos as sociedades E..., Sa", "E... LLP", e "T... Informática, LTda pese embora estes não tivessem, à data do pagamento dos rendimentos, comprovado a residência em pais com o qual Portugal havia celebrado convecção para evitar dupla tributação, in casu, Espanha, Reino Unido e Brasil.

IX. Assim sendo, consideramos que não pode a decisão tomada manter-se em vigor porquanto a mesma contraria o teor da norma supra mencionada.

X. Acresce ainda que, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, consideramos nós que tal comprovação constitui requisito "ad substantiam" porquanto a dispensa de retenção na fonte consubstancia um verdadeiro benefício fiscal, tal como previsto no n°2 do art°2° do EBF.

XI. Assim sendo, a dispensa de retenção na fonte que aqui se examina encontrava-se condicionada à obrigação do beneficiário do regime excepcional comprovar, previamente a sua obtenção, os requisitos que a ele o habilitam.

XII. Desta forma, atento a tal entendimento que se encontra na génese da correcção efectuada, encontrava-se o prestador do serviço obrigado à entrega de comprovativo do seu domicílio fiscal, sendo que, de igual forma, também o sujeito passivo, aqui impugnante, estava obrigado a exigir tal documento sem o qual não poderia deixar de efectuar a retenção na fonte a taxa prevista no regime regra.

XIII. Acresce ainda que, mesmo que se entenda que tal dispensa não consubstancia um verdadeiro benefício fiscal, mas antes que tal resulta de acordo celebrado entre Estados, é igualmente nosso entendimento que mesmo assim se haveria de considerar incorrecta a decisão tomada porquanto resulta das próprias Convecção a possibilidade dos Estados signatários adoptarem as medidas necessárias a sua aplicação uma vez que tais convecções não dispõem sobre os seus mecanismos de aplicabilidade.

XIV. Ora, assim sendo, é nossa opinião, que forçosamente terá que ser ao Direito interno Português que caberá definir os formalismos necessários para que a Convecção possa ser aplicada.

XV. E é no cumprimento desse desiderato que a AT exigiu ao sujeito passivo o cumprimento da obrigação de retenção na fonte a taxa de 15% sobre os pagamentos efectuados as entidades não residentes, uma vez que estas não haviam comprovado em momento anterior ao do pagamento, nem a aqui impugnante exigido, o domicílio em estado signatário de CDT com Portugal.

XVI. Ademais, o entendimento aqui por nós defendido encontra reflexo no Acórdão do TCA Norte datado de 28/06/2007, no âmbito do processo 00129/03, no âmbito do qual se refere que "Não restam muitas dúvidas sobre a necessidade de "invocação" perante o "obrigado à retenção" e pelo titular dos rendimentos, do seu direito à não tributação ao abrigo da CDT. Isto porque, não havendo comprovativo dos pressupostos para aplicação da CDT, deve proceder-se a retenção. A al. b) do n° 8 do artigo 7 do CIRC refere que nos casos de retenção a título definitivo o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.
Esta é a regra geral de tributação dos referidos rendimentos. Só perante a invocação e prova de regra diversa pode a mesma ser afastada. E é, perante a invocação da regra constante da CDT -, que em sentido diverso e consagrando nessa medida uma excepção à regra -, atribui competência tributária exclusiva a outro estado.
Até porque, não é exigível a um país. que adivinhe que a tributação de determinados rendimentos está por força de uma Convenção atribuída de forma exclusiva a outro país. Por outro, quem invoca um facto do qual decorre um direito, tem que provar esse facto. Em princípio, a empresa sujeita a reter na fonte, caso lhe seja solicitada ou pretenda não reter por força de CDT, deve precaver-se com prova relativamente aos pressupostos dessa aplicação. Ou seja, deve solicitar ao titular dos rendimentos documento oficial do Estado da residência deste, conforme referem as CDTs, onde se certifique a residência fiscal dos mesmos."

XVII. Razões pelas quais, contrariamente ao que resulta do teor da sentença de que aqui se recorre, não se nos afigura lícito que o substituto tributário decida, sem observância de qualquer formalismo prévio, e logo, sem a necessária certeza que dele haveria de decorrer, aplicar ao prestador um regime diverso do geral em vigor.

XVIII. Pelo que, por todo o exposto e, salvo o devido respeito por entendimento contrário, entende a AT que o tribunal a quo falhou no seu julgamento quando decidiu julgar a impugnação judicial procedente quanto a esta matéria.

Termos em que,

deve a decisão recorrida ser revogada por acórdão que, concedendo provimento ao presente recurso, declare a impugnação totalmente improcedente, porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»


*

A Impugnante, L... SEGUROS; S.A., apresentou a sua contra-alegação e, no uso da faculdade consentida pelo artigo 636º do CPC, requereu a ampliação do objecto do recurso, tudo com base no seguinte quadro conclusivo:

«1. O Recurso interposto pela Fazenda Pública tem como objecto a douta Sentença a quo que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrida contra a liquidação de IRC de 2004, no valor de €64.350,34, por alegada falta de retenções na fonte, e contra as correspondentes liquidações de juros compensatórios no valor de €6.491,92.

2. Os factos tributários reportam-se a rendimentos decorrentes de serviços prestados em 2004 à Recorrida por entidades não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável ao qual os rendimentos pudessem ser imputados.

3. A sobredita Sentença reconheceu (e bem) que a demonstração em audição prévia dos pressupostos para a dispensa de retenção na fonte exigidos pelas CDT's celebradas entre o Estado Português e os países da residência das entidades beneficiárias dos rendimentos pagos pela Recorrida era quanto bastava para se considerar provada a residência de tais entidades.

4. Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos provados nos pontos A) a K) da Sentença a quo (cf, páginas 4 a 14).

5. Contudo, porque relevante para a boa análise das soluções para a causa, mormente a defendida pela Recorrida, cumpre aditar em dois pontos a matéria de facto provada, nos termos do artigo 662°, n° l do CPC, ex vi artigos 2°, alínea e) e 281° do CPPT.

6. Em primeiro lugar, requer-se que seja aditado ao facto provado G) que o Formulário Modelo 12-RFI referente à sociedade "C..., S.A." (cf. Documento n° 2 da Impugnação Judicial) faz menção à celebração do contrato de prestação de serviços em 30.09.2003.

7. Nesse sentido, no facto provado em G) da Sentença deve passar a ler-se:
"G) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspecção, no decurso da acção inspectiva, o Formulário Mod. 12-RFf, respeitante ao ano de 2004, relativamente à sociedade "C..., SA" e com referência a rendimentos pagos em 16.06.2005 a título de prestação de serviços, no montante de 6.681,31€ (cfr. fls. 34 dos autos)".

8. Em segundo lugar, por ter sido alegado pela Recorrida, não impugnado pela Autoridade Tributária e outrossim confessado por esta (o que se aceita especificadamente, nos termos do artigo 465°, n° 2 do CPC), requer-se que se dê como provado (por confissão ou acordo) que o pagamento dos rendimentos às sociedades em referência nestes autos (incluindo a "C..., S.A.") foi efectuado no ano de 2004, conforme fls. l do Anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária, onde se refere expressamente: "Rendimento pagos a não residentes - Prestações de Serviços -Exercício de 2004".

9. A Recorrida não pode conformar-se também com o entendimento sufragado pela Fazenda Pública nas suas Alegações de Recurso, propugnando outrossim a manutenção da douta Sentença a quo na parte que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações postas em crise.

10. Desde logo, há que considerar a aplicação retroactiva do artigo 90°-A, n°6 do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

11. Assim, no exercício de 2004 a Recorrida fez pagamentos a entidades residentes no Brasil, Espanha, Irlanda e Reino Unido, não tendo procedido a retenções na fonte, por entender a isso estar desobrigada face à aplicação das CDT's firmadas entre Portugal e os respectivos países de residência das entidades beneficiárias daqueles rendimentos.

12. A Autoridade Tributária, contudo, em sede de inspecção tributária notificou a Recorrida para apresentar os formulários justificativos da não retenção do imposto, alegando serem os mesmos devidos nos termos do artigo 90° do CIRC, na redacção conferida pela Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, independentemente das CDT's celebradas com os países de onde eram residentes os beneficiários dos rendimentos.

13. Tais formulários, certificados pelas autoridades fiscais dos países de residência das entidades beneficiárias dos rendimentos foram apresentados em 2006, aquando do exercício pela Recorrida do seu direito de audição prévia, constando nos formulários que as sociedades em causa eram residentes nos países mencionados no ano de 2004.

14. Ou seja, os serviços da Autoridade Tributária tiveram conhecimento, antes do término da inspecção tributária, que as entidades beneficiárias dos rendimentos eram residentes nos países com os quais Portugal havia celebrado as CDT's e que se encontravam preenchidos os pressupostos para a isenção de retenção na fonte prevista nessas CDT's.

15. Não obstante a demonstração pela Recorrida dos pressupostos para a aplicação das CDT's (os quais não são postos em causa pela Autoridade Tributária) os certificados não foram por esta aceites pelo facto de não terem sido apresentados no momento temporal exigido pelo artigo 90° do CIRC, na redacção vigente à data, procedendo-se assim às liquidações postas em crise.

16. Esta celeuma já encontrou acolhimento legal e jurisprudencial em sentido favorável à Recorrida, mormente pela aplicação retroactiva do regime introduzido no artigo 90°-A, n°6 do CIRC pela Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), por força do disposto no artigo 48°, n° 4 da sobredita Lei.

17. Daqui resulta a regra geral de que a falta de apresentação do formulário referido na alínea a) do n° 2 do artigo 90°-A do CIRC pelos beneficiários dos rendimentos, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, cria a obrigação para o substituto tributário de efectuar a retenção de IRC e, quando não a tiver efectuado, entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.

18. Porém, excepciona o n°6 do mesmo dispositivo legal que esta responsabilidade será afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento referido no n°2 a verificação dos pressupostos para a dispensa e retenção, dispondo o artigo 48°, n° 4 da Lei n°67-A/2007, de 31 de Dezembro, que o afastamento da responsabilidade do substituto tributário fixada no artigo 90°-A, n°6 do CIRC é de aplicação retroactiva, excepto se tiver havido lugar ao pagamento do imposto e não estiver pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação (o que não sucedeu).

19. Destarte, é indubitável que o artigo 48°, n°4 da referida Lei n°67-A/2007, de 31 de Dezembro, que determinou a aplicação retroactiva do novo regime consagrado no artigo 90°-A, n° 6 do CIRC, introduzido por essa mesma Lei a todas as situações anteriores, é uma lei interpretativa que visa clarificar o sentido e alcance dos anteriores normativos legais, segundo o artigo 13° do CC.

20. Logo, não obstante a possibilidade já existente de os certificados comprovativos de residência nos Estados Contratantes dos beneficiários dos rendimentos serem apresentados em momento posterior ao definido pelo artigo 90° do CIRC, na redacção anterior à Lei do Orçamento do Estado para 2008, facto é que, com a introdução do artigo 90°-A, n° 6 do CIRC pela Lei n°67-A/2007, de 31 de Dezembro, e com a interpretação retroactiva deste artigo conferida pelo artigo 48°, n° 4 da referida Lei n°67-A/2007, de 31 de Dezembro, as eventuais dúvidas foram dissipadas.

21. Donde só se pode concluir que mal andou a Autoridade Tributária ao liquidar o imposto não retido aos rendimentos pagos pela Recorrida às entidades não residentes em Portugal, atenta a prova dos requisitos de aplicação das CDT's (ainda que feita após o termo do prazo estabelecido para entrega desse mesmo imposto), incorrendo assim num vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

22. No mesmo sentido tem-se pronunciado a Jurisprudência, destacando-se aqui a título exemplificativo os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.10.2009 (processo n°477/09), de 24.02.2010 (processo n° 0732/09) e de 07.12.2010 (processo n°01075/09) e, bem assim, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.02.2015 (processo n°00451/04.1BEVIS) e de 28.06.2007 (processo n°00129/03), ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.03.2016 (processo n°09167/15).

23. Caso dúvidas soçobrem, será de chamar aqui à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.12.2009 (processo n° 03209/09), onde, perante uma situação idêntica à dos presentes autos (em que a então Recorrente é precisamente a ora Recorrida) foram reconhecidos os efeitos retroactivos dos formulários comprovativos da residência dos beneficiários dos rendimentos, não obstante a apresentação dos mesmos em momento posterior ao definido no artigo 90° do CIRC, na redacção anterior à Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

24. Assim, o entendimento sufragado pelo Acórdão referido deve ser tomado em consideração, em obediência ao disposto no artigo 8°, n°3 do CC, nos termos do qual importa obter uma interpretação e aplicação uniformes do Direito, concluindo-se que, independentemente da responsabilidade contra-ordenacional que à Recorrida pudesse caber pela falta de cumprimento oportuno do requisito formal exigido pelo artigo 90° do CIRC, na redacção anterior à Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, está afastada a sua responsabilidade como substituto tributário.

25. Ante o exposto, é de concluir que a liquidação de IRC de 2004 e as respectivas liquidações de juros compensatórios estão eivadas de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, pelo que devem as mesmas ser anuladas no que se refere à parte correspondente às entidades "E... SA", "E... LLP" e "T... Informática Ltda.", mantendo-se assim a Sentença a quo.

26. Subsidiariamente, alega-se ainda a retroactividade dos benefícios à data da verificação dos seus pressupostos, sendo de notar que em sede de audição prévia (i.e., antes do Relatório de Inspecção e da emissão das liquidações), a Recorrida apresentou os certificados de residência das entidades beneficiárias dos rendimentos nos Estados Contratantes das CDT's, voltando a juntá-los na petição inicial como Documento n°2 (cf. fls. 27 e seguintes dos autos).

27. E conforme se viu, o artigo 48°, n° 4 da Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ao determinar a aplicação retroactiva do regime previsto no artigo 90°-A, n° 6 do CIRC introduzido por tal Lei, reconheceu, de modo explícito, a ilegalidade da imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando fosse demonstrada a verificação dos pressupostos para a dispensa de retenção na fonte.

28. Não obstante, independentemente da entrada em vigor da Lei n°67-A/2007, de 31 de Dezembro, sempre se teria de concluir pela possibilidade de os certificados comprovativos de residência nos Estados Contratantes serem apresentados em momento posterior ao definido no artigo 90° do CIRC na redacção vigente à data, pois tais certificados constituem, como bem qualificado pela Sentença, um mero requisito "ad probarionem",

29. i.e., simples acto de reconhecimento do pressuposto da isenção prevista nas CDT's -residência das entidades a quem foram pagos rendimentos nos países com os quais Portugal celebrou as CDT's para efeitos de dispensa de retenção na fonte dos sobreditos rendimentos.

30. É, pois, evidente que o ponto central para efeitos da dispensa de retenção na fonte é a ocorrência efectiva daquele pressuposto, sendo, portanto, irrelevante que os certificados (exigidos unilateralmente pelo Estado Português) tenham sido apresentados antes ou depois dos pagamentos efectuados às entidades não residentes em território nacional, pelo que o benefício decorrente da aplicação das CDT's deve retroagir os seus efeitos à data de verificação dos seus pressupostos, nos termos do artigo 4°, n°s 1 e 2 do EBF (actual artigo 5°, n°s 1e 2) e artigo 11° do mesmo diploma legal (actual artigo 12°), ainda que possa estar dependente de reconhecimento declarativo pela Autoridade Tributária.

31. Corroborando quanto se alega, vide - para além dos arestos já citados na Impugnação Judicial, designadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.11.2004 (processo n°00151/04), de 05.07.2005 (processo n°5675/01) e de 16.05.2006 (processo n°00504/05) - o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.06.2011 (processo n°0283/11).

32. Tudo visto, a Recorrida podia apresentar a prova de residência das entidades às quais pagou os rendimentos em momento posterior ao definido no artigo 90° do CIRC então vigente (como fez), imediatamente a seguir à notificação do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, na sua audição prévia.

33. Não tendo a Autoridade Tributária admitido essa prova, por alegada extemporaneidade na sua apresentação, emitindo assim as liquidações impugnadas, bem andou a Sentença a quo ao determinar que a liquidação de IRC de 2004 e as respectivas liquidações de juros compensatórios impugnadas estão eivadas de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, devendo por isso ser anuladas no que se refere à parte correspondente às entidades "E... SA", "E... LLP" e "T... Informática Ltda".

34. Subsidiariamente, alega-se ainda o primado do Direito Internacional e do princípio da reserva formal.

35. Com efeito, mercê das suas relações comerciais, a Recorrida estava ciente que os seus credores eram residentes nos Estados contrapartes de Portugal nas CDT's, pelo que estavam reunidos os pressupostos para a aplicação das CDT's, sendo certo que a Autoridade Tributária não contestou (muito pelo contrário, reconheceu) o carácter de não residente dos credores dos rendimentos e a sua "morada" nos respectivos países de residência (cf. Relatório de Inspecção Tributária e seu Anexo 5, bem como as conclusões de Recurso da Fazenda Pública).

36. Ora, como é consabido, as CDT's celebradas por Portugal com os países em causa excluem o poder tributário português e têm primado sobre a legislação interna, onde se inclui o CIRC (cf. neste sentido o artigo 8°, n°2 da CRP e artigo 1°, n° l da LGT), pelo que se uma regra nacional for contrária a uma disposição internacional vinculante do Estado Português, as autoridades portuguesas deverão aplicar a disposição internacional.

37. Logo, é uma evidência que in casu resultou violado o princípio do primado do Direito Internacional sobre o Direito Interno Português.

38. Em primeiro lugar, como se viu, as CDT's não condicionam a aplicação dos benefícios nelas previstos ao cumprimento de qualquer requisito de ordem formal, exigindo somente, quanto aos rendimentos decorrentes das prestações de serviços a entidades residentes em Portugal, a demonstração à entidade pagadora portuguesa que os beneficiários dos rendimentos são residentes fiscais naqueles concretos Estados Contratantes.

39. Sucede que o artigo 90°, n°s3 a 5 do CIRC então em vigor veio prescrever um formalismo para essa demonstração, traduzida na certificação por parte das administrações tributárias estrangeiras dos formulários aprovados pelo Despacho Ministerial n°11701/2003, de 28.05.2003, da Ministra de Estado e das Finanças, sendo de aplicação obrigatória a partir de 01.08.2003 (cf. parágrafo 6. da Circular n° 12/2003, de 19.07.2003).

40. A cominação para o incumprimento desse formalismo residiu na obrigatoriedade imposta à entidade pagadora dos rendimentos de proceder à retenção na fonte dos mesmos, à taxa aplicável segundo a legislação interna.

41. Porém, o artigo 90°, n°s 3 a 5 do CIRC, ao prescrever unilateralmente a única forma de proceder a essa demonstração (através de tais formulários), violentou as CDT's que o Estado Português havia celebrado, pois tais limitações não resultam das CDT's.

42. As CDT's não impuseram um modo específico de proceder à demonstração da residência dos prestadores dos serviços porque a intenção foi precisamente não criar condicionalismos rígidos, pretendendo outrossim que essa prova seja feita por qualquer meio em Direito permitido, como é aliás apanágio das regras gerais da Ordem Jurídica Portuguesa, sendo essa também a única interpretação conforme aos artigos 26°, 27° e 31° a 33° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

43. Em segundo lugar, cumpre recordar que, estando em causa rendimentos derivados de prestações de serviços, os formulários exigem, para o reconhecimento dos benefícios fiscais previstos nas CDT's, a certificação da qualidade de beneficiário efectivo dos rendimentos pagos.

44.Trata-se de mais uma exigência praeter legem que não consta das CDT's em causa.

45. Em terceiro lugar, as condições temporais impostas no artigo 90°, n°s 3 a 5 do CIRC para accionamento das CDT's, i.e., formulários certificados pelas administrações tributárias estrangeiras antes do pagamento para beneficiar de retenção na fonte ou no prazo de 2 anos para requerer reembolso, são condições exigidas internamente e que conflituam com as CDT's - cf. neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.02.2011 (processo n°04443/11).

46. Alega-se ainda que os actos impugnados estão inquinados de vício de violação de lei por a norma habilitante do CIRC infringir o artigo 27° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (ex vi artigo 8°, n°2 da CRP e artigo 1°, n° l da LGT), na medida em que criam limitações inadmissíveis ao exercício de um direito consagrado numa Convenção Internacional vinculante do Estado Português (pacta sunt servanda).

47. Assim, atenta a violação das CDT's, do artigo 27° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, do artigo 8°, n°2 da CRP e do artigo 1°, n° 1 da LGT, conclui-se que as liquidações sindicadas padecem de vício de violação de lei, devendo por isso ser anuladas no que se refere à parte correspondente ás entidades "E... SA","E... LLP" e "T... Informática Ltda.".

48. Adicionalmente, a obrigação (unilateral, pois não consta das CDT's) ínsita no artigo 90°, n°s 3 a 5 do CIRC em vigor à data dos factos tributários, no sentido de a entidade pagadora dos rendimentos obter oportunamente determinado formulário - sob pena de ter que proceder a retenção na fonte - constitui uma obrigação acessória susceptível de criar dívida de imposto, a qual está sujeita a reserva de lei formal (cf. artigos 8°, n°2, 103°, n° 2 e 165°, n°1, alínea i) da CRP e artigos 1°, n° l e 8°, n°s l e 2, alíneas a) e c) da LGT) - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08.02.2011 (processo n°04443/11) e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.12.2016 (processo n°0141/14), que abarca toda a argumentação jurídica esgrimida nas presentes Contra-Alegações.

49. Em conformidade, deve concluir-se que a liquidação de IRC de 2004 e respectivas liquidações de juros compensatórios são ilegais, atenta a violação dos artigos 8°, n°2, 103°, n°2 e 165°, n°1, alínea i) da CRP e artigos 1°, n° 1 e 8°, n°s 1 e 2, alíneas a) e c) da LGT, devendo por isso ser anuladas no que se refere à parte correspondente às entidades "E... SA", "E... LLP" e "T... Informática Ltda.".

50. Subsidiariamente, alega-se ainda a violação do princípio da proporcionalidade.

51. Como se viu, os formulários exigidos foram aprovados em execução do então vigente artigo 90° do CIRC, sendo a obtenção desses formulários certificados pelas administrações tributárias dos estados de residência dos beneficiários dos rendimentos uma condição imposta unilateralmente por Portugal para aplicação dos benefícios estabelecidos nas CDT's por si celebradas.

52. E essa exigência unilateral foi acompanhada pela dificuldade na sua obtenção pelos operadores económicos portugueses que procediam ao pagamento dos rendimentos, pois não raras vezes as administrações tributárias estrangeiras não aceitavam esses formalismos impostos pela Autoridade Tributária Portuguesa, não procedendo consequentemente à certificação exigida, ou não o fazendo com a celeridade imposta pela legislação doméstica.

53. Essas dificuldades foram aliás divulgadas, sendo disso exemplo os entraves colocados pela Administração Tributária Espanhola (cf.Ofício-Circulado da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais n° 20090/2003, de 18.12.2003).

54. É pois persecutória a insistência da Autoridade Tributária na liquidação de IRC, quando sabe (porque a Recorrida o provou e a Autoridade Tributária também reconhece estarem preenchidos os pressupostos para a isenção) não haver lugar à retenção na fonte dos rendimentos pagos a entidades estrangeiras, o que in casu é agravado pela notória morosidade e dificuldade de aceitação, pelas administrações tributárias, deste tipo de certificados, particularmente em momento anterior aos pagamentos dos rendimentos (cf. novamente Ofício-Circulado n°20090/2003, de 18.12.2003).

55. Esta situação de exagero é ainda mais flagrante se atentarmos para o facto de os certificados terem sido juntos posteriormente em sede de audição prévia (cf. Documento n°2 da Impugnação Judicial), resultando aí provado o preenchimento dos pressupostos exigidos pelas CDT's para a dispensa de retenção na fonte.

56. A recusa do reconhecimento pela Autoridade Tributária da dispensa de retenção na fonte, com pretenso fundamento no artigo 90°, n°s 3 a 5 do CIRC, constitui assim um "condicionamento" intolerável à tributação segundo o rendimento real, direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias firmado no artigo 103°, n°2 da CRP, nos termos dos artigos 17° e 18°, n° l da Lei Fundamental.

57. Os actos de liquidação impugnados resultam, portanto, de uma actuação da Autoridade Tributária contrária aos princípios da proporcionalidade, justiça e boa-fé previstos no artigo 266°, n°2 da CRP, pois são praticados não obstante a Autoridade Tributária Portuguesa ter conhecimento (i) da celebração das CDT's, (ii) da verificação das respectivas condições de aplicação (reconhecendo mesmo a qualidade de credores não residentes às entidades beneficiárias dos rendimentos pagos pela Recorrida em decorrência dos serviços prestados por tais entidades) e (iii) dos certificados a posteriori que lhe foram apresentados pela Recorrida.

58. Com efeito, é inegável que a intenção do legislador, quanto aos "impostos sobre o rendimento", é tributar uma realidade económica compatível com o rendimento real dos contribuintes (cf. artigo 104°, nº2 da CRP), o que pressupõe a existência de um rendimento, e não de um valor "presumido", pelo que uma interpretação do artigo 90° do CIRC então em vigor que tribute a Recorrida num valor equiparado ao valor da retenção da fonte não efectuada aquando do pagamento dos rendimentos às entidades não residentes é violadora do princípio da proibição do excesso previsto nos artigos 2°, 18° e 266°, n° 2 da CRP (vide Maria Lúcia Amaral, ob. cit., pág. 187).

59. A interpretação que a Autoridade Tributária faz in casu do artigo 90° do CIRC em vigor à data dos factos tributários não é, pois, proporcional aos fins que se pretendem alcançar (que se deduz ser o combate à fraude e evasão fiscal), sendo por isso violadora do artigo 18°, n°2 da CRP, o qual abarca três dimensões: (i) adequação; (ii) necessidade ou exigibilidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., pág. 162).

60. Por um lado, não há uma adequação meio-fim, pois ainda que o fim visado pela Autoridade Tributária seja legítimo (combate à fuga e evasão fiscal?), já a não aceitação da prova do preenchimento dos pressupostos exigidos pelas CDT's para beneficiar da isenção de retenção na fonte em momento posterior ao pagamento dos rendimentos - com os inerentes atropelos aos princípios do rendimento real, capacidade contributiva e igualdade tributária - não se mostra adequado para alcançar aquele fim.

61. Por outro lado, a vertente da necessidade ou exigibilidade também não é respeitada com a interpretação em crise, pois onde está a razoabilidade de tributar um rendimento que não foi auferido pela Recorrida?

62. Esta questão está relacionada com a terceira vertente: a tributação de um rendimento inexistente (que é, outrossim, um gasto para a Recorrida), ficcionando-o como sendo um rendimento real (quando a Autoridade Tributária sabe que assim não aconteceu) viola o princípio da proporcionalidade ínsito no Estado de Direito Democrático (cf. artigos 2°, 18° e 266° da CRP).

63. As liquidações sindicadas violaram pois as três dimensões acima enunciadas, não sendo admissível uma restrição de tais direitos quando não justificada pela necessidade de salvaguarda de valores superiores (artigo 18°, n°2 da CRP).

64. Destarte, mostrando-se violados os artigos 2°, 18° e 266° da CRP, por ter sido preterido o conteúdo essencial do princípio da proporcionalidade, as liquidações padecem de vício de violação de lei, devendo por isso ser anuladas quanto à parte correspondente às entidades "E... SA", "E... LLP" e "T... Informática Ltda.".

65.Tendo decaído quanto ao pedido de anulação da liquidação de IRC de 2004 e respectivos juros compensatórios no que concerne à sociedade "C..., S.A." (com residência em Espanha), a Recorrida vem ampliar o objecto do Recurso, pugnando, nos termos do artigo 636°, n°1 do CPC, pela anulação das referidas liquidações nessa específica parte.

66. Com efeito, é verdade que, como observa a Sentença recorrida, no RFI referente à sociedade "C..., S.A." vem mencionado que os rendimentos respeitam ao ano de 2005.

67. Porém, como confessado pela Autoridade Tributária, o pagamento pela Recorrida dos serviços prestados por aquela sociedade ocorreu no ano de 2004, sendo 2005 somente a data em que foi emitido o Modelo RFI por parte da Autoridade Tributária Espanhola.

68. Em rigor se, como tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, é nos pressupostos, fixados na CDT celebrada entre Portugal e Espanha que se deve operar o reconhecimento do direito à não retenção de IRC em relação a uma entidade sedeada naquele país (i.e., comprovação da residência da entidade beneficiária dos rendimentos nesse país), é evidente que tal prova resulta feita nos autos, pois se o contrato com a sociedade "C..., S.A." data de 30.09.2003 e o Modelo 12-RFI foi emitido em 2005, então também em 2004, data dos pagamentos, segundo a própria Autoridade Tributária (cf. fls. 1 do Anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária), aquela sociedade era residente em Espanha.

69. Acresce que nem na fase administrativa nem na fase judicial a Autoridade Tributária refutou o facto de os rendimentos terem sido pagos pela Recorrida à sociedade "C..., S.A." no ano de 2004, antes o confessando, conforme fls. l do Anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária.

70. Recusou aquele formulário apenas com fundamento na sua extemporaneidade, pelo que, não controvertendo a Autoridade Tributária a data dos pagamentos feitos à "C..., S.A." (2004), antes a reconhecendo a fls. l do Anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária, não deveria a Sentença a quo ter dado como facto não provado que esse pagamento tenha sido feito em 2004.

71. Inversamente, deveria ter dado por assente (ad minus por acordo das partes) o pagamento pela Recorrida, em 2004, de rendimentos decorrentes de serviços prestados pela empresa "C..., S.A.".

72. Até porque não há qualquer limitação ao tipo de prova da residência fiscal das entidades beneficiárias dos rendimentos, valendo também quanto a esta matéria todos os meios de prova (idóneos) em Direito admitidos, sendo de reiterar que o pagamento desses rendimentos não tem necessariamente de estar certificado pelas autoridades fiscais do Estado da residência dessas entidades beneficiárias, porquanto assim não impõe a CDT Portugal-Espanha que, como invocado, tem primazia sobre o direito interno português, nos termos do artigo 8° da CRP.

73. No limite, basta que se comprove (desde que por meio idóneo) o país da residência das empresas a quem foram pagos os rendimentos, podendo essa prova eventualmente coincidir com a apresentação dos Modelos RFI (mas não tendo imperativamente de coincidir).

74. Tal prova poderá por exemplo ser feita mediante a simples consulta do Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), nos termos do qual a inserção do número de identificação fiscal da empresa "C..., S.A.", (i.e., A81921330, conforme consta do Modelo 12-RFI) demonstrará o Estado-Membro onde essa empresa é residente (i.e., Espanha), que é quanto basta para accionar a CDT celebrada entre Portugal e Espanha e, consequentemente, isentar de retenção na fonte de IRC aqueles rendimentos decorrentes de prestações de serviços (cf. artigo 22° da CDT).

75. Deste modo, é possível provar (até porque é do conhecimento geral, nos termos do artigo 412°, n° l do CPC, e nunca foi contrariado pela Autoridade Tributária) que a sociedade era elegível para a CDT Portugal-Espanha quanto à residência - vide o formulário RFI junto como Documento n°2 aos autos, bem como o VIES, ou as informações publicadas sobre a empresa em questão (que é aliás residente em Espanha desde a sua constituição, em 1998).

76. Aliás, sendo do conhecimento da Autoridade Tributária Portuguesa a dificuldade que se reveste para os sujeitos passivos obterem junto da Autoridade Tributária Espanhola os certificados por si exigidos, alega-se que, não aceitando o Modelo 12-RFI preenchido pelo Fisco Espanhol, poderia (e deveria) a Autoridade Tributária Portuguesa ter diligenciado no sentido de obter junto daquele os RFI's rectificados ou, em rigor, os elementos e informações substantivos que são certificados através desses formulários nos termos do artigo 26° da respectiva CDT (i.e., residência fiscal, elegibilidade e sujeição a imposto das entidades beneficiárias), sob pena de violação do "pacta sunt servanda" e de uma verdadeira diabólica probatio.

77. E sempre se diga que, permitir que vingue o entendimento de que os RFI's são a única forma de activar as CDT's violaria o princípio da livre prestação de serviços, possibilitando a discriminação na União Europeia em função da emissão ou não de RFI's pelas autoridades tributárias do Estado da residência dos beneficiários dos rendimentos, para mais atendendo ao facto de Portugal ter aderido ao Acordo Multilateral das Autoridades Competentes para a Troca Automática de Informações de Contas Financeiras, celebrado ao abrigo da Convenção sobre a Assistência Mútua em Matéria Fiscal.

78.Assim, os princípios da proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé deveriam ter pautado a actuação da Autoridade Tributária (artigo 266° da CRP, artigos 55° e 59° da LGT e artigo 50° do CPPT), a qual, todavia, não espoletou o mecanismo de «Troca de Informações» previsto no artigo 26° da respectiva CDT, que prevalece sobre as disposições fiscais domésticas (sobretudo porque criam condições mais gravosas para o accionamento da dispensa de retenção na fonte dos rendimentos pagos a entidades residentes naquele país).

79. Nesta conformidade, não sendo contrariado pela Autoridade Tributária que os pagamentos feitos à sociedade "C..., S.A." ocorreram no ano de 2004 (não obstante constar do formulário o ano de 2005), e sendo também aceite que a sociedade "C..., S.A.", beneficiária dos rendimentos, reside em Espanha, deveria a Sentença a quo ter anulado a liquidação de IRC de 2004 e juros compensatórios também na parte atinente à referida sociedade.

80. Não o tendo feito, deve o douto aresto recorrido ser revogado quanto a este segmento decisório, sendo substituído por outro que ordene a anulação das liquidações no que à sociedade "C..., S.A." se refere.

81. Ante o exposto, é evidente que as liquidações de juros compensatórios sindicadas padecem de manifesta violação de lei substantiva, pois a existência de uma alegada dívida de imposto não determina, sem mais, a exigibilidade legal do dever de indemnizar em que se consubstancia o pagamento dos juros compensatórios, exigindo o artigo 35°, n°1da LGT como pressuposto prévio a necessidade de actuação culposa por parte do sujeito passivo.

82. Assim, seria admissível a exigência de juros compensatórios se a Recorrida liquidasse um imposto e retardasse o seu pagamento, ou não pagasse culposamente um imposto que conhece no seu objecto e extensão, mas esse não é o caso dos autos, assinaladas as equivocidades e complexidades do quadro legal aplicável à matéria de Direito Internacional, mormente no domínio das CDT's e sua compatibilização com o Direito Interno Português, quer se trate de prestação de serviços, quer se trate de royalties, atendendo para mais ao inusitado de todo este procedimento, reconhecido pela própria Autoridade Tributária (cf. Ofício-Circulado da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais n°20090/2003, de 18.12.2003), bem como a Jurisprudência que tem sido proferida em sentido favorável à Recorrida e a Doutrina mais elevada.

83. Com efeito, inverter os pressupostos do artigo 35°, n°1 da LGT constituiria uma violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (cf. artigo 133°, n°2, alínea d) do CPA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n°4/2015, de 7 de Janeiro), ao que acresce o facto de a Autoridade Tributária não provar, como lhe compete (artigo 74°, n°l da LGT e artigo 342°, n° l do CC) a existência de culpa da Recorrida.

84. Assim, devem todas as liquidações de juros compensatórios impugnadas ser anuladas, rectius, quanto às entidades "E... S.A.", "E... LLP" e "T... Informática Ltda.", como bem ordenou a Sentença recorrida e, bem assim, relativamente às sociedades "C..., S.A." e M... Limited.

85. Subsidiariamente, sem conceder, caso se entenda que a falta de culpa da Recorrida pela não retenção na fonte dos rendimentos pagos às entidades não residentes não basta para a anulação de todas as liquidações de juros compensatórios, excluindo-se assim a sociedade "M... Limited", deve ad minus anular-se as liquidações de juros compensatórios na parte relativa às sociedades "E... SÁ", "E... LLP", "T... Informática Ltda." e "C..., S.A.", por decorrerem de acto de liquidação adicional (IRC 2004) anulado (cf. artigo 133°, n°1, alínea i) do CPA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 4/2015, de 7 de Janeiro).

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente improcedente:
(i) confirmando-se a Sentença recorrida quanto à anulação da liquidação de IRC de 2004 e respectivas liquidações de juros compensatórios, na parte correspondente às entidades "E... SA", "E... LLP" e "T... Informática Ltda.";
(ii) revogando-se a Sentença recorrida, sendo substituída por outra, que ordene a anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios no que à sociedade "C..., S.A." se refere;
(iii) revogando-se a Sentença recorrida, sendo substituída por outra, que ordene a anulação de todas as liquidações de juros compensatórios ou, ad minus, das liquidações respeitantes às entidades "E... SA", "E... LLP", "T... Informática Ltda." e "C..., S.A.",
com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!»


*
A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.
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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
«A) Em cumprimento da Ordem de Serviço nºOI200600106, de 08.03.2006, foi realizada ação de inspeção à Impugnante, com referência ao exercício de 2004, tendo em 14.12.2006 sido realizado o relatório final da ação, do qual consta, designadamente o seguinte:

“III - 2.2.2 - Rendimentos pagos a não residentes - Prestações de Serviços

Da análise efectuada aos rendimentos pagos a não residentes, designadamente, Prestações de Serviços, através de elementos disponibilizados pelo Sujeito Passivo, constatou-se que o mesmo, sujeito passivo residente, não tinha, em algumas situações, na sua posse aquando do respectivo pagamento os formulários aprovados pelo Despacho Ministerial nº11701/2003 Formulários/Convenções de 17 de Junho, para os rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003, conforme estabelecido pela Circular 12/2003, da Direcção-Geral dos Impostos, de 19 de Julho.

De acordo com o nº3 do artº90° do CIRC, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção parcial, consistindo esta, no presente caso, na apresentação de formulário de modelo aprovado por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.

Refere, ainda, o nº4 do artº90° do CIRC, que caso não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

Face ao exposto o Sujeito Passivo residente não efectuou a retenção devida, de acordo com o previsto nas diversas alíneas do nº1 e no nº2 do artº88° do CIRC, o qual estabelece quais os rendimentos obtidos em território português que são objecto de retenção na fonte, considerando-se, para este efeito, obtidos em território português os rendimentos mencionados no nº3 do artº4 do mesmo código.

Assim sendo, dado que não foram cumpridos os requisitos estabelecidos na lei e como estamos na presença do pagamento de diversas prestações de serviços, as quais estão sujeitas a retenção na fonte com carácter definitivo, nos termos da alínea b) do nº3 do artº88° do CIRC, procedeu-se ao apuramento do imposto em falta, aplicando as taxas previstas no nº2 do artº80° do diploma legal acima mencionado, conforme dispõe o nº5 do mesmo artº88°, o qual ascendeu a 64.350,34 €. - Anexo 5 (1 fl.).]

Paralelamente, são ainda devidos juros compensatórios, conforme estabelecido no art.º 94º do CIRC, à taxa e nos termos previstos no artigo 3.º da LGT.

(…)

IX - Direito de Audição - Fundamentação

Face aos artigos 60° da Lei Geral Tributária e 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovados pelo D.L. nº398/98, de 17/12 e 413/98 de 31/12, respectivamente, notificou-se o sujeito passivo, através do ofício nº04705 de 15 de Novembro de 2006, para exercer no prazo de 10 dias o direito de audição sobre o projecto de correcções.

O direito de audição foi exercido pelo Sujeito Passivo em 4 de Dezembro de 2006, tendo-se manifestado contra algumas correcções do Projecto de Relatório de Inspecção, nomeadamente:

a) Rendimentos pagos a não residentes - Ponto III - 2.2.2 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária

Relativamente a este ponto veio o Sujeito Passivo contestar a correcção proposta dado que considera encontrarem-se reunidos os pressupostos previstos nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT's) para poderem beneficiar da isenção em causa (não efectuar retenção na fonte), uma vez que ficou demonstrado que as entidades beneficiárias dos rendimentos são residentes em outro Estado contratante, conforme documentos remetidos em sede de direito de audição, pelo que concluiu que respeitou o dispostos nas CDT's, ou seja, encontram-se reunidos todos os pressupostos de que a lei faz depender a isenção do imposto.

Acrescenta, ainda, que as disposições consagradas quer no nº 3 do artº90° do CIRC, quer no Despacho Ministerial n.º 11701/2003, de 17 de Junho, violam um dos princípios mais importantes da CRP, o princípio do primado das normas de direito internacional, as quais se sobrepõem à legislação interna ordinária (art.º 8° nº 2 da CRP), pelo que não se poderá manter a correcção proposta.

Relativamente ao alegado pelo Sujeito Passivo na exposição apresentada ao obrigo do direito de audição, importa referir o seguinte de forma a se aferir sobre a legalidade das correcções propostas em sede de retenção na fonte de IRC.

As correcções em apreço resultam do facto do Sujeito Passivo não deter aquando do pagamento dos rendimentos relativos a prestações de serviços e royalties os formulários aprovados pelo Despacho Ministerial n.º11701/2003 - Formulários/Convenções de 17 de Junho, para os rendimentos pagos a partir de 1 de Agosto de 2003, conforme estabelecido pela Circular 12/2003, da Direcção-Geral dos Impostos, de 19 de Julho.

Comprovação essa necessária em momento anterior ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto devido pelo pagamento dos rendimentos respeitantes a prestações de serviços e royalties, para que as disposições convencionais dos art.º22° (Espanha), 22° (Brasil), 12° (Espanha) e 12° (Reino Unido) das CDT's celebradas entre Portugal e os respectivos países que dispensam de retenção na fonte de IRC esses rendimentos, possam ser aplicadas através do seu accionamento.

Importa salientar que relativamente ao fornecedor "M... Limited" foi considerado o Mod. 10 RFI apresentado e accionada a respectiva convenção com a Irlanda, razão pela qual a taxa de retenção na fonte é de 10% (aplicação do previsto no art°12° da CDT com a Irlanda).

Desta forma, não existindo qualquer formalismo expresso no texto do Modelo de Convenção da OCDE quanto à forma de accionar as convenções sobre dupla tributação, do mesmo se retira a necessidade de provar a situação de residente para efeitos fiscais num determinado Estado para que se possa beneficiar dos preceitos convencionais.

Na verdade as referidas CDT's são ineficazes juridicamente na situação tributária em causa, sem a prova de que efectivamente os beneficiários dos rendimentos gozam dos pressupostos, designadamente, a residência em Espanha, Brasil e Reino Unido conforme o previsto no artº4° das respectivas CDT's, que justificam a dispensa de retenção.

Neste sentido, com base nas disposições convencionais surge o disposto nos n.ºs 2,3,4 e 5 do art.º90° do CIRC, com a redacção dada pelo artº27° da Lei nº32 - B/2002, de 30 de Dezembro. Esta disposição legal contem vários pressupostos tendo em vista a aplicação das normas convencionais relativas à dispensa de retenção no caso de rendimentos derivados de prestações de serviços, nomeadamente o definido no nº3, em que o legislador fiscal consagra de forma expressa, clara e sem qualquer margem para dúvidas que "os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação".

Daí que se torne obrigatória para a dispensa do imposto na fonte, a apresentação, antes do termo do prazo legal estabelecido para a entrega do imposto devido pelo pagamento de rendimentos derivados de prestações de serviços, e não após o referido pagamento, de documento emitido e autenticado pelas autoridades fiscais de Espanha, Brasil e Reino Unido, no qual seja confirmada a situação de residência fiscal nestes países, já que, não basta existir a convenção sobre dupla tributação para que possa ser afastada a dupla tributação, é necessário que a mesma seja activada pelos beneficiários dos rendimentos.

E é assim porque (i) as convenções de dupla tributação não bastam por si só para desobrigar os substitutos tributários à retenção na fonte (ii) o dever de reter na fonte é um dever acessório autónomo que tem consagração na norma interna (iii) a obrigação de retenção resulta do direito interno e não da aplicação de convenção internacional que em caso algum desobrigaria os substitutos tributários de efectivar a retenção sem verificar a condição de residente do outro Estado contratante dos beneficiários dos pagamentos, tal como resulta do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 90° do CIRC, conjugado com o artigo 65° do CPPT.

De facto, o disposto nos nºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 90.º do Código do IRC, com a redacção dada pelo artigo 27° da Lei n.º 32-B/2002, de 30.12 (Lei do OE para 2003), vem suprir uma lacuna existente nas CDT's em causa e no Modelo de Convenção da OCDE que embora façam depender a eficácia jurídica dos preceitos convencionais para efeitos fiscais da prova de residência, não estabelecem contudo qualquer formalismo expresso para a concretização dessa prova.

A regulamentação desse requisito ou requisitos não pode obviamente colidir com a substância da Convenção dado o princípio da prevalência do direito internacional sobre o direito interno aplicável (artº8° nº2 da Constituição da República Portuguesa e artº1° nº1 primeira parte da Lei Geral Tributária - LGT).

De facto, a regulamentação da limitação do imposto português incidente sobre rendimentos de residentes noutro Estado ínsita no artigo 90° do CIRC e no artigo 18° do Decreto-Lei nº42/91, de 22 de Janeiro, está harmonizada com a aplicável à limitação do imposto estrangeiro incidente sobre o rendimento dos residentes em Portugal nos países com os quais este mantém convenção sobre dupla tributação internacional.

Efectivamente, sendo a dispensa ou redução de taxas de retenção de imposto previstas nas citadas CDT's um benefício fiscal nos termos do artº2° nº2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que constitui uma excepção às normas gerais de tributação, cabe aos sujeitos passivos proceder, junto da Administração Tributária Portuguesa, à prova dos pressupostos de facto e de direito determinantes da aplicação ou dispensa de aplicação daquelas taxas, nomeadamente a prova da qualidade de residente em Espanha, Holanda, Suíça e Estados Unidos da América dos beneficiários dos rendimentos e da sujeição destes naqueles países a imposto sobre o rendimento.

É o que resulta não apenas da regra geral sobre o ónus da prova do artº 342° nº2 do Código Civil, nos termos da qual a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, como da própria regra geral do ónus da prova do artº74° nº1 da LGT.

Em conformidade, o artº14° nº4 da LGT dispõe que "os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento (…) sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito".

Por conseguinte, reafirma-se novamente a inexistência de qualquer incompatibilidade do procedimento administrativo de natureza graciosa visando o reconhecimento da limitação ou dispensa de retenção pelas autoridades fiscais portuguesas consagrado no disposto nos artigos 90° n.ºs 2,3,4 e 5 do CIRC e 18.° do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22.01 com qualquer preceito constitucional.

O referido procedimento apenas violaria a Constituição ou as convenções sobre dupla tributação internacional, caso as administrações tributárias condicionassem a limitação ou dispensa da retenção de imposto a quaisquer critérios de oportunidade ou introduzissem obrigações acessórias sem proporção com a sua função probatória, o que não é manifestamente o caso.

No que respeita ao formalismo do certificado, cumpre esclarecer que em nenhuma convenção está expressamente previsto qualquer modelo de certificado de residência, cabendo por isso às respectivas autoridades fiscais a sua elaboração, tendo Portugal adoptado para os rendimentos em causa os formulários modelos 10 e 12-RFI aprovados pelo Despacho nº11701/2003, de 28.05 de Sua Ex.ª a Ministra de Estado e das Finanças (publicado no Diário da República II Série n.º 138 de 17.06.2003).

Estes modelos, no fundo vêm identificar os requisitos materiais para a prova da residência e, consequentemente, para que uma convenção possa ser accionada, o que ocorre após o preenchimento pelos beneficiários efectivos dos rendimentos dos citados formulários em vigor nos períodos referidos, bem como da sua apresentação para certificação da residência fiscal junto das autoridades fiscais dos respectivos Estados dos quais os beneficiários se consideram residentes e da sujeição a imposto sobre o rendimento dos valores neles mencionados.

Tendo essa prova sido efectuada após o termo do prazo legal estabelecido para a entrega do imposto, encontra-se preenchido o pressuposto de facto e de direito para a aplicação do disposto no nº4 do artigo 90° do CIRC que claramente refere que "quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

Importa ainda realçar o facto do Sujeito Passivo: i) relativamente a alguns prestadores de serviços não residentes ter apresentado à Inspecção Tributária os respectivos formulários devidamente preenchidos e autenticados pelas Autoridades Fiscais dos países de residência, dando desta forma cumprimento ao estabelecido na legislação nacional e ii) quanto à "E..., SA" ter procedido à retenção na fonte à taxa de 15% para os pagamentos efectuados a partir de Junho de 2004.

Neste sentido, conclui-se que: o Sujeito Passivo contesta o procedimento adoptado pela Inspecção Tributária, tendo o mesmo sido adoptado por si no caso da "E..., SA" e que a alegação aduzida perde oportunidade pelo simples facto de defender prática diferente da seguida em casos similares, como atrás referido.

Quanto à observação referida no artigo 32° do Direito de Audição, existiu de facto um lapso por parte da Inspecção Tributária, por não ter utilizado na fundamentação da presente correcção o termo royalties na parte correspondente à utilização de licenças tal como consta no respectivo anexo.

Contudo o enquadramento da correcção proposta foi o adequado “... O Sujeito Passivo residente não efectuou a retenção devida, de acordo com o previsto nas diversas alíneas do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 88° do CIRC ...", pelo que “...procedeu-se ao apuramento do imposto em falta, aplicando as taxas previstas no n°2 do art°80° do diploma legal acima mencionado ... ", sendo que nestas situações aplica-se a taxa prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 80° do CIRC e por conseguinte o valor do imposto apurado mantém-se inalterado.

Face a tudo o que antecede, mantêm-se as razões de facto e de direito conducentes às correcções em sede de retenção na fonte de IRC, pelo que não foi atendida a pretensão do Sujeito Passivo.
(…)” (cfr. fls. 49 a 71 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

B) Foi junto ao Relatório mencionado na alínea antecedente o documento que constitui o Anexo 5 àquele Relatório, e que possui o seguinte teor:


«Imagem no original»

(cfr. fls. 80 do PAT).

C) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspeção, no decurso da ação inspetiva, o Formulário Mod. 12-RFI, respeitante ao ano de 2004, certificado pela autoridade fiscal de Espanha, relativamente à sociedade “E..., SA” e com referência a rendimentos pagos a título de prestação de serviços (cfr. fls. 29 dos autos).

D) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspeção, no decurso da ação inspetiva, o Formulário Mod. 12-RFI, respeitante ao ano de 2004, certificado pela autoridade fiscal do Reino Unido, relativamente à sociedade “E... LLP” e com referência a rendimentos pagos a título de prestação de serviços (cfr. fls. 30 dos autos).

E) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspeção, no decurso da ação inspetiva, o Formulário Mod. 10-RFI, respeitante ao ano de 2004, certificado pela autoridade fiscal da Irlanda, relativamente à sociedade “M... Limited”, e com referência a rendimentos pagos a título de royalties no montante de 192.121,16€, com imposto retido no montante de 19.212,12€, constando do referido formulário a natureza do rendimento como “Software Licenses” (cfr. fls. 31 dos autos).

F) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspeção, no decurso da ação inspetiva, o Formulário Mod. 12-RFI, respeitante ao ano de 2004, certificado pela autoridade fiscal do Brasil, relativamente à sociedade “T... Informática, Ltda”, e com referência a rendimentos pagos a título de prestação de serviços no montante de 4.100,00€ (cfr. fls.32 e 33 dos autos).

G) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspeção, no decurso da ação inspetiva, o Formulário Mod. 12-RFI, respeitante ao ano de 2005, certificado pela autoridade fiscal de Espanha, relativamente à sociedade “C..., SA” e com referência a rendimentos pagos em 16.06.2005 a título de prestação de serviços, no montante de 6.681,31€ (cfr. fls. 34 dos autos).

H) Em 28.12.2006 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de retenções na fonte – IRC, com o nº 2006 6..., no montante total de 70.842,26€, sendo 64.350,34€ a título de imposto e o montante de 6.491,92€ a título de juros compensatórios (cfr. fls. 28 dos autos).

I) A “Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios” notificada à Impugnante identifica os valores base, as datas de início e de fim de contagem dos juros, a duração em dias, a taxa aplicada e o valor apurado (cfr. fls. 28 dos autos).

J) A data limite de pagamento da liquidação referida na alínea antecedente era o dia 07.02.2007 (cfr. fls. 28 dos autos).

K) A presente impugnação considera-se apresentada em 08.05.2007, data de envio da mesma através de carta registada com aviso de receção (cfr. fls. 35 dos autos).


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Factos Não Provados:

1– Não foi provado que a Impugnante tenha apresentado junto dos Serviços de Inspeção o Formulário Modelo 12-RFI do ano de 2004, certificado pelas autoridades fiscais de Espanha, relativamente à sociedade “C..., SA”.


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Não foram provados outros factos com relevância para a decisão dos presentes autos.

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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e ao PAT, referida a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

O facto dado como não provado, resulta diretamente da contraposição do facto dado como provado em G), uma vez que o formulário junto pela Impugnante aos autos, respeita ao ano de 2005 e não ao ano de 2004, como a mesma invoca.»


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De direito

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, ora recorrida, deduzida contra a liquidação de IRC de 2004 e juros compensatórios, do exercício de 2004, emitida com o nº 2006 6..., julgou a impugnação parcialmente procedente, por se revelar ilegal a exigência de retenção na fonte de imposto sobre os rendimentos de prestação de serviços pagos às sociedades não residentes “E..., SA”, “E... LLP”, e “T... Informática. LTda”, invocando, para tanto, o disposto nos artigos 90º, nº 4, 90º-A, nº 6 do CIRC e o nº 4 do artigo 48º da Lei nº 67-A/2007, de 31.12, anulando a liquidação na parte correspondente, pelo valor de 40.147,18€ (acrescido de juros compensatórios).

No mais, a liquidação foi mantida.

Atentemos no recurso interposto pela Fazenda Pública que se dirige à sentença na parte em que considerou ilegais as correcções relativas à falta de retenção na fonte de imposto respeitante aos pagamentos feitos às sociedades “E..., SA”, “E... LLP”, e “T... Informática. LTda”.

Após fazer o devido enquadramento legal da questão em análise, o Mmo. Juiz a quo deixou dito o seguinte na sentença recorrida:

“(…)

No que concerne às sociedades “E..., SA”, “E... LLP”, e “T... Informática. LTda”, a A.T. considerou ser devida retenção na fonte sobre os rendimentos de prestação de serviços pagos em 2004, com o fundamento de que, para acionar as CDT’s de Espanha, Brasil e Reino Unido, e assim dispensar a retenção na fonte em Portugal, a prova da residência tem de ser apresentada “antes do termo do prazo legal estabelecido para a entrega do imposto devido pelo pagamento de rendimentos derivados de prestações de serviços, e não após o referido pagamento” (cfr. fls. 18/22 do relatório inspetivo).

Ou seja, a A.T. não contestou a efetiva apresentação dos formulários Mod. 12 RFI referentes a cada uma destas três empresas, com referência ao exercício de 2004, nem contestou o seu conteúdo.

E na verdade, a Impugnante apresentou tais formulários, que atestam, relativamente a cada uma daquelas três empresas, a qualidade de residente no outro Estado Contratante no ano de 2004, estando certificadas pelas autoridades fiscais competentes, fazendo assim acionar o artigo 22º da CDT Portugal/Espanha, o artigo 22º da CDT Portugal/Brasil e o artigo 20º da CDT Portugal/Reino Unido.

Ora, tais formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um ato de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AT à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efetiva verificação dos respetivos pressupostos.

Assim sendo, quanto às sociedades “E..., SA”, “E... LLP”, e “T... Informática. LTda”, tendo em conta as supra referidas normas dos artigos 90º, nº 4, 90º-A, nº 6 do CIRC e o nº 4 do artigo 48º da Lei nº 67-A/2007, de 31.12, tendo a Impugnante vindo a apresentar a prova requerida aquando do exercício do direito de audição prévia, para a dispensa da retenção do imposto, através da entrega dos respectivos formulários legais (como não se encontra controvertido), nesta parte e com esta fundamentação, a impugnação tem de proceder, com a anulação da liquidação em causa na parte respetiva, ou seja, no montante de 40.147,18€, bem como dos respetivos juros compensatórios”.

A Fazenda, ora Recorrente, discorda do assim decidido por considerar, no essencial, que “a prova do domicílio para efeitos de aplicações dos benefícios previstos em convecções para evitar dupla tributação terá que ser efectuada antes do efectivo pagamento realizado à entidade não residente”, sendo que “tal comprovação constitui requisito "ad substantiam" porquanto a dispensa de retenção na fonte consubstancia um verdadeiro benefício fiscal, tal como previsto no n°2 do art°2° do EBF”. Portanto, para a Recorrente “a dispensa de retenção na fonte que aqui se examina encontrava-se condicionada à obrigação do beneficiário do regime excepcional comprovar, previamente a sua obtenção, os requisitos que a ele o habilitam”, pelo que “contrariamente ao que resulta do teor da sentença de que aqui se recorre, não se nos afigura lícito que o substituto tributário decida, sem observância de qualquer formalismo prévio, e logo, sem a necessária certeza que dele haveria de decorrer, aplicar ao prestador um regime diverso do geral em vigor”.

Desde já se adianta que este Tribunal sufraga inteiramente o decidido pelo TT de Lisboa, salientando que esta é matéria que está amplamente tratada pelos Tribunais Superiores e no sentido contrário ao que aqui defende a Fazenda Pública.

Relembremos que a Recorrente não põe em causa a comprovação da residência das beneficiárias no ano em causa, o que está amplamente patenteado no probatório.

Vejamos, então, remetendo para jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores, aqui aplicável, de entre a qual destacamos, exemplificativamente, a seguinte, através do respectivos sumários:

“I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados.

II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna.

III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no nº 1 do artigo 1º da LGT.

IV - Resulta da interpretação dos artigos 103 da CRP e 90 do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364 nº 2 do Código Civil” – acórdão do STA, de 14/12/16, processo nº 141/14;

Ou,

“1. A prova da residência em país com o qual Portugal celebrou CDT, apresentada depois de os rendimentos serem colocados à disposição dos beneficiários, não preclude o direito à dispensa de retenção na fonte à taxa normal, porque o respetivo direito emerge da lei - Convenção celebrada entre os Estados contratantes a qual define os pressupostos materiais para sua aplicação.

2. Os “formulários” destinados a provar a residência do beneficiário dos rendimentos têm caráter “ad probationem” - acórdão do TCA, de 22/10/20, processo nº 522/05.7 BELSB;

No caso das três sociedades beneficiárias aqui em análise, os formulários foram apresentados e foi atestada a sua residência pelas autoridades fiscais competentes, relativamente ao período temporal que importava considerar.

O carácter “ad probationem” e não “ad substantiam” dos formulários é, face à jurisprudência citada (entre outra), incontornável.

Assim sendo, e sem necessidade de nos alongarmos neste tema, pois os acórdãos citados resolvem a questão que aqui nos vem dirigida, há que negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, manter a sentença na parte em que julgou procedente a impugnação e anulou correspondentemente a liquidação de imposto e juros compensatórios.


*

Passemos ao recurso da L... Seguros SA que na impugnação ficou parcialmente vencida e que, aqui, como se retira do seu articulado, insurge-se contra o decidido na parte em que não anulou a correcção (e imposto correspondente) respeitante à sociedade C... SA – conclusões 65º e ss.

Com efeito, importa esclarecer que, não obstante a L... ter ficado vencida quanto à correcção relativa ao imposto retido relativamente aos rendimentos pagos à sociedade irlandesa M... Limited, a verdade é que não vem posto em causa o decidido pelo TT de Lisboa que, conforme resulta da sentença, considerou que “mostra-se incongruente a posição sufragada pela Impugnante na sua pi, no sentido de que todos os rendimentos em causa se tratam de prestações de serviços, quando é a própria Impugnante que demonstra que tal não sucede. Desta forma, mostra-se legal e correta a tributação à taxa de 10% referente aos rendimentos pagos à sociedade de direito irlandesa, pelo que se mantém a correção efetuada”.

Vejamos, então o que dizer quanto aos rendimentos pagos à C... SA.

Comecemos por deixar claro o discurso fundamentador adoptado pelo Tribunal a este propósito. Assim, lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

No que concerne ao imposto apurado em falta no montante de 3.914,83€, relativo a rendimentos pagos à sociedade de direito espanhol “C..., SA”, constata-se que a Impugnante limitou-se a juntar aos autos um formulário Mod. 12-RFI referente ao ano de 2005, que atesta apenas o pagamento de rendimentos de prestação de serviços em 16.06.2005.

Ora, não resulta dos autos prova, ainda que superveniente, quanto aos pressupostos para acionar a CDT relativamente ao ano de 2004, porquanto tal prova terá de revestir a forma documental de onde conste a residência do beneficiário do rendimento no exercício fiscal a que respeitam os rendimentos, devendo, igualmente estar certificados pela autoridade fiscal respetiva. Assim sendo, também neste caso, será de manter a correção efetuada”.

Vejamos.

A L..., no essencial, defende que “no RFI referente à sociedade "C..., S.A." vem mencionado que os rendimentos respeitam ao ano de 2005”, porém, “o pagamento pela Recorrida dos serviços prestados por aquela sociedade ocorreu no ano de 2004, sendo 2005 somente a data em que foi emitido o Modelo RFI por parte da Autoridade Tributária Espanhola”. Para a Recorrente, “é nos pressupostos, fixados na CDT celebrada entre Portugal e Espanha que se deve operar o reconhecimento do direito à não retenção de IRC em relação a uma entidade sedeada naquele país (i.e., comprovação da residência da entidade beneficiária dos rendimentos nesse país), é evidente que tal prova resulta feita nos autos, pois se o contrato com a sociedade "C..., S.A." data de 30.09.2003 e o Modelo 12-RFI foi emitido em 2005, então também em 2004, data dos pagamentos, segundo a própria Autoridade Tributária”. Para mais, sublinha a L..., a AT jamais “refutou o facto de os rendimentos terem sido pagos pela Recorrida à sociedade "C..., S.A." no ano de 2004, antes o confessando”.

Para a Recorrente, “não há qualquer limitação ao tipo de prova da residência fiscal das entidades beneficiárias dos rendimentos, valendo também quanto a esta matéria todos os meios de prova (idóneos) em Direito admitidos…”. Tal prova, diz a L..., “poderá por exemplo ser feita mediante a simples consulta do Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), nos termos do qual a inserção do número de identificação fiscal da empresa "C..., S.A.", (i.e., A81921330, conforme consta do Modelo 12-RFI) demonstrará o Estado-Membro onde essa empresa é residente (i.e., Espanha), que é quanto basta para accionar a CDT celebrada entre Portugal e Espanha e, consequentemente, isentar de retenção na fonte de IRC aqueles rendimentos decorrentes de prestações de serviços (cf. artigo 22° da CDT)”.

Tenhamos presente, com relevo para a questão que nos ocupará, que, logo no início do seu articulado, a L... pretendeu impugnar o julgamento da matéria de facto, o que fez nos seguintes termos (conclusões 5 a 8):

“6. Em primeiro lugar, requer-se que seja aditado ao facto provado G) que o Formulário Modelo 12-RFI referente à sociedade "C..., S.A." (cf. Documento n° 2 da Impugnação Judicial) faz menção à celebração do contrato de prestação de serviços em 30.09.2003.

7. Nesse sentido, no facto provado em G) da Sentença deve passar a ler-se:

"G) A Impugnante apresentou junto dos Serviços de Inspecção, no decurso da acção inspectiva, o Formulário Mod. 12-RFf, respeitante ao ano de 2004, relativamente à sociedade "C..., SA" e com referência a rendimentos pagos em 16.06.2005 a título de prestação de serviços, no montante de 6.681,31€ (cfr. fls. 34 dos autos)".

8. Em segundo lugar, por ter sido alegado pela Recorrida, não impugnado pela Autoridade Tributária e outrossim confessado por esta (o que se aceita especificadamente, nos termos do artigo 465°, n° 2 do CPC), requer-se que se dê como provado (por confissão ou acordo) que o pagamento dos rendimentos às sociedades em referência nestes autos (incluindo a "C..., S.A.") foi efectuado no ano de 2004, conforme fls. l do Anexo 5 do Relatório de Inspecção Tributária, onde se refere expressamente: "Rendimento pagos a não residentes - Prestações de Serviços -Exercício de 2004".

Como está bem de ver, a formulação que a Recorrente pretende para o facto a que corresponde a alínea G) não pode acolher-se, uma vez que o documento em causa, junto a fls. 34 dos autos, não atesta o que a L... pretende, jamais fazendo qualquer referência ao ano de 2004. Aliás, isso mesmo resulta – e bem – do facto não provado.

Quanto à outra pretendida alteração à matéria de facto, dir-se-á que a mesma não vinga também, sendo desnecessária. Como resulta da matéria de facto, o RIT foi integralmente dado por reproduzido, o que significa que se tem presente e teor do documento em causa, aí se incluindo o anexo em causa.

Contudo, não obstante o que fica dito, importa que a Recorrente não perca de vista que o que estava em causa era a prova da residência da beneficiária do rendimento no exercício fiscal a que respeitam os rendimentos, o que não se mostra evidenciado.

Em suma, improcede a impugnação da matéria de facto.


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Avancemos, então.

Face à resposta à matéria de facto, a solução de direito a que chegou a sentença surge incontornável.

À data em que foram pagos os rendimentos à entidade não residente em causa, a questão da prova de residência dos beneficiários dos rendimentos para efeitos de aplicação das CDT`s encontrava-se regulada no artigo 90.º, n.ºs 2 a 5, do Código do IRC, na redacção da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro (com entrada em vigor em 01/01/2003).

Aí se dispunha o seguinte:

«2 - Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.

3 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.

4 - Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

5 - O sujeito passivo não residente, quando não tenha efectuado a prova no prazo referido no número anterior, pode requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças».

Numa síntese útil feita sobre o enquadramento legal aplicável, lê-se no acórdão do TCA Norte, de 20/04/17, no processo nº 01422/07.1BEVIS, o seguinte:

“Como decorre dos preceitos em causa, com a Lei n.º32-B/2002, passou a ser exigível, em matéria de retenção na fonte, a prova perante a entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado da residência.

Não sendo efectuada essa prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, ficava o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos do direito interno (art.º88.º e 90.º, n.º4 do CIRC).

Em suma, face ao disposto no art.º90.º, n.º3 do CIRC (na redacção da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro), era obrigatória a comprovação pelo meio nela previsto da verificação dos requisitos substantivos para aplicação das CDT`s, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, sob pena de a retenção ser feita à taxa normal, ficando o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.

Tem sido esse o entendimento estabilizado da jurisprudência, que reiteradamente tem destacado que com a redacção introduzida pela Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro, na norma do n.º3 do art.º90º do CIRC, passou a ser obrigatório que o devedor fizesse prova dos requisitos formais, sob pena de não obtenção dos benefícios previstos em matéria de tributação de IRC, designadamente o da retenção ser feita por valores inferiores aos da taxa normal, sendo que até lá, a lei admitia a prova de residência no estrangeiro das sociedades beneficiárias de rendimentos em Portugal por outros meios que não os formulários aprovados pela Administração tributária portuguesa, expressando que não devem tais formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência – vd. Acs. do STA (Pleno do CT), de 20/01/2006, tirado no proc.º 01479/13 e de 13/04/2016, tirado no proc.º01444/13 e deste TCAN, de 28-06-2007, tirado no proc.º00129/03-Braga e de 11/10/2007, tirado no proc.º00796/05.3BEVIS.

Acresce referir que a legislação sobre esta matéria dos ditos formulários teve algum desenvolvimento após a referida Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro, designadamente com a entrada em vigor da Lei n.°67-A/2007, de 31 de Dezembro, a qual no n.°4 do seu art.º48.°, determina a aplicação retroactiva do regime por ela introduzido nos arts. 90.°, n.°4, e 90.°-A, n.°6, do CIRC.

Com efeito, o referido n.º4 do art.º48.º da Lei n.º67-A/2007, de 30 de Dezembro, veio determinar que «o afastamento da responsabilidade prevista no n.° 4 do artigo 90.º e no n.° 6 do artigo 90.°-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação».

Sendo preceito aplicável ao caso, da sua conjugação com o disposto no n.º6 do art.º90.º-A do CIRC, [“Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e os n.os 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção”] cuja redacção remete para o n.º2 alínea a) do mesmo art.º90.-A, pode retirar-se uma importante valia interpretativa no sentido de que no caso de não ser feita a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, prova essa a ser efectuada através do formulário a que alude o n.º2 do art.º90.º-A do CIRC, a obrigação do substituto tributário entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei pode ser afastada desde que comprove com aquele formulário a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.

Os formulários a que alude o n.º3 do art.º90.º do CIRC, na redacção da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro, tal como refere o Recorrente, foram aprovados pelo Despacho Ministerial n.º11701/2003, de 28 de Maio, publicado no DR II Série n.º138, de 17/06/2003 e são os modelos 7 a 12-RFI, que se diferenciam pelo tipo de rendimentos (títulos de dívida, dividendos de acções, dividendos e juros, royalties pensões ou devidos por trabalho dependente, outros rendimentos), determinando a Circular n.º12/2003, de 19/07/2003, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, a exigência da sua apresentação a partir de 01/08/2003”.

Ora, face ao direito aplicável e ao circunstancialismo de facto apurado, não há como não sufragar o entendimento adoptado pelo TT de Lisboa e concluir que “…não resulta dos autos prova, ainda que superveniente, quanto aos pressupostos para acionar a CDT relativamente ao ano de 2004, porquanto tal prova terá de revestir a forma documental de onde conste a residência do beneficiário do rendimento no exercício fiscal a que respeitam os rendimentos, devendo, igualmente estar certificados pela autoridade fiscal respetiva. Assim sendo, também neste caso, será de manter a correção efetuada”.

Improcede, assim, sem necessidade de mais, esta questão.


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Subsiste, ainda, a questão da manutenção (ou não) da liquidação dos juros compensatórios relativamente ao imposto liquidado e mantido com respeito às beneficiárias M... Limited e C..., os quais a Recorrente, L..., entende não serem devidos – conclusões 81 e seguintes.

Vejamos.

Sustenta a Recorrente, em síntese, que “as liquidações de juros compensatórios sindicadas padecem de manifesta violação de lei substantiva, pois a existência de uma alegada dívida de imposto não determina, sem mais, a exigibilidade legal do dever de indemnizar em que se consubstancia o pagamento dos juros compensatórios, exigindo o artigo 35°, n°1da LGT como pressuposto prévio a necessidade de actuação culposa por parte do sujeito passivo”. Nesta linha de entendimento, prossegue a L... dizendo que “seria admissível a exigência de juros compensatórios se a Recorrida liquidasse um imposto e retardasse o seu pagamento, ou não pagasse culposamente um imposto que conhece no seu objecto e extensão, mas esse não é o caso dos autos, assinaladas as equivocidades e complexidades do quadro legal aplicável à matéria de Direito Internacional, mormente no domínio das CDT's e sua compatibilização com o Direito Interno Português…”.

Como está bem de ver – e a Recorrente afirma-o – a não aceitação da liquidação de juros compensatórios radica numa alegada violação de lei substantiva, num vício material (que não de forma), concretamente relativamente à não existência de culpa no retardamento da liquidação do imposto.

Sucede que nada disto foi apreciado na sentença, nem, tal foi assim invocadoa na p.i. Com efeito, lendo atentamente o articulado inicial (cfr. artigos 98º e ss), bem como a decisão proferida pelo TT, resulta claro que o ataque à liquidação dos juros compensatórios assentou na falta de fundamentação dos mesmos, portanto num vício formal. E foi a esta questão que a sentença deu resposta, o que resulta claro da sua leitura – concretamente, fls. 27 e 28.

Significa isto, como está bem de ver, que a questão da ilegalidade dos juros, nos termos em que aqui vem discutida, não foi apreciada na sentença, a qual – repete-se – apreciou a ilegalidade sob o ponto de vista da invocada falta de fundamentação.

Ora, como não sofre dúvidas, sendo entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação pela decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não se destinando ao conhecimento de questões novas.

Improcede, pois, esta última questão que vínhamos de analisar.

Em suma, há que negar provimento a ambos os recursos e manter integralmente o decidido pelo TT de Lisboa


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento a ambos os recursos jurisdicionais, mantendo a sentença recorrida.

Registe e notifique.

Custas por ambas as partes.

Lisboa, 28/01/21


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Ana Cristina Carvalho)