Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:433/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CUSTOS
INDISPENSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I-O requisito da indispensabilidade dos custos tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa. Logo, estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo

II-Face à presunção da verdade declarativa que goza a escrita do contribuinte, e tendente a infirmá-la a AT tem de provar que as verbas corrigidas não estão diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social.

III-Qualquer correção ao abrigo do artigo 23.º do CIRC pressupõe, previamente, a contabilização do respetivo custo, não podendo, nessa medida, abranger situações fictas e consubstanciadas em “juros eventuais”. Assim, se a AT de forma absolutamente conclusiva e socorrendo-se de uma realidade presuntiva, estabelece um acréscimo ao lucro tributável dos juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos, tal situação é insuscetível de acarretar uma correção ao abrigo do citado normativo.

IV-Se a AT parte de um facto conhecido, a existência de custos suportados com encargos financeiros decorrentes de financiamentos bancários, os quais não contesta, e depois extrapola um acréscimo ao lucro tributável de “juros eventuais”, atua com base em presunções, representando, in limite, uma “avaliação indireta encapotada”, a qual desacompanhada do especial procedimento contemplado na lei mostra-se ilegal, cominando o ato tributário de anulabilidade.

V-A mera referência a existência de correções a exercícios anteriores, que conduziram a alterações aos prejuízos acumulados, asserções essas absolutamente conclusivas e sem qualquer substanciação, densificação fática, expressão numérica, nem base legal atinente ao efeito, e bem assim sem remissão expressa para qualquer documento ou Relatório Inspetivo que permita discernir as razões nele externadas, determina a validação da verificação do vício de falta de fundamentação sentenciado pelo Tribunal a quo.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

B…, SA (doravante B…, ou Recorrente), e o DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitante ao exercício de 1998, no valor de €324.651,64.


***


A Recorrente B… termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios relativa ao exercício de 1998, no montante global de €324.651,64.

B. O Recorrente considera que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, discordando do enquadramento jurídico resultante da valoração que dos factos provados foi efectuada e, bem assim, da decisão perfilhada pelo Tribunal a quo.

C. O Relatório Final da Inspecção Tributária não contém os elementos necessários previstos no artigo 62.° do RCPIT, omitindo a menção às datas do início e fim dos actos de inspecção, como lhe é imposto expressamente pelo artigo 62.º, n.º 2, alínea c) do RCPIT e falhando em proceder igualmente à descrição dos motivos que deram origem ao procedimento de inspecção, limitando-se a indicar o número da Nota de Serviço que supostamente a motivou.

D. A AT não justificou, em momento algum do procedimento de inspecção ou ao longo do presente processo, os seus juízos sobre a dedutibilidade dos juros suportados pela Recorrente ou os fundamentos em que se baseou para acrescer ao lucro tributável declarado em 1998 “juros eventuais” devidos, designadamente, com que bases factual e jurídica seria admissível realizar semelhante correcção.

E. Carecendo a notificação das conclusões resultante da inspecção tributária de fundamentação factual suficiente, clara e expressa, os actos tributários que a incorporaram igualmente se encontram não fundamentados, pelo que violaram o disposto nos artigos 268.°, n.° 3 da CRP e 77.“ da LGT.

F. Da matéria assente na sentença recorrida resulta provado que:

a) «[d]urante o ano de 1998, a Recorrente adquiriu o capital social das empresas «F… e E…», tendo adquirido também, em simultâneo, os saldos de dívidas que aquelas empresas tinham registado para com o anterior detentor dos respectivos capitais sociais» - cfr. ponto 11 dos factos dados como provados (sublinhado da Recorrente, cit.);

b) «[o]s saldos referidos no ponto anterior consubstanciavam empréstimos accionistas, e se deviam a razões comerciais decorrentes da maior dificuldade de recurso daquelas sociedades – F… e E… - ao crédito externo, pelo que consubstanciaram um acto de boa gestão de tesouraria» - cfr. ponto 12 dos factos dados como provados (cit.).

G. Foi considerado provado pelo Tribunal a quo que a ora Recorrente não efectuou quaisquer empréstimos às suas participadas no exercício de 1998. pelo que os empréstimos contraídos pela Recorrente em 1998 não podem ter servido a finalidade de as financiar.

H. À luz dos factos que deu como provados não podia o Tribunal a quo decidir, como fez, em evidente oposição com eles, aplicando jurisprudência do STA que pressupõe que a Recorrente recorreu ao crédito externo com vista ao financiamento, a custo zero, das suas participadas.

I. Extraindo dos factos considerados provados conclusões opostas ao que deles resulta, o Tribunal a quo incorre inevitavelmente em erro de julgamento, devendo a sentença recorrida ser revogada e o acto de liquidação adicional em crise, na parte recorrida, ser consequentemente anulado.

J. A dedutibilidade fiscal dos custos depende apenas de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, e esta indispensabilidade verifica-se sempre que as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário, e em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata.

K. A celebração de um contrato de empréstimo - tendo ficado provado, recorde-se, que a Recorrente não canalizou os montantes obtidos por essa via para o financiamento gratuito das suas associadas - insere-se na capacidade da Recorrente e está relacionada com a gestão da sua actividade e com a obtenção de lucro, e é portanto indispensável à realização de proveitos ou ganhos e à manutenção da sua fonte produtora.

L. A Recorrente não fez mais do que contrair um empréstimo junto de entidades bancárias para financiar a sua actividade económica, e no âmbito dessa actividade — o núcleo do seu objecto social - a financiar a sua exploração de forma a que esta possa prosseguir normalmente a sua actividade económica.

M. Mesmo na hipótese de assistir razão à AT quanto aos fundamentos da correcção efectuada nunca seria possível sustentar a legalidade de uma liquidação adicional que vem «acrescer ao lucro tributável do exercício, os juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos [pela Recorrente] durante o exercício de 1998 (aplicados à taxa básica de desconto do Banco de Portugal, taxa de referência para operações de crédito no exercício de 1998)» - cfr. doc. n.° 3, junto à p.i. de impugnação.

N. A correcção realizada ao lucro tributável do exercício de 1998 da Recorrente, com os fundamentos invocados e na modalidade de cálculo utilizada, carece manifestamente de base jurídica.

O. A consequência a retirar da não demonstração da indispensabilidade de um custo é, como não pode deixar de ser, a não dedutibilidade desse custo, arredando-se o montante ilegalmente deduzido dos custos no exercício e nunca o acréscimo ao lucro tributável do contribuinte de quaisquer montantes ficticiamente calculados pela AT, sem qualquer fundamento legal.

P. Ao validar o acréscimo ao lucro tributável da Recorrente de determinadas quantias calculadas ficticiamente pela AT a título de juros que deveriam ter sido cobrados às suas participadas - com respeito, para mais, a empréstimos que a Recorrente nunca concedeu - por oposição à eliminação, dos custos deduzidos em 1998, dos juros suportados pela Recorrente nos empréstimos contraídos, o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento devendo a sentença recorrida ser revogada.

Q. A liquidação em crise, na parte aqui recorrida, deve ser anulada por violação do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, o qual apenas admite que a Administração Fiscal não aceite a aceitação da dedução de determinados encargos financeiros e não qualquer acréscimo oficioso ao lucro tributável a título de “juros eventuais”.

R. Como esclarece o STA, no Acórdão de 3 de Fevereiro de 1999, proferido no recurso n.° 015810 que «não pode ser rectificada a declaração do sujeito passivo e recorrer-se a estimativas e presunções para apurar o imposto, a partir de um exame à escrita que nada de irregular aponta» (cit.).

S. A conclusão formulada a final pela AT no Relatório Final de Inspecção não tem como base uma qualquer limitação válida ou sequer compreensível ao direito da Recorrente de ser tributada de acordo com o seu lucro real, representando, ao invés, um claríssima violação deste mesmo Principio Constitucional.

T. A interpretação que a Administração parece fazer do artigo 23." do Código do IRC, na sua redacção em vigor à data dos factos, no sentido de este permitir que sejam acrescidos ao lucro tributável da Recorrente os juros que presumivelmente teriam sido cobrados às suas subsidiárias (conforme calculados pela AT e sem qualquer base na contabilidade da Recorrente), ao invés de serem simplesmente desconsiderados os gastos incorridos com os juros efectivamente suportados nos empréstimos alegadamente contraídos para financiar essas mesmas subsidiárias, mostra-se INCONSTITUCIONAL por violação do direito das empresas da Tributação pelo Lucro Real, nos termos que este verte do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, o que desde já se argui para todos os efeitos legais.

U. A liquidação de juros compensatórios apenas seria possível se se considerasse que é devido o imposto em crise, o que já vimos não poder justificar-se ou ter qualquer base legal.

V. Não se verifica nexo de causalidade adequada entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação nem a censurabilidade, a título de dolo ou negligencia, da conduta do contribuinte.

W. Não deverá ser imputada responsabilidade por juros compensatórios caso o atraso na liquidação e respectivo reembolso de recebimento alegadamente indevido seja provocado pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, mas ele tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável.

X. Como resulta da jurisprudência do Acórdão do STA de 3 de Novembro de 2009, proferido no processo n.° 0961/08, ainda que se considere ser erróneo o entendimento do Recorrente sempre se diria que esse erro resulta de simples divergência, não culposa e que não permitem alegar da existência de dolo ou negligência.

Y. A liquidação de juros compensatórios de que a Recorrente foi alvo é absolutamente ilegal, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e deve ser anulada.

Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada na parte objecto do presente recurso, com as devidas consequências legais, designadamente:

a) anulação da liquidação adicional efectuada relativamente ao exercício de 1998, no que respeita à correcção referente aos juros suportados pela Recorrente e derivados de empréstimos contraídos em 1998 (no montante de € 543.978,39);

b) pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos.”


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Notificada da interposição de recurso pela B…, o DRFP não apresentou contra-alegações.

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O DRFP apresentou as conclusões que infra se reproduzem:

“I-Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou a procedência parcial do pedido, decidindo a contento da impugnante no que se refere à utilização dos prejuízos reportados aos exercícios de 1995, 1996 e 1997.

II-Ao fazê-lo, decidiu contudo com déficit instrutório, facto que notoriamente se revela feita a análise do pedido formulado pela impugnante.

III-Encontra-se assim violado quer o princípio do dispositivo, quer o conhecimento dos factos necessários ao correcto julgamento da causa que ocorreu em detrimento da oficiosidade do conhecimento de que o Tribunal dispunha, por virtude do exercício das suas funções.

IV-Desse modo, a sentença proferida pelo tribunal ad quo caiu em erro quer sobre a fixação dos factos, quer na apreciação que deles fez em fase posterior da decisão.

V-Ao errar no que concerne à apreciação factual, por deficiente selecção da matéria de facto e consequente ausência de discriminação das circunstâncias que não tratou de apurar como se impunha, inquinou, consequentemente, o julgamento.

VI-Contudo, face aos documentos disponíveis, concretos meios probatórios constantes no processo que se analisados devidamente pelo Tribunal imporiam uma decisão diferente, somos obrigados a concluir pela existência de quesitos incorrectamente julgados.

VII-Assim, como se pode verificar no ponto 119.° da p.i., a impugnante elenca uma série de processos judiciais - impugnação contra a liquidação adicional de 1995 com o n.° …/2001 (3.° Juízo - 2.a Secção), impugnação contra a liquidação adicional respeitante a 1996 com o n.° …/2002 (no 2.° Juízo - 1a Secção) e, ainda, impugnação contra a liquidação respeitante a 1997 com o n.° …/02 (no 2.° Juízo - 2.a Secção) - contencioso que levaria a mesma a assacar que, no exercício objecto dos presentes autos, o facto de a AT não ter considerado os prejuízos no montante por si pretendido objecto desses processos, teria violado o disposto no art.° 47.° do CIRC.

VIII-No presente caso, deveria o Tribunal ter oficiosamente conhecido se existiam já decisões, de modo a evitar quaisquer inconvenientes como por exemplo a ofensa de caso julgado e, inclusivamente ter mandando extrair as devidas certidões juntando-as ao processo, suspendendo a instância, caso necessário fosse.

IX-Neste conspecto, foi violado o caso julgado e as regras relativas à obtenção da prova.

X- Como já referimos as decisões proferidas nessas acções onde a impugnante sindicava a dedutibilidade dos prejuízos fiscais nos termos do art.° 47.° do CIRC, determinaram a improcedência desse seu pedido.

XI-Não menos importante é o caso de que não obstante e quanto aos factos que englobam a base instrutória, a impugnante alertar o Tribunal para a existência de processos judiciais onde se discutia a matéria relativa aos prejuízos fiscais, pedindo a “suspensão da instância” até resolução desses processos onde se debatiam as questões prejudiciais.

XII-Na realidade, a AT ao verificar a inexistência de prejuízos a deduzir no exercício em causa, fê-lo reportando-se a correcções que resultaram de acções realizadas cujo conteúdo fora devidamente notificado à impugnante de tal modo que a impugnante tem perfeito conhecimento do itinerário cognoscitivo que subjaz a essas correcções (note-se que quando refere o montante a que supostamente teria direito a deduzir também não o justifica ou comprova), tendo inclusivamente interposto os meios de defesa ao seu alcance com vista a impugnar as mesmas.

XIII- Nos termos do art.° 77 da LGT que limita a fundamentação e eficácia das decisões à clareza, congruência e suficiência, o RIT (relatório de inspecção tributária) não padece de vício de forma.

XIV-Por fim, estando em causa caso julgado, não deveria o tribunal contradizer decisão anterior (nos termos do previsto no art.° 580.° do CPC).

XV- Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, esteou a decisão em erro na selecção da base instrutória, não obstante a desconsideração apontada verter sobre factos que o Tribunal teria conhecimento em virtude das suas funções e que, não deveriam ter sido ignorados nos termos do artigo 264.° e 664.° do CPC (actual art.° 5.° n.° 2 alínea c), aplicável ex-vi art.° 2.° alínea e) do CPPT, violando assim a estas normas que regulam a produção de prova Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÂO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida B… apresentou contra-alegações, concluído como segue:

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios relativa ao exercício de 1998, no montante global de €324.651,64.

B. O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a impugnação, considerando dedutíveis, no exercício de 1998, prejuízos fiscais no montante de € 190.065,63, relativos a anos anteriores.

C. A Fazenda Pública que o Tribunal «não valorizou devidamente os factos constantes da base instrutória», o que terá redundado em erro sobre a fixação dos factos e, bem assim, na apreciação que deles fez — cfr. artigo 2.° das alegações da Fazenda Pública (cit.) e conclusão III das mesmas.

D. Conforme resulta da sentença proferida, a AT não fundamentou a correcção em causa, em particular «a Administração Tributária e Aduaneira deveria ter dito que prejuízos foram utilizados nos anos anteriores e como chegou à conclusão de que os prejuízos declarados pela Recorrida na Modelo 22 não poderiam ser aceites» - cfr. sentença recorrida, p. 18 (cit.).

E. No âmbito da inspecção efectuada ao IRC do exercício de 1998, a AT considerou que a ora Recorrida não podia "reportar qualquer montante de prejuízos fiscais acumulados", referindo que devido a correcções anteriores a Recorrida deixou, a partir de 1997, de poder reportar qualquer montante de prejuízos fiscais – cfr. doc. n.° 3, junto à p.i. de impugnação (cit.).

F. Apesar da breve menção da AT às "correcções de anos anteriores" não é minimamente perceptível se as correcções efectuadas ao exercício de 1998, aqui em questão, tiveram na sua base as correcções efectuadas aos exercícios de 1995,1996, 1997, a dois dos três ou se a todos e em que medida.

G. A própria Fazenda Pública, ao argumentar que a legalidade das correcções relativas a 1996 e 1997 já foi judicialmente atestada por decisões transitadas cm julgado, afirma também, de forma esclarecedora, que "se encontra ainda pendente a decisão de uma dessas impugnações, aquela cujo objecto é o IRC de 1995 e que corresponde ao processo n.º 118- 3J-1S, sendo aquela que cronologicamente mais importa ao presente caso porquanto está em causa o reporte de prejuízos" - cf: artigo 20.° das alegações apresentadas pela Fazenda Pública (cit.).

H. Sendo a Recorrente a primeira a assumir que as diferentes correcções de anos anteriores podem ter relevância e impacto diversos sobre a correcção sub judice se os mesmos nunca foram esclarecidos pela AT, o que resulta claramente quer do relatório Final de inspecção, quer da sentença recorrida, quer, ainda, das próprias alegações da Recorrente, não pode em sede de recurso procurar sustentar que a correcção em crise se encontra devidamente fundamentada.

I. Adicionalmente, não obstante a resumida menção aos prejuízos fiscais no próprio relatório de inspccção, não consta da parte decisória desse mesmo Relatório referência alguma a uma correcção a esse título, nem foi essa correcção com fundamento na inadmissibilidade do reporte de prejuízos fiscais objecto de sancionamento superior como se constata quer do parecer do Chefe da Equipa de Inspecção Tributária quer do despacho do Director de Finanças - cfr. doc. n.° 3 em anexo à p.i. de impugnação.

J. É forçoso concluir pela manifesta violação do referido preceito legal, o que implica que a liquidação em crise careça de anulação por estar ferido de vício de forma por falta de fundamentação, como atesta a sentença recorrida, em violação do disposto no artigo 268.°, n.º 3 da Constituição, e no artigo 77.°, n.º 1 da LGT.

K. O Tribunal a quo não chegou a apreciar a legalidade material da correcção em causa, pelo que a existência de contencioso relativamente às liquidações adicionais relativas a anos anteriores, nomeadamente 1995, 1996 e 1997, bem como o respectivo desfecho, são irrelevantes para os presentes Autos.

L. O Tribunal , constatou que a correcção sob análise padece de um vício próprio, em nada dependente da apreciação da legalidade de correcçòes eventualmente realizadas com referência a anos anteriores: o vício formal de falta de fundamentação, mostrando-se completamente desprovidas de sentido e de contexto quaisquer apreciações relativas à legalidade das liquidações adicionais emitidas com referência a 1995, 1996 e 1997 ou mesmo a averiguação do estado das impugnações intentadas pela ora Recorrida, contra essas mesmas liquidações.

M. Ainda que se considere como não verificado este vício, sendo devida pelo Tribunal a quo um juízo relativamente à legalidade material da correcção cfectuada, sempre se diga que este juízo teria que ser negativo ou, pelo menos, condicionado à apreciação, com trânsito em julgado, de todas as impugnações intentadas pela ora Recorrida, relativamente às liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1995,1996 e 1997.

N. Ao longo do presente processo, pôde depreender-se que as correcções efectuadas aos prejuízos reportados pela ora Recorrida teriam na sua base correcções anteriores da AT aos exercícios de 1995, 1996 c 1997 da Recorrida, em sede de IRC, as quais foram, sem excepção, impugnadas judicialmente.

O. À presente data encontra-se ainda pendente de decisão a impugnação judicial relativa ao IRC de 1995 a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.° 118/2001 (3º Juízo - 2a Secção).

P. Invocando vícios de violação de lei, em virtude de tais correcções contenderem com diferentes previsões legais, designadamente com os artigos 18.°, 20.°, 42.°, n.°3, alínea d) e 62." do Código do IRC, na redacção em vigor à data da impugnação, a presente correcção e liquidação adicional assentam numa divergência já antiga entre a Recorrida e a AT.

Q. A Recorrida sempre entendeu assistir-lhe razão nessa divergência, tendo impugnado judicialmente as correcções e liquidações adicionais efectuadas com respeito a todos os exercícios que poderão estar aqui em causa para reposição da legalidade, pelo que na declaração de IRC de 1998 (Modelo 22), novamente seguiu o seu entendimento.

R. A Recorrida utilizou correctamente os prejuízos reportados de anos anteriores, nomeadamente relativos a 1995, que, conforme admite a Fazenda Pública, é "aquela que cronologicamente mais importa ao presente ao presente caso, porquanto está em causa o reporte de prejuízos" - cfr. artigo 20.º das alegações apresentadas (cit.).

S. Ficando provado que a AT vem corrigir a dedução dos prejuízos fiscais da Recorrida, também a este título se conclui que o acto subjacente aos presentes Autos deve ser revogado por ser absolutamente ilegal por violação de lei por ofensa ao disposto no artigo 52." do Código do IRC (artigo 47." do Código do IRC à data dos factos).

T. Caso os argumentos antes aludidos não fossem suficientes para dar provimento à impugnação e caso o Tribunal a quo tivesse optado por apreciar a legalidade material da liquidação na parte relativa à dedutibilidade de prejuízos reportados de anos anteriores sempre teria de suspender-se a instância da impugnação, aguardando pela decisão final da impugnação ainda pendente para se aferir se os prejuízos fiscais anteriores devem ou não ser considerados pela Recorrida.

Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo por isso ser mantida no que respeita à procedência da impugnação, na parte cm que anula a correcção relativa à dedução de prejuízos reportados dc anos anteriores, no montante de € 190.065,63, com as devidas consequências legais.

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!”


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Na sequência de despacho prolatado a 10 de janeiro de 2022, relativamente à pronúncia de caso julgado e bem assim do, eventual, conhecimento em substituição vem a Recorrida “B…, SA”, suscitar a incompetência em razão da hierarquia, e responder ao abrigo do artigo 665.º, nº2 do CPC.

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Assegurado o contraditório, relativamente à aludida resposta, a DRFP nada veio dizer, requerer ou responder.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA e emitiu douto parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna em cumprimento da Ordem de Serviço n.° ……, de 08/02/2002, em sede de IRC, tendo por objectivo analisar a declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 1998 da sociedade R…, S.A. contribuinte número ………, com sede na Avenida ……………, 1750 - Lisboa, pertencente ao 11° Serviço de Finanças do Concelho de Lisboa (Código: 3344).

2. Em resultado da referida acção de inspecção resultaram correcções de natureza meramente aritmética ao resultado fiscal declarado no valor de €543.978,39 (fl. 109 dos autos, relatório da inspecção que se dá por reproduzido, Doc. 3 referido pelo Impugnante e fl. 101 a 103 dos autos);

3- A Administração Tributária e Aduaneira fundamentou a correcção referente a juros suportados, nos seguintes termos:

"O s.p. declara no exercício de 1998, Custos e perdas financeiras, relativo a Juros suportados (Outros), no montante de € 802.162,79 (160.819.201$00). Os juros financeiros, anteriormente referidos, estão relacionados com "contas caucionadas" obtidas junto de diversas entidades bancárias, no sentido de fazer face a falhas de caixa que o s.p. suporta durante o exercício em análise, no desenvolvimento da sua actividade de Transporte público de passageiros, CAE 60230 - (vide Anexo 1 - folhas 1 a 27). O facto de o S.p se financiar junto da banca, no sentido de colmatar determinadas dificuldades de tesouraria, utilizando para isso crédito de contas caucionadas e suportando desta forma juros financeiros, pressupõe não existir na empresa meios financeiros suficientes para serem utilizados com o objectivo de cobrir as referidas falhas de caixa e muito menos no sentido de serem realizados empréstimos a outras entidades. No que respeita esta última hipótese, é aceitável que a empresa esteja a suportar encargos financeiros por empréstimos solicitados junto da banca e tenha contabilizado em simultâneo empréstimos concedidos a outras entidades externas (accionistas ou não), desde que dos empréstimos concedidos também resultem proveitos financeiros para a empresa, na forma de juros. Verifica-se, deste modo, que durante o ano de 1998, a empresa R…, efectuou diversos empréstimos a accionistas, cujo saldo global é de €8.979.886,86 (1.800.305.678800), nomeadamente aos accionistas J…, Lda., E…, Lda. e F…, Lda., conforme análise dos. extractos de conta-corrente anexos (Anexo II - folhas 1 a 8), não cobrando quaisquer juros pela sua utilização. Deste modo, os juros financeiros suportados pela empresa R… S.A., não se consideram comprovadamente indispensáveis à actividade da transportadora, nos termos do estabelecido na alínea c) do n. °1 do artigo 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na medida que esta utiliza meios financeiros necessários para suprir as necessidades de caixa, na concessão de empréstimos a empresas do Grupo (do qual faz parte), suportando deste modo encargos financeiros adicionais, sem obter o mesmo tipo de retorno financeiro (juros) pelos empréstimos concedidos. Assim, será de acrescer ao lucro tributável do exercício, os juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos durante o exercício de 1998 (aplicados à taxa básica de desconto do Banco de Portugal, taxa de referência para operações de crédito no exercício de 1998), ou seja, o montante de € 543.978,39 (109.057.876S00) - Vide anexo III-Folhas 1 a 2) (fl. 129);

4. Foi efectuada uma correcção em sede de prejuízos fiscais com a seguinte fundamentação ”na sequência das correcções efectuadas aos exercícios de 1996 e 1997 (Ordens de Serviço, n.° … e O.S. n.° …, respectivamente), verificaram-se alterações dos valores de prejuízos acumulados, na medida que já para o exercício de 1997, por correcções fiscais efectuadas, o s.p. deixa de poder reportar qualquer montante de prejuízos fiscais acumulados. Nesta medida, para o exercício em análise, não são de considerar os prejuízos fiscais deduzidos ao lucro tributável declarado do exercício, no montante de € 190.065,63 (38.104.737$00), pelo que se procederá à respectiva correcção” (fl.110);

5. A Impugnante recorreu a «contas caucionadas» posto que carecia de disponibilidade de tesouraria, em virtude da específica natureza da sua actividade comercial, designadamente devido aos seguintes encargos: pagamento de rendas decorrentes de contratos de locação financeira de autocarros para transporte; pagamentos a fornecedores de combustíveis; pagamentos a fornecedores de peças; despesas com pessoal (administrativo e condutores), facto que não vem controvertido e foi corroborado pela testemunha);

6. A Impugnante tinha necessidades de tesouraria para se manter auto- suficiente financiava-se junto dos bancos, (depoimento das testemunha);

7. A Impugnante em 1998, adquiriu 2 participações financeiras depoimento da testemunha);

8. Parte dos clientes da Impugnante são agências de viagens, e estas empresas não pagam atempadamente, chegam a pagar a 90 e a 120 dias (depoimento da testemunha);

9. A B… era a empresa do Grupo B… que trabalhava com mais agências de viagens, o que explica as suas grandes necessidades de tesouraria pois aquelas empresas pagavam e pagam tarde (depoimento da testemunha);

10. A actividade de transportes de passageiros tem alguma sazonalidade ao longo do ano e mesmo ao longo de cada mês e, portanto, a empresa B… Transportes tinha negociado esses “plafonds” de conta corrente para fazer face a rupturas de tesouraria ou atrasos de pagamentos de clientes, era fundamental haver uma margem para evitar rupturas de tesouraria (depoimento da testemunha);

11. Durante o ano de 1998, a Impugnante adquiriu o capital social das empresas «F… e E…», tendo adquirido também, em simultâneo, os saldos de dívidas que aquelas empresas tinham registado para com o anterior detentor dos respectivos capitais sociais (i.e., para com o anterior accionista das referidas sociedades), (depoimento da testemunha);

12. Os saldos referidos no ponto anterior consubstanciavam empréstimos de accionistas, e se deviam a razões comerciais decorrentes da maior dificuldade de recurso daquelas sociedades – F… e E…- ao credito externo, pelo que consubstanciaram um acto de boa gestão de tesouraria (depoimento da testemunha);

13. Quando a empresa J… vendeu essas duas empresas, F… e E…, também, cedeu os saldos que tinham essas empresas, créditos de accionistas, (depoimento da testemunha);

14. Em 1998, meados do ano, em Junho, a impugnante comprou a F… que era uma empresa pequena de transportes internacionais e a E… que era especializada na manutenção e conservação de viaturas de autocarros (depoimento da testemunha);

15. Com a compra dessas empresas comprou-se activos e passivos, incluindo os mútuos ou suprimentos do anterior accionista (depoimento da testemunha);

16. Face a existência desses empréstimos de accionistas, a Impugnante entendeu adequado proceder à manutenção do empréstimo dessas verbas a estas sociedades, confiando na sua oportuna devolução, mas, até pelo conhecimento da situação, financeira das participadas, sem onerar excessivamente essa mesma devolução, ou seja, sem exigir a remuneração desse capital mediante o vencimento de juros, às demais empresas integradas no grupo (depoimento da testemunha);

17. Que coube à B…, e não às participadas, recorrer à Banca, pois era esta empresa quem tinha as melhores condições, (depoimento da testemunha);

18. A F… funcionava sobretudo no estrangeiro, a E… tinha como actividade os ares condicionados, (depoimento da testemunha);

19. As empresas F… e E…, eram quase microempresas, facturavam muito pouco, a facturação era praticamente toda ela interna, ou seja entre o Grupo B…, essas empresas tinham cerca de 20 trabalhadores, e a B… tinha já largas centenas de trabalhadores, tem 1100, (depoimento da testemunha);

20. Existiam fluxos financeiros entre as várias empresas do Grupo B…, incluindo entre a B… e a Impugnante, o que explica o saldo devedor desta sociedade para com a Impugnante. (depoimento da testemunha);

21. Existiam fluxos financeiros entre a B… e as restantes empresas, existe uma proliferação de serviços entre empresas do grupo, cedência de viaturas, fornecimento de combustível, serviços de manutenção, (depoimento da testemunha);

22. Foi emitido a declaração modelo DC22 em 10 /05/2002 de onde consta correcções referentes a juros financeiros não indispensáveis à actividade no valor de €543.978,39, uma alteração ao lucro tributável declarado no valor de €190.065,63 e o lucro tributável corrigido no valor de €734.044,02 e não foram considerados prejuízos fiscais (fl. 185 a 187);

23. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição no âmbito do procedimento de inspecção (fl. 126 e seguintes);

24. As correcções efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção foram sancionadas pelo Director de Finanças (fl. 109).

25. Foram efectuadas, para o exercício de 1998 as seguintes liquidações com os seguintes valores:

«Imagem no original»


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Ficou consignado na decisão recorrida que: “ A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos que se dão por reproduzidos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. Teve-se em conta o depoimento das testemunhas que nos mereceram credibilidade por terem conhecimento directo dos factos, uma foi Técnico Oficial de Contas da mesma na data dos factos, outra foi Administrador do grupo.”

***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação do ponto 24), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do aludido facto, passando a contemplar a seguinte redação:

24) A 17 de maio de 2002, na sequência da conclusão da ação inspetiva referida em 1), a Chefe de Equipa proferiu parecer de concordância com as correções de natureza meramente aritmética realizadas ao resultado fiscal declarado, no montante de €543.978,39, respeitantes aos encargos financeiros, e melhor descritas em 3), tendo o Chefe de Divisão por subdelegação do Diretor de Finanças de Lisboa, prolatado despacho, na mesma data, com o seguinte teor: “Face ao informado e subsequente Parecer do Chefe de Equipa, confirmo as correcções propostas, tendo em atenção o correcto e adequado enquadramento das mesmas” (cfr. fls. 43 dos autos);


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

26) A 27 de dezembro de 2002, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação nº ………., respeitante ao IRC de 1998, no montante global de €324.651,64, decorrente da ação inspetiva e melhor evidenciada em 1) a 4), ao abrigo do Plano de Regularização Excecional de dívidas implementado pelo Decreto-Lei nº 248-A/2002, de 14 de novembro, no valor total de €268.648,32 (cfr. doc. de fls. 199 dos autos);

27) No Relatório de Inspeção Tributária, melhor identificado nos pontos 1) a 4), no item intitulado “X-Propostas”, consta, designadamente, o seguinte:

“Tendo em consideração o referido no ponto anterior, após o exercício do direito de audição da empresa R…, SA (actual B…, SA), apenas será de manter as correcções propostas no Ponto III.A.1= do Projecto de correcções, ou seja, o acréscimo ao lucro tributável do exercício, resultante de correcções de encargos financeiros declarados, no montante de €543.978,39 (109.057.876$00), conforme Anexo III-folhas 1 a 2 do Projecto de correções, constituindo infracção do artigo 34.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras-RJIFNA (actual artigo 119.º do Regime Geral das Infracções Tributárias-RGIT, aprovado pelo Lei nº 15/2001, de 5 de Junho”. (cfr. RIT a fls. 55 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

28) A 16 de setembro de 2002, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 11, pedido de emissão de certidão de fundamentos ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, referente ao ato de liquidação nº 8310023573, melhor identificado em 26) (cfr. fls. 31 e 32 dos autos);

29) A 18 de dezembro de 2003, na sequência do pedido de emissão de certidão referido no ponto antecedente, foi emitida certidão pela Técnica da AT, do Serviço de Finanças de Lisboa 11, mediante junção do Relatório de Inspeção Tributária e respetivos anexos (cfr. fls. 35 dos autos);

30) A 27 de abril de 2016, foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo nº …/2001, deduzida pela Impugnante contra o ato de liquidação adicional nº ………, respeitante ao IRC do exercício de 1995, no valor de €698.741,38, a qual foi julgada integralmente procedente, por vício de violação de lei, com a consequente anulação do ato impugnado (cfr. fls. 640 e seguintes da plataforma SITAF);

31) A 10 de novembro de 2016, na sequência da interposição de recurso jurisdicional da sentença referida na alínea antecedente, foi proferido Acórdão pelo TCAS que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida (cfr. fls. 640 e seguintes da plataforma SITAF);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, dimanando do presente Relatório que ambas as partes interpuseram recurso jurisdicional na parte em que decaíram, estando, por conseguinte, a decisão recorrida sindicada no seu todo.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

Ø Recurso da B…

¾ Questão Prévia: aferir da incompetência em razão da hierarquia;

¾ Julgando-se inverificada a aludida questão prévia, importa aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, no atinente:

o À preterição de formalidades essenciais constantes no artigo 62.º do RCPIT;

o Falta de fundamentação;

o Vício de violação de lei, no atinente à correção de €543.978,39 referente a juros financeiros não indispensáveis à atividade;

o Tributação do lucro real;

o Ilegalidade própria dos juros compensatórios, por inexistir qualquer conduta culposa;

o Direito a Juros indemnizatórios.

¾ Recurso da DRFP

o Existe erro de julgamento relativamente à assunção do vício formal de falta de fundamentação relativamente à correção inerente aos prejuízos fiscais;

o O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação do caso julgado, na medida em que não aquilatou de aferir do desfecho das impugnações judiciais pendentes, particularmente, do processo respeitante ao IRC de 1995.

o Respondendo-se, afirmativamente, ao aludido erro de julgamento, julgar, em substituição, a existência de vício de violação de lei da desconsideração dos prejuízos fiscais, face ao consignado no artigo 47.º do CIRC.

Tendo em consideração que a Recorrente B… assaca, desde logo, à decisão recorrida a questão prévia da incompetência absoluta iniciaremos a apreciação por esse mesmo recurso.


Comecemos, então, pela arguida incompetência em razão da hierarquia suscitada pela B… e que precede as demais, uma vez que a infração das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra (cfr. artigos 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).


Apreciando.


De harmonia com o disposto no artigo 280.º, nº 1, do CPPT das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA (artigos 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)).


A competência, sendo um pressuposto processual afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, sendo certo que não é a interpretação subjetiva desses factos que interessa à determinação da competência do tribunal mas a relevância objetiva desses factos.


Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos citados artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o Recorrente, nas alegações de recurso e respetivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.


Com efeito, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas respetivas conclusões se questionar a matéria de facto, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos, quer, ainda, por o Tribunal, no âmbito dos seus poderes cognição, ter entendido fixar matéria de facto que reputou relevante para a apreciação da lide.


In casu, não obstante o DRFP não ter procedido à impugnação da matéria de facto, não se discernindo qualquer aditamento seja por substituição, seja por complementação, a verdade é que atentando nas suas conclusões, aquiesce-se a necessidade de juízo de valor sobre a matéria de facto, mormente, sobre a questão atinente ao caso julgado, e às ilações de facto que retira dos demais processos judiciais pendentes, e sua conexão com as correções realizadas noutros exercícios, daí pretendendo extrair consequências jurídicas, o que permite inferir que existe controvérsia fatual e a dirimir que não se resolve mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação dos normativos invocados(2).


Note-se que, a DRFP advoga, expressamente, que “a sentença proferida pelo tribunal ad quo caiu em erro quer sobre a fixação dos factos, quer na apreciação que deles fez em fase posterior da decisão.”, retirando, daí as devidas ilações e inferências fático-jurídicas.


Em bom rigor, sempre que para a apreciação do erro sobre os pressupostos de direito o Tribunal ad quem tenha que emitir uma apreciação ou um juízo de valor sobre a matéria de facto, independentemente da bondade ou da possibilidade de êxito da mesma, a questão envolve, necessariamente, matéria de facto, donde é competente este Tribunal.


Aliás, o aditamento da matéria de facto realizados, ora, nesta instância são o reflexo da competência deste Tribunal.


Ademais, importa relevar, in fine, que a própria B… interpôs recurso jurisdicional e atentando nas suas conclusões, é, desde logo, convocado um erro de julgamento de facto, por errada interpretação do consignado no probatório e demais asserções fáticas daí dimanantes, logo também, por aqui, improcederia a aludida exceção (3).


E por assim ser, sem necessidade de outros considerandos, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, aduzida pela B….



***




Prosseguindo.


Não tendo, como visto, ambos os Recorrentes impugnado a matéria de facto, de acordo com os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, atentamos, então, se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.


Apreciando.


Da prévia enunciação das questões constata-se que a Recorrente assaca vícios formais e vícios de violação de lei, assim por uma questão de maior tutela e tendo presente, outrossim, que são requeridos juros indemnizatórios, o Tribunal iniciará a análise pelos vícios de violação de lei.


Do erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, e incumprimento do disposto no artigo 23.º do CIRC, no atinente à correção de €543.978,39 referente a juros financeiros computados não indispensáveis à atividade.


Neste âmbito, defende a Recorrente que a decisão recorrida assentou, erradamente, em jurisprudência que teve na sua base factualidade diversa da que se deu como provada nos presentes autos, partindo, nessa medida, de um pressuposto de facto errado.


Com efeito, no caso vertente, resultou, tão-só, provado que a Recorrente contraiu um empréstimo junto de entidades bancárias para financiar a sua atividade económica, e no âmbito do seu objeto, nunca tendo resultado demonstrado, bem pelo contrário, que a Recorrente tenha realizado quaisquer empréstimos às suas participadas.


Ademais, sustenta que as aludidas correções foram calculadas mediante presunções/estimativas, ou seja, integram juros oficiosamente calculados pela AT, que não foram, efetivamente, incorridos, mas alvitrados e equacionados pela AT como devidos, o que manifestamente é ilegal, visto que, por um lado, não está fundada juridicamente a aludida correção, porquanto, presumida e sem recurso a métodos indiretos e, por outro lado, o artigo 23.º do CIRC nunca poderia legitimar a sua correção.


Logo, há uma clara violação do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, o qual apenas admite que a AT não aceite a dedução de determinados encargos financeiros e não qualquer acréscimo oficioso ao lucro tributável a título de “juros eventuais”.


Ora, vejamos.


Comecemos por ter presente qual a fundamentação em que se esteou o Relatório de Inspeção Tributária, por forma a aferir-se qual o regime normativo convocado e as razões externadas para o efeito, porquanto, como é consabido, só a fundamentação contemporânea do Relatório Inspetivo permite traçar esse itinerário.


Do teor do Relatório de Inspeção Tributária resulta o seguinte:


Ø Contabilização no exercício de 1998 de Custos e perdas financeiras, relativo a Juros suportados (Outros), no montante de € 802.162,79 (160.819.201$00), os quais estão “relacionados com "contas caucionadas" obtidas junto de diversas entidades bancárias, no sentido de fazer face a falhas de caixa que o s.p. suporta durante o exercício em análise, no desenvolvimento da sua actividade de Transporte público de passageiros.”


Ø Os juros financeiros suportados, pressupõem “não existir na empresa meios financeiros suficientes para serem utilizados com o objectivo de cobrir as referidas falhas de caixa e muito menos no sentido de serem realizados empréstimos a outras entidades.”, sendo “aceitável que a empresa esteja a suportar encargos financeiros por empréstimos solicitados junto da banca e tenha contabilizado em simultâneo empréstimos concedidos a outras entidades externas (accionistas ou não), desde que dos empréstimos concedidos também resultem proveitos financeiros para a empresa, na forma de juros.”


Ø Concluindo, depois, que no ano de 1998, a Recorrente efetuou diversos empréstimos a acionistas, nomeadamente aos acionistas J…, Lda., E…, Lda. e F…, Lda., porém “não cobrando quaisquer juros pela sua utilização. Deste modo, os juros financeiros suportados pela empresa R… S.A., não se consideram comprovadamente indispensáveis à actividade da transportadora, nos termos do estabelecido na alínea c) do n. °1 do artigo 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na medida que esta utiliza meios financeiros necessários para suprir as necessidades de caixa, na concessão de empréstimos a empresas do Grupo (do qual faz parte), suportando deste modo encargos financeiros adicionais, sem obter o mesmo tipo de retorno financeiro (juros) pelos empréstimos concedidos.”


Ø Determinando, para o efeito, o acréscimo “ao lucro tributável do exercício, os juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos durante o exercício de 1998 (aplicados à taxa básica de desconto do Banco de Portugal, taxa de referência para operações de crédito no exercício de 1998), ou seja, o montante de € 543.978,39.”


Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos, acrescendo-se ao lucro tributável os juros que, eventualmente, resultariam desses empréstimos.


Importa, evidenciar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.


Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.


Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas”, e na parte que para os autos releva, designadamente, que:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;
c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso (…).”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida, tão-somente, numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.


De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.


Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (4)”.


O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.


E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (5).


Visto o direito que releva para o caso vertente, importa, então, aferir se o Tribunal a quo interpretou adequadamente o regime jurídico com a transposição para o caso vertente.


Neste conspecto, recorde-se que Tribunal a quo alicerçou o juízo de improcedência convocando jurisprudência que reputou adequada ao efeito, no sentido de que “os encargos financeiros suportados pela Recorrente resultantes de empréstimos bancários contraído para fazer face a “prestações acessórias”, efectuadas à sua associada (…) pelas quais esta não pagou juros”, mais aduzindo que “Um custo suportado pela impugnante e relativo a empréstimos contraídos, não pode configurar um custo elegível à face da norma do art. ° 23.º do CIRC quando, os mesmos se destinaram a auxiliar uma empresa sua participada, que não directamente ao desenvolvimento da sua actividade empresarial.”


Referindo-se, desde já, que ajuizamos que o Tribunal a quo não terá interpretado da melhor forma a questão, resultando tal asserção, desde logo, do acervo probatório dos autos, não impugnado e devidamente estabilizado, e bem assim da concreta forma de apuramento e materialização da correção.


Mas explicitemos porque assim o entendemos.


Do probatório resulta que a Recorrente recorreu a contas caucionadas por carências de tesouraria, advenientes da natureza específica da sua atividade comercial, particularmente, da dificuldade de recebimento dos seus clientes, em especial das agências de viagens, recorrendo, por isso, a financiamento junto das Entidades Bancárias.


Mais dimanando assente que, durante o ano de 1998, a Impugnante adquiriu o capital social das empresas “F… e E…”, tendo adquirido também, em simultâneo, os saldos de dívidas que aquelas empresas tinham registado para com o anterior detentor dos respetivos capitais sociais, os quais consubstanciavam empréstimos de acionistas, e cuja justificação entroncava na maior dificuldade de recurso ao crédito por daquelas sociedades.


Reputando a Impugnante, ora Recorrente, como adequado proceder à manutenção do empréstimo dessas verbas a estas sociedades, sem onerar excessivamente essa mesma devolução, até porque essas empresas eram passíveis de qualificação como microempresas, com uma faturação eminentemente interna e diminuta.


Logo, face ao supra expendido, ter-se-á de concluir no sentido propugnado pela Recorrente, na medida em que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, não nos encontramos perante encargos suportados pela Recorrente resultantes de empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuadas a participadas.


Com efeito, face à factualidade assente não resulta, desde logo, que nos encontremos perante encargos, derivados de empréstimos bancários suportados por si e direcionados para financiar participadas, a título gratuito, logo situações fáticas díspares das convocadas nos Arestos citados.


Noutra formulação dir-se-á que, não resultando provado que a Recorrente canalizou os montantes obtidos por via do financiamento bancário para o financiamento gratuito das suas associadas, verifica-se, efetivamente, o aduzido erro sobre os pressupostos de facto. Acresce que, in casu, dimana demonstrado que os financiamentos bancários visaram suprir necessidades e carências de tesouraria, logo inseridos no escopo societário contribuindo, nessa medida, para a obtenção de proveitos e/ou manutenção da fonte produtora.


Note-se que face à presunção da verdade declarativa que goza a escrita do contribuinte, e tendente a infirmá-la a AT tem de provar que as verbas corrigidas não estão diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, o que, face a todo o exposto, não foi concretizado no caso sub judice.


Neste particular, vide Aresto do STA, proferido em Plenário, no âmbito do processo nº 01402/17, de 27 de junho de 2018, do qual se extrata na parte que para os autos releva:


“Na verdade, para dar cabal resposta à questão suscitada há que distinguir dois planos: o da relevância dos custos em causa e seu enquadramento no conceito de indispensabilidade ligado ao artº 23º do CIRC e o da sua admissibilidade à luz do regime dos preços de transferência ( artº 58º do CIRC, na redacção então em vigor).

Quanto à indispensabilidade dos custos, como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.

Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.

Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.

Ora, deste ponto de vista, tendo em conta aquele conceito (amplo) de indispensabilidade do artigo 23.° do CIRC, (…) os custos em causa terão sempre de ser considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que se inscrevem no âmbito da actividade da recorrente.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se, ademais e sem embargo de todo o exposto, que a AT não coloca em causa os juros contabilizados como custos ou perdas financeiras, no montante de €802.162,79, corroborando, inclusive, que os mesmos estão relacionados com contas caucionadas obtidas junto de diversas entidades bancárias, no sentido de suprir as dificuldades de tesourarias, as quais reconhece.


Com efeito, o que a AT materializa é um acréscimo ao lucro tributável do exercício, mediante subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC, “dos juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos durante o exercício de 1998 (aplicados à taxa básica de desconto do Banco de Portugal, taxa de referência para operações de crédito no exercício de 1998), ou seja, o montante de € 543.978,39.”, o que face, desde logo, ao seu concreto apuramento acarreta, necessariamente, a ilegalidade da correção.


Aduza-se, em abono da verdade, que qualquer correção ao abrigo do artigo 23.º do CIRC pressupõe, previamente, a contabilização do respetivo custo, não podendo, nessa medida, abranger situações fictas e consubstanciadas em “juros eventuais”.


Com efeito, o citado normativo, assume como pressuposto basilar, a contabilização do gasto, no entanto, a sua dedutibilidade fiscal, não se basta com essa mera contabilização, carecendo, efetivamente, da demonstração de que foi suportada pelo sujeito passivo que o pretende deduzir, situação, portanto, não compaginável com a dos autos.


De resto, sempre importa sublinhar que nem, tão-pouco, se consegue percecionar a sua ratio, cálculo, respetivo âmbito e extensão, sendo uma perfeita incógnita a base de apuramento para o apuramento dos “juros eventuais”. No fundo, a AT de forma absolutamente conclusiva e socorrendo-se de uma realidade presuntiva, estabelece um acréscimo ao lucro tributável dos juros que eventualmente resultariam dos empréstimos concedidos, logo, como visto, situação insuscetível de acarretar uma correção nos termos do normativo visado e convocado pela AT.


De relevar, in fine, que se a AT parte de um facto conhecido, a existência de custos suportados com encargos financeiros decorrentes de financiamentos bancários, os quais não contesta, e depois extrapola um acréscimo ao lucro tributável de “juros eventuais”, atua com base em presunções, representando, in limite, uma “avaliação indireta encapotada”, a qual desacompanhada do especial procedimento contemplado na lei mostra-se ilegal, cominando o ato tributário de anulabilidade (6).


Destarte, a correção realizada padece do aduzido erro de julgamento, atento o vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, acarretando a sua anulabilidade e dos inerentes juros compensatórios.


Logo, a decisão recorrida que assim o não entendeu não pode manter-se, devendo, nessa medida, ser revogada em conformidade.


A procedência do aludido vício de violação de lei determina que resultem prejudicados todos os demais vícios invocados, subsistindo apenas por analisar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.


Vejamos, então.


O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.


Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.


De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

In casu, resulta do probatório que o imposto foi pago. Vejamos, então, os restantes requisitos.


Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (7).

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT (8).

O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu (9).

De chamar à colação, neste particular, o Acórdão proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0632/14, com data de 21 de janeiro de 2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se sumariou, entre o mais:

“ II-Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.”

Assim, fundando-se a anulação da liquidação impugnada em vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, tal acarreta, necessariamente, o reconhecimento dos peticionados juros indemnizatórios.

Destarte, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrente a juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a correção sindicada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado, impondo-se, por isso, a condenação da Entidade Impugnada no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.


***

Atentemos, ora, no Recurso da DRFP, impondo-se, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento relativamente à assunção do vício formal de falta de fundamentação relativamente à correção inerente aos prejuízos fiscais, tendo, outrossim, violado o caso julgado na medida em que não aquilatou de aferir do desfecho das demais impugnações judiciais pendentes, particularmente, do processo respeitante ao IRC de 1995.

A Recorrente defende, desde logo, que o Tribunal a quo valorou, incorretamente, a verificação do vício da falta de fundamentação no atinente aos prejuízos fiscais, visto que a aludida correção está, devidamente, fundamentada mediante reporte para as correções que resultaram das demais ações inspetivas realizadas e cujo conteúdo lhe fora devidamente notificado, tendo, por isso, perfeito conhecimento do itinerário cognoscitivo que subjaz a essas correções.

Aliás, sublinha que foi a própria que inclusivamente interpôs os competentes meios de defesa ao seu alcance com vista a impugnar as mesmas, inexistindo, assim, qualquer violação do disposto no artigo 77.º da LGT.

Mais propugna, de todo o modo, que existindo vários processos judiciais pendentes, os quais, foram, de resto, convocados pela Recorrida, o Tribunal a quo não poderia ter decretado a procedência e anulação parcial sem antes ter indagado do estado dos processos e, sendo caso disso, do teor das decisões, principalmente da que mais releva para o caso vertente e que identifica como o processo nº 118/2001 (3.° Juízo - 2.a Secção), respeitante a IRC do exercício de 1995, logo não o tendo feito, incorreu em deficit e violou o caso julgado e as regras relativas à obtenção da prova.

Dissente, por seu turno, a Recorrida sufragando a manutenção do aludido vício formal da falta de fundamentação, porquanto o Tribunal a quo interpretou adequadamente o regime jurídico aplicável com a devida transposição ao caso dos autos.

Sufraga, para o efeito, que a AT não fundamentou a correção em causa, não esclarecendo, desde logo, quais foram os prejuízos utilizados nos anos anteriores e como chegou à conclusão de que os prejuízos declarados pela Recorrida não poderiam ser aceites.

Mais sustenta que não obstante a breve menção da AT às "correcções de anos anteriores", a verdade é que tal não permite discernir qual a base, e origem das correções efetuadas, especificamente se tem origem nos três exercícios, em apenas um ou dois e em que medida.

Enfatizando que, é própria AT a evidenciar nas alegações de recurso que o processo respeitante ao IRC do exercício de 1995, é aquele que cronologicamente mais importa ao presente caso porquanto está em causa o reporte de prejuízos.

Logo, tais alegações adensam e corroboram a existência de falta de fundamentação.

Adicionalmente, sustenta que não consta da parte decisória desse mesmo Relatório referência alguma a uma correção a esse título, nem foi essa correção com fundamento na inadmissibilidade do reporte de prejuízos fiscais objeto de sancionamento superior.

Advoga, ainda neste particular, que inexiste qualquer violação do caso julgado, na medida em que Tribunal a quo não chegou a apreciar a legalidade material da correção em causa, ajuizando verificado um vício formal, logo a existência de contencioso relativamente às liquidações adicionais relativas a anos anteriores, nomeadamente 1995, 1996 e 1997, bem como o respetivo desfecho, são irrelevantes para os presentes autos.

O Tribunal a quo julgou verificado o vício da falta de fundamentação, fundando o seu raciocínio jurídico designadamente, no seguinte:

“A Administração Tributária e Aduaneira limitou-se a dizer que tinham ocorrido correcções de prejuízos referentes a exercícios anteriores que já tinham sido “utilizados”. Ou seja que já tinham sido considerados nos anos anteriores não havendo lugar no exercício de 1998 prejuízos a considerar. Contudo a Administração Tributária e Aduaneira deveria ter dito que prejuízos foram utilizados nos anos anteriores e como chegou à conclusão de que os prejuízos declarados pela Impugnante na Modelo 22 não poderiam ser aceites.”

Apreciando.

A fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se previsto no artigo 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (10).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (11).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (12)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

Visto que a fundamentação do Tribunal a quo assentou na falta de fundamentação formal, por a mesma não ser clara e insuficiente, vejamos, então, o que se extrai do teor do aludido Relatório Inspetivo, porquanto é nele que radica, exclusivamente, a fundamentação que subjaz às correções em contenda.

Atentando no Relatório Inspetivo, resulta a seguinte fundamentação:”na sequência das correcções efectuadas aos exercícios de 1996 e 1997 (Ordens de Serviço, n.° ….. e O.S. n.° ……, respectivamente), verificaram-se alterações dos valores de prejuízos acumulados, na medida que já para o exercício de 1997, por correcções fiscais efectuadas, o s.p. deixa de poder reportar qualquer montante de prejuízos fiscais acumulados. Nesta medida, para o exercício em análise, não são de considerar os prejuízos fiscais deduzidos ao lucro tributável declarado do exercício, no montante de € 190.065,63 (38.104.737$00), pelo que se procederá à respectiva correcção.”

E a verdade é que pese embora se evidencie a existência de correções aos exercícios de 1996 e 1997, as quais, alegadamente, levaram a alterações aos prejuízos acumulados, tais asserções são absolutamente conclusivas e não consubstanciam qualquer densificação fática, nem expressão numérica, nem base legal atinente ao efeito, não existindo uma expressa remissão para qualquer documento ou Relatório Inspetivo que permita discernir as razões nele externadas.

É certo que se alude a Ordens de Serviço, mas as mesmas, per se, nada permitem extrapolar para o efeito, sendo certo que, como já evidenciado anteriormente, a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito.

De resto, existindo várias inspetivas em curso, mormente, ao IRC de 1995, 1996 e 1997, era imperioso que a AT identificasse, em concreto, quais as correções realizadas, a sua expressão quantitativa, e de que forma as mesmas impactam na desconsideração dos prejuízos fiscais declarados neste exercício, não podendo relevar, neste e para este efeito, a existência de vários relatórios já devidamente notificados, até porque, não só não existe uma expressa remissão para o efeito, como não é exigível que seja a Recorrida, mediante interpretação conjugada, a retirar as razões subjacentes à desconsideração dos prejuízos fiscais, extrapolando, inclusive, a devida mensuração.

Acresce que, não podemos perder de vista que o teor do artigo 46.º do CIRC, à data aplicável, consignava, expressamente, o nº1, que: “os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”, mais estatuindo o seu número 3 que: “quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo contribuinte, alterar-se-ão em conformidade as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de cinco anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.” (sublinhado nosso).

Logo, como é bom de ver, importava demonstrar, dentro do período legal de reporte, como visto, seis anos, e revelar qual o prejuízo fiscal declarado, quais os valores prejuízos corrigidos, os prejuízos a reportar, e os utilizados no exercício, porquanto só dessa forma se pode validar a correção realizada. A AT tinha de externar as razões, de facto e de direito, subjacentes à desconsideração dos prejuízos, o que, como visto, não fez.

Aliás, é a própria AT nas suas alegações de recurso que vem adensar esta falta de fundamentação quando evidencia de forma, clara e expressa, que “se encontra pendente a decisão de uma dessas impugnações, aquela cujo objecto é o IRC de 1995 e que corresponde ao processo nº ……….., sendo aquela que cronologicamente mais importa ao presente caso porquanto está em causa o reporte de prejuízos.” Ou seja, é a própria AT que reconhece que as correções realizadas assumiram relevâncias autonomizadas, sendo a mais premente para efeitos dos prejuízos fiscais a concernente ao IRC de 1995, a qual, de resto, nem tão-pouco é convocada ou referenciada, ainda que conclusivamente, para fundamentar a desconsideração dos prejuízos sub judice.

De resto, atentando no item X-Propostas do Relatório inspetivo, e de forma absolutamente incongruente, nem tão-pouco é evidenciada essa correção, limitando-se a dizer que “após o exercício do direito de audição da empresa R…, SA (actual B…, SA), apenas será de manter as correcções propostas no Ponto III.A.1= do Projecto de correcções, ou seja, o acréscimo ao lucro tributável do exercício, resultante de correcções de encargos financeiros declarados, no montante de €543.978,39 (109.057.876$00) (…)”. O mesmo sucedendo, conforme alegado pela Recorrida, quanto ao respetivo sancionamento, ou melhor da sua falta.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (13)” (destaques nossos).

A adensar o supra exposto, é ainda de relevar que a própria Recorrida, aquando da notificação da liquidação requereu a emissão de certidão de fundamentos ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, e a verdade é que inexistiu qualquer esclarecimento adicional, limitando-se a AT a juntar o RIT e os anexos.

Destarte, não ficando a Recorrida na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à desconsideração do valor de €190.065,63, porquanto, como visto, não foi dado nota, ainda que de forma sucinta, do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, padece, efetivamente, de falta de fundamentação, conforme ajuizado pelo Tribunal a quo.

In fine, importa relevar que não logra provimento o entendimento da Recorrente no atinente à existência de deficit instrutório, preterição do princípio do dispositivo e violação do caso julgado, na medida em que face ao dirimido não só o Tribunal a quo não estava adstrito à realização de outro tipo de diligências, como não foi apreciada a materialidade subjacente à desconsideração dos prejuízos fiscais, limitando-se, tão-só, a julgar verificado o vício formal da falta de fundamentação.

De relevar, neste particular, que só existindo uma análise da bondade e da legalidade da desconsideração dos prejuízos propriamente dita é que poderia relevar a análise dos demais processos e acarretar, sendo caso disso, a competente suspensão da instância (14).

Logo, só existiria violação do caso julgado se o Tribunal a quo tivesse decretado a anulação por vício de violação de lei, e existisse uma decisão anterior que legitimasse essa mesma desconsideração e que a mesma não tivesse sido seguida, o que, como visto, não sucedeu, existindo, de resto, na presente data uma decisão respeitante ao IRC de 1995 que legitima, justamente, o respetivo reporte.

Daí que, e não obstante não lograr mérito, como visto, o aduzido quanto ao caso julgado, sempre se dirá, que resultando do probatório que a impugnação de IRC do exercício de 1995-aquela que reconhecidamente pela AT importaria para aquilatar da bondade do reporte dos prejuízos fiscais, atenta a inerente prejudicialidade-foi julgada integralmente procedente, com a consequente anulação das correções realizadas tal sempre acarretará, natural e necessariamente, os competentes reflexos, enquanto ato consequente, na visada correção. O mesmo é dizer que, face ao desfecho judicial supra evidenciado é a AT, por respeito, ao caso julgado que terá de retirar as devidas e inerentes consequências.

E por assim ser, improcede o recurso apresentado pelo DRFP, mantendo-se o juízo anulatório e as consequências daí dimanantes dirimidas pelo Tribunal a quo e não sindicadas no presente recurso.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Ø NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO interposto pelo DRFP.

Ø CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO interposto pela Recorrente B…, revogar a decisão recorrida no segmento referente à correção dos encargos financeiros, julgar procedente a impugnação com a consequente anulação e restituição da quantia indevidamente paga acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até ao processamento da nota de crédito.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de março de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Luísa Soares)



________________________________

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Vide, designadamente, os Acórdãos prolatados pelo STA nos processos nºs 233/17.0BEMDL, 265/15.3BEMDL.
(3) Vide, neste âmbito, Acórdão do STA, proferido no processo nº 06940/07, de 16.01.2008.
(4) TOMÁS TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396, página 135
(5) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
(6) Vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, 07735/14, de 14.11.2019, e 04205/10, de 13.11.2012.
(7) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.
(8) Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.
(9) Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016.
(10) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
(11) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
(12) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(13) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
(14) Como doutrinado no Aresto do STA, proferido no recurso nº 0238/11, 11.05.2011: “II.Se na causa prejudicial se impugnam correcções efectuadas aos prejuízos fiscais e na dependente se efectua o reporte dos mesmos verifica-se entre as causas o nexo de prejudicialidade ou dependência justificativo da suspensão da instância.”