Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:56/17.7BCLSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
DECISÃO DISCIPLINAR
EFEITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Sumário:I – A Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro criou o Tribunal Arbitral do Desporto, atribuindo-lhe competência específica para “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (cfr. artigo 1º nº 1), aprovando a respetiva lei (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), nos termos da qual o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma “entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” (artigo 1º nº 1), o qual tendo a sua sede no Comité Olímpico de Portugal exerce a sua jurisdição em todo o território nacional (cfr. artigo 2º) e gozando no julgamento dos recursos e impugnações de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (cfr. artigo 3º).

II - Resulta da nova redação conferida à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), pela Lei nº 33/2014, de 16 de junho, na sequência da decisão de inconstitucionalidade proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 781/2013, de 16 de Dezembro (Proc. nº 916/13) em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade, que o Tribunal Arbitral pode ser convocado em sede de arbitragem necessária, para as situações previstas nos seus artigos 4º e 5º, ou em sede de arbitragem voluntária, fora daquelas situações, por força do disposto no seu artigo 6º, nos termos do qual podem ser submetidos à arbitragem do TAD “…todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral” (nº 1), submissão que pode operar-se “…mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo” (nº 2).

III - Em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, são de aplicação subsidiária nos processos do TAD, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a Lei da Arbitragem Voluntária (atualmente, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) nos processos de jurisdição arbitral voluntária.

IV – Tendo a intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto ocorrido no âmbito de jurisdição arbitral necessária, tendo aquele Tribunal Arbitral sido chamado a apreciar e decidir o recurso interposto de deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) que aplicou uma sanção disciplinar a dirigente desportivo, estamos perante um verdadeiro recurso de decisão do tribunal arbitral perante o tribunal estadual, permitindo assim a invocação e aferição de erros decisórios (erro de julgamento) conducentes à revogação da sentença arbitral e não de mera impugnação para anulação da sentença arbitral a que alude o artigo 46º nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro).

V – O recurso de apelação de decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto tem efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 8º nº 2 da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013), na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 33/2014, de 16 de junho.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
LUIS ………………………… (devidamente identificado nos autos) interpõe o presente recurso do acórdão proferido em 02-03-2017 pelo Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 30/2016) que julgando improcedente a impugnação ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (igualmente devidamente identificada nos autos) da decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 15-11-2016 que lhe aplicou a sanção de 60 dias de suspensão, acrescida de sanção acessória no montante de 3.445,00 €, manteve a mesma.
Formula o recorrente as seguintes conclusões do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:
1. Nos termos melhor expressos em sede de Alegações, deverá ao presente Recurso ser atribuído efeito suspensivo, como única forma de prevenir a produção de gravosos danos ao Recorrente e às Entidades que este representa.

2. Não podia o Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Disciplina da FPF ter determinado singularmente a convolação do processo de inquérito contra o Recorrente em procedimento disciplinar, não só porque tal poder se encontra atribuído ao Conselho de Disciplina e não ao seu Presidente, mas, também, porquanto carecia tal ato da sua inquirição em momento prévio.

3. O ato em causa, ao ter sido praticado nos termos em que o foi, é nulo nos termos do artigo 161º, 2, h) e 161º, 2, b) ambos do CPA, este último por referência aos artigos 32º, 10 da CRP, 12º do CPA, 13º, d) do RD da Liga e artigo 268º, 1 do mesmo RD.

4. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o ato é anulável, não sendo suscetível de sanação, nos termos melhor descritos em sede de Alegações.

5. O Tribunal a quo não valorou corretamente a matéria de facto em causa nos autos.

6. No que tange ao ponto 6 da matéria de facto provada, a prova produzida sobre tal matéria é contraditória, não resultando claro que o Recorrente tenha proferido a expressão “aquele árbitro tinha roubado 3 penaltis ao .................... na época passada”.

7. Igualmente, no que respeita ao ponto 7 da matéria de facto provada, não se produziu qualquer prova quanto a um eventual elemento subjetivo ilícito, ou seja, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, não se demonstrou que o Recorrente tenha pretendido ofender o dito árbitro.

8. Por último, não se provou que o árbitro em causa tenha ficado ofendido com as afirmações proferidas pelo Recorrente – quer pelas que o Tribunal considerou provadas, quer pelas que proferiu, pelo que, conforme se refere em sede de Alegações, não podia ser dada como provada a matéria vertida no ponto 8 da matéria de facto provada.

9. Ao valorar a expressões que considerou que o Recorrente proferiu, o Tribunal, além de ignorar qual o reflexo das mesmas na pessoa do suposto visado, desconsiderou, também, o contexto em que as mesmas foram proferidas.

10. O meio social do futebol admite o uso de linguagem fosrte e ríspida, tendo os seus intervenientes que adotar uma margem de tolerância maior do que a habitual.

11. O Recorrente proferiu as Declarações que proferiu num contexto reservado (camarote presidencial do Estádio do Sport Lisboa e ....................).

12. Fê-lo em provado, ou seja, numa conversa que pretendia que permanecesse apenas com o seu interlocutor;

13. Disse-o como forma de crítica, ainda que veemente, a um trabalho de arbitragem que considerou menos positivo, com prejuízo para a Entidade a que Preside;

14. Sendo que as suas declarações não poderão deixar de ser interpretadas no contexto da “linguagem do futebol” que admite excessos e exige tolerância dos seus intervenientes, atentas as emoções despoletadas pelo Desporto em geral.

15. Deste modo, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a linguagem empregue não é suscetível de beliscar a honra do visado – que nunca se mostrou ofendido, nem nos Autos, nem fora dele – pelo que o Recorrente não praticou o ilícito em causa.

16. Ainda que se entenda ter sido praticado qualquer ato ilícito, sempre se dirá que as sanções aplicadas são, conforme melhor se referiu em sede de Alegações, excessivas, carecendo de ser reduzidas.


Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do presente recurso jurisdicional, com manutenção do acórdão arbitral recorrido, formulando o seguinte quadro conclusivo:
1. O presente recurso interposto pelo Recorrente, tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 3 de março de 2017, que negou provimento à ação arbitral proposta pela Recorrente.

2. A ação arbitral tinha por objeto um Acórdão proferido pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, em 15 de novembro de 2016, que decidiu condenar o Recorrente pela prática da infração disciplinar "lesão da honra e reputação" p. e p. pelo artigo 136º, números 1 e 2, por remissão para o artigo 112º, número 1, ambos do RD da LPFP, na sanção de suspensão por 60 (sessenta) dias e multa de 3.445,00 euros (três mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros).

3. O Recorrente foi condenado por, em jogo realizado a 21.08.2016 no Estádio do Sport Lisboa e ...................., entre esta equipa e o ……………………….. Clube, ter, na tribuna presidencial, dirigindo-se ao Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, Sr. João ...................., questionado “porque tinham nomeado este árbitro para dirigir o ....................”, afirmando que o árbitro “tinha roubado 3 penaltis ao .................... na época passada” e querido saber qual “o critério de escolha do árbitro” e dito que “o .................... tinha sido roubado na época passada pelo árbitro em causa.

4. Esta decisão foi mantida pelo Tribunal a quo, tendo decidido pela improcedência da ação arbitral intentada.

5. O Recorrente começa por alegar que a decisão de conversão do processo de inquérito em processo disciplinar é ilegal, porque operada pelo Presidente do Conselho de Disciplina e não pela Seção Profissional, o que tornaria o Acórdão nulo ou, quanto muito, anulável.

6. Todavia, o ato praticado pelo Presidente do Conselho de Disciplina foi ratificado, em reunião da Secção Profissional de 30.08.2016, donde qualquer invalidade que o mesmo pudesse padecer se encontra sanada, por aplicação do artigo 164º, em particular do seu º 3, do CPA.

7. Por outro lado, o Recorrente, e ainda alegado pelo Recorrente uma falta de audição em sede de processo de inquérito.

8. Todavia, conforme, e bem, referido pelo tribunal a quo que o preceito legal alegado pelo Recorrente (artigo 268º do RDLPFP), não obriga à audição do Recorrente em sede de inquérito. Tendo o Recorrido sido ouvido em sede de processo disciplinar, todos os trâmites legais se encontram preenchidos, razão pela qual o Acórdão, ora impugnado, não merece censura.

9. O Recorrente alega, ainda, um erro no julgamento da matéria de facto, "uma vez que existem factos que deviam ter sido dados como provados e não foram, e factos que foram dados como provados que não o deveriam ter sido".

10. Mais uma vez esteve irrepreensível o Colégio Arbitral, uma vez que a aceitação da credibilidade de toda a prova está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser sempre objetivável e motivável.

11. No Acórdão em apreço, a convicção do julgador está aturadamente demonstrada e explicada.

12. Como é bem referido na decisão recorrida "aprova testemunhal não é um jogo que se exprima pelo quantidade, mos sim pelo qualidade dos testemunhos. Não é por haver vários testemunhos a abonarem um facto ou a desmenti-lo, sejam elos indicadas pelo acusação ou pela defesa, perante, perante um testemunho de sentido diferente, que se deve ter como provado ou não provado tal facto. Se assim fosse, na verdade o papel do julgador limitava-se a quantificar e a decidir de acordo com o resultado alcançado. Procurar atingir a verdade material transformar-se-ia num jogo de número. Não é assim e tal é sobejamente reconhecido pela comunidade jurídica."

13. Assim sendo, e "não tendo o Demandante produzido qualquer prova adicional que consiga contrariar o juízo feito pelo Conselho de Disciplino do Demandado relativamente à prova testemunhal, não merecem censura as conclusões que foram retiradas por este."

14. Neste sentido, decidiu, e bem, o Tribunal Arbitral do Desporto não merecendo o Acórdão impugnado qualquer censura quanto ao seu conteúdo.

15. Noutro sentido, o Recorrente alega ainda um erro no enquadramento jurídica dos factos, ao qualificar ao qualificar as declarações por si proferidas como integrantes do ilícito “lesão da honra e da reputação”, p.p. pelos artigos 112º, nº 1 e 136º nº 1do RD da LPFP.

16. Como bem sustentou o acórdão impugnado, o Recorrente não carreou para os autos prova adicional para conseguir provar que as expressões proferidas (e que deram origem ao processo disciplinar) não haviam sido utilizadas. Não o tendo feito, o tribunal o quo apenas pôde analisar a prova que foi produzida em sede disciplinar, por falta de prova adicional. E a verdade é que, sendo apenas apreciada prova já produzida anteriormente, não pôde o Colégio Arbitral fazer uso do princípio da imediação que, como também já se referiu, confere ao julgador em sede disciplinar meios de apreciação da prova testemunhal de que o tribunal de recurso não dispõe.

17. Tal como referido no acórdão impugnado "Trata-se de expressões nitidamente ofensivas da honra e consideração do árbitro e que extravasam manifestamente o interesse que o arguido poderia pretender salvaguardar, já que os juízos de valar formulados perderam todo e qualquer ponto de conexão com o exercício do direito de crítica que constitucionalmente lhe possa ser atribuído (...) são, como refere Costa Andrade, juízos em que, como reflexo necessário da crítica objectiva, se acaba por atingir a honra do visado, em que a valoração crítica é desadequado aos pertinentes dados de facto".

18. Por último, o Colégio Arbitral decidiu, e bem, que a infração disciplinar de ofensa à honra e reputação consuma-se com a prática de ato que objetivamente tenha esse resultado, independentemente da intenção desde que, como é o caso, se tenha a obrigação de conhecer que a conduta ofende, ou pode ofender, a honra e reputação do visado e, ainda assim se conforma com essa possibilidade.

19. O bem jurídico tutelado pelo crime de injúria pertence ao direito penal nuclear e tem forte coloração ética e ressonância social, pelo que quer a intenção de difamar ou injuriar quer a circunstância de não ter sido demonstrado que o destinatário da expressão proferida se tenha sentido ofendido na sua honra, não são razoavelmente indispensáveis para a ilicitude do facto em sede disciplinar.

20. Ficou cabalmente demonstrado que andou bem o tribunal a quo ao considerar preenchido, com a conduta do Recorrente, o ilícito disciplinar p.p. pelo artigo 112º do RD da LPFP em conjugação com o artigo 136º do mesmo Regulamento, e, em consequência, ter determinado a pena adequada a reprimir tal comportamento, não merecendo por isso qualquer censura.

21. Por último, o Recorrente alega que a concreta multa aplicada é ilegal por violar a moldura abstrata regularmente prevista no artigo 136º nº 2 do RO.

22. Todavia, estabelece o artigo 36º do RD da LPFP a aplicação de um fator de ponderação quando a pena é aplicada a dirigente de clube participante da I liga, em concreto, de 0,75.

23. Esse fator de ponderação foi aplicado no caso concreto, pelo que o valor da UC fica reduzida a 75%, o que multiplicado por 45, dá o valor da multa concretamente aplicada.

24. O próprio Colégio Arbitral, na sua decisão, acabou por validar esta aplicação das normas efetuada pelo Conselho de Disciplina da FPF, ao caso concreto, ao decidir que no que diz respeito ao montante do sanção pecuniária, esse fator de ponderação foi aplicado no caso concreto, pelo que o valor da UC fica reduzido a 75%, o que multiplicado por 45, dá o valor da multa concretamente aplicado".

25. Em suma, não ficou provado que o acórdão do Conselho de Disciplina estivesse afetado por qualquer vício que afetasse a sua legalidade, encontrando-se adequadamente fundamentado, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao não determinar a anulação do mesmo.

26. O acórdão não viola nenhum princípio nem nenhuma norma jurídica aplicável, tendo procedido à subsunção dos factos às normas de forma inquestionavelmente correta.

27. O Conselho de Disciplina o que fez foi, ao abrigo da margem de livre apreciação, julgar se havia matéria para ser instaurado processo disciplinar ao contrainteressado, sempre com escrupuloso respeito pelos prinpios da legalidade, da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da imparcialidade, enfim, dos prinpios balizadores dessa margem de livre decisão.

28. Nenhuma entidade para além da FPF tem atribuições para prosseguir os interesses públicos subjacentes à aplicação de sanções disciplinares na modalidade que lhe cabe promover e regulamentar, ou seja, o Futebol nem nenhuma entidade tem mais interesse que a FPF em que tais sanções sejam aplicadas da forma mais correta possível.

29. Pode discordar-se da oportunidade ou conveniência da decisão tomada pelo Conselho de Disciplina - que nem sequer merece qualquer reparo nessa medida – mas não enfermando a mesma de nenhuma ilegalidade, não poderia ter sido anulada pelo Tribunal Arbitral a quo nem agora, pelo douto Tribunal Central Administrativo Sul.

30. Não ficou demonstrado nos autos que correram no TAD nem agora em sede de recurso que a decisão do Conselho de Disciplina é ilegal ou mereça qualquer censura do ponto de vista da aplicação do direito, razão pela qual o presente recurso terá de ser declarado improcedente.


Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido de não merecer provimento o recurso. Sendo que dele notificadas as partes apresentou-se a responder o recorrente renovando, em suma, pela argumentação ali exprimida, dever ser concedido provimento ao recurso.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, ex vi do artigo 8º nº 2 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, na redação dada pela Lei nº 33/2014, de 16 de Junho.

*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
No acórdão arbitral recorrido foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos, expressis verbis:
1. Realizou-se no dia 21 de Agosto de 2016, no Estádio do Sport Lisboa e ...................., em Lisboa, o jogo oficialmente identificado pelo n.º 10203, entre a Sport Lisboa e .................... - Futebol SAD e a ……………… Futebol Clube - Futebol SAD, a contar para a 2.ª Jornada da Liga NOS.

2. O jogo foi arbitrado por Manuel ...................., na qualidade de árbitro principal, Pedro ...................., na qualidade de árbitro assistente de 1ª, Tiago Leandro, na qualidade de árbitro assistente de 2ª e João Matos, na qualidade de 4º árbitro.

3. O Demandante é Presidente da Sport Lisboa e .................... - Futebol SAD.

4. No jogo em causa, o Demandante encontrava-se na tribuna presidencial, juntamente com o Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem (João ....................), o Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (Luciano ....................) e o Observador da equipa de arbitragem (Natália Silva).

5. No final do jogo, o Demandante questionou o critério de escolha do árbitro principal, proferindo algumas expressões com o intuito de criticar o trabalho do árbitro principal, por cujos factos veio a ser instaurado processo disciplinar com o n.º 02-16/17.

6. Dirigindo-se ao Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem, questionou “porque tinham nomeado este árbitro para dirigir o ....................”; mais afirmou que “aquele árbitro tinha roubado 3 penáltis ao .................... na época passada”; qual era “o critério de escolha do árbitro”.

7. Ao comportar-se da forma descrita em 5 e 6, o Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária.

8. Sabia o Demandante que ao proferir as expressões descritas em 6, as mesmas seriam ofensivas da honra e consideração do árbitro principalmente do jogo, sendo certo que com as mesmas tinha uma intenção injuriosa, colocando em causa o profissionalismo e isenção do árbitro.

9. No âmbito do processo disciplinar n.º 02-16/17 foi imposta ao Demandante sanção disciplinar de suspensão de 60 (sessenta) dias e a pena de multa de € 3.445,00 (três mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros), pela prática da infração disciplinar de lesão da honra e reputação, através de Acórdão datado de 15 de Novembro de 2016.

10. O Demandante já foi sancionado em duas das três épocas desportivas anteriores à presente (2013/2014 e 2015/2016), ambas pela infração disciplinar de lesão da honra e reputação.



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B – De direito

1. Do enquadramento legal do recurso/das questões de que cumpre conhecer
1.1 Do enquadramento legal do recurso
1.1.1 A Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro criou o Tribunal Arbitral do Desporto, atribuindo-lhe competência específica para “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (cfr. artigo 1º nº 1), aprovando a respetiva lei (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), nos termos da qual o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma “entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” (artigo 1º nº 1), o qual tendo a sua sede no Comité Olímpico de Portugal exerce a sua jurisdição em todo o território nacional (cfr. artigo 2º) e gozando no julgamento dos recursos e impugnações de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (cfr. artigo 3º).
1.1.2 Na sua redação original a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), dispunha o seguinte nos seus artigos 4º, 5º e 8º:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso das decisões dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas ou das decisões finais de outras entidades desportivas referidas no n.º 1, não dispensando a necessidade de fazer uso dos meios internos de impugnação, recurso ou sancionamento dos atos ou omissões referidos no n.º 1 e previstos nos termos da lei ou de norma estatutária ou regulamentar.
4 - Cessa o disposto no número anterior sempre que a decisão do órgão jurisdicional federativo ou a decisão final de outra entidade desportiva referida no n.º 1 não haja sido proferida no prazo de 30 dias úteis, sobre a autuação do correspondente processo, caso em que o prazo para a apresentação do requerimento inicial junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final daquele prazo.
5 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 5º
Arbitragem necessária
Compete ao TAD conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem, nos termos da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, que aprova a lei antidopagem no desporto.”
Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
São passíveis de recurso, para a câmara de recurso, as decisões dos colégios arbitrais que:
a) Sancionem infrações disciplinares previstas pela lei ou pelos regulamentos disciplinares aplicáveis;
b) Estejam em contradição com outra, já transitada em julgado, proferida por um colégio arbitral ou pela câmara de recurso, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se conformes com decisão subsequente entretanto já tomada sobre tal questão pela câmara de recurso.
2 - Das decisões proferidas pela câmara de recurso, pode haver recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto ao recurso de revista.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer da impugnação referida no número anterior o Tribunal Central Administrativo do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - O recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como a ação de impugnação da decisão arbitral, não afetam os efeitos desportivos validamente produzidos pela mesma decisão.”

1.1.3 Esta Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e aprovou a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, foi aprovada na sequência da reapreciação pela Assembleia da República do Decreto n.º 128/XII, o qual lhe fora devolvido pelo Presidente da República depois de o ter vetado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 279.º da CRP, por o Tribunal Constitucional se ter pronunciado, no Acórdão n.º 230/2013, pela inconstitucionalidade da norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, na medida em que delas resulte a irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto proferidas no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária.
Mas em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade, requerida pelo Presidente da República ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão nº 781/2013, de 16 de Dezembro (Proc. nº 916/13), constatou, na comparação da redação dos artigos do Anexo do Decreto n.º 128/XII, submetido à apreciação preventiva do Tribunal Constitucional, com os da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que não haviam sido alteradas as normas dos artigos 4.º e 5.º, cuja conjugação com a norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º que havia sido tida em conta na decisão de inconstitucionalidade desta, tendo então declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 deste artigo 8º, conjugadas com as normas dos seus artigos 4º e 5º, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pela Lei n.º 74/2013), nos seguintes termos: «o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, em articulação com o princípio da proporcionalidade, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 8.º, conjugadas com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todas da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro» - (Acórdão n.º 781/2013, publicado no DR, 1ª Série, nº 243, de 16-12-2013).
1.1.4 Nessa sequência foi, então, aprovada a Lei nº 33/2014, de 16 de junho, que procedeu à primeira alteração à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), passando os seus artigos 4.º e 8.º a ter a seguinte redação:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
1 - As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.
2 - Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer do recurso e impugnação referidos nos n.ºs 1 e 4 o Tribunal Central Administrativo Sul, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - A impugnação da decisão arbitral por força de qualquer dos meios previstos nos n.ºs 1 e 4 não afeta os efeitos desportivos determinados por tal decisão e executados pelos órgãos competentes das federações desportivas, ligas profissionais e quaisquer outras entidades desportivas.
7 - A decisão da câmara de recurso referida no n.º 1 é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, com acórdão proferido por Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
8 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o respetivo prazo a partir da notificação da decisão arbitral e devendo o mesmo ser acompanhado de cópia do processo arbitral.”

1.1.5 Da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013) resulta que o Tribunal Arbitral pode ser convocado em sede de arbitragem necessária, para as situações previstas nos seus artigos 4º e 5º, ou em sede de arbitragem voluntária, fora daquelas situações, por força do disposto no seu artigo 6º, nos termos do qual podem ser submetidos à arbitragem do TAD “…todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral” (nº 1), submissão que pode operar-se “…mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo” (nº 2).
Sendo que, em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), são de aplicação subsidiária nos processos do TAD, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a Lei da Arbitragem Voluntária (atualmente, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) nos processos de jurisdição arbitral voluntária.
1.1.6 Na presente situação a intervenção do TAD ocorreu no âmbito de jurisdição arbitral necessária, tendo aquele Tribunal Arbitral sido chamado a apreciar e decidir o recurso interposto pelo também agora recorrente, LUIS………. ............................., da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 15-11-2016 que lhe aplicou, no âmbito do Processo Disciplinar nº 02-16/17, a sanção de 60 dias de suspensão, acrescida de sanção acessória no montante de 3.445,00 €, cuja anulação peticionou.
Por acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 02-03-2017, foi aquele recurso (Proc. nº 30/2016) julgado improcedente (ainda que com o voto de vencido de um dos árbitros), tendo, assim, sido mantida de decisão disciplinar nele impugnada.
E é inconformado com a decisão proferida por aquele acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que dele o recorrente interpõe o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, o que faz ao abrigo do artigo 8º nº 1 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como, aliás, expressamente refere.
1.1.7 Estamos, assim, perante um verdadeiro recurso de decisão do tribunal arbitral perante o tribunal estadual, permitindo assim a invocação e aferição de erros decisórios (erro de julgamento) conducentes à revogação da sentença arbitral e não de mera impugnação para anulação da sentença arbitral a que alude o artigo 46º nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro) – vide, a este respeito, António Menezes Cordeiro, in “Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro”, Almedina, 2015, págs. 378 ss. e 434 ss., em anotação aos artigos 39º nº 4 e 46º nº 1 da LAV e “Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 473 ss. e págs. 546 ss. em anotação aos mesmos dispositivos.
Note-se que, como é referido nesta última obra, no caso de «recurso» de sentença arbitral “é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu sentido ou efeito, que é posto em causa, por os árbitros terem cometido um «error in iudicando», um erro de julgamento (de facto ou de direito), independentemente de ele respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)aplicadas ou, antes, aos respetivos pressupostos processuais (leis adjetivas)”, enquanto no caso da impugnação da sentença arbitral, por ser visada a sua anulação, o que é discutido são os vícios da decisão conducentes à sua eliminação da ordem jurídica (cfr. artigo 46º nº 3 da LAV), de modo que “não se procederá à substituição da sentença arbitral por outra diferente, mas apenas à sua anulação” (vide, Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 546-547), caso em que ao tribunal estadual está vedado conhecer do mérito da questão ou questões decididas pela sentença arbitral (cfr. artigo 46º nº 9 da LAV).
1.1.8 E, porque assim é, o recurso da sentença arbitral haverá de seguir as normas do recurso de apelação previstas no CPTA, e supletivamente no CPC, com as especificidades constantes da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como decorre das disposições conjugadas do artigo 8º nº 2 da Lei do TAD e dos artigos 140º nº 1 e 3 do CPTA.
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1.2 Das questões de que cumpre conhecer
1.2.1 Feito este enquadramento, e sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo), as questões essenciais a decidir são as seguintes:
- a questão prévia do efeito do recurso – (conclusão 1ª das alegações de recurso);
- a questão de saber se o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto incorreu em erro de julgamento, quanto à solução jurídica, ao não ter anulado a decisão disciplinar impugnada, pelos fundamentos que haviam sido alegados, ou se, pelo menos, a pena disciplinar devia ser reduzida – (conclusões 2ª a 16ª das alegações de recurso).
Questões de que assim se passará a apreciar.
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2. Da questão prévia do efeito do recurso
2.1 O recorrente invocou desde logo, nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e reconduziu à respetiva conclusão 1ª, que ao recurso deve ser fixado efeito suspensivo, não obstante nos termos previstos no artigo 8º nº 2 da Lei do TAD o recurso tenha efeito meramente devolutivo, ao arrepio do disposto no artigo 143º nº 1 do CPTA, nos termos do qual vale como regra o efeito suspensivo dos recursos. Invoca para tanto, em suma, que a demora na resolução judicial da questão causará prejuízo ao recorrente e às entidades que representa, devendo ser fixado o efeito suspensivo do recurso ao abrigo do artigo 143º nº 1 do CPTA, ou, caso assim se não entenda, por aplicação do nº 4 do artigo 143º do CPTA, ou ainda por aplicação do regime previsto no artigo 647º nº 4 do CPC.
2.2 Vejamos.
2.2.1 Comece por explicitar-se que são aplicáveis as normas do CPTA resultantes da nova redação dada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pelo que devem considerar-se feitas para os normativos resultantes das alterações introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015, todas as referenciais feitas aos normativos daquele Código, salvo menção em contrário.
2.2.2 O artigo 143º nº 1 do CPTA dispõe que “salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida”. Estabelece, assim, este normativo, como regra para os recursos ordinários, como é o caso do recurso de apelação, o efeito suspensivo.
Mas, ele comporta também, desde logo, uma ressalva: a de que não seja disposto diversamente em lei especial, como resulta do seu trecho inicial “salvo disposto em lei especial”.
2.2.3 Ora o nº 2 do artigo 8º da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013), na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 33/2014, de 16 de junho, dispõe que ao recurso de decisão arbitral do TAD tem efeito meramente devolutivo.
Trata-se, por conseguinte, sem sombra de dúvida, de disposição contida em lei especial que afasta a regra do efeito suspensivo dos recursos de apelação previstos no CPTA.
Pelo que que terá que ser esse o efeito do presente recurso.
2.2.4 E não merece acolhimento a invocação feita pelo recorrente do disposto no nº 4 do artigo 143º do CPTA, com vista a fazer atribuir-se efeito suspensivo ao recurso.
A respeito do modo como deve ser interpretado este normativo, já se disse o seguinte no Acórdão deste TCA Sul, de 16-03-2017, Proc. 754/16.2BELRA, de que fomos relatores, que aqui importa recordar:
1.3.6 O artigo 143º nº 4 do CPTA admite, com efeito, que “quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”.
E o nº 5 do mesmo artigo dispõe que a “atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos”.
1.3.7 Ambos os dispositivos já constavam da redação original do artigo 143º do CPTA. E tal como então sucedia, não podem, também, atualmente, ser lidos e interpretados de forma desgarrada, antes devendo atender-se à sua inserção sistemática, procurando simultaneamente, a partir dos seus elementos literais e considerando a lógica do sistema jurídico, encontrar a sua racio, de modo a fazer-se uma interpretação adequada que vá de encontro à solução que há-de ter sido querida dar pelo legislador (cfr. artigo 9º do Código Civil).
1.3.8 Na sua versão original era a seguinte a redação do artigo 143º do CPTA:
“Artigo 143.º
Efeitos dos recursos
1 - Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2 - Os recursos interpostos de intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias e de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.
3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

Na sua versão atual é a seguinte a redação do artigo 143º do CPTA:
“Artigo 143.º
Efeitos dos recursos
1 — Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2 — Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:
a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias;
b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes;
c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121.º
3 — Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 — Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 — A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

1.3.9 Ora resulta que, quer na versão original, quer na versão atual do artigo 143º do CPTA, os seus nºs 4 e 5 (que se mantiveram inalterados) estão na decorrência do que é disposto no nº 3, o qual se refere às situações em que o efeito suspensivo do recurso (efeito regra previsto no nº 1, sempre que a lei não disponha diferentemente) pode ser modificado por decisão judicial para efeito meramente devolutivo, isto é “…quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos”.
E é nessa situação, tendo por base tal circunstância, que os nºs 4 e 5 daquele artigo 143º apelam à ponderação dos danos que possam ser causados com a atribuição (judicial) de efeito meramente devolutivo ao recurso, determinando que, em tal caso, o Tribunal possa determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos (cfr. nº 4) e estatuindo que o pedido de atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso deve ser recusada se for de considerar que os danos que resultariam da atribuição de tal efeito se mostrem superiores àqueles que podem resultar “da sua não atribuição” (i. é, do efeito suspensivo regra do recurso) (cfr. nº 5).
1.3.10 Assim, tendo presente a sua inserção sistemática, e procurando simultaneamente, a partir dos seus elementos literais e considerando a lógica do sistema jurídico, encontrar a sua racio, de modo a fazer-se uma interpretação adequada que vá de encontro à solução que há-de ter sido querida dar pelo legislador (cfr. artigo 9º do Código Civil), tem que concluir-se que o âmbito de aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 143º do CPTA se restringe às situações em que é requerido ao tribunal, ao abrigo do nº 3, a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra (cfr. nº 1), sendo inaplicável quando o efeito devolutivo do recurso decorre imperativamente da lei, como sucede nas situações previstas no nº 2 do artigo 143º do CPTA.”
2.2.5 Assim, o âmbito de aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 143º do CPTA restringe-se às situações em que é requerido ao tribunal, ao abrigo do nº 3, a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra (cfr. nº 1), sendo inaplicável quando o efeito devolutivo do recurso decorre imperativamente da lei, que é o que sucede na situação prevista no nº 2 do artigo 8º da Lei do TAD.
Não tem, assim, aplicação no âmbito dos recursos para o TCA de decisão arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, cujo efeito meramente devolutivo se encontra previsto no nº 2 do artigo 8º da Lei do TED, a norma do nº 4 do artigo 143º do CPTA.
2.2.6 Acrescendo dizer que, a norma deste nº 2 do artigo 8º da Lei do TAD, visa afastar expressamente, para os recursos das sentenças arbitrais do Tribunal Arbitral do Desporto, o regime regra do efeito suspensivo do recurso de apelação nos tribunais administrativos previsto no nº 1 do artigo 143º do CPTA, atribuindo-lhe efeito meramente devolutivo, resulta de uma opção clara do legislador.
2.2.7 Não sendo simultaneamente razoável fazer apelo à aplicação do disposto no nº 4 do artigo 647º do CPC novo, se o regime que consta, com completude, no CPTA a respeito dos efeitos da interposição do recurso de apelação para os tribunais administrativos se apresenta como distinto daquele que vale no processo civil.
2.2.8 De todo o modo sempre se diga que, não tendo a instauração do próprio processo arbitral, no qual é objeto de recurso a decisão disciplinar aplicada ao ora recorrente pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, efeito suspensivo daquela decisão punitiva, nos termos do disposto no artigo 53º da Lei do TAD, não é a fixação de efeito suspensivo ao presente recurso que tem a virtualidade de sustar os efeitos da decisão disciplinar, que o recorrente manifesta pretender.
Sendo certo que foi já decretada pelo Tribunal Arbitral do Desporto, em processo apenso, a que o recorrente aliás alude, providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão punitiva. E é precisamente através dessa providência cautelar, já decretada, que o recorrente vê suspensos os efeitos da decisão punitiva até ao trânsito em julgado da sentença arbitral. Pelo que, na verdade, nenhum outro efeito útil há ainda a salvaguardar.
2.2.9 Aqui chegados, não havendo motivo legal para fixar efeito suspensivo ao presente recurso, como pretendido pelo recorrente, mantém-se o seu efeito meramente devolutivo, nos termos estabelecidos no artigo 8º nº 2 da Lei do TAD.
O que se decide.
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3. Do mérito do recurso
3.1 Por deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 15-11-2016, tomada no âmbito do Processo Disciplinar nº 02-16/17, foi aplicada ao aqui recorrente a sanção de 60 dias de suspensão, acrescida de sanção acessória no montante de 3.445,00 €. Dela interpôs recurso (ação arbitral) para o Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 30/2016), peticionando a sua anulação, pelos fundamentos que ali expôs.
Por acórdão de 02-03-2017 foi julgada improcedente o recurso arbitral (ainda que com o voto de vencido de um dos árbitros), tendo, assim, sido mantida de decisão disciplinar nele impugnada.
Inconformado com a decisão proferida por aquele acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, dele interpõe o recorrente o presente recurso.
3.2 No requerimento inicial do recurso arbitral, o ora recorrente começou por invocar, como causa de invalidade do ato punitivo, a invalidade da decisão, singularmente tomada pelo Presidente do Conselho de Disciplina da FPF, de converter o Processo de Inquérito nº 02-16/17 em Processo Disciplinar (vide Ponto II - artigos 5º a 19º do requerimento inicial do recurso arbitral).
3.3 O acórdão arbitral recorrido pronunciou-se sobre tal questão nos seguintes termos, que se passam a transcrever (vide ponto 7.1 do acórdão arbitral):
“Vejamos, em primeiro lugar, a decisão de instauração do processo disciplinar, pois que se invoca em primeira linha que "O Presidente do Conselho de Disciplina na FPF não tem poderes poro decidir singularmente instaurar processos disciplinares, nem tem poderes para determinar singularmente a conversão de processos de inquérito.”:

O artigo 225.º, n.º 1 do RD da LPFP prescreve que “o processo disciplinar é instaurado por deliberação da Secção Disciplinar, com fundamento em factos de que tenho conhecimento próprio ou na sequência de participação.”

Por sua vez, prescreve o artigo 268.º, n.º 1 do RD da LPFP que “se no decurso do inquérito se apurarem indícios da existência de infração disciplinar e da identidade do seu agente, a Secção Disciplina pode determinar que o processo de inquérito em que o arguido tenha sido ouvido fique a constituir a fase instrutória do processo disciplinar que mandar instaurar.”

Ora, de acordo com estes preceitos legais, cabe à Secção de Disciplina determinar a conversão de processo de inquérito em processo disciplinar. Aliás, prescreve o artigo 7.º, n.º 1 do Regimento do Conselho de Disciplina da FPF que “sem prejuízo do disposto no artigo 4.º do presente regimento e do procedimento previsto no Regulamento Disciplinar da LPFP, as deliberações das Secções do Conselho de Disciplina só são válidas quando a) Na reunião restrita estiverem presentes três elementos e a deliberação seja tomada por maioria dos votos e por toos subscrita,- b) Nas reuniões plenárias quando estiver presente a maioria dos membros, a deliberação seja votada por maioria dos votos e por todos os presentes subscrita.”

E o artigo 11.º do Regimento do Conselho de Disciplina, relativo às competências do Presidente do Conselho de Disciplina "compete ao Presidente do Conselho de Disciplina: a) Convocar as reuniões; b) Dirigir e orientar os trabalhos dos reuniões; c) Dar despacho a todo o expediente; d) Representar o Conselho de Disciplina junto dos demais órgãos da FPF e de outras instâncias de organização desportivo, bem como em todos os atos em que este se deva fazer representar, podendo delegar esta representação num Vice-Presidente ou num Vogal; e) Exercer as demais funções que por este regimento, pelos regulamentos, pelos estatutos ou pela lei lhe sejam conferidos.”

A leitura dos supra referidos leva-nos, à partida, a concluir que o Presidente do Conselho de Disciplina não tem competência para converter processos de inquérito em processo disciplinar tendo, por isso, tal decisão de conversão de ser tomada na Secção.

Sucede, no entanto, que conforme consta dos autos, a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Disciplina foi ratificada pela Secção em reunião que ocorreu em 30.08.2016, sendo certo que essa ratificação ficou a constar da Ata n.º 16 junta aos autos.

Assim sendo, conclui-se que, ainda que existisse qualquer vício que pudesse afetar a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Disciplina, o mesmo considera-se sanado, isto nos termos do artigo 164.º,n.º 3 do CPA.

De facto, de acordo com a melhor jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/05/2010, "A ratificação-sanação é um ato secundário que atua sob um ato primário visando suprir a incompetência do seu autor ou outros vícios não atinentes ao conteúdo do ato, ou seja, as invalidades formais e procedimentais quando estas sejam superáveis nesse momento post-ato” (3)

Nessa conformidade, considera-se o ato validamente proferido, uma vez que, apesar de o Presidente do Conselho de Disciplina ser incompetente para tomar a deliberação de converter o processo de inquérito em processo disciplinar, tal ato foi ratificado pela entidade competente para o proferir, neste caso a Secção.

Mas ainda que se considerasse que a decisão padecia de um vício, e que, por conseguinte, o ato decisório seria anulável - uma vez que não cabe no elenco de atos constantes do artigo 161.º do CPA, nem se encontra expressamente prevista a nulidade em caso de incompetência -, a verdade é que sempre se poderia aplicar ao caso o artigo 163.º, nº 5, do CPA.

Prescreve essa disposição legal que "5 - Não se produz o efeito anulatório quando: (... ) e) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo."

Assim sendo, e tendo em conta que o conteúdo do ato decisório seria o mesmo, ainda que se considerasse existir um vício, este vício não produziria efeitos anulatórios (4).

Trata-se da "desconsideração de uma certa ilegalidade, de modo a que se possa aproveitar o acto praticado sob a sua invocação, no casos em que se pode concluir "sem margem para dúvidas" que tal ilegalidade acabou por ser irrelevante para o sentido do ato, isto é, se pode concluir, com toda a segurança, que, de qualquer modo, e arreada a ilegalidade em causa, o acto sempre teria o mesmo conteúdo" (5)”

E acrescentou ainda o seguinte (vide ponto 7.2 do acórdão arbitral):
«7.2 Da alegada falta de audição do Demandante em sede de processo de inquérito

Relativamente à alegada falta de audição do Demandante,a verdade é que não pode este Tribunal deixar de concordar com o Conselho de Disciplina da Demandada recorrido quando este afirma que aquele não teria de ser ouvido antes da conversão do processo de inquérito em processo disciplinar.

De facto, o Demandante invoca, a este respeito os artigos 32.º nº 10 da CRP, 12º do CPA, 13.º,al. d) do RDLPFP e, especialmente, o artigo 268.º, n.º 1 do RDLPFP para justificar o que considera ser uma invalidade no processo disciplinar.

Ora, atentando ao artigo 268.º, n.º 1 do RDLPFP, o mesmo refere que "Se no decurso do inquérito se apurarem indícios da existência de infração disciplinar e da identidade do seu agente, a Secção Disciplinar pode determinar que o processo de inquérito em que o arguido tenha sido ouvido fique a constituir a fase instrutório do processo disciplinar que mandar instaurar.”

Segundo aquele preceito legal, o que está em causa não é a necessidade de audição do arguido para que o processo de inquérito se converta em processo disciplinar.

Trata-se, isso sim, de fazer constar da fase instrutória do processo disciplinar a audição do arguido em sede de inquérito, caso essa audição tenha ocorrido. Ora, não tendo ocorrido, como não ocorreu no caso em apreço qualquer audição o arguido em sede de inquérito, em sede de processo disciplinar o Conselho de Disciplina da Demandada seguiu os trâmites legais, fazendo anteceder à fase decisória a respetiva fase instrutória, na qual o arguido foi efetivamente ouvido e onde teve oportunidade de se defender, quer oralmente, quer por escrito, tendo inclusivamente arrolado testemunhas, que foram ouvidas e tidas em consideração, e apresentado outros meios de prova.

Pelo exposto não se encontra preterido qualquer direito de audição do Demandante.»

3.4 O recorrente reitera no recente recurso que não podia o Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Disciplina da FPF ter determinado singularmente a convolação do processo de inquérito contra o Recorrente em procedimento disciplinar, porque tal poder se encontra atribuído ao Conselho de Disciplina e não ao seu Presidente, e que não existe nem nos autos de inquérito, nem nos autos do processo disciplinar qualquer referência a qualquer deliberação (colegial) tomada em reunião restrita ou em reunião plenária da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF a sustentar a mencionada decisão (singular) do seu Presidente de converter o processo de inquérito nº 02-16/17 em processo disciplinar (vide conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso e ponto III. do respetivo corpo alegatório).
3.5 Na apreciação da presente questão a primeira perplexidade resulta da constatação de que, não obstante a natureza do vício que foi invocado pelo recorrente perante o Tribunal Arbitral do Desporto, e o circunstancialismo que para o efeito alegado, não foram fixados no acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto os respetivos factos, para o efeito relevantes.
Designadamente, e logo à cabeça, não foram considerados na matéria de facto dada como provada (ponto 5. do acórdão arbitral), os atos praticados quer no processo de inquérito (processo de inquérito nº 02-16/17), quer no subsequente Processo Disciplinar (sendo única exceção o facto vertido em 9. dos factos provados, que de todo o modo se refere à decisão disciplinar que foi tomada a final), ainda que indiretamente sejam referidos no corpo fundamentador do acórdão arbitral.
3.5 Considerando, todavia, que os atos praticados naqueles processos de inquérito e disciplinar se encontram vertidos no Processo Administrativo apenso, procede-se, com base nele, ao aditamento da seguinte factualidade, relevante para a decisão da presente questão, tal como vem trazida em recurso:
Matéria de facto que se adita:
11. Por deliberação de 23-08-2016 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) foi instaurado o Processo de Inquérito nº 2-2016/17, no seguimento da divulgação pelo Jornal Record, de afirmações alegadamente proferidas por Luís ………………………, Presidente do Conselho de Administração da Sport Lisboa e .................... – Futebol SAD, no final do jogo da Liga NOS entre Sport Lisboa e .................... – Futebol SAD e …………………Futebol Clube – Futebol SAD, deliberação que se encontrava lavrada no Ponto 6 da respetiva Ata nº 14 nos seguintes termos:
«Por fim no ponto seis da ordem de trabalhos, analisadas as declarações públicas proferidas por vários agentes desportivos relativamente ao jogo nº 203.01.012 “SL .................... SAD e …………… FC SAD” de 21 de Agosto de 2016 a Secção que não existiam indícios suficientes para a instauração que procedimento disciplinar ao treinador Rui Vitória. No entanto, no que diz respeito às notícias publicadas no Jornal Record do dia 22 de agosto de 2016, nas páginas 1 e 6, a Secção deliberou instaurar processo de inquérito, uma vez que os factos aí descritos podem eventualmente indicar o cometimento de infrações disciplinares» - fls. 145-146 do PA

12. Por despacho de 26-08-2016 o Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, José ………………….., determinou a conversão daquele Processo de Inquérito nº 2-2016/2017 em processo disciplinar contra Luís.............................., Presidente do Conselho de Administração da Sport Lisboa e .................... – Futebol, SAD, nos seguintes termos:
«1. No passado dia 23 de agosto, na sequência da reunião da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, proferi despacho que, agora, transcrevo: (…)
2. Sucede que, em momento posterior, recebi correio eletrónico do Senhor Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol que me endereçou comunicação do membro do Conselho de Arbitragem que agora anexo, referido nas notícias do jornal acima identificado.
Assim sendo, afigura-se-me que, perante este quadro bem mais tangível não fará sentido manter o propósito de instauração de inquérito disciplinar, mas sim, desde logo, a instauração do processo disciplinar.
Anexo ainda notícias que mencionam declarações de outro agente desportivo, de jornal de hoje.
3. Em consequência do atrás referido determino que,
a) seja convertido o processo de inquérito nº 02-2016/2017 em processo disciplinar contra o Sr. Luís ……………………….., Presidente do Conselho de Administração da Sport Lisboa e .................... – Futebol, SAD,
b) sejam os elementos que dele constavam e os que agora junto, considerados como suficientes para a instauração do processo disciplinar.
Consequentemente autue-se como processo disciplinar e remeta-se à Comissão de instrutores da LPFP.» - fls. 162-163 do PA

13. A Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ratificou aquela decisão, de converter o processo de inquérito em processo disciplinar, por deliberação de 30-08-2016, nos termos vertidos no Ponto 6 da respetiva Ata nº 16 nos seguintes termos:
«Por fim, passados ao ponto seis da ordem de trabalhos, o Senhor Presidente colocou para ratificação da Secção a sua decisão, do dia 26 de agosto de 2016, de converter o processo de inquérito nº 02-2016/2017 em processo disciplinar ao Sr. Luís …………………………., Presidente do Conselho de Administração da Sport Lisboa e .................... – Futebol, SAD. A decisão do Presidente foi ratificada por unanimidade.» - fls. 146-148 do PA

14. Naquela reunião de 30-08-2016 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) estiveram presentes, termos vertidos na respetiva Ata nº 16: (1) José ………………….. (Presidente), (2) João ……………….., (3) Isabel ………….. .................... e (4) Ricardo Jorge ………………….. - fls. 146-148 do PA.

3.6 Ora feita esta constatação, de que a decisão, singularmente tomada em 26-08-2016 pelo Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de conversão do Processo de Inquérito nº 2-2016/2017 em processo disciplinar contra o ora recorrente, foi expressamente ratificada por deliberação de 30-08-2016 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) (cfr. Ponto 6 da respetiva Ata nº 16), claudica a arguição feita pelo recorrente a este respeito, não ocorrendo o apontado vício.
Mostrando-se, por conseguinte, correto o entendimento feito pelo acórdão arbitral no sentido de que o indicado vício se mostra sanado, nos termos do artigo 164º nº 3 do CPA novo, nos termos do qual, em caso de incompetência, o poder de ratificar o ato cabe ao órgão competente para a sua prática.
3.7 Sendo certo que, como é bom de ver o assacado vício de incompetência não é causa de nulidade, mas de mera anulabilidade (cfr. artigos 161º e 163º do CPA novo), pelo que aquela decisão, tomada singularmente pelo Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de conversão do processo de inquérito em processo disciplinar, era passível de ratificação pelo órgão competente, sanando-se assim o vício, nos termos do artigo 164º do CPA novo.
3.8 Assim como, a circunstância de à data em que processo de inquérito foi convertido em processo disciplinar não ter o visado sido ainda ouvido no âmbito do inicial processo de inquérito não configura a ofensa de conteúdo essencial de um direito fundamental, por violação do direito de audiência, causador da nulidade do ato, nos termos do artigo 161º nº 2 alínea d) do CPA novo.
Sendo correto o entendimento, feito no acórdão arbitral recorrido a este respeito, designadamente com base na interpretação do artigo 268.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da FPF, que de todo o modo o recorrente o recorrente não contraria.
3.9 Razão pela qual não colhe provimento o recurso nesta parte.
~
3.10 O recorrente invocou também, no requerimento inicial do recurso arbitral verificar-se erro quanto à matéria de facto dada como provada na decisão punitiva (vide ponto III do requerimento inicial – artigos 20º a 56). Grosso modo defendeu ali que dos depoimentos testemunhais prestados em sede de processo disciplinar não podia concluir-se, com segurança, que o recorrente proferiu as expressões que lhe foram imputadas.
3.11 Constatando-se, também a este trecho, que não foram fixados no acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto os factos para o efeito relevantes, ainda que indiretamente sejam referidos no corpo fundamentador do acórdão arbitral, e considerando que é possível retirá-los do Processo Administrativo apenso, procede-se, com base nele, ao aditamento da seguinte factualidade, ora relevante:
Matéria de facto que se adita:
15. A decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 15-11-2016, proferida no âmbito do processo disciplinar n.º 02-2016/2017 (que lhe aplicou ao recorrente a sanção de 60 dias de suspensão, acrescida de sanção acessória no montante de 3.445,00 €), assentou nos factos que ali foram dados como provados (ponto III da decisão – págs. 6-7), entre os quais o seguinte, nos seguintes termos:
«5º No final do jogo, o Arguido dirigindo-se ao Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem, e referindo-se ao árbitro principal da partida, questionou “porque tinham nomeado este árbitro para dirigir o ....................”; mais afirmou que o árbitro “tinha roubado 3 penaltis ao .................... na época passada”, querendo saber qual era “o critério de escolha do árbitro” e insistindo que “o .................... já tinha sido roubado na época passada pelo árbitro em causa”» - fls. 364 do PA.


3.12 O acórdão arbitral, enfrentando a questão invocada pelo recorrente no recurso arbitral, explanou o seguinte (vide ponto 7.2 do acórdão recorrido):
«7.2 Erro no julgamento da matéria de facto

Vejamos se o julgamento que o Conselho de Disciplina da Demandada efectuou à matéria de facto merece, efetivamente, a censura que lhe é dirigida pelo Demandante.

Desde logo, o Demandante coloca em causa a valoração que foi dada ao depoimento da testemunha João ...................., afirmando que lhe foi atribuída uma valoração distinta daquela que foi feita dos restantes testemunhos, nomeadamente das testemunhas João ………….. e Pedro ……………., por se considerar que estas têm uma relação privilegiada com o SL .....................

Diríamos que mais do que a valoração distinta, importará é a análise do conteúdo dos diversos depoimentos remetendo-se, para o efeito, para o exposto supra quanto à "Motivação da Fundamentação de Facto" e que, por brevidade de exposição, aqui se dá por reproduzida.

Com efeito, apesar de o Demandante colocar em causa a veracidade das declarações da testemur1ha João ...................., Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem, afirmando que o Conselho de Disciplina da FPF valorou o seu testemunho em detrimento dos restantes que foram produzidos em sede disciplinar, a verdade é que não logrou provar que não proferiu as expressões "tinha roubado 3 penaltis ao .................... na época passada". E não se trata de valorar o depoimento de uma das testemunhas em detrimento das restantes, mas sim de analisar a prova produzida de forma objectiva.

De facto, as restantes testemunhas não afirmaram veemente que o Demandante não proferiu as expressões de que vinha acusado, referindo apenas que não ouviram. Por outro lado, a testemunha João .................... é clara ao referir, expressamente, que essas expressões foram proferidas e que as ouviu. Igualmente, não carreou o Demandante para os presentes autos prova adicional para conseguir provar que tais expressões não haviam sido utilizadas.

O princípio da livre apreciação da prova consubstancia-se na não sujeição do julgador às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Esse princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valor, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.

A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova confere ao julgador em sede disciplinar meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso - neste caso, o TAO - não dispõe.

É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a razões de ciência, espontaneidade, linguagem, hesitações, tom de voz, contradições.

E a verdade é que, do que resulta da decisão recorrida, é evidente que o depoimento da testemunha João .................... foi "de natureza desapaixonada" e "com toda a clareza que nada o move, em termos pessoais bem pelo contrário, contra o arguido". E também é verdade que o Demandante não conseguiu provar o contrário.

Aliás, como é bem referido na decisão recorrida "aprova testemunhal não é um jogo que se exprima pela quantidade, mos sim pelo qualidade dos testemunhos. Não é por haver várias testemunhas a abonarem um facto ou a desmenti-lo, sejam elas indicados pela acusação ou pela defesa, perante, perante um testemunho de sentido diferente, que se deve ter como provado ou não provado tal facto. Se assim fosse, na verdade o papel do julgador limitava-se a quantificar e o decidir de acordo com o resultado alcançado. Procurar atingir a verdade material transformar-se-ia num jogo de número. Não é assim e tal é sobejamente reconhecido pela comunidade jurídico.”

Assim sendo, e não tendo o Demandante produzido qualquer prova adicional que consiga contrariar o juízo feito pelo Conselho de Disciplina da Demandada relativamente à prova testemunhal, não merecem censura as conclusões que foram retiradas por este.»

3.13 Importa começar por constatar que não se trata aqui de verdadeira e real impugnação da matéria de facto dada como provada no acórdão arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, que em concreto, o recorrente não impugna.
Na verdade, o recorrente limita-se a reproduzir o que já havia alegado no requerimento inicial do seu recurso arbitral com vista a fundamentar o erro quanto à matéria de facto dada como provada na decisão disciplinar.
Mas não põe em causa, no presente recurso, o juízo feito a tal respeito no acórdão arbitral recorrido, que supra se transcreveu. Não lhe assacando neste âmbito qualquer erro.
3.14 Razão pela qual não merece acolhimento o presente recurso também nesta parte.
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3.15 No que tange ao erro na qualificação dos factos (a que o recorrente aludiu no ponto IV. do seu requerimento inicial de recurso arbitral – artigos 57º a 76º) o acórdão arbitral considerou o mesmo por não verificado, nos termos expostos no ponto 7.3 daquele aresto.
3.16 Na decisão disciplinar punitiva foi considerado, sob a epígrafe «Das infrações disciplinares concretamente imputadas» o seguinte:
«6.No caso concreto situamo-nos no universo das infrações dos dirigentes, qualificadas como graves, previstas e punidas de acordo com os artigos 134º a 138º do RDLPFP2016.
Em causa, encontra-se a previsão constante do artigo 136º (lesão da honra e reputação), cujo texto agora se transcreve na integra:
“1. Os dirigentes que praticarem os factos previsto no nº 1 do artigo 112º contra membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de um ano, e acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 200 UC.
2. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas no número anterior são elevadas para o dobro”»


E no âmbito da subsunção do caso concreto ao direito aplicável, convocou a decisão disciplinar punitiva o disposto nos artigos 17º nº 1, 19º nºs 1 e 2, 51º nºs 1, 112º e 136º do RDLPFP2016 (vide págs. 19 a 23 daquela decisão – a fls. 376-380 do PA), tendo concluído que «o uso das expressões “tinha roubado 3 penaltis ao .................... na época passada” e “o .................... já tinha sido roubado na época passada pelo árbitro em causa”, utilizadas pelo arguido perante o Senhor Vice-Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, Senhor João ...................., e referentes ao árbitro da partida, Sr. Manuel ...................., constituem claramente declarações difamatórias e lesivas da sua honra e reputação, pelo que integram a infração disciplinar prevista e punida pelo artigo 136º nºs 1 e 2 do RDLPFP2016 ex vi do artigo 112º nºs 1 do RDLPFP2016, tal como lhe imputa a acusação, que terá, assim, de proceder.»
3.16. O artigo 136º do RDLPFP2016 dispõe, sob a epígrafe “Lesão da honra e da reputação” que “Os dirigentes que praticarem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de um ano e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 200 UC.”
Sendo que o artigo 112º nº 1 do mesmo RDLPFP2016, para que aquele normativo remete, dispõe que “Os clubes que desrespeitarem ou usarem de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com membros dos órgãos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, respetivos membros, árbitros, dirigentes e demais agentes desportivos, em virtude do exercício das suas funções, ou para com os mesmos órgãos enquanto tais, são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 250 UC.”
3.17 A discussão coloca-se em torno das expressões apontadas, em que o verbo «roubar» é usado.
Ora, no contexto das mesmas a imputação de «roubo de 3 penaltis», no mínimo pretenderá significar que em três situações que deveriam ter sido apontadas como penaltis, estes não foram marcados pelo identificado árbitro, em prejuízo do ..................... O mesmo quanto à firmação de que «.................... já tinha sido roubado na época passada pelo árbitro em causa». Denotando-se aqui, especialmente do uso cumulativo das expressões, e do contexto em que foram usadas, se não a imputação de intenção do árbitro em prejudicar uma das equipas, com falta de isenção e imparcialidade, pelo menos a imputação de erros grosseiros e repetidos à arbitragem por si efetuada, sempre em prejuízo da mesma equipa.
3.18 Por outro lado, aquelas expressões, usadas repetidamente, e no contexto em que o foram, não vertem uma mera crítica, admissível e tolerável, ao desempenho do árbitro principal da partida. Elas na verdade refletem também uma crítica quanto à nomeação daquele mesmo árbitro para vários jogos em que o .................... participou, levantando simultaneamente a suspeição de que aquele árbitro havia sido tendencioso nas arbitragens, prejudicando reiteradamente o clube em causa.
3.19 O que é bastante para concluir não ser de considerar que a decisão disciplinar punitiva fez uma errada subsunção dos factos ao direito.
Tendo que manter-se, nessa medida, o juízo feito no acórdão arbitral recorrido.
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3.20 Por último no que respeita à concreta medida da pena disciplinar aplicada, a invocação, feita pelo recorrente no presente recurso, reincide na que já foi feita em sede do recurso arbitral.
Sendo que o acórdão arbitral ora recorrido enfrentando tal questão, explanou ter sido certa, por correta aplicação dos limites máximo e mínimo decorrente das normas do Regulamento Disciplinar convocadas.
Não pondo, todavia, o recorrente em causa o juízo assim feito no acórdão arbitral. Pelo que só resta negar provimento, também nesta parte, ao recurso.
~
3.21 Não procedendo, nos termos supra vistos, nenhum dos erros de julgamento imputados ao acórdão arbitral recorrido, tem que negar-se provimento ao recurso de interposto, confirmando-o.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se o acórdão arbitral recorrido.
~
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP.
*
Notifique.
D.N.
Lisboa, 5 de Julho de 2017


______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)





______________________________________________________
Maria Cristina Gallego dos Santos Voto de vencido:
Salvo o devido respeito pelo entendimento maioritário que obteve vencimento, daria procedência ao recurso pelos motivos que seguem
*
O caso trazido a recurso reporta-se às previsões normativas de ilícito disciplinar constantes do Regulamento disciplinar das competições organizadas pela Liga portuguesa de futebol profissional, aprovado na AGE de 27.06.2011 com as alterações aprovadas nas AGE de 2011, 2012, 2013, 2015, 2016, ratificado na reunião da AG da Federação portuguesa de futebol de 29.06.2016, no que respeita às infracções previstas e punidas no artº 112º nº 1 por remissão expressa do artº 136º nº 1 do citado Regulamento.

A previsão dos artºs. 136º nº 1 e 112º nº 1, na parte que importa ao objecto do recurso, é a seguinte:
§ 136º/1 – “Os dirigentes que praticarem os factos previstos no nº 1 do artº 112 contra …. elementos da equipa de arbitragem …”
§ 112º/1 – “Os clubes que desrespeitarem ou usarem de expressões … difamatórias …

A difamação é um conceito normativo descrito no artº 180º nº 1do C. Penal, como segue:
§ 180/1 – “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, …”

*.
Diz-nos Eduardo Correia: "(..) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (..) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (..)" (1)
Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta: "(..) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (..) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua actuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho actual ou futuro (..) No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respectivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (..)"(2)
De modo que, à semelhança do que acontece em direito penal, o quid de ilícito traduz o comportamento não querido pelo ordenamento jurídico.
Todavia, diversamente da técnica da descrição tipificada do comportamento não querido pela norma, própria do ilícito penal, cfr. art° 1° Código Penal, o ilícito disciplinar segue a técnica da descrição normativa do desvalor de acção e de resultado mediante a adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo do comportamento não querido pela norma regulamentar e, portanto, vinculativos.
O que não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjectivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar.
De modo que em sede disciplinar, o facto não assume a qualidade jurídica de facto típico porque tal densificação normativa não existe, ao contrário do regime normativo de natureza criminal, em que a hipótese legal contém a descrição do comportamento não querido pela norma, o chamado “tipo de ilícito” (conceito de crime – facto típico, ilícito e culposo), mas é evidente que tem de existir factualidade ilícita e culposa que traduza o desvalor de acção e de resultado reportados às previsões normativas de ilícito disciplinar, individualizada na materialidade e real existência dos eventos comportamentais imputados subjectiva e objectivamente ao arguido. (3)
*
Passa, assim, por dois planos a operação de subsunção da factualidade provada ao conceito normativo de infracção disciplinar previsto na norma, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica sancionatória definida:
§ primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam o ilícito previsto na norma disciplinar;
§ segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos provados na previsão normativa aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
Uma vez estabilizados os factos definidos na acusação, em função da observância do princípio do contraditório resultante da defesa e da prova produzida em audiência, a lei confere à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto. (4)

*
Os factos levados ao probatório no Ac. arbitral no que respeita às circunstâncias de tempo lugar e modo da infracção imputada ao Demandante – o ora Recorrente na terminologia do Ac. arbitral – constam dos itens 4, 5 e 6 e dos itens 7 e 8 consta a imputação a titulo de dolo directo.
O elenco da matéria de facto provada no Ac. arbitral termina com os itens 9 e 10 relativos à multa aplicada no processo disciplinar e ao sancionamento do ora Recorrente “em duas das três épocas desportivas anteriores”.
Tendo em conta o elenco probatório dos itens 4, 5 e 6, do nosso ponto de vista o Ac. arbitral não contém matéria de facto que permita concluir que a frase “aquele árbitro tinha roubado 3 penaltis ao Benfica na época passada ” é subsumível no conceito disciplinar de difamação no sentido de que constitui uma frase pela qual o arguido ora Recorrente formula sobre o árbitro em causa um juízo,ofensivo da sua honra e consideração.
É do conhecimento geral que a multidão de pessoas - sejam milhares seja um ajuntamento de dezenas - que assiste aos jogos de futebol se manifesta segundo a sua pertença clubística de forma exuberante, aos gritos, aos saltos, em processo de imitação automática e contagiante a que se chama comportamento de manada”, próprio de grandes ajuntamentos de pessoas no desporto ou noutra qualquer circunstância agregadora de massas.
Acresce que, no futebol, a paixão clubística é de natureza conflitual, agressiva e permanente.
No contexto dos desafios, as massas adversariais de espectadores no estádio atingem o paroxismo vociferante na negação do adversário, não sendo rara a transmissão televisiva da degradação em rixas, no estádio ou à saída, e também não sendo raros os ataques aos autocarros de transporte dos futebolistas por arruadas de adeptos do clube adversário.
O conhecimento geral hodierno desta vivência no futebol remonta aos relatos radiofónicos da década de 60 e das transmissões televisivas, hoje práticamente diárias, atitude de vida levada ao cinema popular cristalizada no comportamento de um sujeito alucinado no relato exaltante de uma jogada, aos pontapés à mobília da casa de jantar (“O leão da Estrela”), comportamento excessivo e arruaceiro que, todavia, foi levado ao cinema com intuitos propagandísticos benévolos.
De modo que do ponto de vista jurídico constitui facto notório que nos desafios de futebol o pathos sobreleva a racionalidade dos aficionados dos dois clubes em presença.
Tendo presente este ambiente de vida em sociedade no tocante ao futebol é absolutamente decisivo que o elenco da matéria de facto provada levada ao procedimento disciplinar (e ao processo em sede arbitral ou junto dos Tribunais estaduais, como é o caso) evidencie o contexto em que foi formulada a expressão ou o juízo tidos por ofensivos da honra e consideração do árbitro visado, para mais durante um jogo em estádio, de modo a permitir a formulação do juízo jurídico de desvalor de acção e de resultado, sob pena de improcedência quando não de nulidade da própria peça jurídica.

*
Na circunstância do presente recurso, a matéria de facto levada ao probatório nos itens 4, 5 e 6 do Ac. arbitral evidencia que,
§ na “tribuna presidencial” do estádio do Benfica
§ e findo o jogo,
§ o ora Recorrente disse ao vice-presidente do conselho de arbitragem que “aquele árbitro tinha roubado 3 penaltis ao Benfica na época passada”.
Utilizar o termo “roubar” no calor do final do jogo para dizer que houve 3 penaltis não assinalados à equipa adversária do Benfica, na sua objectividade concretizada na palavra “roubar” que se utilizou, do nosso ponto de vista não permite, desacompanhada de mais elementos de facto, concluir que foi afectada a reputação social do árbitro visado, ou seja, que houve difamação.
Que “o árbitro X roubou penaltis ao clube Y” é recorrente ouvir-se nos programas diários, em todos os canais televisivos de segunda a segunda, depois do jantar, a pessoas com as mais variadas profissões e origens sócio-familiares, ou seja, pessoas de bem, probos e aficionados do futebol não se considerando afectado o núcleo essencial das qualidades morais, inerentes à dignidade da pessoa humana de molde a ferir valores da ética socialmente relevantes.
O bem jurídico protegido na difamação, do ponto de vista disciplinar ou criminal, reconduz-se a uma concepção fáctica- objectiva da honra, no sentido da reputação de que uma pessoa efectivamente goza no respectivo meio envolvente, no caso, no meio futebolístico como profissional da arbitragem; uma concepção fáctica-subjectiva, no tocante ao juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma; e uma concepção normativo-social, configurativa da merecida pretensão de respeito no contexto das suas relações sociais. (5).
O que significa que, para efeitos jurídico sancionatórios disciplinares ou criminais no domínio da difamação, cabe distinguir entre, por um lado, a crítica de actos ou de obras determinados, concretos, específicos e, por outro, a emissão de um juízo sobre a pessoa.

*
Dito de outro modo, do ponto de vista jurídico-sancionatório não é admissível o entendimento de que “a crítica de uma actuação profissional não deixa de atingir a honra da pessoa visada”.
Este raciocínio implica considerar que uma crítica constitui sempre, só por si, um desvalor de acção e de resultado não querido pelo ordenamento jurídico, o que do ponto de vista conceptual por reporte aos direitos fundamentais maxime o direito à liberdade de expressão consagrado no artº 37º nºs. 1, 2 e 3 CRP, esvazia completamente a liberdade de expressão crítica.
Consequentemente, cabe traçar a fronteira entre a livre crítica e o sacrifício total dessa liberdade de crítica, com fundamento na matéria de facto provada no procedimento disciplinar (ou processo criminal).

*
Ao criticar uma arbitragem em desafios com o Benfica por “roubar 3 penaltis” como fez o ora Recorrente, não constando dos autos mais nenhuma factualidade, salvo o devido respeito por entendimento distinto, a conclusão devida é no sentido que os autos provam que se critica a concreta pessoa, no caso, o árbitro visado, mas, na ausência de mais factos para além da dita frase, a crítica restringe-se à actuação circunscrita, não à sua pessoa.
Ou seja, o procedimento disciplinar (e ao processo em sede arbitral ou junto dos Tribunais estaduais, como é o caso) deve evidenciar matéria de facto provada pelos meios admitidos em direito, donde se possa concluir em critério de proporcionalidade, necessidade e adequação, relevando o contexto em que as expressões em causa foram proferidas, que a crítica à actuação do visado incorpora também a afectação da sua reputação social e, por isso, constitui uma crítica difamatória por atingir a sua honra do ponto de vista fáctico-objectivo, fáctico-subjectivo e normativo-social, nos termos supra referidos.
Neste sentido vd. o enquadramento jurídico constante dos Acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa, de 11.12.2013, procº nº 1476/12.9 e da Relação do Porto, de 15.10.2014, proc. nº 6941/10, de 12.11.2014, procº nº 278/13.0 e de 02.12.2015, procº nº 1289/13.0
Pelo exposto, concederia provimento ao recurso, revogando o Acórdão arbitral.
Lisboa, 05.JUL.2017

(Cristina dos Santos ) ……………………………..
(1)Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina/1971, pág. 37.
(2) José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs.113 e 116.
(3) Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, V-1º, Coimbra Editora/2014, págs. 543/545.
(4) Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo - FDL/1980, págs.621 e 787; Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex/1995, pág. 91
(5) José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo I Coimbra Editora/1999, págs. 602/607, comentário ao artº 180º.______________________________________________________
Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela