Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04090/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/19/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PODER JURISDICIONAL. INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:1. «O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível. (…). Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu;» - Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 126/127.
2. A indemnização por prejuízos resultantes para o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente, visando suspender processo de execução fiscal, “pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente” – cfr. art. 53.º n.º 1 e 3 LGT. Em complemento, nos termos do art. 171.º n.º 2 CPPT, a mesma indemnização “deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.
3. A mais recente corrente jurisprudencial, no STA, propende para considerar que, além da possibilidade legal de enxerto ou cumulação do pedido indemnizatório no procedimento ou no processo tributário, o lesado não está impedido de escolher a instauração do pedido indemnizatório mediante a propositura de acção fundada em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 37.º CPTA, bem como, pode, de igual modo, formalizar esse tipo de exigência “em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
SOCIEDADE A...DE PORTUGAL, L.DA, contribuinte n.º ... e com os demais sinais dos autos, rechaçando despacho, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito de impugnação judicial, onde foi decidido indeferir pedido de condenação, da administração tributária/AT, ao pagamento de encargos suportados com prestação de garantia bancária, interpôs recurso jurisdicional, apresentando alegação que finalizou com as seguintes conclusões: «
1.ª - O presente recurso é interposto do douto despacho de fls. 114/115, proferido em 05.03.2010, que indefere o pedido de pagamento pela AF dos encargos suportados com a garantia bancária prestada;
2.ª - A Recorrente apresentou o requerimento de fls. 97 a 109 dos autos, que se dá por reproduzido, no qual pedia a condenação da AF ao pagamento dos encargos suportados com a prestação da garantia bancária, para o que juntou os documentos comprovativos das respectivas despesas;
3.ª - A Meritíssima Juíza a quo entendeu que estava em causa um “novo pedido” nos autos, nos quais já fora proferida sentença, pelo que estava esgotado o seu poder jurisdicional nos termos do art.° 666.° do CPC (despacho de fls. 114/115);
4.ª - A Recorrente apresentou novo requerimento (a fls. 117 a 119) no qual reiterou o pedido formulado no requerimento de fls. 97 e ss. mas, se assim o não entendesse a Meritíssima Juíza, ad cautelam interpunha desde logo recurso do despacho de indeferimento de fls. 114/115;
5.ª - A Meritíssima Juíza a quo proferiu o despacho de admissão do recurso (fls. 120/121);
6.ª - Salvo o devido respeito, não colhem os fundamentos que sustentam o despacho recorrido;
7.ª - Desde logo o pagamento dos encargos com a garantia bancária prestada não poderia ter sido requerido na p.i. de impugnação pois, ao tempo, não existia garantia bancária ou qualquer outro meio susceptível de assegurar a suspensão da execução;
8.ª - Isto porque, aquando da apresentação da p.i., o processo executivo ainda não chegara à fase da prestação de garantia;
9.ª - Com efeito, a garantia bancária foi prestada em 19 de Abril de 2004 e reforçada, por exigência da AF, em 11 de Outubro de 2004 (fls. 99/100);
10.ª - Ou seja, em momento posterior ao da apresentação da p.i. (07.04.2004).
11.ª - Ocorre ainda que, nos termos do disposto no art. 183.°, n.° 2 do CPPT, o pagamento dos encargos suportados com a prestação da garantia bancária, bem como o seu levantamento, só podem ser requeridos depois do trânsito em julgado de decisão favorável ao garantido;
12.ª - De igual modo o art. 53.°, n.° 2 da LGT trata da indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia na proporção do “... vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução...”;
13.ª - Bem se compreende a ratio legis das disposições supracitadas atenta a possibilidade de a decisão favorável vir a ser objecto de recurso e, por isso, não ser ainda definitiva;
14.ª - Acresce que a Recorrente deduziu o pedido no processo em que o deveria fazer, conforme previsto no art. 171.°, n.° 1 do CPPT.
15.ª - E fê-lo em prazo, isto é, logo após o trânsito em julgado da douta sentença, e antes de decorridos 30 dias conforme se dispõe no n.° 2 do art. 171.° do CPPT.
16.ª - Tudo, aliás, de acordo com o doutamente decidido neste Venerando Tribunal em despacho proferido em 17.11.2009 no Proc. n.° 02576/08, o qual versa sobre pedido em tudo idêntico ao dos presentes autos.
17.ª - Ao decidir de modo diverso, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 171.°, n.°s 1 e 2 e 183.°, n.° 2 do CPPT e 53.°, n.° 1 da LGT.

Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, que se solicita, deve a decisão recorrida ser revogada por manifesta ilegalidade assente na violação dos arts. 171.°, n.°s 1 e 2 e 183.°, n.° 2 do CPPT e 53.°, n.° 1 da LGT e, em consequência, ser declarado o direito da Recorrente ao recebimento da quantia correspondente aos encargos suportados com a garantia bancária, que ascendem a Euros 5.146,75, conforme previsto nas supracitadas disposições legais, condenando-se a Fazenda Pública ao respectivo pagamento, como é de
JUSTIÇA! »
*
Não foram formalizadas contra-alegações.
*
A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido da incompetência deste tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso.
*
Notificadas as partes, a Recorrente/Rte veiculou entendimento contrário.
*
Apostos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Liminarmente, quanto ao aspecto da competência deste tribunal, tal como aponta a Rte, na resposta que produziu, pelo menos, o conteúdo das conclusões 7.ª e 8.ª encerra a invocação, objectiva, de factos. Ora, independentemente da relevância que esses concretos motivos venham a adquirir na apreciação e decisão do presente recurso jurisdicional, atento o entendimento, assumido pelo STA neste quadrante, de que, em síntese, o apelo “não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm sequer suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa”, acrescendo que “a questão da competência (…) tem de ser decidida em face do quid disputatum ou quid decidendum e não em face daquilo que, na sequência da actuação do tribunal competente, será mais tarde o quid decisum”, temos de conceder que, in casu, não se mostram reunidos os pressupostos legais, máxime, o recurso versar exclusivamente matéria de direito, para sustentar a competência, em razão da hierarquia, do Supremo Tribunal.
Termos em que, sem mais, se julga improcedente a excepção em apreço.
*
Num sucinto e breve, mas necessário, enquadramento factual, temos que:
- em 7.4.2004, foi apresentada, pela, agora, Rte, impugnação judicial de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao exercício de 1999, no valor total de € 148.430,80;
- por sentença datada de 26.1.2010, decidiu-se julgar procedente a impugnação, veredicto que não foi objecto de qualquer tipo de recurso;
- esta sentença foi notificada, à impugnante, por carta registada remetida, ao respectivo mandatário judicial, em 28.1.2010, a qual, no dia 18.2.2010, enviou, ao tribunal recorrido, o requerimento de fls. 97 segs. (que aqui tem por integralmente reproduzido), impetrando “o recebimento da quantia correspondente aos encargos suportados com a garantia bancária, que ascendem a Euros 5.146,75 (…)”.
- sequentemente, pelo TAF de Sintra, foi proferido despacho (recorrido) do seguinte teor: «
A fls. 97 a 109, vem a Impugnante pedir a condenação da Administração Fiscal ao pagamento da quantia correspondente aos encargos suportados com a garantia bancária.
Está em causa a formulação de um novo pedido nos presentes autos, nos quais já foi proferida sentença, em 26/01/2010 (cfr. fls. 81 a 89).
Assim sendo, está esgotado o meu poder jurisdicional no âmbito dos presentes autos (cfr. artigo 666.º do Código do Processo Civil).
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique. »
- a garantia bancária invocada pela impugnante, mostra-se constituída com data de 19.4.2004, tendo sido reforçada, quanto ao montante total garantido, em 11.10.2004 – cfr. fls. 99 e 100.
*
Partindo deste mínimo cenário factual, importa, então, aferir da legalidade e sustentabilidade do despacho criticado, focalizando, sobretudo, a concreta, estrita, fundamentação em que se respalda.
Sobre o poder jurisdicional do juiz que se esgota com a prolação da sentença (1), encontramos na sapiente lição do Professor Alberto dos Reis (2) ensinamento que, por tão límpido, actual e calhado à situação julganda, não resistimos a transcrever: «
Princípio da extinção do poder jurisdicional. (…).
Qual o alcance e a justificação do princípio?
O alcance é o seguinte: O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se. Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu; (…). - grifamos - »
Sendo este sublinhado suficiente, pela objectividade e pelo incisório dos seus termos, para apontar o erro jurídico que atinge o despacho recorrido, obviamente, desde já, não pode o mesmo manter-se. Ora, retirada esta consequência, cumpre-nos, ainda, avaliar, de forma expedita e liminar, da possibilidade do requerido pela impugnante e que motivou a decisão a revogar.
A indemnização por prejuízos resultantes para o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente, visando suspender processo de execução fiscal, “pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente” – cfr. art. 53.º n.º 1 e 3 LGT. Em complemento, nos termos do art. 171.º n.º 2 CPPT, a mesma indemnização “deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”. Fazendo apelo, entre outros, a estes normativos legais, a mais recente corrente jurisprudencial, no STA (3), propende para considerar que, além da possibilidade legal de enxerto ou cumulação do pedido indemnizatório no procedimento ou no processo tributário, o lesado não está impedido de escolher a instauração do pedido indemnizatório mediante a propositura de acção fundada em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 37.º CPTA, bem como, pode, de igual modo, formalizar esse tipo de exigência “em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida”.
Deste modo, na situação julganda, tendo a impugnante feito um pedido de indemnização, por prestação de garantida bancária, alegadamente, conectada com a liquidação de IRC e juros compensatórios, anulada neste processo de impugnação judicial, conferindo-se que o mesmo foi activado menos de 30 dias decorridos sobre a data de notificação da competente sentença anulatória, estão reunidos os elementares pressupostos para o ajuizar deste tipo de pretensão, cabendo ao tribunal recorrido aquilatar do respectivo mérito.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar o despacho recorrido, a ser substituído por outro que promova o andamento dos termos legais pertinentes, relativamente ao requerido a fls. 97 segs.
*
Sem tributação.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 19 de Janeiro de 2011

ANÍBAL FERRAZ
EUGÉNIO SEQUEIRA
JOSÉ CORREIA



1- Art. 666.º n.º 1 CPC.
2- Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 126/127.
3- Cfr. Ac. STA de 24.11.2010, rec. 01103/09, disponível no sítio www.dgsi.pt.