Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12241/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:08/28/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL; DOCUMENTOS EXISTENTES E IDENTIFICÁVEIS;
ÓNUS DO REQUERENTE
Sumário:
1. Decorre da conjugação dos artºs. 2º nº 1, 3º nº 1a),b) e 11º nºs 2 e 5 da Lei 46/2007, 24.08 (LADA) que o acesso à informação procedimental detida pela Administração se reporta, exclusivamente, a informação contida em documentos administrativos existentes e não a documentos a elaborar, independentemente de a elaboração se traduzir em informação original ou conformada a partir de outros documentos existentes no procedimento.
2. Em face da complexidade do regime consagrado em matéria de direito à informação detida pela Administração, o artº 13º nº 1 LADA determina que o interessado no acesso ao documento administrativo deve formular no requerimento “os elementos essenciais à sua identificação”.
3. Tal significa que é ónus do requerente determinar no requerimento, seja pela identificação documental seja pela especificação do conteúdo, a que documentos do procedimento pretende aceder, não só porque é o particular requerente que tem o domínio do objecto e dimensão do seu interesse, mas também porque o dever jurídico consagrado na norma, em ordem a prefigurar a ilicitude do incumprimento normativo, postula que o objecto do interesse pretensivo à informação documentada no procedimento seja manifestado de forma identificativa inteligível e não sob a conformação de um pedido de objecto genérico e indeterminável no que respeita ao quid a que se pretende aceder.



A Relatora,
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Banco de Portugal, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

(a) Arguiu-se de nulidade a sentença recorrida, por falta de pronúncia do Tribunal a quo sobre questões que devia apreciar, como acima se demonstrou, incorrendo ela no vício sancionado na alínea d) do art. 615° do CPC;
(b) Impõe-se, assim, que seja este Tribunal Superior a decidir dessas questões, em concreto, (i) se o pedido de informação dos Requerentes é ou não abusivo, (n) se é ou não inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade, interpretar a norma de prazo do art. 108º/1 do CPTA como sendo de aplicação inafastável, quaisquer que sejam as circunstâncias do caso concreto e, (iii) se é ou não facticamente impossível, num juízo de elementar prognose, que as autoridades administrativas, com os limitados recursos humanos e materiais de que dispõem, dêem satisfação a pedidos da extensão e complexidade do formulado pelos Requerentes;
(c) Começa, então, por alegar-se perante este Tribunal que julgue o presente pedido de informação abusivo, nos termos do art. 14°/3 da LADA, quando confrontado com a extensa e densa enunciação dos 33 pedidos do requerimento informativo;
(d) À cautela e sem conceder, para o caso de este Tribunal não considerar o presente pedido de informação abusivo, diga-se ainda que os Requerentes não identificaram um só documento entre os 33 conjuntos de documentos que pretendem consultar ou ver reproduzidos, pelo que deveria o Banco de Portugal ser absolvido de todo o pedido em geral, por incumprimento pelos Requerentes da exigência do art. 13º/1 da LADA, que lhes impõe o dever apresentar “requerimento do qual constem os elementos essenciais à sua identificação”' (sem negritos no original);
(e) À cautela, para o caso de este Tribunal não considerar procedente a conclusão imediatamente anterior, diga-se também que, não vindo essa indeterminação superada na sentença recorrida, mantém-se a indeterminação do âmbito da documentação a prestar no que respeita ao pedido n° 20 do requerimento informativo, pedindo-se a este Tribunal Superior que revogue, na parte referida nestas alegações, a Douta Decisão a quo e, em conformidade, absolva o Banco de Portugal da prestação deste pedido de informação ou, no mínimo, que se limite o seu âmbito às instruções e directivas dirigidas ao …………………………;
(f) Pede-se, pelas mesmas razões, a este Tribunal Superior que, em relação aos pedidos dos Requerentes constantes dos n°s 31 e 32 do seu requerimento, seja o Banco de Portugal absolvido ou, no mínimo, se limite o dever de documentação do ora Recorrente aos documentos do primeiro segmento dos referidos pedidos, na parte em que respeitam a contactos do BdP com o ………… em matérias ou questões relacionadas com a (possibilidade de) adopção de medidas correctivas ou de intervenção correctiva na sua gestão previstas na lei;
(g) À cautela, para o caso de não se considerarem procedentes as conclusões das alíneas anteriores, deve este Tribunal Superior rever a sentença recorrida na parte em que nela se decidiu sobre os pedidos dos Requerentes constantes dos n°s l, 4, 8, 9, 11, 12, 13, 16, 18, 19, 22, 23, 28, 30 e 33 do seu requerimento - pois o Banco de Portugal não estava obrigado a prestar as informações ou esclarecimentos pedidos nos termos aí formulados dado que o art. 5° da LADA não abrange esse tipo de informação;
(h) À cautela e a título subsidiário, na parte relativa ao prazo, há violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da razoabilidade - fundada, além do mais, na própria impossibilidade de facto de cumprir o dever de prestação da informação - se se considerar aplicável a situações extremas de exigência de documentação exactamente o mesmo prazo (art. 108°/1 do CPTA) que se dispõe dever ser aplicado às situações mais singelas;
(i) Devendo este Tribunal Superior, sob pena de violação de tais princípios, considerar inaplicável ao presente caso uma interpretação fechada do prazo estabelecido no art. 108°/1 do CPTA, fixando para o caso um prazo que se lhe afigure conforme aos referidos princípios;
(j) Decidindo, assim, por referência também ao caso paralelo do art. 14°/4 da LADA, no qual se reflecte o princípio da flexibilização do prazo da prestação de informação em função do volume ou da complexidade da mesma.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, com todas as demais consequências de lei.


*

Os Recorridos António ………………………………. e Maria……………………… contra-alegaram concluindo como segue:

1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou procedente o pedido de intimação do Recorrente para a informação que os Recorridos lhe haviam solicitado por requerimento recebido pela referida entidade em 2014.10.23.
2. Não assiste, no entanto, e salvo o devido respeito, qualquer razão ao Recorrente, seja porque não se verificam as nulidades apontadas à sentença, seja porque as questões suscitadas no presente recurso não o foram perante o Tribunal recorrido, não podendo agora ser conhecidas, seja porque as mesmas, em qualquer caso, são manifestamente improcedentes.
3. Quanto às nulidades invocadas, importa ter presente que, tal como vem sendo, de forma pacífica, defendido na doutrina e jurisprudência, questões, para efeitos do aludido preceito, são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que caiba ao Tribunal conhecer, mas já não o serão os argumentos invocados pelas partes ou linhas de fundamentação jurídica. E só existirá nulidade quando o Tribunal deixe se pronunciar sobre questões que deva conhecer (com o sentido acima exposto) e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão.
4. No que que diz respeito ao carácter abusivo do pedido de informação, importa notar que o mesmo foi invocado pelo Recorrente "em função do prazo de 10 dias conferido à Administração para dar satisfação aos pedidos de acesso que lhe cheguem" e não, exclusivamente, face ao número dos documentos requeridos.
5. Ora, o Tribunal a quo, na sentença recorrida, após se pronunciar sobre a procedência todos e cada um dos pedidos de informação objecto da intimação requerida, referiu que o prazo de 10, além de ser inultrapassável, era suficiente para prestar a informação requerida e cujo fornecimento pelo Banco de Portugal determinou, pelo que prejudicada ficou a questão do carácter abusivo do pedido de informação, atentos os termos em que o Recorrente o formulou.
6. Não se verifica, assim, omissão de pronúncia, nem, consequentemente, a nulidade assinalada.
7. O mesmo se diga quanto à invocada omissão de pronúncia sobre a questão da impossibilidade fáctica de no prazo de 10 dias prestar a informação requerida, sobre o qual o Tribunal a quo efectivamente se pronunciou.
8. Por último, corresponde à verdade que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da norma constante do artº 108º nº l, do CPTA, mas tal não consubstancia qualquer omissão de pronúncia, porquanto a referida questão não foi sequer invocada pelo Recorrente na contestação apresentada.
9. Inexiste, assim, pelos motivos expostos, qualquer omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo, devendo ser indeferidas na íntegra as nulidades arguidas.
10. Contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, o pedido de documentos formulado e deferido não é abusivo, nos termos do disposto no art.e 14. 9, n. 2 3, da Lei n. 2 46/207, de 24 de Agosto (doravante designada "LADA").
11. Constitui entendimento da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que a figura do abuso de direito está reservada para situações muito excepcionais, considerando a referida entidade - e bem -que não basta, para que se considere estar perante um pedido abusivo, que seja solicitado um elevado número de documentos, apenas havendo abuso quando não se vislumbrar qualquer razoabilidade no pedido.
12. Na aferição do carácter abusivo do pedido de informação chama a referida Comissão à colação a norma constante do artº 334º do Código Civil, afigurando-se, assim, necessário, para que se considere estar perante um pedido abusivo, que o requerente tenha ultrapassado os limites do razoável no exercício do direito de acesso, excedendo os limites a que se refere o referido preceito.
13. Ora, no presente caso, os Recorridos invocaram um interesse objectivo, sério e justificado no acesso aos referidos documentos, sendo que o acesso a todos os documentos requeridos e a sua análise conjunta revela-se essencial e é instrumental da defesa dos direitos dos Requerentes, reportando-se os pedidos a um assunto específico e circunscrito.
14. Atento o exposto, não se afigura desrazoável o pedido formulado, nem excede os limites da boa fé e bons costumes, pelo que, em caso algum, poderá ser considerado abusivo.
15. No que diz respeito à impossibilidade física ou fáctica de cumprimento do dever de prestação de informação no prazo de 10 dias, o art.^ 108.9 do CPTA é uma norma imperativa, não podendo ser o referido prazo afastado, conforme vem sendo entendimento da jurisprudência.
16. À fixação do referido prazo de 10 dias como inultrapassável nesta sede não será alheia a circunstância de se entender que os administrados, para defesa dos seus legítimos interesses, devem no mais curto prazo dispor de todos os elementos que lhes permitam exercer os direitos que legalmente lhes assistem, tendo, por isso mesmo, o legislador instituído o carácter urgente deste meio processual, o qual seria certamente subvertido se se consagrasse a possibilidade de cumprir a intimação num prazo mais longo.
17. Em qualquer caso, e mesmo que assim não se entenda, o que em caso algum se admite, importa notar que as circunstâncias invocadas pelo Recorrente a fim de justificar a impossibilidade fáctica de cumprir a intimação no prazo de 10 dias não revestem qualquer carácter de excepcionalidade, sendo dificuldades comuns a qualquer entidade administrativa.
18. Atento o que se expôs, nunca poderia proceder a pretensão do Recorrente de alargamento do prazo de 10 dias para cumprimento da intimação.
19. Por fim, contrariamente ao propugnado pelo Recorrente, não se verifica qualquer inconstitucionalidade da norma constante do artº 108º, do CPTA.
20. Com efeito, o legislador não foi alheio, na estipulação da solução legal prevista naquele preceito, à necessidade de adequação do prazo às circunstâncias do caso concreto, designadamente ao volume de documentos solicitados, porquanto o prazo de 10 dias é um razo máximo, podendo, dentro desse limite, o juiz fixar o prazo que julgar adequado.
21. Não é, assim, verdade, que a norma constante do art.e 108.2 do CPTA, se abstraia das circunstâncias do caso concreto, seja cega quanto às exigências de proporcionalidade ou trate como iguais situações materialmente diferentes, pelo que soçobram os fundamentos invocados pelo Recorrente no sentido de justificar a inconstitucionalidade da norma, a qual manifestamente não se verifica.
22. No que diz respeito à alegada indeterminação do objecto dos pedidos formulados, o Recorrente insiste em contradizer-se a si próprio, pretendendo fazer crer que não consegue identificar os documentos solicitados, quando foi bem capaz de os identificar na contestação apresentada para sustentar a sua recusa.
23. Apenas em relação aos pedidos formulados sob os pontos 2, 10, 20, 31 e 32, o Recorrente invocou concretamente que os mesmos tinham objecto indeterminado, sendo certo que, nas alegações que agora apresentou, desistiu expressamente de invocar a indeterminação do objecto em relação aos pedidos formulados sob os pontos 2 e 10, conformando-se, nesta parte, com a sentença recorrida (artº 69º das suas alegações).
24. O artº 13º, nº 5, da LADA, apenas faz sentido quando haja deficiência na formulação do pedido de informação que determine a sua ininteligibilidade, o que não é o caso, sendo certo que a consequência legal prevista não é a recusa da prestação da informação, mas o convite do requerente ao suprimento,
25. Em qualquer caso, sempre se diga que a questão ora suscitada - do ónus da identificação concreta de todos os documentos pretendidos, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 13º, nº l, da LADA, e do seu incumprimento, assim como a indeterminação do objecto dos pedidos formulados sobre outros pontos que não os 2, 10, 20, 31 e 32 - é absolutamente nova, não tendo sido suscitada no momento oportuno e não o podendo ser agora, seja por força do princípio da concentração da defesa na contestação (Cfr. art.9 573.9, do Código de Processo Civil ex vi art.9 1.2 do CPTA), seja porque o Tribunal Superior não pode conhecer de questões que não foram suscitadas perante o Tribunal recorrido e por este apreciadas.
26. Sem prejuízo do exposto, e por mera cautela de patrocínio, importará referir que não se verifica qualquer indeterminação de objecto quanto aos pedidos formulados sob os pontos 20, 31 e 32, porquanto todos os pedidos formulados pelos Recorridos no requerimento dirigido ao Recorrente em 2014.10.22 estão funcionalizados a tudo o que é antecedente e susceptível de explicar a aplicação da medida de resolução ao ……. e que pode relevar para o exercício dos seus direitos, conforme resulta claro do alegado nos artºs.8º e 9º da petição inicial.
27. XXVII - No que diz respeito ao ponto 20, e à alegada falta de delimitação subjectiva das directivas e instruções pedidas; (i) não estão em causa as medidas de implementação do plano transversal ETRICC, mas, conforme se encontra bem delimitado no pedido n.s 20, as instruções e /ou directivas ou documentos comprovativos ou demonstrativos das medidas anunciadas pelo BdP em 2013.12.03, na sequência dos resultados do ETRICC 2; (ii) nenhuma necessidade de delimitação subjectiva se impunha, porquanto as medidas em causa são as anunciadas em 2013.12.03, na sequência dos resultados do ETRICC 2, e essas são todas relativas ao universo ……; (iii) nada se pretende, obviamente, quanto às medidas do ETRICC relativas ao ….. e …….
28. No que diz respeito aos pontos 31 e 32, se os Recorridos disseram todos os avisos, comunicações, decisões, directivas, despachos, recomendações, circulares, informações e/ou instruções especificamente é porque são todos e não apenas alguns, dentro do quadro funcionai traçado no artºs 8º e 9º da petição inicial, e dentro dos períodos de tempo expressamente delimitados, pelo que dos referidos pelo Recorrente apenas não se incluirão os avisos, comunicações, decisões, directivas, despachos, recomendações, circulares, informações e/ou instruções a cidadãos que hajam apresentado queixas sobre o ….. e o ……, pois que não poderão contribuir para explicar a aplicação da medida de resolução, nem poderão influir no ou fundar o exercício dos direitos pelos Recorrentes.
29. Quanto ao argumento de que o pedido de informação que lhe foi dirigido vinha expressa e exclusivamente fundamentado no art.2 5.5 da LADA, sendo que o direito que aí é conferido é o de consulta e reprodução de documentos administrativos, bem como informação sobre a sua existência e conteúdo, a questão em apreço não é susceptível de ser conhecida, por não ter sido suscitada perante o Tribunal a quo e, por conseguinte, apreciada na sentença recorrida.
30. Ainda que assim não se entenda, os pedidos de informação formulados têm, sim, cabimento no preceito legal invocado pelos Recorridos - art.5 5.2 da LADA - no que diz respeito ao suporte da informação solicitada, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.e 2689, n.9 2, da CRP, 65.2 do CPA, art.8 5.s e 3.9, n.» l, ai. a), da LADA.
31. A decisão proferida não merece qualquer censura, pois, no que diz respeito aos pontos invocados, considerou o Tribunal - e bem - que as informações e esclarecimentos devem ser entendidos como os documentos ou qualquer outro suporte existentes na posse do Recorrente onde conste a informação solicitada, tendo condenado o Recorrente a facultar o suporte da informação solicitada.
32. A douta sentença recorrida não violou as normas invocadas pelo Recorrente, nem quaisquer outras.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

*

Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

*

Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. António ……………………………. e Maria………………………… são titulares de acções (António……………………….., é titular de 3 724 397 acções e Maria………………… é titular de 822868 acções) representativas de capital da sociedade denominada "…………………….., S.A.", com sede na Avenida ………… n.°….., em Lisboa, a qual era uma instituição de crédito, regularmente constituída e devidamente autorizada a receber do público depósitos ou outros fundos, reembolsáveis, a fim de os aplicar por conta própria mediante concessão de crédito, nos termos e ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.°298/92, de 31 de Dezembro, com o capital social de € 6084695,06, representado por 5 624 961 683, do valor nominal de €1,00 cada uma. Cfr. documentos n.°s l, 2, 3 e 4 junto com o requerimento inicial.
2. António ……………………… e Maria ……………………… dirigiram ao Banco de Portugal em 22 de Outubro de 2014 carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
"Assunto: Pedido de prestação de informações e acesso a documentos relativos ao …………………… e às sociedades que com ele eram objecto de supervisão em base consolidada e aos procedimentos, informações e documentos no âmbito do ETRICC2.
Dirigimo-nos a V. Ex.a, na qualidade de mandatários dos accionistas e dos credores obrigacionistas com interesses no …………………. (adiante designado abreviadamente "…..") e/ou em sociedades que com ele eram objecto de supervisão em base consolidada e/ou em sociedades incluídas no âmbito de actuação do ETRICC 2 (adiante designadas, abreviadamente e em conjunto, por ………) identificados nas procurações e nos documentos comprovativos de titularidade em anexo ao presente requerimento, a fim de, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 5.° da Lei n.°46/2007, de 24 de Agosto, ex vi do artigo 65.° do Código de Procedimento Administrativo, requerer a V. Exa se digne prestar as informações a seguir enunciadas, todas compreendidas no âmbito do processo que conduziu à adopção pelo Banco de Portugal (adiante designado, abreviadamente, por BdP) da medida de resolução em 2014.08.03, assim como a permitir o acesso aos elementos e documentos que as suportem.
De acordo com o disposto nos artigos 16.°A e 17.°, da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.°5/98, de 31 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.°l 18/2001, de 17 de Abril, pelo Decreto-Lei n.°50/2004, de 10 de Março, e pelo Decreto-Lei n.°39/2007, de 20 de Fevereiro, "enquanto autoridade macroprudencial nacional, compete ao Banco de Portugal definir e executar a política macroprudencial, designadamente identificar, acompanhar e avaliar riscos sistémicos, bem como propor e adoptar medidas de prevenção, mitigação ou redução desses riscos, com vista a reforçar a resiliência do sector financeiro"; e "compete ao Banco de Portugal exercer a supervisão das instituições de crédito, das sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo Directivas para a sua actuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira."
Considerando que, até à data de 30 de Julho de 2014, o BdP exercia urna supervisão consolidada sobre o ………, solicita-se ao BdP as seguintes informações e documentos:
1. Informação, base legal e documental sobre a data a partir da qual o BdP passou a exercer supervisão em base consolidada sobre o ………;
2. Avisos, comunicações, decisões, directivas, despachos, recomendações, circulares, informações e instruções especificamente transmitidos ao ……, a sociedade integrantes do ….. ou que vieram a ser objecto do ETRICC 2, ou divulgados em função de factos relativos ao ….. ou …….., que se relacionem com quaisquer operações comerciais realizadas entre o …….. e as entidades não financeiras do …… desde 2011.
3. Documentos que suportam as análises e as avaliações económicas e/ou financeiras e/ou contabilísticas que foram feitas desde o ano de 2011 sobre as empresas do ……. pelo BdP ou ordenadas pelo BdP;
4. Critérios subjacentes à determinação do reforço de 861 milhões de euros de provisões em função das imparidades detectadas, com referência à data de 2013.06.30 e, adicionalmente, a divulgação do montante especificamente respeitantes ao ……. ou ao ……. e respectivas origem e natureza;
5. Despacho que determinou a realização do exercício de supervisão da primeira fase do Programa Especial de Inspecções cujos resultados foram publicados em Dezembro de 2012; relatório das avaliações feitas no âmbito da determinação da necessidade de reforço de 861 milhões de euros em função das imparidades detectadas em Dezembro de 2012 e respectiva fundamentação;
6. Despacho que, no primeiro semestre de 2013, determinou a realização do Exercício Transversal de Revisão da imparidade da Carteira de Crédito - ETRICC ao sector bancário em Portugal e respectivos fundamentos;
7. Relatório da avaliação feita no âmbito do ETRICC l.
8. Esclarecimento sobre qual o montante especificamente referente ao …… dos 1,1 mil milhões de euros estimados como necessidade de reforço de capitais revelados pelos resultados do ETRICC l, divulgados no dia 2 de aGosto de 2013, respectivas origem e natureza;
9. Esclarecimento sobre os critérios especificamente aplicados na avaliação feita no âmbito do ETRICC l e que foram considerados "particularmente conservadores”, conforme consta do sítio oficial do BdP, na denominada "compleição de esclarecimentos prestados pelo BdP", razão da sua aplicação e documento de que constem tais critérios e fundamentos;
10. Os elementos, documentos, relatórios e avaliações que permitiram ao BdP concluir que, em 2013.09.30, no decurso do ETRICC 2, seria necessário um reforço de capital em função das imparidades detectadas e de provisões, num valor global de mil milhões de euros;
11. Informações sobre o montante correspondente ao ……, no âmbito das avaliações do ETRICC 2, da necessidade de reforço de capital em função das imparidades detectadas e da constituição de provisões, respectivas origem e natureza;
12. Os motivos concretos que levaram, em Setembro de 2013, à necessidade de "aprofundamento das avaliações" levadas a cabo pelo BdP e que conduziram o BdP a decidir fazer um novo ETRICC (2), apenas um mês após a divulgação dos resultados positivos do ETRICC l.
13. O motivo pelo qual o ETRICC incluiu, desde o início e no âmbito das suas avaliações, entidades não financeiras do …… e não abrangidas pela supervisão em base consolidada, como a …….;
14. Documentos que titulam a contratação da ……………………. para a realização do ETRICC 2 e as instruções transmitidas a esta;
15. Todos os documentos e requerimentos entregues ao BdP pelo Senhor Eng.° Pedro ………………….. em 2013 com informações sobre o ……, nomeadamente em 2013.09.24;
16. Quais as medidas de supervisão adoptadas e/ou impostas para confirmar os problemas detectados na ….. no segundo semestre de 2013 e os documentos e informações, comprovativos ou demonstrativos dessas medidas;
17. Documentos que titulam as indicações e ordens transmitidas em 2013 à ……… para elaboração do relatório de contas "pró-forma" da …….;
18. Esclarecimento sobre os fundamentos e os termos da nomeação da ……… como auditor das contras "pró-forma" da ……, em finais de 2013;
19. Esclarecimento sobre se o BdP determinou a inclusão da ………. como empresa a analisar e/ou a avaliar no âmbito do ETRICC 2;
20. Instruções e/ou directivas e documentos, comprovativos ou demonstrativos da implementação das medidas anunciadas pelo BdP em 2013.12.03, na sequência dos resultados do ETRICC 2;
21. Documento comprovativo ou demonstrativo entregue pelo …… ao BdP, na sequência da imposição pelo próprio BdP, em 2013-12-03, de medidas de ring fencing, que identifique concreta e devidamente os vários canais de contágio ao …...
22. No âmbito da implementação das medidas anunciadas em 2013.12.03, o BdP anunciou que "determinou a eliminação da exposição do grupo …….. à …..". Solicita-se informação sobre (I) a instrução dada sobre o modo de proceder à eliminação assim determinada e (II) se a mesma foi imposta quanto à ……… e (III) documentos comprovativos ou demonstrativos dessa determinação;
23. Teor da autorização transmitida ao ……, em 27 de Maio de 2014, para proceder a um aumento de capital social até 1045 milhões de euros e informação sobre o exercício de poderes supervisão pelo BdP sobre os termos desse aumento de capital e respectivos documentos, comprovativos ou demonstrativos dessa autorização bem como documentos com decisões ou pareceres, vinculativos ou não, quanto à forma e substância do referido aumento de capital;
24. Elementos, estudos ou avaliações e demais documentos comprovativos ou demonstrativos que suportaram a decisão de autorização desse aumento de capital;
25. Determinações, decisões, instruções ou comunicações transmitidas pelo BdP ao …... para apresentar um plano de contingência, no mês de Julho de 2014, e documentos comprovativos ou demonstrativos desses actos;
26. Teor do plano de contingência entregue pelo …… ao BdP no mês de Julho de 2014 e respectivos documentos de suporte e comprovativo de entrega;
27. Ordem de trabalhos e assuntos abordados na reunião com a ……… em 2014.07.16 e respectivos documentos de suporte e os elementos nela disponibilizados;
28. Informação sobre o teor, o conteúdo e os detalhes da comunicação feita pela …….., em 2014.07.16, durante reunião realizada na sede do BdP, sobre a recompra das obrigações detidas por clientes com perdas para o ……;
29. Documento comprovativo ou demonstrativo do conteúdo do email enviado pela ……… ao BdP em 2014.07.22, alertando para problemas no grupo ……;
30. Esclarecimento sobre quais os acontecimentos ocorridos entre 2014.07.30 -data em que o BdP assegurou que "estão reunidas todas as condições necessárias à continuidade da actividade desenvolvida pela Instituição e à plena protecção dos interesses dos depositantes" - e 2014.08.03 - data em que determinou a adopção da medida de resolução - que justificam a alteração da atitude do BdP e a adopção da referida medida;
31. Todos os avisos, comunicações, decisões, despachos, recomendações, circulares, informações e/ou instruções especificamente transmitidos ao …… e a sociedades integrantes do ….., ou em função de factos relacionados com o ….. ou ……, no período entre 2013.04.01 e 2014.07.30;
32. Todos os avisos, comunicações, decisões, directivas, despachos, recomendações, circulares, informações e/ou instruções especificamente transmitidos ao …… e ao ……, ou em função de factos relacionados com o ….. ou ……, no período entre o 2014.07.30 e 2014.08.03, inclusive;
33. Informação sobre os fundamentos e a data em que foi transmitida (i) à administração do ……, (ii) à CMVM e (iii) à Comissão Europeia a adopção da medida de resolução divulgada a 2014.08.03 e respectivo documento comprovativo ou demonstrativo;
Desde já agradecemos a disponibilidade para a prestação, por escrito, das informações e esclarecimentos ora solicitados assim como o acesso aos referidos documentos, solicitando o favor de, no prazo de 10 dias, nos indicarem o dia e a hora em que nos poderemos dirigir às instalações do BdP, afim de proceder à respectiva consulta, sob pena de nos vermos obrigados a recorrer às instâncias judiciais no sentido de ver satisfeito o presente requerimento."Cfr. documento junto aos autos.
3. Aquele requerimento foi recebido no Banco de Portugal em 23 de Outubro de 2014. Cfr. cópia do aviso de recepção junto aos autos.
4. O Banco de Portugal não deu resposta àquele requerimento. Acordo das partes.
5. O requerimento inicial relativo à presente intimação deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 26 de Novembro de 2014. Cfr. registo SITAF e cópia impressa junto aos autos.


DO DIREITO


1. omissão de pronúncia - art° 615° n° l d) CPC;

Nos termos do disposto nos artºs 615º nº 1 d) CPC aplicáveis ex vi artº 1º CPTA, o Tribunal incorre em omissão de pronúncia, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso, cumprindo ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..)”, ou seja, e continuando com a doutrina que vem sendo citada, (i) a omissão de pronúncia e o erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas, e (ii) a “(..) a atribuição pelo tribunal de uma qualificação jurídica distinta daquela que é fornecida pelas partes não constitui qualquer excesso de pronúncia. (..)”(1) (2)
No que respeita a esta causa de nulidade cumpre atender ao conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)”(3).
Para este efeito de obstar a que a sentença fique inquinada, questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados. Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu. E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (4)
Dito de outro modo, “(..) Deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhece5r, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da da sentença, que as partes tenham invocado. (..)”. (5)
Em segundo lugar, cumpre salientar igualmente que não cabe confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)”. (6)


*

No presente caso, o Recorrente aflora a conformação abusiva do pedido no artigo 39º do articulado de oposição, em conexão com o objecto indeterminado do mesmo, no tocante aos nºs. 2, 10, 20, 31 e 32 do artigo 9º do articulado inicial dos Recorridos.
Cremos que a referência feita ao abuso do direito vem contextualizada no domínio da ilegitimidade de exercício do direito que os Recorridos pretendem exercer pela presente acção, isto é, em termos de subsunção da matéria de facto no instituto jurídico do abuso do direito previsto no artº 334º do C. Civil e 14º nº 3 da Lei 46/2007, 24.Agosto (LADA), em ordem a conformar esta referência no conceito adjectivo de questão delimitadora do objecto da causa no contexto argumentativo fundamentador da oposição deduzida nos autos, para além das questões efectivamente suscitadas.
Todavia, a mencionada conformação abusiva dopedido trazida a recurso nos itens a) e b) das conclusões, insere-se na discordância relativamente à fundamentação de direito adoptada na sentença, própria da violação primária de direito substantivo por erro de julgamento, distinta da nulidade substancial de direito adjectivo por omissão de pronúncia, questão a apreciar, pois, no presente recurso..
Pelo que vem dito, improcede a questão trazida a recurso nos itens a) e b) das conclusões.


2. processo de intimação - artº 104º/CPTA;

O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artº 104° e ss., do CPTA, enquanto meio processual autónomo, visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental e não procedimental, com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, nºs. l e 2, ambos da CRP, os quais haviam merecido já concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos artºs 61° a 65°, do CPA.
Com efeito, no nº 1 do art. 268° da CRP, está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo art. 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Sobre o disposto no n.° 1 e no n.° 2 (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.
Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. (7)


3. direito à informação procedimental e não procedimental – artº. 268º/l/2/CRP;

Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA tratando do primeiro os artºs. 61° a 64° e do segundo o artº. 65°.
O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 61°), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 62°).
O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 65°).
Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.
Neste domínio, o alcance e extensão da obrigação da Administração Requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – vd. Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279 “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” - mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.
Neste sentido, mesmo que a informação ou documento, cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30/11/94, Proc. n.° 36256 – perante estas circunstâncias caberá emitir a correspondente certidão negativa.


*

Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento. -Já os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)
Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.
Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, pp. 135).
O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma epecífica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.
Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”. (8)
Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental e em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”. (9)
De modo que o direito à informação administrativa procedimental e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos constituem direitos formalmente distintos e cujos contextos de aplicação são, além de distintos, reportados a diferentes titulares, donde, na circunstância, cabe
saber qual o contexto fáctico que emerge dos probatório e a disciplina legal que lhe compete.


4. conceito de procedimento administrativo - artº 1º/1/2 CPA;

Aplicando o direito objectivo à matéria de facto levada ao probatório de acordo com o enquadramento doutrinário acabado de citar, é patente que os Recorridos pretendem que o Recorrente preste informação e acesso a um concreto procedimento, entendendo-se aqui o procedimento administrativo na acepção que tal conceito tem no domínio do artº 1º nºs. 1 e 2 CPA, de sucessão ordenada e articulada formal de actos e/ou formalidades, nem existe um conjunto de documentos produzidos para dar suporte a actos e formalidades do procedimento. (10)
Pretensão constante do segmento da carta de 22.Outubro.2014 quanto ao pedido de “informações a seguir enunciadas, todas compreendidas no âmbito do processo que conduziu à adopção pelo Banco de Portugal .. da medida de resolução de 2014.08.03, assim como a permitir o acesso aos elementos e documentos que as suportem.” – item 2 do probatório – e deduzida no pedido de intimação “a prestar a informação e a consulta de documentação solicitados”.
Ou seja, o objecto da presente acção de intimação deduzida pelos Recorridos é constituído por documentos produzidos no exercício da função administrativa no âmbito do procedimento administrativo adoptado em ordem à produção e operatividade da medida de resolução do ………………….. pelo Conselho de Administração do BdP em 03.AGO.2014, ora Recorrente, pois o direito subjectivo proclamado no artº 61º nº 1 CPA a favor dos particulares apenas tem como sujeito do correspondente dever jurídico a entidade administrativa titular da relação jurídica procedimental.
Todavia, embora os Recorridos não sejam parte no procedimento adoptado em ordem à produção e operatividade da medida de resolução do ………………….. pelo Conselho de Administração do BdP em 03.AGO.2014, ora Recorrente, o que é facto é que sendo accionistas da sociedade comercial sobre a qual recaem os efeitos jurídicos da resolução adoptada pelo BdP tal significa que a presente causa se move no âmbito do regime de acesso à informação procedimental, no exercício do direito uti singulis configurado como publicidade erga partes, nos termos acima referidos.


*

O regime jurídico decorrente da Constituição, CPA e LADA em matéria do direito de acesso à informação administrativa, procedimental e não procedimental, tem uma conformação jurídica complexa, na medida em que, concebido, quer quanto ao objecto quer quanto aos sujeitos, em termos de regra muito ampla, o legislador assumiu normativamente a ponderação dos bens jurídicos em causa, introduzindo um regime de restrições ao direito de acesso, acompanhado, em função da ponderação de outros pressupostos, de previsões de reabertura à informação mediante variados fundamentos de excepção às restrições .
O que significa que são as circunstâncias específicas do caso concreto moldadas a partir da matéria de facto levada ao probatório que permitem determinar se, no caso concreto, a Administração cumpre o bloco normativo que determina a regra de acesso à informação documentada constante do procedimento.
Como referido, o caso concreto trazido a recurso insere-se no domínio do acesso a informação procedimental requerida por terceiros interessados, os ora Recorridos, que afirmam em juízo o interesse em aceder ao conteúdo da informação constante da documentação do procedimento administrativo, já findo, em que foi adoptada em 03.08.2014 pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP), ora Recorrente, a medida de resolução do ………………………. (…..).
Para o efeito peticionam a intimação jurisdicional do BdP “a prestar a informação e a consulta de documentos solicitados conforme enumeração” substanciada nos dados especificados por 33 itens conforme ponto 2 do probatório.
Trata-se de terceiros interessados, no sentido do artº 64º CPA, na medida em que os Requerentes ora Recorridos invocam a qualidade de accionistas da sociedade comercial …………………. SA, pessoa colectiva destinatária directa da medida de resolução do …… de 03.08.2014, logo, com interesse legítimo atendível face à relação jurídica procedimental em causa no tocante aos dados informativos requeridos e objecto do pedido intimatório.


5. documentos existentes e identificáveis – ónus do requerente;

Decorre da conjugação dos artºs. 2º nº 1, 3º nº 1a),b) e 11º nºs 2 e 5 da Lei 46/2007, 24.08 (LADA) que o acesso à informação procedimental detida pela Administração se reporta, exclusivamente, a informação contida em documentos administrativos existentes e não a documentos a elaborar, independentemente de a elaboração se traduzir em informação original ou conformada a partir de outros documentos existentes no procedimento.
O âmbito do artº 3º nº 1 a) LADA abrange no conceito de documentos detidos pela Administração os recebidos de entidades terceiras, na medida em que o texto normativo inclui expressamente os documentos “na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome” - sendo que o artº 4º LADA enumera o âmbito subjectivo desta Lei.
Citando a doutrina, esta norma inclui na sua hipótese “(..) situações em que a administração pública recebe documentos de outras entidades, não perdendo estas o domínio sobre a informação. Com o direito comunitário, são cada vez mais frequentes os casos em que administração pública recebe informação vinda de congéneres estrangeiras, incluindo algumas fora da União Europeia . Neste caso, o regime de uso destas informações pode depender de lei concreta.
Com efeito, e sobretudo na área financeira, onde a cooperação internacional e comunitária se encontra francamente desenvolvida, existem regras que obrigam a que, pelo menos em certos casos, informações recebidas de congéneres estrangeiras só possam ser dadas com o consentimento destas. (..) também nesta matéria tem de se considerar uma restrição de acesso com fundamento autónomo. (..)” (11)
Em face da complexidade do regime consagrado em matéria de direito à informação detida pela Administração, o artº 13º nº 1 LADA determina que o interessado no acesso ao documento administrativo deve formular no requerimento “os elementos essenciais à sua identificação”.
Tal significa que é ónus do requerente determinar no requerimento, seja pela identificação documental seja pela especificação do conteúdo, a que documentos do procedimento pretende aceder, não só porque é o particular requerente que tem o domínio do objecto e dimensão do seu interesse, mas também porque o dever jurídico consagrado na norma, em ordem a prefigurar a ilicitude do incumprimento normativo, postula que o objecto do interesse pretensivo à informação documentada no procedimento seja manifestado de forma identificativa inteligível e não sob a conformação de um pedido de objecto genérico e indeterminável no que respeita ao quid a que se pretende aceder.
Ou seja, não só o pedido intimatório tem de se reportar a documentos existentes, como a documentos identificáveis.
Não é esta a situação evidenciada pelo pedido de informação documentada substanciada nos dados especificados por 33 itens conforme ponto 2 do probatório.

*

O caso trazido a recurso reporta-se à medida de resolução do ………………..., SA tomada pela Entidade Reguladora do sector, o Banco de Portugal, pelo que é de meridiana evidência que não se há-de tratar de um procedimento constituído por um número restrito de documentos administrativos elaborados pelo ora Recorrente, dada a complexidade do objecto da resolução da sociedade bancária em causa.
Em segundo lugar, o pedido intimatório de informação documentada substanciada nos dados especificados por 33 itens conforme ponto 2 do probatório não é susceptível de subsunção na previsão do artº 13º nº 1 LADA no tocante ao segmento em que a lei determina que no pedido de acesso aos documentos o requerimento “constem os elementos essenciais à sua identificação”.
Tal decorre de os Requerentes ora Recorridos referenciarem os documentos do procedimento a cuja informação pretendem aceder por recurso a temáticas generalistas, que colocam do lado da Administração o ónus de delimitar o objecto do pedido intimatório informativo formulado e, consequentemente, o ónus de identificar por aproximação ao objecto genérico apresentado, quais os documentos que integram o pedido de acesso à informação procedimental.
Exactamente o inverso da previsão constante do artº 13º nº 1 LADA que coloca o ónus a cargo do sujeito do interesse pretensivo.
Estão nesta circunstância de indeterminação da identificação da documentação objecto do pedido intimatório por recurso a temáticas generalistas, os dados especificados nos 33 itens do ponto 2 do probatório sob os seguintes números:
2. Avisos…, 3. Documentos …, 4. Critérios subjacentes …, 5. Despacho … relatório das avaliações …, 6. Despacho … ETRICC ao sector bancário em Portugal …, 7. Relatório …, 8. Esclarecimentos sobre …, 9. Esclarecimentos sobre …, 10. Os elementos …, 11. Informações …, 12. Os motivos …, 14. Documentos …, 15. Todos os documentos …, 16. Quais as medidas …, 17. Documentos que titulam …, 18. Esclarecimentos …, 19. Esclarecimentos …, 20. Instruções e/ou directivas …, 24. Elementos, estudos …, 25. Determinações, decisões …, 26. Teor do plano de contingência …, 31. Todos os avisos …, 32. Todos os avisos …,
Noutros casos dos dados especificados no ponto 2 do probatório, a formulação do pedido indica que os Requerentes ora Recorridos pretendem a elaboração de fundamentação ex novo, em violação do disposto nos artºs. 2º nº 1, 3º nº 1a),b) e 11º nºs 2 e 5 LADA:
1. Informação, base legal …, 13. O motivo …, 22. No âmbito da implementação …, 23. Teor da autorização …, 30. Esclarecimento sobre o acontecimento …, 33. Informação sobre os fundamentos …,
Noutro caso, a formulação do pedido é ininteligível no tocante ao segmento “identifique concreta e devidamente os vários canais de contágio ao ……”:- 21. Documento comprovativo ou demonstrativo …,
O que significa que o pedido intimatório formulado pelos Requerentes ora Recorrido não obedece aos pressupostos prescritos nos artºs. 2º nº 1, 3º nº 1a), b), 11º nºs 2 e 5 e 13º nº 1 da Lei 46/2007, 24.08 (LADA).


*

Pelo que vem de ser dito procede a questão trazida a recurso na alínea d) das conclusões, mostrando-se as demais questões das alíneas c ) e e) a j) prejudicadas pela solução dada à antecedente.


***



Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença proferida.


Custas a cargo dos Recorridos.


Lisboa, 28.AGO.2015



(Cristina dos Santos) ………………………………………………….

(Rui Pereira) …………………………………………………………..

(Lurdes Toscano) ……………………………………………………..




(1) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223.
(2) Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada, págs. 222/223 e 408/410.
(3) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, pág.142.
(4) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54.
(5) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, pág.704.
(6) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, pág.143.
(7) Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
(8) Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
(9) Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
(10) Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo – Comentado, 2ª ed. Almedina/1998, págs. 44/45 e 53/54.
(11) Alexandre Brandão da Veiga, Acesso à informação da Administração pública pelos particulares, Almedina /2007, págs. 91-92.