Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/06.9BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:ESTATUTO DISCIPLINAR 84;
PROCESSO DISCIPLINAR;
FALTAS INJUSTIFICADAS;
PENA EXPULSIVA;
ART. 42º ED84
Sumário:I – No âmbito do ED84, constitui jurisprudência pacífica que, sendo pressuposto da aplicação da pena expulsiva nos termos do artigo 26.º, n.º 1, e 2, al. h), a inviabilização da relação funcional, necessário se torna, para que a concreta conduta faltosa do funcionário seja susceptível de determinar tal efeito na relação jurídica de emprego, que se pondere se as circunstâncias concretas do caso, pela sua gravidade, indiciam a inviabilização da manutenção da relação funcional, não bastando o mero ilícito das faltas injustificadas.
II – A insuficiência da acusação bem como a circunstância de a decisão final assentar em factos/razões/juízos de valor/considerandos, que não foram referidos na acusação, acarretam a nulidade insuprível de falta de audiência do arguido, prevista no art. 42º, nº 1 do ED84.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

J..., melhor identificado nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, acção administrativa especial contra a Região Autónoma da Madeira, pedindo a declaração de nulidade ou anulação da decisão, de Julho de 2005, que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva.
Por acórdão, de 03.02.2012, foi a acção julgada improcedente e, em consequência, absolvida do pedido a Entidade Demandada.
Inconformado, vem o Autor interpor recurso da mesma.
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Nas suas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1º - Tendo a decisão recorrida considerado como inteiramente válido o processo disciplinar que foi instaurado ao A., cabe desde logo dizer que do mesmo não consta uma fundamentação relativamente à opção pela sanção que foi aplicada, que seja enquadrável nas previsões do art. 26º do Estatuto Disciplinar então em vigor.
2º- E, no mesmo processo disciplinar, surgem como justificação para a pena que foi aplicada, factos concretos (v.g., as alegadas “faltas injustificadas” de 22.11.04 e 7/4/05) bem como imputações conclusivas e juízos de valor que, de maneira nenhuma, correspondem ou poderiam ser integráveis no teor da acusação que foi notificada ao A..
3º- Devendo, neste aspecto, realçar-se que o A. foi punido porque “teima” (sic) em não exercer tarefas de “apoio à produção de peixes e perdizes”, matéria que, além de não ter sido referida na acusação, não consta no próprio processo disciplinar senão com uma referência ao já longínquo dia 3/12/2002.
4º- De igual forma, nada existia quanto à “agravante” que foi invocada ara fundamentar o sancionamento do A., assim como a invocada “reincidência” também não era minimamente enquadrável no disposto no art. 31º, nº 3 do Estatuto Disciplinar.
5º- Do próprio teor do processo disciplinar resulta claro que, no entender dos superiores hierárquicos do A. e do instrutor do processo disciplinar, lhe foram marcadas faltas injustificadas durante um dia completo nas datas em que o A. se apresentava ao serviço após a sua hora de entrada.
6º- Independentemente da correcção ou incorrecção dessa qualificação, será por demais óbvio que, para efeitos disciplinares, é totalmente diferente a situação do funcionário que não presta serviço durante o dia completo ou aquele que incorre numa falha de minutos ou mesmo de alguma hora.
7º- Do exposto resulta ser patente que era manifesta a insuficiência do factos contidos na acusação, assim como eram inexistentes as razões dos motivos que teriam levado á justificação das faltas, bem como era também manifesta a falta de fundamentação que levasse a concluir pela forçosa inviabilização da relação funcional.
8º- Sendo também evidente que estas lacunas foram “supridas” através da invocação de “factos” e considerações que não eram referidos na acusação.
9º- Assentando a decisão final em “razões” que eram totalmente estranhas aos motivos que tinham sido invocados na acusação.
10º- Na sentença recorrida o julgador manifestou total adesão ao acto recorrido, quer no que diz respeito ao seu iter procedimental, quer quanto à fundamentação que nele tenha sido invocada.
11º- Como já se viu, no processo disciplinar, foram claramente violados os comandos contidos nos artigos 42º, nº 1, 59º, nº 4, 65º, nº 1 e fez errada aplicação do previsto nos artigos 31º, al. g) e nº 3 e do art. 26º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Dec. Lei nº 24/84 de 16.01.
12º - A sentença recorrida, ao considerar válido esse procedimento, violou consequentemente estas normas.
13º- E, ao não considerar nulo o processo disciplinar, violou especialmente o disposto no art. 42º, nº 1 desse Estatuto.
14º - De todo o exposto, deflui, inevitavelmente, a inexistência de fundamentação para a pena que foi aplicada ao recorrente e a falta de cobertura legal para a mesma sob o ponto de vista procedimental, justificando-se plenamente a sua anulação, ao invés do que foi decidido pelo julgador.
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A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
1. O Recorrente não comparecer regular e continuamente ao Serviço nos dias 23 de janeiro, 27 de fevereiro, 12 de março, 29 de abril, 10,12,14 e 26 de maio, 29 de outubro, 9, 19, 22, 23, 24, 25 e 26 de novembro, todas do ano de 2004 e, 13 faltas injustificadas, respetivamente nos dia 21 e 26 de janeiro, 4 de fevereiro, 9,11,14,21,22,28, 29, 30 e 31 de março e 7 de abril, do ano de 2005, violando de forma reiterada e culposa o dever de assiduidade previsto no artigo 3.° n.º 4 alínea g) e n ° 11 do EDFAACRL, à qual é aplicável pena de aposentação compulsiva e de demissão, conforme resulta do art. 26.° n,° 2 alínea h) do mesmo diploma, pelo que, foram levantados Autos por falta de assiduidade.
2. Em consequência, foi-lhe instaurado Processo Disciplinar, nos termos do disposto no art. 45.° n.° 1 do EDFAACRL.
3. A investigação desenrolou-se com a audição do Recorrente no dia 23 de março de 2005, conforme decorre do Auto de Declarações a fls. 14 e 15 do p.d., do participante e com a inquirição de três testemunhas, cumprindo-se o disposto no artigo 55.° n.° 1 e 2 do EDFAACRL.
4. A Acusação com a indicação dos factos integrantes da mesma, circunstâncias de tempo, modo e lugar da infração, fazendo referência aos preceitos legais e penas aplicáveis, foi notificada ao Recorrente, de acordo com o artigo 59.° n.° 4 do EDFAACRL.
5. Do depoimento das testemunhas e do Recorrente na fase de instrução e da defesa apresentada pelo Recorrente resultou a confirmação dos factos imputados.
6. Acresce que, o Tribunal a quo que deu por provado que o Recorrente admitiu as faltas e que na defesa apresentada só pretendeu justificar 4 das 29 faltas apuradas (10, 16, 23, 25, 26 de novembro de 2004 e 9 de março de 2005) e que não havia coincidência entre todas as datas, tendo em conta que grande parte das justificações diziam respeito a horas fora do horário de trabalho do Recorrente.
7. Por outro lado, a decisão do Tribunal a quo dá por provado que a justificação das faltas só ocorre durante o p.d., passados que foram cerca de sete meses sobre a data de algumas das faltas, “(...) portanto tarde de mais.”.
8. Nos lermos do disposto no artigo 18.° n.° 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 100/99, de 31 de março, considera-se falta a não comparência do funcionário ou agente durante a totalidade ou parte do período de trabalho a que está obrigado, bem como a não comparência em local a que o mesmo deva deslocar-se por motivo de serviço e, no caso dos horários flexíveis, considera-se ainda como falta o período de tempo em débito apurado no final de cada período de aferição.
9. Esse mesmo artigo dispõe no n.° 3, que as faltas contam-se por dias inteiros.
10. A fls. 2 do p.d. é possível provar que em outubro de 2004 o Recorrente registou um débito de 7 horas e um minuto nos dias 7,15,21,26 e 28, sem que tenha apresentado justificação tendo sido aplicada 1 falta injustificada no dia 29 de outubro; em novembro de 2004, o Recorrente registou um débito de 25 horas e 45 minutos nos dias 3, 4, 5, 8, 10, 11, 16, 17, 18, 19, 22 e 24 sem que tenha apresentado justificação, tendo-lhe sido aplicadas 3 faltas injustificadas a registar nos dias 19, 22 e 24 a que respeita o período de aferição; o Recorrente teve ausência de registo nos dias 25 e 26 sem que tenha apresentado qualquer justificação, pelo que lhe foram aplicadas 2 faltas justificadas; nos dias 9 e 23 o funcionário registou entradas às 10:29m e 10:02m respetivamente, não fazendo mais quaisquer registos diários de saídas e entradas e não apresentando quaisquer justificações para o facto, desconhecendo-se se nesses dias se terá ausentado de imediato ou não, foram aplicadas 2 faltas injustificadas, visto que, apesar de ser alertado com frequência pelo seu superior hierárquico para as regras referentes ao controlo automático de pontualidade e assiduidade, o referido funcionário apresentar falhas no cumprimento das regras.
11. Assim, cai por terra o argumento de que o Recorrente “(...) incorre numa falha de minutos ou mesmo de alguma hora.”, pois, os débitos de 7h, 25horas e 45 minutos, dias sem registos de entrada e ausência de registos diários sem entradas e saídas, não podem ser encarados com tamanha ligeireza nem tão pouco podem ser desvalorizados.
12. Nesta medida, a decisão recorrida valorou a prova efetuada a fls. 1, 2, 3, 14, 15, 17, 18, 20, 21, 27, 36, 37, 38, 39, 44, 45, 47, 48, 50, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 79, 80 e 81 a 88 do p.d. e deu por provado que o Recorrente, no ano de 2004, deu 16 faltas injustificadas e, no ano de 2005 deu 13 faltas no ano de 2005, o que perfaz o total de 29 faltas.
13. Mais, a decisão recorrida deu por provado que já na pendência do p.d., o Requerente voltou a cometer a infração disciplinar prevista no artigo 3.° n.° 4 alínea g), o que nos termos do disposto no artigo 31.° n.° 1 alínea g) do EDFAACRL, constitui acumulação de infrações, comprovada pelos documentos a fls. 20, 21, 36, 37, 38, 39, 44, 45, 47, 48 e 86 do p.d., que consubstancia uma circunstância agravante especial.
14. Ficou provado que a Instrutora a fls. 86, 87 e 88 do p.d. para fundamentar a aplicação da pena atendeu aos critérios gerais enunciados nos artigos 22.° a 2 7° do EDFAACRL, designadamente à natureza do serviço, à categoria do funcionário, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração foi cometida, considerando adequada a aplicação de uma sanção de maior gravidade, optando pela aposentação compulsiva em vez da pena de demissão, por ser aquela que, sendo idónea aos fins a atingir (afastamento definitivo do local de trabalho) se apresenta menos gravosa para o arguido, tudo em cumprimento com o disposto no artigo 28.° daquele diploma.
15. Não é verdade que, os argumentos utilizados para a fundamentação da inviabilização da relação funcional sejam insuficientes, até porque, a Instrutora invoca constantemente e prova a fls. 87 do p.d. que o Recorrente não comparece nos locais onde deveria exercer as tarefas determinadas pelo seu superior hierárquico, nomeadamente no apoio à produção de peixes e perdizes (alimentação e higiene dos animais) comprometendo o processo produtivo e assim provocando efeitos nefastos no desenvolvimento das suas funções, na eficiência e boa imagem dos serviços.
16. Saliente-se que, os fundamentos assentam sempre no facto do Recorrente faltar e, consequentemente, não efetuar as tarefas que lhe são designadas pelo seu superior hierárquico, sendo essa a fundamentação basilar invocada.
17. Por outro lado, o Recorrente faz uma interpretação errada ao mencionar que os factos que constam do Relatório Final não constam da Acusação. Nem tinham de constar!
18. O Tribunal a quo deu por provado que os factos que constam do Relatório Final fls. 81 a 88, servem de base à medida e graduação da pena e referem-se essencialmente à natureza do serviço, à categoria do funcionário, ao grau de culpa, à sua personalidade e circunstâncias em que a infração ocorreu, conforme decorre do artigo 28.° do EDFAACRL.
19. Tanto assim é que, foi aplicada ao Recorrente a pena de aposentação compulsiva, nos termos da alínea h) do n.° 2 do artigo 26.° EDFAACRL, pelo facto de no mesmo ano civil ter dado mais de 10 faltas interpoladas sem justificação.
20. Por sua vez, ficou provado que na reunião onde foi efetuada a notificação pessoa) do A. da decisão, foi-lhe entregue cópia do Relatório Final pela Dr.ª M..., de acordo com o estipulado no art. 59.° n.° 1, por remissão do artigo 69.° n.° 1, cumprindo-se com os trâmites legais exigidos pelo EDFAACRL.
21. Além do mais, a decisão recorrida não contém qualquer tipo de juízo de valor. O Tribunal a quo teve em conta os factos e a aplicação da lei, nada mais.
22. Por fim, por todas as razões supra aduzidas, a decisão recorrida deu por provado que foi integralmente cumprido o disposto nos artigos 3.°, n.° 4 alínea g) e n.° 11, 11.° n.°l alínea e), 26.° n.° 1 e 2 alínea h), 31.°, n.° 1 alínea g), 71.°, 72.°, 46.°, 45.°, 51.°, 55.°, 56.°, 59.°, 61.°, 65.°, 66.°, 59.° do EDFAACRL e 18.° do Decreto-Lei n.° 100/99, de 31 de março.

TERMOS EM QUE:
Deve o presente Recurso ser julgado improcedente, por provado e, em consequência, manter-se a decisão do Tribunal a quo.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, regularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.
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O processo colheu os vistos legais.
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II – OBJECTO DO RECURSO

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 e 2 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, reconduzem-se a erro de julgamento por violação dos artigos 42º, nº 1, 59º, nº 4, 65º, nº 1, 31º, al. g) e nº 3, e art. 26º, todos do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-lei nº 24/84 de 16.01
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto:

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, que não vêm impugnados, pelo que se mantêm:

1- Em 21.07.2005, por força do despacho de 15.07.2005, do Sr. Secretário Regional do Ambiente e Recursos Naturais, foi-lhe aplicada a pena de “aposentação compulsiva”.
2- Na nota de culpa que lhe tinha sido anteriormente enviada, previa-se que o alegado comportamento do Autor seria punível com pena de aposentação compulsiva ou a de demissão.
3- Dou aqui por reproduzida a acusação, constante do p.a. ou p.d. em anexo (fls 50ss).
4- Dou aqui por reproduzida a defesa escrita apresentada pelo ora A., constante do p.a. ou p.d. (fls 54ss).
5- Dou aqui por reproduzido o relatório final do processo disciplinar, constante do p.a. ou p.d. (fls 81ss).

6- O Relatório Final foi notificado ao ora A., juntamente com o despacho final em 21.07.2005 (v. últimas folhas do p.a. e depoimento da 1ª testemunha).
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A sentença deu como não provado que: O Relatório Final não foi notificado ao ora A.
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Por se mostrarem relevantes para a decisão, aditam-se os seguintes factos, ao abrigo do disposto no art. 149º do CPTA e art. 662º, nº 1 do CPC:
7- A 15.12.2004, foi levantado auto por falta de assiduidade, relativo ao Autor, no qual se atesta que “ele tinha 16 faltas injustificadas, respectivamente nos dias, dias 23 de Janeiro, 27 de Fevereiro, 12 de Março, 29 de Abril, 10, 12, 14 e 26 de Maio, 29 de Outubro, 9, 19, 22, 23, 24, 25, 26 de Novembro, todas no ano de dois mil e quatro, o que corresponde a faltar dezasseis dias – cfr. fls. 3 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8- Foi elaborada informação relativa ao “Controlo de pontualidade e assiduidade do Técnico Profissional J...”, com o seguinte teor:
“Findo os períodos de aferição relativos aos meses de Outubro e Novembro de 2004 procedeu-se ao controlo da assiduidade e pontualidade do Técnico Profissional J..., funcionário que goza da modalidade de horário flexível, nos termos da alínea a) do art° 150 e art° 16.° do Decreto-Lei n° 259/98, de 18 de Agosto. Do controlo resultou o seguinte:
OUTUBRO
Constata-se que o funcionário registou um débito de 7 horas e 1 minuto, nos dias 7, 15, 21, 26 e 28, sem que tenha apresentado qualquer justificação, pelo que se propõe que seja aplicada 1 falta injustificada a registar no dia 29 a que respeita o período em aferição;
NOVEMBRO
1 — Constata-se que o funcionário registou um débito de 25 horas e 45 minutos, nos dias 3, 4, 5, 8, 10, 11, 16, 17, 18, 19, 22 e 24, sem que tenha apresentado qualquer justificação, pelo que se propõe que sejam aplicadas 3 faltas injustificadas a registar nos dias 19, 22 e 24 a que respeita o período em aferição;
2 — Verifica-se que o funcionário tem ausência de registo nos dias 25 e 26 sem que tenha apresentado qualquer justificação, pelo que se propõe que sejam aplicadas 2 faltas injustificadas;
3 — Observa-se que nos dias 9 e 23 o funcionário registou entradas às 10:29 e 10:02 horas respectivamente, não fazendo mais quaisquer registos diários de saídas e entradas e não apresentando quaisquer justificações para o facto. Deste modo, desconhecendo-se se nesses dias se terá ausentado de imediato, propõe-se que sejam aplicadas 2 faltas injustificadas.
TOTAL DE FALTAS INJUSTIFICADAS EM OUTUBRO E NOVEMBRO
Perante o exposto, para os meses de Outubro e Novembro propõe-se que, nos termos conjugados do nº 3 do art.° 16 do Decreto-Lei n.° 259/98, de 18 de Agosto e do n.° 2 do art.° 18 do Decreto-Lei n.° 100/99, de 31 de Março, sejam marcadas 8 faltas injustificadas ao técnico profissional J....
TOTAL DE FALTAS INJUSTIFICADAS NO ANO DE 2004
Em conclusão, o técnico profissional J... perfaz um total de 16 faltas
injustificadas durante o ano de 2004, pelo que se junta em anexo o respectivo auto de falta de assiduidade.” – cfr. fls. 1 e 2 do PA cujo teor se dá a qui por integralmente reproduzido.
9- Por despacho de 01.03.2005, foi instaurado processo disciplinar ao Autor para apuramento da sua responsabilidade disciplinar relativamente aos factos constantes do auto por falta de assiduidade, datado de 15.12.2004 - cfr. fls. 1 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10- A 19.05.2005, foi levantado auto por falta de assiduidade, relativo ao Autor, no qual se atesta que “ele tinha 13 faltas injustificadas, respectivamente nos dias 21 e 26 de Janeiro, 4 de Fevereiro, 9, 11, 14, 21, 22, 28, 29, 30 e 31 de Março e 7 de Abril, todas no ano de dois mil e cinco, o que corresponde a faltar treze dias” – cfr. fls. 39 do PA cujo teor se dá a qui por integralmente reproduzido.
11- Previamente, foram elaboradas informações relativas ao “Controlo de pontualidade e assiduidade do Técnico Profissional J...”, concernentes aos períodos de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005 – cfr. fls. 17, 18, 20, 21 36 e 37 do PA cujo teor se dá a qui por integralmente reproduzido.
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De Direito

Importa começar por assinalar que, não obstante o Recorrente, no item II das suas alegações, manifeste “algum inconformismo perante a matéria que foi considerada provada no “ponto 6º”, não estamos aqui perante uma efectiva impugnação da decisão relativa à matéria de facto porquanto, desde logo, tal temática não foi levada às conclusões e bem assim não cumpre o ónus previsto no artigo 640º do CPC.
Acresce que tal factualidade serve de suporte ao vício de violação do art. 69º, nº 1 do ED, que, invocado na petição inicial, não integra o objecto deste recurso.
Assim, importa assinalar que o Recorrente se conformou com a decisão da matéria de facto, não considerando que ela é incorrecta ou insuficiente.
Donde, atenta a factualidade assente, incluindo a que foi por nós aditada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.
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Afirma o Recorrente, que, tendo a decisão recorrida considerado como inteiramente válido o processo disciplinar que foi instaurado ao A., cabe desde logo dizer que do mesmo não consta uma fundamentação relativamente à opção pela sanção que foi aplicada, que seja enquadrável nas previsões do art. 26º do Estatuto Disciplinar então em vigor (1ª conclusão).
Sobre a questão de saber se o acto impugnado explicitou ou não o motivo porque optou pela aposentação compulsiva em vez da demissão, lê-se na decisão recorrida o seguinte:
“Está em causa a decisão disciplinar originada por 29 faltas injustificadas do A. Nos seguintes dias de 2004 e 2005:
- em 2004: 23-jan, 27-fev, 12-3, 29 – ab, 10-maio, 12-maio, 14-maio, 26-maio, 20-out, 9-nov, 19-nov, 22-nov, 23-nov, 24- nov, 25-nov e 26-nov;
- em 2005: 21-jan, 26- jan, 4-fev, 9-mar, 11-mar, 14-mar, 21-mar, 22-mar, 28-mar, 29-mar, 30, mar, 31-mar e 7-ab.
A decisão punitiva explicitou claramente o motivo por que optou pela aposentação compulsiva em vez da demissão, ambas referidas na nota de culpa (v. art. 26º do ED), conforme fls. 87-88 do p.d., penúltimo parágrafo do relatório final.
Aliás, aquela 1ª pena é menos grave do que esta última, como resulta do ED, não impedindo o A. de ter sustento.”
Vejamos.
Ao arguido foi aplicada a pena de aposentação compulsiva, nos termos da alínea b) do n.° 2 do art.° 26 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local., aprovado pelo Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro.
É este o teor do art. 26º do Estatuto Disciplinar dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro e em vigor à data dos factos:
Artigo 26.º
(Aposentação compulsiva e demissão)
1 - As penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional.
2 - As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço público;
b) Praticarem actos de grave insubordinação ou de indisciplina ou incitarem à sua prática;
c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa;
d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado em matéria de relações internacionais;
e) Voltarem a incorrer na infracção prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
f) Dolosamente participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente;
g) Voltarem a incorrer na infracção prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo anterior;
h) Dentro do mesmo ano civil derem 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação.
3 - A pena de aposentação compulsiva será aplicada em caso de comprovada incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
4 - A pena de demissão será aplicável aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidência de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro;
b) Em resultado do lugar que ocupam, solicitarem ou aceitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
c) Comparticiparem em oferta ou negociação de emprego público;
d) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
e) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer organismo ou serviço da Administração, designadamente nos casos do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 370/83, de 6 de Outubro;
f) Com intenção de obterem para si ou para terceiro benefício económico ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados, ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, designadamente pela destruição, adulteração ou extravio de documentos ou por viciação de dados para tratamento informático, os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhes cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.
5 - A pena de aposentação compulsiva só será aplicada verificado o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação, na ausência do qual será aplicada a pena de demissão.
Para o que aqui releva, nos termos da alínea b) do n.° 2 do art.° 26 do ED, aos funcionários e agentes que, dentro do mesmo ano civil, derem 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação, são aplicáveis as penas de aposentação compulsiva e de demissão.
Afirma-se na decisão recorrida que a decisão punitiva optou pela aposentação compulsiva em vez da demissão, com a seguinte motivação:
“Pelo exposto, julgamos adequada a aplicação de uma sanção de maior gravidade, devendo-se optar pela aposentação compulsiva em vez da pena de demissão, por ser aquela que, sendo idónea aos fins a atingir (afastamento definitivo do local de trabalho) se apresenta menos gravosa para o arguido, atendendo à sua actual situação de degradação em consequência do consumo de drogas.”
No último parágrafo do Relatório Final, reforça-se a ideia de que a pena de aposentação compulsiva será “a pena mais adequada à gravidade objectiva e subjectiva do ilícito disciplinar praticado pelo arguido.”
Assim, consideramos que a decisão punitiva justificou a razão pela qual optou pela aposentação compulsiva, ao invés da demissão, e a mesma enquadra-se no disposto no art. 26º do ED. Coisa diferente é que o Autor não concorde com tal opção. Todavia, certo é que, em momento algum, o Autor afirma que a Administração deveria ter antes optado pela demissão.
Acresce que, atendendo a que, nos termos do artigo 11º do ED, norma que regula a “escala das penas”, a pena de demissão é a de grau máximo, impor-se-ia uma necessidade de fundamentação ou fundamentação acrescida no caso inverso, ou seja, no caso de a Administração pretender aplicar a pena de demissão.
Termos em que improcede o presente fundamento.
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Na 5º conclusão, invoca o Autor que, do próprio teor do processo disciplinar resulta claro que, no entender dos superiores hierárquicos do A. e do instrutor do processo disciplinar, lhe foram marcadas faltas injustificadas durante um dia completo nas datas em que o A. se apresentava ao serviço após a sua hora de entrada.
Neste tocante, considerou a decisão recorrida que “Não é verdade que em certos dias (?) em que o Autor compareceu ao serviço houve faltas injustificadas. É o que resulta de todo o p.d.cit.”
Antes de mais, sublinhe-se que o Recorrente afirma – já assim o fez na petição inicial – que foram considerados como equivalendo a faltas injustificadas dias em que o Autor comprovadamente compareceu ao serviço, sem, no entanto, indicar que dias foram esses.
Como resulta dos factos 8 e 11, o Recorrente goza da modalidade de horário flexível, nos termos da alínea a) do art° 150 e art° 16.° do Decreto-Lei n° 259/98, de 18 de Agosto.
As faltas injustificadas que lhe foram imputadas foram-no, nos termos conjugados do nº 3 do art.° 16 do Decreto-Lei n.° 259/98, de 18 de Agosto e do n.° 2 do art.° 18 do Decreto-Lei n.° 100/99, de 31 de Março.
Dispunha o art. 16º, nº 3 do Decreto-Lei n.° 259/98, de 18.08. - diploma que estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública e artigo que regula os horários flexíveis - que “O débito de horas, apurado no final de cada período de aferição, dá lugar à marcação de uma falta, que deve ser justificada nos termos da legislação aplicável, por cada período igual ou inferior à duração média diária do trabalho.”
Por sua vez, a Lei nº 100/99, preceituava o seguinte, no nº 2 do art. 18º: “No caso de horários flexíveis, considera-se ainda como falta o período de tempo em débito apurado no final de cada período de aferição.”
Aqui chegados, conclui-se que não assiste razão ao Recorrente na afirmação que faz porquanto as faltas que lhe foram imputadas não correspondem a faltas contadas por dias inteiros.
A título de exemplo, como resulta do facto 8, constatando-se que o Autor registou um débito de 7 horas e 1 minuto, nos dias 7, 15, 21, 26 e 28 de Outubro de 2004, sem que tenha apresentado qualquer justificação, propôs-se a aplicação de 1 falta injustificada a registar no dia 29 de Outubro de 2004. A este propósito, assinale-se que, certamente por mero lapso de escrita, na decisão recorrida, logo no ponto 1, se refere o dia 20 em vez do dia 29.
O que vem dito prejudica o que o Recorrente alega na conclusão nº 6.
Termos em que improcede igualmente este fundamento.
*
As restantes conclusões consubstanciam a violação dos artigos 31º, nº 1, al. g) e nº 3, 41º, nº 2, 59º, nº 4 e 65º, nº 1, todos do ED.
Estabelece o artigo 31º, nº 1, al. g) que constitui uma circunstância agravante especial a acumulação de infracções.
Estabelece o artigo 31º, nº 3 que “A reincidência dá-se quando a infracção é cometida antes de decorrido 1 ano sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de infracção anterior.”
Preceitua o art. 42º, nº 1 do ED que “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”
Preceitua o artigo 59º, nº 4 do ED, relativo à notificação da acusação, que “A acusação deverá conter a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da infracção e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.”
Estabelece o art. 65º, nº 1 do ED que “Finda a instrução do processo, o instrutor elaborará, no prazo de 5 dias, um relatório completo e conciso donde conste a existência material das faltas, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena que entender justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação.”
Em súmula, o Recorrente imputa à decisão punitiva e à decisão recorrida, que a validou, dois grandes vícios:
- por um lado, a insuficiência da acusação; e
- por outro, a circunstância de a decisão final assentar em factos/razões/juízos de valor/considerandos que não foram referidos na acusação.
Vejamos.
Neste tocante, afigura-se-nos que a decisão recorrida não se pronunciou exactamente nos termos aqui invocados, mas antes apenas por reporte à decisão punitiva, o que se terá devido provavelmente à circunstância de a alegação feita na petição inicial ter sido em moldes mais genéricos e dúbios.
Assim, afirma-se na decisão recorrida que a decisão punitiva explicitou o motivo porque se considerou as faltas como injustificadas bem como o motivo porque as faltas injustificadas inviabilizam a relação funcional, questões arguidas na petição inicial.
Sucede que o Autor, ainda que de forma muito lacónica, afirma que “é manifesta a insuficiência de factos contidos na acusação, integrantes da existência de culpa, assim como da alegada injustificação das faltas e inviabilização da relação funcional”, fazendo uso das palavras constantes do acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido no âmbito da providência cautelar (proc. nº 151/05.5BEFUN).
É este o teor da acusação:
“(…)

O arguido faltou ao serviço nos dias 23 de Janeiro, 27 de Fevereiro, 12 de Março, 29 de Abril, 10, 12, 14 e 26 de Maio, 29 de Outubro e 9, 19, 23, 24 a 26 de Novembro no ano de 2004 sem apresentar justificação, o que corresponde a dezasseis faltas injustificadas.

Além disso, durante o ano de 2005, o arguido voltou a não comparecer ao serviço e a não apresentar justificação das suas ausências nos dias 21 e 26 de Janeiro, 4 de Fevereiro, 9, 11, 14, 21, 22, 28 a 31 de Março, o que corresponde a 13 faltas injustificadas.

O que perfaz o total de 29 faltas injustificadas ao serviço por parte do arguido.

Com este comportamento o arguido cometeu uma infracção disciplinar, pois violou o dever de assiduidade, previsto na alínea g) do n°4 e n° 11 do art.° 3 do Estatuto Disciplinar dos Funionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local; com o que praticou a infracção prevista na alínea h) do n°2 do art.° 26, todos do Estatuto supra referido, punido nos termos da mesma disposição legal com a pena aposentação compulsiva ou demissão.

Não se verificam circunstâncias atenuantes.
(…)”
Nos termos do nº 4 do Artº 59º do ED, a acusação em processo disciplinar tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstractas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo.
A enunciação de tais factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora da nulidade insuprível cominada no nº 1 do art. 42º do ED.
Como se refere no acórdão do STA de 03.05.2007 (proc. nº 2087/06), o “enquadramento jurídico dos factos é um elemento essencial da acusação em processo disciplinar, pois esclarece o seu significado incriminador e permite a organização de uma defesa eficaz, colocando o arguido a coberto de quaisquer surpresas e perfeitamente conhecedor das previsíveis consequências da sua conduta.”
E acrescenta, “Atento ao objectivo referido em I, há violação do direito de audiência e defesa, gerador de nulidade insuprível, sempre que o enquadramento jurídico-disciplinar acolhido na decisão punitiva, apesar de baseado na mesma materialidade factual, for diverso do constante da acusação, ainda que se esteja perante a aplicação de idêntica pena disciplinar.”
As nulidades insupríveis do processo disciplinar são geradoras de anulabilidade do acto punitivo por vício de forma por preterição de formalidades essenciais (cfr. Ac. do STA, de 30/3/95, Rec. nº 32444; e Ac. do TCAS, de 17/12/2002, Rec. nº 1879/98).
No âmbito do ED84, constitui – e constituía à data dos factos - jurisprudência pacífica que, sendo pressuposto da aplicação da pena expulsiva nos termos do artigo 26.º, n.º 1, e 2, al. h), a “inviabilização da relação funcional”, necessário se torna, para que a concreta conduta faltosa do funcionário seja susceptível de determinar tal efeito na relação jurídica de emprego”, que se pondere se as circunstâncias concretas do caso, pela sua gravidade, indiciam a inviabilização da manutenção da relação funcional, não bastando o mero ilícito das faltas injustificadas - neste sentido, a título exemplificativo, ver acórdãos do STA de 11.12.1996 (Proc. n.º 32384), de 10.07.1997 (Proc. n.º 32435), e de 22.01.2002 (Proc. n.º 32212), estes do Pleno; e os da Secção de 11.03.1997 (Proc. n.º 41264), de 09.07.1998 (Proc. n.º 40931), de 13.01.1999 (Proc. n.º 40060), de 24.03.2004 (Proc. n.º 757/03), de 30.10.2007 (Proc. n.º 413/07), de 11.09.2008 (Proc. n.º 0368/08); do TCA Sul, acórdãos de 14.12.2005 (Proc. nº 06312/02), 13.09.2006 (Proc. 12146/03); e do TCA Norte, Ac. de 17.09.2009 (Proc. 233/00).
Ainda neste sentido, acórdão recente do STA, de 30.05.2019, proferido no proc. nº 02474/12.8BELSB, assim sumariado: “Como se pode extrair do teor do artigo 26.º do ED/84, para a apreciação da possível inviabilidade da manutenção da relação funcional não basta dar como provado o cometimento das infracções e a sua gravidade objectiva, mas, de igual forma, é imprescindível provar, mediante juízo de prognose, que o cometimento de infracção ou infracções disciplinares comprometia de forma irremediável essa manutenção.”
Ora, assim sendo, e tendo presente o teor da acusação acima reproduzido, é patente a insuficiência de factos integrantes da existência da culpa do arguido bem como da inviabilização da relação funcional. O mesmo já não se diga da injustificação das faltas pois aqui a Administração afirma que o arguido faltou em dias que identifica, que o mesmo não apresentou justificação e que as mesmas são consideradas injustificadas.
Donde, a Administração não cumpriu cabalmente a obrigação de fazer constar da acusação todos os factos e razões de direito a fim de o arguido poder exercer cabalmente a sua defesa.
Relacionado com este princípio está a proibição de, no relatório final, se virem a dar como provados factos que não constavam da acusação, com base nos quais a autoridade administrativa aplica a sanção. Também nesta situação se estará perante nulidade insuprível resultante de falta de audição do arguido (cfr. Acs. do S.T.A. de 26.9.96 e de 1.10.96, respetivamente in Rec. nº. 28.054 e Rec. 31.378).
Também aqui a Administração não andou bem.
Lê-se o seguinte no relatório final, no item “Conclusão e Proposta de decisão”:
“(…)
Não se verificam circunstâncias atenuantes, existindo a circunstância agravante da alínea g) do nº 1 do art.° 31 do Estatuto Disciplinar, ou seja, a acumulação de infracções, uma vez que o arguido, já na pendência do presente processo disciplinar, voltou a cometer a infracção do mesmo tipo. é reincidente neste tipo de infracção.”
(…)
Foi referido pela testemunha P..., a fis. 45 dos autos do processo disciplinar, que "(...) desde o ano 2001, pode constatar que o funcionário nem causa se revelou instável quanto à motivação para o exercício das suas funções, deixando muitas vezes atrasar o serviço que lhe tinha sido incumbido."
Por outro lado, a fls, 47, o seu imediato superior hierárquico declarou ter perdido toda a confiança no arguido, uma vez que o aquele, toxicodependente, revelou desde meados de 2002 uma alteração comportamental, demonstrando desinteresse pelo serviço, com reflexos graves no seu desempenho.
Desempenho esse que se veio a deteriorar, tomado insustentável a manutenção da relação de trabalho.
Demonstrativo desses factos foram as diversas participações elaboradas desde 2002 pelo mesmo superior hierárquico, e juntas aos autos, as quais originaram processos de averiguações e disciplinares, os quais apenas não culminaram com a aplicação de sanções ao ora arguido, atendendo à situação de dependência de drogas vivida por aquele, e às oportunidades que o serviço persista em dar ao arguido.
Assim, os serviços pressionaram, em vão, o arguido a encetar tratamentos contra a toxicodepência, como foi o caso da sua deslocação à Associação P…, onde apenas esteve cerca de cinco dias, regressando ao seu estado de degradação acentuado.
Com efeito, e tal como resulta das fis. 47 dos autos, o arguido "(...) persistia em faltar injustificadamente, para além de não cumprir com o dever de pontualidade. Além disso, quando realizava serviço externo, o arguido não comparecia nos locais onde deveria exercer as tarefas determinadas, nomeadamente no apoio à produção de peixes e perdizes (desde a alimentação e higiene dos animais) comprometendo o processo produtivo e assim provocando efeitos nefastos no desenvolvimento das suas funções, e na eficiência e boa imagem dos serviços."
Assim, é patente que a personalidade do arguido revela um indivíduo com graves problemas provocados pela sua dependência da droga, que se manifesta na sua tendência para faltar constantemente ao serviço, bem como na grave afectação do seu desempenho e que a sua conduta inviabiliza a manutenção da relação funcional (Ac. S.T.J. de 8 de Julho de 1993, processo n.° 28380 e Ac. do S.T.J. de 21 de Abril de 1994, processo n.° 32384).
Com efeito, a sua conduta continuada em faltar injustificadamente ao serviço, não comparecendo nos locais onde deveria desempenhar as suas funções, apesar dos vários processos em que foi arguido, demonstra claramente desinteresse pelo prosseguimento do vínculo laboral, e uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções (Ac. S.T.J. de 21 de Maio de 1996, processo n.° 38653 e Ac. do S.T.J. de 6 de Outubro de 1993, processo n.° 30463).
Demonstrativo disso, foi o arguido já na pendência do presente processo disciplinar, reincidir no seu comportamento faltoso.
Desta forma, se o arguido teima em não comparecer injustificadamente nos locais onde deveria exercer as tarefas determinadas pelo seu superior hierárquico, nomeadamente no apoio à produção de peixes e perdizes (desde a alimentação e higiene dos animais) comprometendo o processo produtivo e assim provocando efeitos nefastos no desenvolvimento das suas funções, e na eficiência e boa imagem dos serviços.
Assim o seu comportamento afecta necessariamente o interesse público, a eficiência, confiança, prestigio e a idoneidade do serviço, atentando claramente contra a dignidade da sua função, de tal modo que o único meio de acudir ao mal é a ablação do elemento que lhe deu origem (Ac. S.T.J. de 30 de Novembro de 1994, processo n.° 32500).
De facto, resulta do processo disciplinar que o comportamento do arguido, atendendo ao grau de elevada censurabilidade, reflecte ou acarreta a impossibilidade do mesmo arguido se manter ao serviço, justificando a aplicação de uma sanção mais grave.
A oportunidade do procedimento deve depender da conveniência do serviço, devendo a punição não só atender ao passado, mas também às possibilidades do funcionário.
(…)”.
Conjugando este excerto do relatório final com a acusação resulta claro que aquele apresenta factos e razões que não constam da acusação, não tendo permitido ao arguido exercer, em relação aos mesmos, uma defesa cabal.
De tal forma que, não obstante a acusação ser omissa quanto à culpa do arguido no cometimento da infracção que lhe é imputada e quanto ao facto de tal infracção inviabilizar a relação funcional, não o é já o relatório final e, consequentemente, a decisão punitiva.
Assinale-se que, no relatório final, é feita alusão à existência de uma circunstância agravante e à ideia de reincidência, que não constam da acusação.
Aqui chegados, verifica-se a nulidade – insuprível - da falta de audiência do arguido, prevista no art. 42º, nº 1 do ED, quer pela insuficiência da acusação quer pela circunstância de a decisão final assentar em factos/razões/juízos de valor/considerandos que não foram referidos na acusação.
Donde, a decisão que aplicou ao ora Recorrente a pena de aposentação compulsiva é nula.
Termos em que, nesta parte, procede o recurso.
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IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a acção procedente, declarando a nulidade da decisão que aplicou ao Autor a pena de aposentação compulsiva.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias – cfr. artigos 527º, nºs 1 e 2 do CPC e 189º, nº 2 do CPTA.

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Registe e notifique.

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Lisboa, 12.11.2020

(Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.03, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Adjuntos – Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Carlos Araújo e Sofia David – têm voto de conformidade com o presente acórdão).


Ana Paula Martins