Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 08974/12 |
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Secção: | CA - 2.º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 10/18/2012 |
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Relator: | SOFIA DAVID |
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Descritores: | ACTO POLITICO; SCUT; RESOLUÇÃO DO CM Nº 75/2010; INCOMPETÊNCIA MATERIAL |
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Sumário: | As medidas publicitadas como a adoptar pela Resolução do CM n.º 75/2010, inserem-se na competência política do governo, são actos políticos, insindicáveis nestes tribunais – cfr. artigo 4º, n.º2, alínea a) do ETAF. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vêm interpostos recursos do saneador do TAF de Loulé, de fls. 175 e ss., que julgou não verificadas as excepções de incompetência absoluta em razão da matéria e de incompetência hierárquica. Nesta acção, os Recorridos pediam que fosse declarada a «inaplicabilidade» da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22.09 por violação do artigo 165º, n.º1, al. i) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e a ilegalidade dessa Resolução «no que à introdução e cobrança de taxas de portagem na A 22 diz respeito, com aplicação ao caso concreto dos ora Autores». Em alegações são formuladas pelo Recorrente, o Contra-interessado A..., as seguintes conclusões: « (em imagem.) Em contra alegações são formuladas pelo Recorrido Ministério da Economia e Emprego (MEE), as seguintes conclusões: « (em imagem) ». O DMMP junto ao TAF de Loulé veio apresentar a fls. 334 e ss um recurso do despacho saneador, no qual formula seguintes conclusões: (em imagem) O DMMP apresentou as seguintes conclusões nas contralegações de recurso, apresentadas a fls. 340 e ss, relativamente ao recurso interposto pela A...: « (em imagem) Não foram apresentadas contra alegações relativamente ao recurso interposto pelo DMMP. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os Factos Na 1º instância não foram fixados factos. Assim, nos termos do artigo 712º, n.º 1, alínea a) e 2 do CPA, fixa-se a seguinte matéria provada, por assente: 1) Em 05.11.2004 foi publicada no DR a Resolução do CM n.º 157/2004, que refere o seguinte: «O Estado Português lançou, em 1999, sete concessões de auto-estradas em regime de SCUT (sem cobrança para o utilizador) num total de 914 km de extensão, representando cerca de um terço das concessões rodoviárias nacionais num investimento de 3,1 mil milhões de euros. Os custos deste projecto foram à data diferidos cerca de cinco anos, tendo os encargos mais significativos com as concessões começado apenas em 2004. Depois de picos de despesa em 2007 e em 2008, onde os encargos anuais com as SCUT ascendem a mais de 820 milhões de euros, o valor médio dos encargos anuais, entre 2008 e 2023, ascende a cerca de 700 milhões de euros. Estes encargos referem-se a três componentes de despesa: o valor da renda anual a pagar às concessionárias, as expropriações, e os reequilíbrios financeiros em negociação. Dadas as restrições orçamentais existentes, o modelo actual impõe aos contribuintes um encargo com estes 914 km de estradas SCUT que é três vezes superior ao valor total suportado pelo Estado/IEP (Instituto de Estradas de Portugal) para construir 2500 km até 2008 e ainda manter e conservar mais de 14000 km de rodovia já existente, num total de 17000 km. Considerando que o IEP recebeu em 2004, directamente do Orçamento do Estado para investimento, uma verba de cerca de 400 milhões de euros, resulta evidente que o esforço financeiro devido às concessões SCUT anula totalmente a capacidade de investimento do IEP nas suas actividades tradicionais de manutenção da rede viária, segurança rodoviária, conservação de estradas e pontes e construção de obra nova, pondo em causa a sustentabilidade da totalidade do sistema rodoviário nacional. O descontrolo das verbas já contratadas, de acordo com o modelo original, foi de tal ordem que apenas em erros de modelização das concessões, e mesmo antes da inauguração da maioria dos troços SCUT, o Estado Português suporta já, em correcções ao modelo original, mais de 500 milhões de euros originados, nomeadamente, pela ausência de estudos de impacte ambiental prévios ao lançamento dos concursos e pela incorrecta repartição dos riscos do projecto entre o Estado e as entidades privadas. Esta lacuna do modelo não só provocou um acréscimo das verbas a suportar como inviabilizou qualquer possibilidade de candidatura a fundos comunitários, onde os referidos estudos ambientais são requisito prévio. Tal como refere o relatório de auditoria às concessões rodoviárias em regime de portagem SCUT do Tribunal de Contas, publicado em Maio de 2003, referindo-se a outra concessão: «A derrapagem financeira verificada nesta concessão SCUT é bem elucidativa da falta de rigor evidenciada quer no lançamento do concurso e avaliação dos projectos, quer na gestão dos dinheiros públicos.» A continuidade do modelo actual implica que o contribuinte suporte cada vez mais custos e as soluções clássicas apresentam limitações, sendo necessário procurar alternativas para financiamento do sistema. Para além da dimensão do problema, ao nível macroeconómico de insustentabilidade do sistema rodoviário, existe toda uma problemática microeconómica relacionada com a elevada exposição dos bancos e das empresas de construção nacionais, principais intervenientes neste projecto. A solução estrutural passa necessariamente pela análise da introdução de portagens, sendo claro que ainda assim esta medida é insuficiente, quer no curto quer no médio e longo prazos. A introdução de portagens acarreta uma série de implicações de diversa natureza que importa salientar: De natureza contratual, nomeadamente, porque implica a alteração jurídica dos contratos de concessão e a separação de dois objectos de concessão: por um lado a construção, manutenção e exploração da auto-estrada e, por outro, a instalação, manutenção e exploração de um serviço de cobrança de portagens. A alteração dos actuais contratos de concessão deverá seguir o regime previsto no Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, nos termos do qual serão as alterações acompanhadas por uma comissão especialmente constituída para o efeito, nomeada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que verificará todos os requisitos legalmente impostos, designadamente os constantes dos artigos 6.º e 7.º do mesmo diploma; De índole financeira, nomeadamente, porque origina a renegociação dos contratos de financiamento existentes, o accionamento dos reequilíbrios financeiros e as formas de compensação a adoptar; De natureza técnica, nomeadamente, por via da necessidade de definição do tipo de portagens (tradicionais, electrónicas ou mistas), da tecnologia (tipo Via Verde ou GSM/GPS), do uso de identificador (sistema aberto: todos podem circular, com ou sem identificador; ou sistema fechado: só quem tem identificador pode circular) e do regime dos utentes não equipados com esses dispositivos; Por fim, de carácter social - discriminação positiva, nomeadamente a selecção dos critérios para definição dos beneficiários, a definição da incidência (isenção total ou parcial e sua aplicação a troços já existentes objecto de alargamento ou melhoramento), a definição do valor da portagem (nova tarifa, tarifa do modelo financeiro, concessões actuais com portagens ou break even). A insuficiência previsível de meios libertos pelas portagens para cobrir os encargos a suportar pelo Estado, que são substancialmente agravados a partir de 2005, obriga a que se encontrem fontes de financiamento alternativas. A obtenção destas fontes de financiamento adicionais torna-se imprescindível para a cobertura dos montantes necessários para fazer face ao défice infligido pelo actual modelo de concessão. Caso contrário, ficará totalmente inviabilizada a execução do Plano Rodoviário Nacional e serão postos em causa os investimentos em manutenção e segurança de toda a rede rodoviária existente. Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve: 1 - Aprovar, como grandes linhas orientadoras do modelo de financiamento das concessões rodoviárias nacionais: a) A introdução de portagens nas auto-estradas, de acordo com o princípio do utilizador-pagador; b) A operação de titularização de créditos das receitas de activos rodoviários. 2 - Aprovar a constituição de um fundo para a conservação, beneficiação e segurança das infra-estruturas rodoviárias não concessionadas. 3 - Incumbir o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações da condução da reforma do sistema de financiamento das auto-estradas SCUT, mandatando-o para: a) Iniciar negociações com as concessionárias rodoviárias em regime de portagem SCUT, para ponderar da viabilidade económica da referida reforma; b) Propor ao Conselho de Ministros a aprovação das iniciativas legislativas e das medidas administrativas e regulamentares que se revelem necessárias. 4 - Determinar que os objectivos referidos nos n.os 1 e 2 sejam concretizados através da adopção das seguintes medidas prioritárias: a) Lançamento dos estudos relativos aos impactes sociais, económicos e financeiros da iniciativa, às formas de compensação a adoptar e a definição da incidência subjectiva das portagens; b) Elaboração do projecto de reforma do sistema de financiamento das concessões rodoviárias nas vertentes contratual, técnica e financeira, identificando as concretas acções a desenvolver; c) Determinação da natureza, a entidade gestora e o destino do fundo para a conservação, beneficiação e segurança das infra-estruturas rodoviárias não concessionadas, bem como identificar as providências atinentes à sua constituição; d) Formulação de um plano de aplicação das receitas da operação de titularização de créditos na manutenção, conservação e segurança das infra-estruturas rodoviárias. 5 - Estabelecer que a concretização das medidas enunciadas nos números anteriores devem obedecer à seguinte calendarização: a) Até 15 de Novembro de 2004, devem ser tomadas as medidas prioritárias definidas no n.º 4; b) Até 15 de Dezembro de 2004, devem ser submetidas à aprovação do Conselho de Ministros as iniciativas legislativas referidas no n.º 3; c) Até 31 de Dezembro de 2004, deve entrar em vigor o novo modelo de financiamento das concessões rodoviárias nacionais. » (cf. DR). 2) Em 18.10.2006 foi elaborado pelo MOPTC o estudo constante de fls. 14 a 39, a que aqui se dá por reproduzido, relativo ao regime das SCUT enquanto instrumento de correcção das assimetrias regionais (acordo). 3) Em 12.04.2010 foi publicada no DR a Resolução da AR n.º 29/2010, relativa ao Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013, que refere o seguinte: « A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, o seguinte: 1 - Apoiar a consolidação orçamental constante do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, assumindo a necessidade da redução do défice para 2,8 % do PIB até 2013 e do controlo do crescimento da dívida pública, bem como da promoção do crescimento sustentado da economia e do emprego e do reforço das condições estruturais de competitividade e de internacionalização da economia portuguesa. 2 - Reconhecer a prioridade conferida à redução da despesa pública, em particular a despesa corrente. 3 - Assumir que o esforço de investimento público e de iniciativa pública a realizar deverá ter em consideração a necessidade de assegurar a sustentabilidade da consolidação orçamental e de controlo do endividamento público e privado e contribuir para o reforço do potencial produtivo do País, a sua modernização e a sua competitividade numa perspectiva de crescimento sustentado» (cf. DR). 4) Em 22.09.2010 foi publicada no DR a Resolução do CM n.º 75/2010, que refere o seguinte: «A introdução de portagens em auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT) está prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, aprovado pela Comissão Europeia, em 14 de Abril de 2010, como sendo uma das medidas de consolidação das contas públicas, relevando para a redução do défice e constituindo hoje, à semelhança das restantes medidas de idêntica natureza, um compromisso claro de Portugal junto da União Europeia e dos seus parceiros europeus. A introdução de portagens reais nas concessões SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata, bem como nas restantes SCUT que cumpram os critérios definidos para o efeito, consta igualmente do Programa do XVIII Governo Constitucional e do Orçamento do Estado para 2010. Para a concretização desta medida, foi alterado o modelo de gestão e de financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias, assente em princípios como o da coesão territorial, o da solidariedade intergeracional e o da contratualização de longo prazo das responsabilidades decorrentes da construção, gestão, manutenção e conservação da rede rodoviária nacional, atribuindo-se à EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão da rede rodoviária nacional, de modo a assegurar a sua sustentabilidade económica e financeira. Este modelo garante uma maior equidade e justiça social, na actual conjuntura económica, e fomenta a criação de condições para que se assegure a sustentabilidade do sector rodoviário, nomeadamente através do reforço da conservação, da segurança e da execução do Plano Rodoviário Nacional (PRN). O esforço efectuado para a concretização do PRN, cuja taxa de execução atingiu em 2010 os 63 %, verificando-se um crescimento de 13 % face à execução acumulada em 2004 (50 %), e que se concentrou no interior do País, onde alguns distritos apresentavam taxas de execução do PRN inferiores a 35 %, contra taxas superiores a 70 % no litoral do País, só pode ser prosseguido se, num acto de justiça e de solidariedade, as regiões que já dispõem de infra-estruturas rodoviárias e de maior desenvolvimento económico contribuírem financeiramente para a sustentabilidade do sector rodoviário. O Governo tomou a decisão de introdução de portagens, designadamente nas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata, através do Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho, o qual identificou os lanços e os sublanços de auto-estrada sujeitos ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores que, de acordo com os estudos técnicos efectuados, cumpriam os critérios definidos no Programa do Governo quanto ao desenvolvimento económico-social da região e à existência de alternativas. Simultaneamente, o Governo publicou as Portarias n.os 314-A/2010 e 314-B/2010, ambas de 14 de Junho, que regulamentam o sistema de cobrança de portagens, finalizando, desta forma, o processo para a introdução de portagens, no calendário fixado no PEC. Contudo, atento o novo regime jurídico resultante da publicação da Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, o Governo define os princípios políticos que devem sustentar as novas medidas normativas e operacionais para que possa ser dado cumprimento aos compromissos já assumidos pelo Estado Português em matéria de cobrança de taxas de portagem nas SCUT. Torna-se, deste modo, necessário: i) adequar a data de início de cobrança de taxas de portagem nas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata ao disposto na Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro; ii) adoptar o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem, e iii) criar um regime de discriminação positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas. Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve: 1 - Adoptar o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT). 2 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata a partir de 15 de Outubro de 2010, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho. 3 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar. 4 - Adoptar um regime de discriminação positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas. 5 - Determinar que, para efeitos do disposto no número anterior, o regime da discriminação positiva se consubstancia na aplicação de um sistema misto de isenções e de descontos nas taxas de portagem, para as populações e empresas locais, através de isenções nas primeiras dez utilizações mensais e de descontos de 15 % nas utilizações seguintes da respectiva auto-estrada SCUT. 6 - Considerar como populações e empresas locais a abranger pelo regime de discriminação positiva aquelas que tenham residência ou sede na área de influência da SCUT, definida em função das regras seguintes: a) Nas áreas metropolitanas, com maior densidade de oferta de infra-estruturas (SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos em que uma qualquer parte do seu território fique a menos de 10 km da via; b) Fora das áreas metropolitanas (SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos inseridos numa nomenclatura de unidade territorial (NUT) iii em que uma qualquer parte do território dessa NUT fique a menos de 20 km da via. 7 - Estabelecer que até 30 de Junho de 2012 é feita uma aplicação transitória e uniforme do regime de discriminação positiva em todas as auto-estradas SCUT, segundo os critérios fixados no número anterior. 8 - Estabelecer que a partir de 1 de Julho de 2012, considerada a evolução positiva previsível na oferta de alternativas, a aplicação do regime de discriminação positiva se mantém apenas nas SCUT que sirvam regiões mais desfavorecidas, tendo em conta o índice de disparidade do produto interno bruto (PIB) per capita regional, nomeadamente nas regiões que registem menos de 80 % da média do PIB per capita nacional. 9 - Determinar que compete aos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações assegurar em tempo útil a adopção das medidas necessárias à implementação do princípio da universalidade, designadamente a construção das infra-estruturas indispensáveis para o efeito e a revisão dos contratos de concessão. » (cf. DR) O Direito O DMMP alega a nulidade da decisão sindicada por dela não constarem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram não se aplicar o artigo 24º, n.º1, alínea a) iii) do ETAF. É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668, n.º1, alínea d), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigo 660º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. A decisão sindicada não padece de falta absoluta de fundamentação. Nela foi conhecida, ainda que muito sucintamente, a excepção de incompetência em razão da hierarquia, indicando-se na decisão sindicada o seguinte: «em causa estão normas regulamentares, emanadas do Conselho de Ministros no uso da função administrativa do Governo, conforme consta da própria Resolução, tendo sido emitida nos termos da alínea g) do art.º 199º da CR, que regula a competência administrativa do Governo. O objecto do processo nada tem a ver com qualquer acção ou omissão do Conselho de Ministros». Ora, tratando-se de um despacho saneador e não de uma sentença, em que se discutia excepções que se relacionavam sobretudo com matéria de direito, não se produziu qualquer nulidade por o juiz não se alongar nas indicações das razões de facto e de direito que sustentaram a sua decisão. O juiz pronunciou-se sobre a excepção aduzida e indicou as razões e as normas jurídicas em que fundava a sua decisão, conforme resulta da transcrição antes feita. De referir, que nesta acção nenhuma das partes alegou separadamente, de forma clara e especificada, os factos que suportavam a causa de pedir. Os AA. e ora Recorridos não cumpriram de forma perfeita o seu ónus de alegação, porquanto limitaram-se a arguir factos de forma misturada e alternada com os juízos de direito, as conclusões e os juízos de valor. Igualmente, os RR., não alegaram especificadamente quaisquer factos, que aparecem intercalados com as suas alegações de direito. Face a esta alegação das partes, ter-se-á que considerar que o juiz se pronunciou sobre as questões que lhe foram submetidas, tal como lhe foram apresentadas ou nos termos em que foram alegadas pelas partes. Não padece, por isso, a decisão sindicada de qualquer nulidade. Vêm interpostos recursos do saneador do TAF de Loulé, que julgou não verificadas as excepções de incompetência absoluta em razão da matéria e de incompetência hierárquica. Nesta acção os Recorridos pediam que fosse declarada a «inaplicabilidade» da Resolução do Conselho de Ministros n.º 75/2010, de 22.09 por violação do artigo 165º, n.º1, al. i) da Constituição da República Portuguesa (CRP)» e a ilegalidade dessa Resolução «no que à introdução e cobrança de taxas de portagem na A 22 diz respeito, com aplicação ao caso concreto dos ora Autores». Vem o Recorrente A... dizer que o despacho saneador errou e violou o artigo 4º, n.º 2, alínea a), do ETAF, ao julgar não verificada a excepção de incompetência material, porque a Resolução do Conselho de Ministros (CM) n.º 75/2010, de 22.02, não contém normas administrativas, regulamentares, mas constitui antes um acto político, inscrevendo-se no procedimento político-legislativo que o Governo, enquanto órgão com competência constitucional para o efeito, despoletou no sentido da introdução de portagens em todas as auto estradas SCUT existentes em Portugal. O DMMP, no seu recurso, vem invocar erro na decisão impugnada por considerar haver incompetência hierárquica, já que sendo a Resolução em apreço do CM, a competência para a apreciação da acção seria do STA, nos termos dos artigos 24º, n.º1, alínea a), iii) do ETAF e 14º, n.º1, do CPTA. Em causa nestes autos estão, assim, as declarações insertas na Resolução do CM n.º 75/2010, a saber: « (…)o Conselho de Ministros resolve: 1 - Adoptar o princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT). 2 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa da Prata a partir de 15 de Outubro de 2010, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho. 3 - Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar. 4 - Adoptar um regime de discriminação positiva, na cobrança de taxas de portagem, para os utilizadores locais das regiões mais desfavorecidas. 5 - Determinar que, para efeitos do disposto no número anterior, o regime da discriminação positiva se consubstancia na aplicação de um sistema misto de isenções e de descontos nas taxas de portagem, para as populações e empresas locais, através de isenções nas primeiras dez utilizações mensais e de descontos de 15 % nas utilizações seguintes da respectiva auto-estrada SCUT. 6 - Considerar como populações e empresas locais a abranger pelo regime de discriminação positiva aquelas que tenham residência ou sede na área de influência da SCUT, definida em função das regras seguintes: a) Nas áreas metropolitanas, com maior densidade de oferta de infra-estruturas (SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos em que uma qualquer parte do seu território fique a menos de 10 km da via; b) Fora das áreas metropolitanas (SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve), aquelas que residam ou tenham sede nos concelhos inseridos numa nomenclatura de unidade territorial (NUT) iii em que uma qualquer parte do território dessa NUT fique a menos de 20 km da via. 7 - Estabelecer que até 30 de Junho de 2012 é feita uma aplicação transitória e uniforme do regime de discriminação positiva em todas as auto-estradas SCUT, segundo os critérios fixados no número anterior. 8 - Estabelecer que a partir de 1 de Julho de 2012, considerada a evolução positiva previsível na oferta de alternativas, a aplicação do regime de discriminação positiva se mantém apenas nas SCUT que sirvam regiões mais desfavorecidas, tendo em conta o índice de disparidade do produto interno bruto (PIB) per capita regional, nomeadamente nas regiões que registem menos de 80 % da média do PIB per capita nacional. 9 - Determinar que compete aos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações assegurar em tempo útil a adopção das medidas necessárias à implementação do princípio da universalidade, designadamente a construção das infra-estruturas indispensáveis para o efeito e a revisão dos contratos de concessão». Dizem os Recorridos que estas declarações são normas regulamentares. Diz o Recorrente A... que são actos políticos. Antes de mais, verifica-se, que os Recorridos, na PI, imputam às indicadas declarações, que apelidam de normas, constantes da Resolução do CM n.º 75/2010, os vícios de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165º, n.º1, alínea i), da CRP, por entenderem estar-se a criar uma taxa sem prévia autorização legislativa conferida pela Assembleia da República (AR) e de “ilegalidade” por se ter erradamente classificado a A22 como SCUT, por não ter observado os requisitos técnicos indicados num estudo de 18.10.2006 do MOPTC e por da cobrança de taxas na A22 resultarem danos para a qualidade de vida das populações, sendo uma opção negativa para a mobilidade e desenvolvimento das populações. Ora, em primeiro lugar, lido o teor da Resolução do CM n.º 75/2010, não se descortina nenhuma “classificação” da A22 como SCUT, não constando do texto da dita Resolução nenhuma referência à A22 e à sua classificação. Igualmente, do texto da Resolução em apreço não consta a expressa indicação da introdução de “taxas” na A22. Diferentemente, dessa Resolução só consta a indicação da aprovação pelo CM da «implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT)» e da «introdução de um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT», nomeadamente do Algarve «até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar», sem expressa menção à introdução de um valor concreto a título de taxa a pagar pelos utilizadores da A22. Igualmente, não há expressa menção à A22, mas apenas à SCUT do Algarve (que incluirá a IC4 e a IP1, conforme Decretos-Lei ns.º 222/98, de 17.07 e anexos, 267/97, de 02.10 e 55-A/2000, de 14.4). Por conseguinte, basta a leitura dos termos da Resolução, para se poder concluir que do seu texto não resultam explicitados quaisquer específicos comandos relativos à classificação da A22 ou à introdução de uma taxa concreta nesta via. Em segundo lugar, basta apreciar-se as imputações feitas pelos Recorridos na PI para facilmente se concluir pela incompetência absoluta dos tribunais administrativos para conhecer desta acção. Isto porque, mesmo que a Resolução do CM n.º 75/2010 incluísse normas regulamentares (e considera-se-á, de seguida, que não inclui), nunca poderiam estes tribunais apreciar a invocação directa de inconstitucionalidades (pois a competência para a apreciação abstracta da constitucionalidade, restringe-se à atribuída ao Tribunal Constitucional), ou de razões que não se prendem com a violação directa de normas e princípios legais, mas antes, com motivos relacionados com a errada opção na introdução de taxas nas SCUT, afinal, com a valia das opções tomadas pelo Governo para a consecução do interesse público ou das necessidades colectivas das populações. Os tribunais administrativos não têm competência para a apreciação abstracta da constitucionalidade de normas (regulamentares) e só podem apreciar da sua ilegalidade, não do mérito Os tribunais administrativos só podem apreciar as questões relativas à violação da lei ou dos princípios legais, apartando-se dessa apreciação a verificação do mérito ou do demérito das opções primárias, técnico-políticas, tomadas pela Governo, enquanto órgão politico. Da apreciação dos tribunais administrativos aparta-se, ainda, o conhecimento da conveniência ou oportunidade das actuações do Governo-Administração, ao executar aquelas políticas. O controlo dos tribunais administrativos é reduzido a um controlo de legalidade, não é uma fiscalização em abstracto da constitucionalidade, não é uma fiscalização da opções políticas, nem pode colidir com a margem de reserva da Administração, com os seus poderes discricionários (cf. artigo 4º do ETAF e 281º, n.º1, alínea a), da CRP). Em terceiro lugar, sem embargo do antes referido, verifica-se, ainda, que a indicada Resolução não encerra normas regulamentares, mas antes, constituiu um acervo de declarações programáticas tomadas no âmbito das opções políticas do Governo, portanto, tomadas no âmbito da sua competência política. Tal conclusão decorre dos termos do seu texto, acima transcrito. Nenhuma das declarações “adoptadas” pela Resolução é uma estatuição normativa, geral e abstracta. Aquelas declarações não têm a estrutura de comandos. Não visam as afirmações constantes da Resolução ter uma aplicabilidade imediata relativamente a uma generalidade de destinatários. As declarações ali constantes não operam directamente, mas antes, são indicações que necessitam de serem traduzidas na legislação, que se venha a aprovar, conforme aí é expressamente mencionado. O proclamado na Resolução não produz efeitos jurídicos na esfera jurídica de terceiros, utilizadores da SCUT, mas diversamente, só abrange os próprios governantes, que proclamam as suas opções políticas e se auto-vinculam nessas opções. As afirmações “adoptadas” pela Resolução são declarações de princípios de política governamental, que não tem eficácia externa e directa, não constituindo normas jurídico-regulamentares imediatamente operativas. Indica-se a opção política de introdução de portagens “nos termos de diploma a aprovar”, portanto, após uma intervenção legislativa, que torne operativa e dê uma eficácia externa ao ali declarado. Da leitura do teor da indicada Resolução e das suas declarações, não se retiram estatuições gerais e abstractas, com eficácia externa, mas antes a publicitação de meras metas programáticas, orientações políticas no sentido da “consolidação das contas públicas”, no âmbito do indicado no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), no Programa do XVIII Governo Constitucional e do Orçamento do Estado para 2010. Ou como se refere no preâmbulo da Resolução «atento o novo regime jurídico resultante da publicação da Lei n.º 46/2010, de 7 de Setembro, o Governo define os princípios políticos que devem sustentar as novas medidas normativas e operacionais para que possa ser dado cumprimento aos compromissos já assumidos pelo Estado Português em matéria de cobrança de taxas de portagem nas SCUT. » Proclama-se a adopção de um princípio da universalidade e de discriminação positiva, na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem, a ser introduzido faseadamente, conforme legislação já publicada ou a publicar. Trata-se da publicitação de uma política governamental, que foi e continuará a ser vertida nos necessários diplomas legais. Mais se refira, que a indicada Resolução insere-se num procedimento político-legislativo iniciado com a Resolução n.º 157/2004, publicada no DR de 05.11.2004 e que foi consagrado através dos Decretos-Lei n.º 44-G/2010, de 05.05, 67-A/2010, de 14.06, das Portarias n.º 314-A/2010, de 14.06 e 314-B/2010, de 14.06. Na mesma linha, da adopção de portagens nas SCUT, foram aprovados o PEC e a Resolução da AR n.º 29/2010, publicada no DR de 12.04.2010. Da leitura conjugada da Resolução n.º 157/2004 e dos citados decretos-lei e portarias, mais evidente resulta o carácter de declaração programática das declarações constantes da indicada Resolução. O vertido na Resolução n.º 75/2010 enquadra-se no âmbito deste procedimento político-legislativo, visando a definição pelo Governo e para o Governo e Administração, das opções políticas acerca da consolidação das contas públicas e redução das despesas, definindo-se escolhas primárias para orientação dos destinos do país. Quanto à referência na Resolução à alínea g) do artigo 199º da CRP, daí não se retira que a mesma tenha sido emanada no âmbito da função política do Governo, já que o critério de distinção deve ser um critério material e não meramente formal. Do texto da Resolução deriva que a mesma não se enquadra na prestação de serviços administrativos, com vista à satisfação das necessidades colectivas. Diferentemente, do texto da Resolução, conclui-se, que esta está a jusante dessa prestação administrativa, pois visa definir as opções que estão na base das próprias políticas públicas. Neste sentido, remete-se para o Acórdão do STA n.º 1214/05, de 05.12.2007, quando refere o seguinte: «Sucede que o Legislador não definiu o que se deva entender por actos praticados no exercício da função política, daí que o conceito de tal função se deve clarificar, recorrendo, desde logo, ao texto constitucional, em especial, os artigos 133º, 134º, 135º, 141º, 145º, 161º, 163º, 197º e 201º, da CRP. Podemos, assim, concluir que o Legislador faz apelo a critérios materiais para se saber se se está perante um acto excluído da jurisdição administrativa. Não é relevante, por isso, o critério puramente orgânico, que pretende aferir a natureza política das funções exercidas partindo da autoria do acto em causa. Por outro lado, relevante também não é um critério formal, assente apenas na forma externa de que se revista o acto em questão. De qualquer maneira, importa salientar ser perfeitamente compreensível a exclusão contida na dita alínea a), do nº 2, do artigo 4º do ETAF. Na verdade, desde a sua génese, os tribunais administrativos não foram vocacionados para sindicar os actos praticados no exercício de função política. Aliás, já no século XIX, a jurisprudência do Conselho de Estado francês entendia não lhe incumbir conhecer das questões relacionadas com actos políticos ou do governo. Tal jurisprudência considerava como políticos ou de governo os actos praticados com móbil político. Este critério que fazia apelo ao móbil político do acto padecia de vários inconvenientes, já que acabava por permitir o arbítrio da Administração que poderia praticar, por exemplo, um verdadeiro acto administrativo com invocação de motivos políticos, assim impossibilitando o seu controle contencioso. Contudo, o dito critério viria a ser abandonado em França, por volta de 1875, altura em que foi substituído por um critério de natureza casuística, que, no essencial, considerava como políticos os actos referentes às relações do poder executivo com o parlamento e os respeitantes às relações do país com países estrangeiros. No tocante ao nosso ordenamento jurídico temos que, como já se salientou, é de seguir o critério material. Ou seja, aquele que atende às funções do Estado, definidas por um critério material. Assim, serão actos políticos os praticados no desempenho da função política e que têm por objecto directo e imediato a conservação da sociedade política e a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, exprimindo tais actos, precisamente, as opções do poder político, as quais não podem, por isso, ser sujeitas a controlo jurisdicional, por este se ter de situar ao nível do controle de legalidade, não podendo os tribunais exercer, por isso, qualquer tipo de apreciação quanto ao mérito ou demérito de tais volições primárias dos órgãos políticos, quando actuem no exercício da função política. No âmbito da função política cabe, designadamente, definir primária e globalmente o interesse público, interpretando-se os fins do Estado e elegendo os meios que em cada momento sejam tidos por adequados à sua concreta prossecução. Ver, nesta linha, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República nº 12/92, de 30-3-92, confrontar, ainda, Freitas do Amaral, in, “Curso de Direito Administrativo”, a págs 45-46, Sérvulo Correia, in “Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos”, a págs. 280/282 e 768, Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, 2ª edição, a págs. 14, Marcelo Rebelo de Sousa, in “Lições de Direito Administrativo”, I, a págs. 9/10, Jorge Miranda, in “A Competência do Governo na Governo na Constituição de 1976”, em “Estudos sobre a Constituição”, Vol. II, pág. 637 e “Órgãos e actos do Estado”, a págs. 24, Mário Esteves de Oliveira, in “Noções de Direito Administrativo”, a págs. 29-30 e Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 5ª Edição a págs. 762, 763 e 765. Por sua vez, a jurisprudência deste STA tem, também, adoptado o critério material. É o que se pode retirar, entre outros dos Acs. de 22-4-93 – Rec. 29790, de 9-6-94 – Rec. 33975, de 3-5-00 – Rec. 44661, de 9-5-01 – Rec. 28775, de 6-2-01 – Rec. 45990, de 16-4-02 – Rec. 48174, de 24-4-02 – Rec. 44693, de 15-10-02 – Rec. 44314, de 23-9-03 – Rec. 1087/03, de 29-10-03 – Rec. 865/02, de 23-8-06 – Rec. 816/06, de 6-03-07 – Rec. 1143/06 e de 30-10-07 – Rec. 477/07. Porém, a jurisprudência do STA não tem sido uniforme quando se trata de densificar o conceito de actos praticados no exercício da função política, embora os acórdãos mais recentes tenham alinhado pela tónica já atrás enunciada, ou seja, que a função política correspondente à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade, assumindo-se, assim, como próprio da função política a definição do interesse geral da comunidade, traçando os rumos do destino colectivo, daí o seu cariz eminentemente criador, livre e primário, ainda que limitado em certas áreas pela CRP Confrontar, neste sentido, em especial, os Acs. de 6-2-01 – Rec. 45990, de 9-5-01 – Rec. 28775, de 6-4-02 – Rec. 48174, de 6-3-07 – Rec. 1143/06 e de 30-10-07 – Rec. 477/07. Na mesma linha, vide o Acórdão do STA n.º 714/10, de 12.10.2012, quando refere o seguinte: «De acordo com a doutrina e a jurisprudência a função política consiste na escolha das opções destinadas à preservação e desenvolvimento do modelo económico e social que enforma uma organização social e a função administrativa traduz-se na materialização dessas opções. Por ser assim é que só os órgãos superiores do Estado – entre eles o Governo - podem exercer a função política pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, as finalidades que a sociedade deve prosseguir, os meios que cabe utilizar para as alcançar e os caminhos que para o efeito terá de percorrer. É, assim, evidente que a actividade administrativa funciona a jusante da função política e que a mesma, no essencial, reveste natureza executiva - a de pôr em prática as orientações gerais traçadas pelos órgãos políticos (Vd. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., pg.s 8 a 10 e 429 e seg.s, S. Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e F. Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdão deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438) e de 9/05/2001 (rec. 28.775).). Tudo seria simples se na organização do Estado existissem órgãos com funções exclusivamente políticas e órgãos com apenas funções administrativas pois, se assim fosse, tudo estaria rigorosamente pré-definido o que impossibilitaria a confusão daquelas funções. Mas não é isso acontece visto, por ex., o Governo ter, simultaneamente, funções políticas e funções administrativas o que, muitas vezes, dificulta a identificação da linha divisória entre uma e outra dessas funções. É esta dificuldade em traçar com clareza a fronteira entre essas funções e, consequentemente, entre o acto político normativo e o simples acto administrativo que tem potenciado a perigosa e nefasta tendência, hoje infelizmente cada vez mais comum, de, na tentativa de se obterem ganhos imediatos, se procurar judicializar a função política e legislativa do Governo e dos restantes órgãos de soberania. 5. Os actos administrativos são decisões “dos órgãos da Administração que ao abrigo das normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”(Vd. art.ºs 120.º do CPA e 51.º do CPTA.), o que conduz à exclusão dessa categoria os actos que, apesar de provirem de um órgão da Administração, maxime do Governo, não foram praticados a coberto de normas de direito público ou não se destinaram a produzir efeitos num caso concreto (Vd. al. d), do n.º 2, do art.º 134.º do CPA e Acórdão de 26/9/01 (rec. 43.832).). O facto do acto administrativo ter um destinatário concreto, perfeitamente identificado, cuja situação individual visa regular é, assim, um dos seus elementos essenciais, característica que o distingue dos actos normativos já que estes se destinam a regulamentar a situação de um universo geral e abstracto de destinatários. A generalidade e abstracção dos seus destinatários funciona, assim, como elemento distintivo do acto normativo, essencial na construção deste conceito, e, se assim é, podemos afirmar que se a imposição se dirige a um grupo genérico e indeterminado de pessoas, ainda que determináveis, mas sem definição das suas situações individuais, ter-se-á de concluir que a mesma tem características de acto normativo e não de acto administrativo (Neste sentido vd. Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, pp. 170 e segs.) e, entre muitos outros Acórdãos deste STA de 3/11/2004 (rec. n.º 678/04), de 29/03/2006 (rec. 1105/05) e diversa jurisprudência nele citada.). Existem, todavia, zonas de fronteira onde nem sempre é fácil dizer se o acto é normativo ou administrativo dificuldade que surge sobretudo quando o mesmo é praticado por um órgão que dispõe de ambas essas funções e isto porque, como já se disse, um acto formalmente legislativo pode encerrar, afinal, um acto materialmente administrativo visto a adopção da forma legal ser irrelevante para a caracterização da sua verdadeira natureza. Por ser assim é que “a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a existência de leis individuais ou singulares, que embora não detenham a característica de generalidade dos seus destinatários, própria dos actos normativos, antes se aplicam a determinado número de pessoas individualizadas, não se esgotam, porém, totalmente, num puro acto administrativo, ou porque não obstante individuais, têm «conteúdo materialmente geral», ou porque não têm eficácia consumptiva, ou ainda porque contêm algum elemento inovador relativamente ao regime legal previamente estabelecido e, portanto, um critério político de decisão, seja ele de natureza económica ou outro e, nessa medida, ainda criam direito, o que é próprio da função legislativa. – Acórdão deste Tribunal de 7/12/2010 (proc. 798/10).´» (in www.dgsi.pt. No mesmo sentido vide, entre outros, os Acs. do STA ns.º 956/10, de 29.03.2011, 762/10, de 25.11.2010, 687/07, de 08.07.2009, 1143/06, de 06.03.2007 e 1214/05, de 05.12.2007, na mesma base de dados e mais recentes que os mencionados nas decisões supra transcritas. Na doutrina, caracterizando os actos políticos e sua fiscalização, para além dos autores citados nos acórdãos antes transcritos, vide, v.g. Hans J. Wolff, Otto Bachof, Rolf Stober, Direito Administrativo, vol. I, Edições Fundação Calouste Gulbenkian, Julho de 2006, págs. 229 a 231 e 424 a 447. Fazendo referência às proclamações governamentais e às medidas insertas no programa do Governo como medidas claramente políticas, Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 789 a 792. Referindo-se às resoluções, à sua caracterização e justiciabilidade vide JJ Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 4º edição, págs 832 a 834 ). Sobre a Resolução em apreço também já se pronunciou o TCAN no Ac. n.º 7/10.0BCPRT, de 02.02.2012, no qual se julgou designadamente o seguinte: «A Constituição da República Portuguesa, no capítulo respeitante à competência do Governo, estabelece que este tem competências políticas (art. 197.º), legislativas (art. 198.º) e administrativas (art. 199.º). Porém, no texto constitucional não se encontra uma definição sobre cada uma dessas competências, indicando-se apenas alguns actos ou medidas em que as mesmas se podem traduzir, o que, embora não resolva as dificuldades da sua delimitação rigorosa, ajuda a definir em que consiste e que poderes integra cada uma dessa competências. E, no caso “sub judice”, como se disse já, trata-se de uma delimitação que é indispensável para decidir a natureza – política, legislativa ou administrativa das normas suspendendas – e, com base nela, resolver a questão de saber se a jurisdição administrativa é ou não competente para a presente providência cautelar (cf. nºs 1 e 2 al. a) do art. 112º do CPTA). Assim, num primeiro momento ocupamo-nos da definição do conceito de acto político, uma vez que estão desde logo excluídos da jurisdição administrativa “os actos praticados no exercício da função política”. Esta função, como foi definida no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 12/92, de 30/3/92, é "a actividade tendente a implementar a aplicação da lei pela Administração, de harmonia com determinada orientação baseada, em regra, em certo corpo de doutrina". Segundo o mesmo Parecer, "no âmbito da função política (…) define-se primária e globalmente o interesse público, interpretam-se os fins do Estado e escolhem-se os meios em cada momento adequados à sua prossecução." O Conselheiro Dr. Jorge de Sousa, depois de uma análise exaustiva da doutrina e jurisprudência sobre os limites da função administrativa e política, in “Poderes de cognição dos tribunais administrativos relativamente a actos praticados no exercício da função política” Revista Julgar, nº 3, 2007, págs 119 e segs, em especial pág. 134, concluiu, na linha mais recente da jurisprudência e doutrina, que «(…) É de adoptar (…) um conceito restrito de actos políticos, restringindo-os aos actos dos órgãos superiores do Estado. Este foi o entendimento adoptado pela jurisprudência referida à face do art. 4.º, n.º 1, alínea a) do ETAF de 1984, que está em consonância com o que, antes dele, dispunha ao art. 16.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, em cujo n.º 2 se afastava da possibilidade de recurso contencioso “os actos da competência própria do Presidente da República e os actos de governo de conteúdo essencialmente político”. (…) Já na vigência do ETAF de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo reafirmou o referido conceito de “acto praticado no exercício da função política”, designadamente no que concerne à sua distinção do acto praticado no exercício da função administrativa, que é a que releva para efeitos de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, tendo entendido que a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade. (…)» (referindo-se ao Ac. do STA de 6-3-2007, proc. nº 1143/06. O destaque é nosso). Aquele ilustre Conselheiro do STA reconhece, no entanto, que, esse “conceito de actos políticos para efeitos de afastamento da jurisdição administrativa deverá ainda comportar uma restrição, para efeito de sindicabilidade judicial, no que concerne aos actos que contendam com direitos, liberdades e garantias pessoais”, por força do estabelecido no nº 5 do art. 20º da CRP, que sendo uma “norma de aplicação geral em matéria de direitos fundamentais, que revela uma opção constitucional pela primazia dos direitos, liberdades e garantias pessoais e pela sua tutela efectiva e atempada contra quaisquer ameaças ou violações”, “não pode deixar de ser aplicada também nos casos em que a ofensa provém de um acto que seja qualificável como acto político, à face do critério referido”. Contudo, conforme ainda adianta o mesmo autor, a sindicabilidade do acto político nesses casos deve limitar-se “ao necessário para salvaguarda do direito, liberdade ou garantia em causa e não à globalidade do acto” e competirá aos tribunais judiciais (cfr. nº 1 do art. 211º da CRP), por estar expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal pela al. a) do nº 2 do art. 4º do ETAF. (…)o Governo tem, em conformidade com o art. 199° da CRP, uma competência administrativa. Em conformidade com esta disposição, as principais funções da competência administrativa são: “a) garantir a execução das leis; b) assegurar o funcionamento da Administração Pública; c) promover a satisfação das necessidades colectivas. Na garantia da execução das leis compete ao Governo defender a legalidade democrática [al. f)] e fazer regulamentos necessários à boa execução das leis [al. c)]. Na segurança do funcionamento da Administração Pública cabe a elaboração dos planos, com base nas leis das respectivas grandes opções, e fazê-los executar [al. a)], fazer executar o Orçamento do Estado [al. b)], dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma [al. d)] e praticar todos os actos exigidos pela lei respeitante aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas [al. e)]. Finalmente, na promoção da satisfação das necessidades colectivas deve o Governo praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas [al. g)] - cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 1º vol., 2ª ed., pág. 233. Temos, assim, que, no âmbito da função administrativa o Estado tem também uma função normativa, a elaboração de regulamentos [(al. c) do art. 199º e nºs 7 e 8 do art. 112ºda CRP)]. Portanto, os actos materialmente normativos, isto é, que comungam da concorrência das características da generalidade, traduzida na indeterminação dos seus destinatários, e da abstracção, consistente na susceptibilidade de ser aplicado a um número indeterminado de casos, de acordo com o art. 112º da CRP (nºs 1, 7 e 8), dividem-se em duas grandes categorias: os actos legislativos, por um lado, e os actos regulamentares, por outro, comportando cada uma destas categorias várias espécies. Porém, a Constituição não estabelece qualquer definição material de acto legislativo e de acto regulamentar, pelo que a destrinça entre lei e regulamento só pode, à luz do direito positivo vigente, alcançar-se pelos aspectos orgânicos e formais (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa anotada”, 3ª ed., 1993, págs 501 e 502; Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2ª reimpressão, págs 167 e 168; entre outros, Acs do STA de 5-12-2007, proc. 1111/06; de 21-01-2009, proc. nº 0811/08; de 7-12-2010, proc. nº 798/10). E como é referido no último acórdão citado “A jurisprudência e a doutrina têm, em geral, entendido que não existe uma reserva geral de regulamento administrativo, no essencial, porque a lei pode abranger qualquer matéria susceptível de ser objecto de actividade administrativa, o que decorre da interpretação do art. 161º, al. c) conjugada com art. 198º, nº 2, ambos da CRP. Cf. por todos, os referidos acs. TC nº 461/87, nº 1/97, de 20.09 e nº24/98, de 18.12 e doutrina neles citada”. Passemos agora a apreciar a invocada incompetência desta jurisdição para sindicar a Resolução do CM nº 75/2010, de 22-09, voltando a colocar-se a questão de saber qual a natureza do seu conteúdo, embora aqui, a questão se coloque em termos um tanto diferentes daqueles em que se analisou a competência para sindicar as normas do DL 67-A/2010. Apesar de não existirem elementos seguros para proceder à caracterização da natureza jurídica das “resoluções” do Conselho de Ministros, tem-se por certo que não são actos legislativos, por força do que dispõe o art. 112º, nº 1 da CRP. E, sendo assim, a questão que, neste momento, se coloca, é a de saber se se trata de um acto que se integra no exercício da competência política do Governo ou se, pelo contrário, a Resolução tem um conteúdo normativo com eficácia externa, que, a ser este o caso, implicará ter de ser tratado como normativo regulamentar (sobre a sindicância dos actos normativos contidos em “resoluções”, vide: na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., 1993, pág. 984, Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 7ª ed., 2003, pág. 859 e 860, Jorge Miranda, “Resolução”, “in Dicionário Jurídico da Administração Pública”, Vol. VII, 1996, págs. 252 a 255). Tendo em atenção a distinção anteriormente feita entre a função política e a administrativa, a Resolução nº 75/2010 foi tomada ao abrigo da al. g) do art. 199º da CRP que confere competência administrativa ao Governo para “Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas”. Ora os Requerentes socorrem-se da menção dessa disposição constitucional que é feita na Resolução para demonstrarem que a mesma não é um acto praticado no exercício da função política do Governo (art. 197º da CRP), mas um acto praticado no exercício da sua competência administrativa, revelando um conteúdo normativo/regulamentar (dotado das características de generalidade e abstracção), pelo menos na parte em que, com base na lei, fixa a data de início de cobrança de portagens e o próprio regime de discriminação positiva. Admitem, no entanto, que a consagração do princípio da universalidade de implementação do regime de cobrança de portagens em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador, possa ser uma opção de natureza política (tudo nos artigos 70º a 72º do articulado de resposta às excepções, a fls 1005 e 1006, vol. V). Já as contra-interessadas, como tivemos ocasião de dizer, sustentam que a Resolução nº 75/2010 constitui uma declaração dos princípios e critérios orientadores da regulamentação da cobrança de portagens nas Scuts, emanada do Governo no exercício da função política (ou no dizer da Lusoscut “decisões preliminares” de cariz político inseridas no respectivo procedimento legislativo e carecidas de concretização), não contendo verdadeiras e próprias regras de direito. Vejamos. A Resolução n.º 75/2010, integralmente transcrita no nº 14 do ponto II supra, insere-se num longo e complexo processo político-legislativo iniciado pela Resolução nº 157/2004 transcrita no nº 1 daquele ponto, na qual é anunciada pela primeira vez como meio indispensável à sustentabilidade da totalidade do sistema rodoviário nacional a necessidade de alteração do modelo que vigorava - de utilização das auto-estradas sem custo para o utilizador - por um modelo de utilizador-pagador. É nesse complexo procedimento que se inserem Resoluções do Conselho de Ministros e da Assembleia da República (nºs 3, 4 e 5 do ponto II supra) definindo, em termos gerais, as opções, orientações e os meios a utilizar para alcançar aquelas finalidades de sustentabilidade do sistema rodoviário (conservação, manutenção e desenvolvimento) e o reequilíbrio das contas públicas, orientações acolhidas nos diplomas legais e regulamentares referidos nos nºs 6 a 13 do ponto II supra. E é precisamente nesse procedimento político-legislativo que surge a Resolução nº 75/2010. Quanto ao nº 1 desta Resolução, ele estabelece a “adopção do princípio da universalidade na implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT)”. Parece não oferecer grandes dúvidas que esse primeiro número da Resolução encerra uma opção - tomada por um órgão superior do Estado, no que respeita aos interesses públicos de sustentabilidade do sistema “rodoviário” nacional e de reequilíbrio das contas públicas - sobre uma grande linha de orientação, um “princípio geral”, por que se deverá reger a prossecução e realização de tais interesses. Portanto, tendo por assente que o sector rodoviário prossegue um interesse público e colectivo que tem de ser mantido e desenvolvido, o Governo fez uma opção essencial para a prossecução da sua satisfação, definindo o princípio geral de “implementação do regime de cobrança de taxas de portagem em todas as auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT)”, que deve nortear os outros órgãos político-legislativos e administrativos, afigurando-se-nos evidente, nessa parte, ter praticado um acto materialmente político. Por isso, tal como defendem as contra-interessadas, e veio mesmo a ser admitido pelos Requerentes no articulado de resposta às excepções, o estabelecido no nº 1 da Resolução em apreço constitui uma decisão de natureza política. Assim, ainda que seja feita expressa referência à al. g) do art. 199º da CPR, ou seja, de que a Resolução é tomada no exercício da competência administrativa do Governo prevista nessa disposição, o nº 1 da Resolução é um acto político, estando a sua sindicabilidade afastada da jurisdição administrativa. Contudo, os Requerentes salientam que o conteúdo da Resolução não se esgota na consagração desse princípio, contendo várias outras disposições que consideram ter cariz manifestamente regulamentar, designadamente a parte em que, “com base na lei, é fixada a data de início de cobrança de portagens (nºs 2 e 3) e o regime de discriminação positiva” (nºs 4 a 8). São, pois, os nºs 2 a 8 da Resolução que os Requerentes refutam que possam ser qualificados como acto preparatório ou interlocutório de um procedimento político/legislativo futuro ou como uma mera declaração de vontade política governamental que informa os cidadãos sobre uma opção ou instrói outros órgãos políticos ou administrativos para a implementação daquela orientação política, o que até estaria revelado no facto de as posteriores portarias se limitarem a repetir questões já regulamentadas na Resolução ou mesmo a alterar diplomas de regulamentação já existentes. Assim, para os Requerentes, pelo menos naqueles números, a Resolução não define em termos políticos critérios gerais de cobrança de portagens, antes regulamenta a forma como as portagens serão cobradas nas Scuts, sendo a jurisdição administrativa, por isso, competente para sindicar esses normativos. Vejamos se lhes assiste razão. Do nº 2 consta que o CM decidiu “Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagens nas auto-estradas SCUT Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata a partir de 15 de Outubro de 2010, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 67-A/2010, de 14 de Junho”. Este diploma legal, regulamentado inicialmente quanto ao sistema de cobrança de portagens nas referidas auto-estradas pelas Portarias 314-A/2010 e 314-B/2010, previa, no seu art. 3º, o início dessa cobrança em 1-06-2010. Porém, com a publicação da Lei 46/2010, de 7-09 (vide nº 13 do ponto II supra), foi necessário adequar o DL 67-A/2010 e aquelas portarias ao regime instituído pela citada Lei (cf. designadamente art. 6º da citada Lei), tendo, nesse contexto, o Governo indicado, no referido nº 2 da Resolução, a nova data para o início da efectiva cobrança de portagens e aprovado as Portarias 1033-A/2010, 1033-B/2010 e 1033-C/2010, todas de 6 de Outubro, ficando consignada no art. 4º do primeiro destes regulamentos a data de 15-10-2010, que fora antes anunciada na Resolução para o início da efectiva cobrança. Decorre daqui, com evidência, que o nº 2 da Resolução não consubstancia um efectivo normativo regulamentar pois é destituído de eficácia jurídico externa. Embora emitido no exercício da competência administrativa, trata-se de um mero acto orientador dos normativos a produzir, no caso, as últimas portarias, sendo que seriam as disposições destas que teriam a virtualidade de poderem ser objecto de uma acção administrativa especial de impugnação de normas de que a presente providência pudesse ser instrumental. Mas não o nº 2 acabado de apreciar. Relativamente ao nº 3 da Resolução, em que o CM resolve “Introduzir um regime efectivo de cobrança de taxas de portagem nas restantes auto-estradas SCUT, designadas por SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve, até 15 de Abril de 2011, nos termos de diploma legal a aprovar”, ainda se nos afigura mais evidente que se trata de orientações para uma regulação jurídica a produzir ulteriormente e, portanto, destituída de eficácia jurídica externa. E a verdade é que o referido naquele nº 3 não teve efeitos normativos depois daquela data, o que resulta desde logo do facto de, não tendo sido aprovado qualquer diploma legal, o regime efectivo de cobrança de portagens naquelas auto-estradas, anunciado naquele número da Resolução, não entrou em vigor a partir do dia 15 de Abril de 2011 (aliás, pode hoje dizer-se que só veio a ser introduzido por diploma legal, o DL 111/11, de 28-11). O mesmo se diga dos nºs 4 a 8 da Resolução (transcritos no nº 14 do ponto II supra e que aqui se dão por reproduzidos), que se limitam a estabelecer os princípios e critérios a acolher em regulação jurídica posterior, que veio a ser vertida nas Portarias 1033-A/2010, 1033-B/2010, 1033-C/2010 (relativamente às Scuts Interior Norte, Grande Porto e Costa de Prata) e DL 111/11, de 28-11 (relativamente às SCTs Interior Norte, Beiras Litoral e Alta, Beira Interior e Algarve). Efectivamente, a simples leitura destes últimos diplomas legais é reveladora de que se acolhem aí as orientações constantes da Resolução, a qual, sem o regime neles instituído, não era susceptível de aplicação. E, portanto, temos de concluir que a Resolução se inseriu num procedimento político-legislativo que culminou com os diplomas legais e regulamentares a acolher as orientações político-administrativas nela estabelecidas (cf. resulta expresso no seu nº 3 e, em face, designadamente, das Portarias nºs 1033-A/2010 e 1033-B/2010 se impõe considerar para os demais números).» (in www.dgsi.pt). Por fim, note-se, que do texto da indicada Resolução resulta de forma relativamente evidente que nenhum dos seus segmentos estabelece uma determinação imediatamente operativa. Isto é, tal como acima se disse, desta Resolução não deriva de forma imediata a cobrança de quaisquer taxas ou portagens na A22. Logo, esta acção também nunca preencheria os pressupostos do artigo 73º do CPTA. Em suma, as medidas publicitadas como a adoptar pela Resolução do CM n.º 75/2010, inserem-se na competência política do governo, são actos políticos, insindicáveis nestes tribunais – cfr. artigo 4º, n.º2, alínea a) do ETAF. Deve julgar-se verificada, por isso, a incompetência absoluta dos tribunais administrativos para conhecer desta acção. Face à verificada incompetência material, fica prejudicado o conhecimento da invocada incompetência hierárquica. Pelo exposto, acordam em: a) conceder provimento ao recurso interposto pela A..., revogando-se a decisão recorrida e julgando-se os tribunais administrativos materialmente incompetentes para conhecer da presente acção e em consequência absolve-se os Recorridos da presente instância; b) julgar prejudicado o conhecimento da excepção de incompetência hierárquica, invocado no recurso do DMMP; c) custas pelos Recorridos e AA da acção, na 1º e 2º instância. Lisboa, de 2012. (Sofia David) (Carlos Araújo) (Teresa de Sousa) |