Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:32/18.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
IMPUGNAÇÃO;
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
Sumário:1. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
2. Como é jurisprudência assente, a oposição entre os fundamentos e a decisão é um vício que radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.
3. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento (error in judicando), a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
4. Se o que resulta da alegação da impugnante é que discorda do juízo formulado pelo Tribunal Arbitral sobre a prova produzida não se verifica a referida nulidade
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Senhora Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida no processo n.º421/2017 – T, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes Conclusões:

«».

A impugnada, P...... – I......., S.A., apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:

A. A Impugnação da Decisão Arbitrai apresentada pela Administração tributária põe em causa a Decisão Arbitrai proferida no dia 15 de fevereiro de 2018, pelo Tribunal Arbitrai Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.° 421/2017-T, a qual julgou procedente o Pedido de Pronúncia Arbitrai apresentado pela ora Recorrida, considerando a ilegalidade do ato de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado e, por consequência, anulou os atos de liquidação adicional de Imposto de Selo (“IS”) n.°s 2016 0……, 2016 0….., 2016 0……., 2016 0……, 2016 0……, 2016 0….., 2016 0….., 2016 0….., 2016 0….., 2016 0……, 2016 0….. e 2016 0….., todos eles emitidos com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (“TGIS”), respeitantes ao ano de 2015, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 49.834,30;
B. Entende a Administração Tributária que a Decisão Arbitrai é nula por força de alegada oposição entre os fundamentos e a Decisão proferida, nos termos previstos no artigo 28.°, n.° I, alínea b), do RJ AT;
C. A Decisão sub judice fundou-se em dois entendimentos principais, derivado da existência de duas situações jurídicas distintas: o primeiro relacionado com os Lotes AI, A2 e K; e o segundo relacionado com o Lote B;
D. No que diz respeito aos terrenos para construção designados como Lotes Al, A2 e K, entendeu o Tribunal não poderem os mesmos ser qualificados como terrenos para construção, por não existir, à data do facto tributário, alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva, que previsse como construção possível a habitação e no que diz respeito ao Lote B, entendeu o Tribunal não estarem verificados os pressupostos de incidência contidos na verba 28.1 da TGIS, por o mesmo se destinar a fins comerciais, industriais ou agrícolas;
E. Subjacente à impugnação apresentada está o entendimento de que a “A Decisão Arbitrai, ao julgar procedente o pedido arbitrai e, em consequência anular as liquidações da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), do ano de 2015, que incidiram sobre os prédios descritos como lotes de terreno para construção e inscritos sob os artigos 2314, 2315, 2316 e 2324 da matriz predial urbana da freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, respetivamente designados como Lote Al, Lote A2, Lote B e Lote K, evidencia clara oposição com os fundamentos de Facto, tendo em consideração os Factos dados como provados” (cfr. alínea A das conclusões da Impugnação apresentada pela Administração Tributária, página 7/10);
F. Segundo a Administração Tributária, “os termos do Alvará n.° 1/89, não permitem pois considerar como a decisão arbitrai, que, no caso dos autos, não se apurou que existisse, relativamente aos terrenos para construção designados como Lotes Al, 12 e K, a que se reportam parte das liquidações de Imposto de Selo, objeto do presente pedido arbitrai, à data do facto tributário, alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projeto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva, que previsse como construção possível a habitação. Resulta do Alvará de loteamento junto aos autos que apenas se prevê como possível a construção urbana, a qual, poderá ter diversos ftns que não, especificamente, a habitação” (cfr. parágrafo 7“ da Impugnação apresentada pela Administração tributária, página 4/10);
G. Mais dizendo que: “(...) contrariamente ao que concluiu a decisão recorrida, no Alvará n.° 1/89 a que referem as alíneas g) e h), não se prevê apenas como possível “a construção urbana”, mas prevê-se, expressamente, a construção de edificação destinada a habitação - cfr. parágrafo 8,° da Impugnação apresentada pela Administração Tributária, página 4/10;
H. Já no que respeita ao Lote B, entende a Administração Tributária que “os Alvarás de Obras de Construção n.s 311/08 e 76/13, ambos emitidos no processo n.° 118/07, a que se referem as alíneas i) e j), reiteram a autorização de construção do Alvará de Loteamento n.° 1/89, com data de 10.01.1989, referido nas acima indicadas alíneas g) e h) dos factos dados como provados. Assim, o Alvará n.° 311/08, refere expressamente que as obras aprovadas por despacho de 2008/06/19 respeita ao disposto no alvará de loteamento n.° 1/89, e que autoriza área de construção (...) e uso Habitação (construção de um núcleo urbano em banda num total de 44 fogos”; e o Alvará de Obras de Construção n.° 76/13, as obras foram aprovadas com as características seguintes: uso-Habitação (Licença para conclusão de Obras inacabadas) Pisos: habitação: n.° de fogos 44” (cfr. parágrafos 11.° e 12 da Impugnação apresentada pela Administração tributária, página 5/10);
I. Assim, conclui a Administração Tributária que “a factualidade fixada nas alíneas g), h), i) e j), com base nos documentos que integram o PA - impõem uma decisão oposta à que foi tirada nos autos arbitrais, ou seja, de que o Alvará de Loteamento n.° 1/89 confere autorização para edificação destinada a habitação para todos os terrenos de construção correspondentes a todos os Lotes Al, A2, B e K. Oposta, por conseguinte à decisão arbitra) sob impugnação que entendeu que: No que toca ao Lote B, a situação é diferente, uma vez que, no terreno para construção se encontram em construção, embora inacabadas, 44 fogos ou habitações”, ou Quanto ao lote B, como resulta da matéria provada, o mesmo dispõe de Alvará de construção, encontrando-se prevista a construção de 44 fogos, os quais têm como destino o uso como habitação” (cfr. parágrafos 14° e 15 da Impugnação apresentada pela Administração tributária, páginas 5 e 6/10);
J. Desde logo, ao analisar-se os fundamentos apresentados pela Administração Tributária na sua impugnação consta-se que os mesmos não são subsumíveis no artigo 28.°, n.° 1, alínea b), do RJAT, ou seja, não é demonstrada, por parte da Recorrente, a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a Decisão agora recorrida;
K. Ou seja, contrariamente ao que seria de supor e impõe o artigo 28.°, n.° 1, alínea b), do RJAT e também o próprio CPC no seu artigo 615.°, n.° 1, alínea c), na impugnação apresentada a Administração Tributária não demonstra a alegada contradição entre os fundamentos e a Decisão, procurando, antes, por esta via, contestar a Decisão, ou seja, demonstrar a existência de um erro de apreciação da matéria de facto e, consequentemente, da aplicação do direito ao caso concreto;
L. Como esclarece a jurisprudência dos Tribunais Superiores não pode confundir-se nulidade da decisão com fundamento em contradição entre os fundamentos e a decisão com erro de julgamento (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 30 de maio de 2013 no processo n.° 660/1999.P1.S1);
M. Acontece, porém, que, como demonstrado através das presentes contra-alegações, a Recorrente incorreu nesse erro ao procurar através da presente impugnação contestar a apreciação da matéria de facto e a aplicação do direito por parte do Tribunal Arbitrai, confundindo nulidade da decisão com fundamento em contradição entre os fundamentos e a própria decisão (que nunca demonstra) e erro de julgamento, o qual procura, nesta sede, e ainda que sem fundamento, demonstrar;
N. Não obstante, a Recorrente não só não demonstrou a existência de qualquer nulidade da decisão arbitrai, como se impunha atenta a base legal que suporta a sua impugnação, como nem sequer demonstra a existência de qualquer erro de julgamento por parte daquele Tribunal;
O. Não obstante, no que diz respeito à disciplina da impugnação das decisões de Ia. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Com efeito, ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida;
P. O que demonstra, mais uma vez, que caso sub judice a Recorrente alegou, em síntese, que se verificou uma errada valoração da prova produzida e considerada assente. Com base em tal argumentação a Recorrente pretende consubstanciar um erro de julgamento de facto da Decisão recorrida e, consequentemente, uma errada aplicação do direito;
Q. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra preestabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo.37I.°, do CC) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artigo.607.0, n.D. 5, do CPC);
R. Ora, no caso em apreço, a Administração Tributária, ora Recorrente, falhou em demonstrar, à semelhança do que já havia sucedido em sede de Processo Arbitrai, em que se consubstanciou a alegada oposição, antes se refugiando em juízos conclusivos - recorrendo a expressões como “não permitem considerar”, “impõem uma decisão oposta” “não permite que a decisão arbitrai considerasse”;
S. O recurso a esse tipo de juízos só se justifica pelo facto de, no caso em apreço, inexistirem argumentos para atacar a Decisão proferida pelo Tribunal a quo, parecendo o presente recurso tratar-se de um mero expediente para adiar o cumprimento do julgado. Tal inexistência de argumentos levou a que a Administração tributária invocasse argumentos não consentâneos com a verdade para fazer valer os seus argumentos. Ilustrativo do que se acaba de dizer é o parágrafo constante do artigo 8.° das Alegações apresentadas pela Recorrente (cfr. p. 4/10) em que alega que “ contrariamente ao que conclui a decisão impugnada, no Alvará n.° 1/89 a que referem as alíneas g) e h), não se prevê apenas como possível “a construção urbana, mas prevê-se, expressamente, a construção de edificação destinada a habitação";
T. Assim, conforme se pode comprovar do facto constante na alínea h) do probatório, ao contrário do que alega a Recorrente, em momento algum se fala “expressamente” em construção de edificação destinada a habitação;
U. De igual modo, conforme demonstrado em sede de Processo Arbitrai não basta a existência de um alvará de loteamento para que se dê por confirmada a existência de uma edificação habitacional autorizada ou prevista, sendo indispensável para a construção de edifício habitacional que a entidade pública competente efetue o controlo prévio e emita o título correspondente, nos termos da legislação aplicável, desde logo porque há uma separação legal entre a operação de loteamento e as obras de edificação subsequentes (cfr., entre outros, os artigos 2.°, alíneas h) a j), 4°, n,° 2 e n.° 4, alínea b), 23.°, n.° I, alíneas a) e b), 57.°, n.° 4, 71.° e 74.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro);
V. No que diz respeito ao Lote B, e conforme amplamente demonstrado em sede de Processo Arbitrai, em 2008, a Câmara Municipal de Portimão emitiu uma licença para construção no lote B de um núcleo urbano de moradias em banda constituído por 44 fogos e posteriormente, em 2013, emitiu uma licença especial para conclusão de obras inacabadas no referido terreno. Apesar de os alvarás correspondentes indicarem como uso “habitação”, uma vez concluídas as moradias do lote B, estas destinar-se-ão ao alojamento de turistas, e não a servir de local de residência de particulares;
W. Prova do ora afirmado é que, em meados de 2015, a Recorrida contactou a Câmara Municipal de Portimão e o Turismo de Portugal no sentido de expor a sua pretensão e obter uma resposta quanto ao enquadramento da mesma na recente legislação, em particular no Decreto-Lei n.° 128/2014, tendo este último organismo emitido um parecer favorável à exploração das moradias, individualmente consideradas, como unidades de alojamento local (cfr. Documento junto aos auto como 17 e a factualidade constante nas alíneas o) do probatório);
X. Assim, e contrariamente ao que procura sustentar a Recorrente, o lote B não constitui um terreno para construção cuja edificação licenciada ou autorizada seja utilizada para habitação, pelo que não pode ser alvo de incidência do Imposto do Selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral. Esta conclusão não é invalidada pela circunstância de os alvarás que titulam as licenças de obras de construção no lote B fazerem referência a uso habitacional;
Y. Também aqui, a Recorrente falha em dar cumprimento ao ónus de alegação e demonstração dos factos invocado, pelo que, também neste caso, deve ser mantida a Decisão proferida pelo Tribunal a quo;
Z. Deverá, pois, concluir-se que a impugnação apresentada improcede em absoluto, uma vez a Administração Tributária não alegou, nem demonstrou, a existência de qualquer nulidade da Decisão que se subsuma ao artigo 28.° n.° 1 alínea b) do RJAT, bem como a existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto ou de aplicação do direito, razão pela qual, também por esse motivo, improcede a sua impugnação

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO
APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ A PRESENTE IMPUGNAÇÃO SER JULGADA IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DECISÃO RECORRIDA PROFERIDA NO PROCESSO N.°421/2017-T, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia.

Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Nos termos do art.º 663º, n.º6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na decisão impugnada.

De direito

Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.

O vício apontado à decisão arbitral reconduz-se à oposição dos fundamentos com a decisão.

Dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Como se vê, o fundamento de nulidade previsto na norma é a contradição entre os fundamentos (de facto ou de direito) e a decisão. Explica José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil, anotado”, Volume V, Coimbra Editora, 1984, p. 141, que se trata de um vício lógico que ocorre quando a decisão colide com os fundamentos, i.e., a justificação em que se apoia. Parafraseando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2016 tirado no proc.º781/11.6TBMTJ.L1.S1 (disponível em http:// www.dgsi.pt), trata-se um vício que “radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso”.

Sucede, porém, que o que resulta da alegação e conclusões da Impugnante (vd., em particular, as Conclusões B) a D); H) a J); O), R) e T) a V)), é que a nulidade decorreria da contradição entre os factos provados e a decisão. Ou seja, manifesta a Impugnante, através deste apontado vício, a sua incompreensão quanto à circunstância de o Tribunal Arbitral ter chegado à decisão que chegou com base nos factos dados como provados, que, a seu ver, imporiam decisão diversa da que foi proferida.

Pretenderá, então, a Impugnante, aludir, não a uma incompatibilidade lógica entre os fundamentos e a decisão – que, evidentemente, não existe –, mas a um eventual erro de julgamento, ressaltando da alegação e conclusões que discorda do juízo formulado pelo Tribunal Arbitral sobre a prova produzida.
Esta hipótese não se enquadra, no entanto e como vimos, na norma do artigo 615.º, n.º1, al. c), 1.ª parte, do CPC, sendo que, por outro lado, este tribunal não pode sindicar eventuais erros de julgamento da decisão arbitral, ainda que grosseiros ou manifestos.

Em suma, não se vê que a decisão arbitral impugnada padeça de vício cujo fundamento seja sindicável por este tribunal.

Atento tudo o que se vem de referir tem necessariamente que improceder a impugnação da decisão arbitral.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Custas pela Impugnante.

Registe e Notifique.

Lisboa, 28 de Novembro de 2019

Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha