Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:186/16.2BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:DECRETO-LEI N.º 220/2006, DE 03.11;
ART.S 10.º, N.ºS 1, 4, ALÍNEA A), E 5 E 63.º;
TRIÉNIO
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A A., J. M. – L. P., S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, em 20.03.2017, que julgou totalmente improcedente a ação de impugnação de ato administrativo por si intentada, mantendo na ordem jurídica o despacho de 18.01.2016, proferido pelo Vogal do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, IP), que indeferiu «o recurso hierárquico interposto da decisão de lhe exigir o pagamento de €22.747,80, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário C. B.», com fundamento no disposto nos art.s 10.º, n.ºs 1, 4, alínea a), e 5 e 63.º todos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11, que estabelece o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem.


Em sede de alegações de recurso, concluiu como se segue – cfr. fls. 224 e ss., do SITAF:

«(…)

1.º O presente recurso é circunscrito à matéria de Direito e, neste particular, à interpretação e aplicação da lei aos factos assentes pelo Tribunal a quo.

2.º A interpretação feita pelo Tribunal a quo, segundo a qual “nos casos em que nos três anos, contados de forma regressiva, desde a data de cessação do contrato por mútuo acordo, a empresa não estava a laborar e não tinha trabalhadores, o limite percentual previsto no n.º 4 do artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11, não será o mais benéfico, pois x % de 0 é sempre 0” e que “Neste caso, o limite a aplicar é o limite absoluto previsto no n.º 4 do artigo 10.º do DL 220/2006”, é inconstitucional, porquanto violadora dos artigos 8º, nº 4, 13º e 80º, alínea c) da Constituição.

3.º Considerando que o legislador ponderou como únicos critérios “a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos”, a concretização desta regra não pode considerar-se condicionada ou até excluída, como resulta da interpretação da douta sentença recorrida, ao tempo de actividade da empresa (reiterando-se que, se assim fosse, tal conclusão seria inconstitucional, nos termos sobreditos).

4.º Ponderadas as circunstâncias do caso e os fins que o legislador teve em vista, a ponderação do período temporal (triénio) terá que, assim, visto os princípios da igualdade e da proporcionalidade, considerar a possibilidade de o seu cômputo ser efectuado, não de forma regressiva, mas considerando como termo a quo o mês seguinte ao momento em que a empresa passou a possuir um quadro de pessoal e como termo ad quem o momento em que se completariam os três anos sobre aquele primeiro momento, apenas podendo ser considerados, no decurso daquele período e para efeitos do regime jurídico constante do Decreto-Lei nº 220/2006, as cessações de contratos de trabalho que, segundo o critério de maior favorabilidade, resultasse da aplicação de um dos critérios de determinação constantes da alínea a) do nº 4 e do nº 5 do artigo 10º daquele diploma.

5.º Sendo esta a interpretação que melhor se ajusta ao sentido e alcance da lei, aplicando o critério percentual previsto no artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de Novembro, e para efeitos do n.º 1 do mesmo artigo, o Réu estava obrigado a considerar desemprego voluntário aquele resultante do acordo estabelecido com 25% dos trabalhadores, o que equivale a 15 trabalhadores e não a 3 como entende o Réu, pelo que sobre a Autora não impende a obrigação resultante do disposto no artigo 63º daquele diploma.

6.º Sem prescindir, não pode sustentar-se o entendimento vertido na douta sentença recorrida, segundo o qual “na hipótese de se considerar que a interpretação e aplicação que a entidade demandada fez do artigo 10.º, n.ºs 4 e 5, do DL 200/2006, de 03/11, está correcta, a autora defende que o quadro de pessoal deve ser aferido em função da cedente do estabelecimento industrial que explora desde 01/06/2015. Porém, também esta solução não merece acolhimento na lei, que se refere à empresa, identificando-a com entidade empregadora” (negrito da Recorrente).

7.º Com efeito, visto o artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de Novembro, verifica-se que, contrariamente ao vertido na douta sentença, o respectivo texto nomeia as “empresas” e não as “entidades empregadoras”, referindo-se a estas tão só a propósito da responsabilidade pelo incumprimento daquelas normas que a vinculam e que resultam daquele diploma.

8.º O conceito de “empresa” com um sentido bem mais amplo e diverso do que o arreigado a uma entidade dotada de personalidade e capacidade jurídica, titular da posição de empregador, pelo que não é correcta a interpretação de que o artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006 se refere à “empresa” enquanto pessoa dotada de personalidade jurídica,

9.º Tanto assim que, o artigo 10º, nº 4 do Decreto-Lei nº 220/2006 refere-se a “quadro de pessoal”, o qual, nos termos da Portaria nº 785/2000, de 19 de Setembro, em vigor à data da publicação do Decreto-Lei nº 220/2006, determinava expressamente que o quadro de pessoal deveria ser referenciado para cada “Unidade Local (estabelecimento)”, regra que se manteve e mantém com o actual Anexo A do Relatório Único aprovado pela Portaria nº 785/2010, de 19 de Setembro.

10.º Tem assim pleno cabimento, por isso, a asserção da Autora segundo a qual, tendo a Autora, por força do trespasse do estabelecimento, sucedido à S. – C. P. L., CRL na posição de entidade empregadora e considerando que essa entidade possuía, no início do triénio contabilizado pelo Réu, um quadro de pessoal de 82 trabalhadores, possa ser aplicado o critério percentual previsto no artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, e para efeitos do n.º 1 do mesmo artigo, devendo assim o Réu considerar desemprego voluntário aquele resultante dos acordos estabelecidos até ao limite de 20 trabalhadores (25% x 82).

11.º Ao entender de modo diferente, a douta sentença recorrida não terá feito e melhor interpretação e aplicação do Direito atinente, deste modo violando o os artigos 8º, nº 4, 13º e 80º, alínea c) da Constituição, o artigo 49º do TFUE e os artigos 10º e 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.(…)».

O Recorrido ISS, IP, contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos – cfr. fls. 290 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1°.- Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta sentença de 20 de março de 2017, proferida pelo Mm° Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a qual julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

2°.- Resultando dos autos ter sido tal sentença notificada às partes por ofício datado de 21/03/2017, significa isto que, se considera o ora Recorrente notificado da sentença em 23/03/2017, (cfr. art.° 248° do C.P.C.),

3°.- Nos termos do disposto no art.° 144° n°1 do CPTA, dispunha o Autor do prazo de 30 dias para interpor o presente recurso, o que significa que teria o mesmo o prazo até 24/04/2017 para o fazer.

4.°- Não tendo o Recorrente interposto o Recurso no prazo previsto, resultando dos autos que apenas foi interposto em 05/05/2017, é o mesmo manifestamente extemporâneo, pelo que, nos termos do disposto no art.° 145° n°2 alínea a) do CPTA, deverá o mesmo ser indeferido, por não admissível, com as devidas consequências legais, o que se requer.

Caso assim não seja, por V. Exas, doutamente entendido,

5. °- Oferece o recorrido, o mérito da douta sentença recorrida que, de forma tão sábia e proficiente, julgou improcedente por não provada a presente acção e em consequência absolveu ora Recorrido do pedido, dando aqui por reproduzida toda a matéria, a esse propósito vertida em sede de decisão, já que, face a tão clarividente fundamentação da mesma, nada mais poderá acrescentar, por inócuo.

6. °- Limita-se, o ora Recorrido, apenas a reforçar tudo quanto já oportunamente expendido em sede de contestação, na medida em que, nada de novo, ao cabo e ao resto, é trazido pelo recorrente na fundamentação do presente recurso, relativamente ao anteriormente expendido.

7. °- Encontrando-se circunscrito pelo Recorrente, o presente recurso à matéria de direito e, neste particular à interpretação e aplicação da lei aos factos assentes pelo tribunal a quo, centra-se então a problemática jurídica em discussão nos presentes autos, na questão de saber se a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, celebrado entre a ora recorrente e o trabalhador em causa, efectuada em 31/08/2015, cabe dentro da quota disponível prevista no n° 4 do artigo 10° do Decreto-Lei n° 220/2006, de 03/11, aferida segundo o disposto no n°5 do mesmo artigo, ou se, ao invés, como sustenta o ora Recorrido, a extravasa.

8. °- Salvo o devido respeito por douto entendimento, ao contrário do alegado, atenta toda a matéria de facto assente e dada como provada com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, não podemos concordar com a interpretação do quadro legal aplicável na situação em apreço, nomeadamente, do disposto no artigo 10° n° 4 e n°5, respeitantes à fórmula de contagem do tempo e limites nestes definidos, efectuada pela Recorrente, senão vejamos:

9. °- Delineado, que consta, na sentença de que se recorre, o quadro legal que temos de considerar para decidir a supra identificada questão controvertida objeto da presente acção, importa em primeiro lugar, determinar o sentido com que vai o disposto no n°5 do artigo 10° de tal diploma legal.

10.°- Assim, tendo presente as exigências hermenêuticas constantes dos n° 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais o intérprete não pode dar a uma norma uma interpretação” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e por outro lado, que “ na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagra as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, e tendo ainda em conta que a interpretação deve ter em consideração a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, afigura-se-nos que no n°5 do artigo 10° tem de valer com o sentido que dele extrai o ora recorrido.

11. °- Ou seja, analisando o regime nele estabelecido, dele retiramos, de forma clara, que a contagem do triénio em causa se inicia na data da cessação do contrato de trabalho, ou seja, segundo o seu teor literal, o triénio é estabelecido tendo em atenção a data em que cessa o contrato de trabalho, data essa que determina o início da contagem do mesmo.

12. °- Por outro lado, se atentarmos na redacção dada à alínea a) do n°4, do mesmo artigo, dele decorre, de forma direta e inequívoca, que o limite aí referido de três trabalhadores ou até 25% do quadro de pessoal para as cessações dos contratos de trabalho por acordo, é aferido por referência ao triénio.

13. °- Ou seja, o legislador estabeleceu expressamente, a propósito do número de trabalhadores a considerar para efeitos de cálculo da quota disponível nos termos previstos no n°4, que se atende ao número de trabalhadores ao serviço da empresa «no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável».

14. °- Conforme bem se explicita na Circular n°1 emitida pela DGSS, datada de 07.02.2007, “ Para efeitos de aplicação do disposto nos n°s 4 e 5 do artigo 10° do Decreto-Lei n° [220/2006], o número de trabalhadores da empresa é aferido no mês anterior ao do limite do período retrospectivo de três anos, o qual corresponde ao mês temporalmente mais distante.

Enquanto não tiver decorrido um período de três anos, contados da data da entrada em vigor das citadas normas (4 de Novembro de 2006) o número de trabalhadores para apuramento das quotas é o verificado em Outubro de 2006."

15. °- Por conseguinte resulta da lei que uma coisa é o início do triénio e outra coisa é a data em que é feita a contagem desse triénio.

16. °- Isto é, de acordo com o disposto no n°5 do artigo 10°, os limites das quotas são aferidos por referência aos três últimos anos, cuia contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio.

17. °- Ou seja, a data da cessação do contrato de trabalho por acordo corresponde à data fim do triénio sendo a data início a correspondente à contagem de 3 anos para trás daquela data e o número de trabalhadores da empresa relevante para o cálculo das quotas é o que a empresa tinha no mês anterior ao da data de início do triénio, com observância do critério mais favorável (n°5 do artigo 10°), ou seja, do número fixo de trabalhadores previsto nas citadas alíneas a) e b), ou das percentagens igualmente ali previstas, consoante o critério que atribuir maior quota à entidade patronal.

18. °- Neste mesmo sentido, e apenas para citar três exemplos, fazemos referência ao entendimento propugnado pelos Acordãos do TCA do Sul, proferidos no Proc. n° 09466, datado de 07/03/2013, no Proc. n° 09158/12, de 24/01/2013, ou ainda no Proc. n° 05013/09, datado de 19/11/2009.

19.°- Assim, regressando ao caso dos autos e tendo em consideração a matéria dada por provada na douta sentença recorrida, verifica-se que o contrato de trabalho do beneficiário C. B. foi cessado por acordo em 31-08-2015, pelo que, esta data corresponde ao fim do triénio.

20 °- A data início do triénio é 01/09/2012.

21.°- Donde o triénio a considerar no presente caso, compreender-se-ia de 01/09/2012 a 31/08/2015.

22. °- Contudo, quer se considere o mês anterior ao triénio, agosto de 2012, quer se considere o mês de início de actividade da empresa, Julho de 2014, verifica-se que a recorrente apresenta sempre zero trabalhadores.

23. °- Assim, a aplicar-se o critério da percentagem acima referido, a recorrente não poderia efectuar qualquer cessação (zero trabalhadores implica zero cessações).

24. °- Sendo certo que a cessação do contrato de trabalho com C. B. teve lugar em 31/08/2015 e, no período em referência, a empresa cessou contratos, com idênticos fundamentos, com 4 trabalhadores.

25. °- Pelo que, é por demais evidente que foi aplicado à Autora o critério mais favorável, traduzido na possibilidade de, no triénio em causa, ou pelo menos desde a data da sua constituição até à data da cessação do contrato de trabalho em causa, poder efectuar cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive - primeira parte da alínea a) do n.° 4 do artigo 10.° do diploma citado.

26. °- Considerando que a Autora excedeu o limite de cessações em causa, aplica-se a cominação do artigo 63° do mesmo diploma, o qual estabelece que, nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n° 4 do artigo 10°, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.

27. °- Donde bem andou o Mm° Juiz do Tribunal a quo ao decidir da forma como o fez, fazendo uma correta interpretação do disposto no artigo 10° n°4 e n°5, respeitantes à formula de contagem do tempo e limites nestes definidos, bem como ao decidir com os fundamentos nela constantes, não poder, como pretende a Recorrente, que o quadro de pessoal seja aferido em função da cedente do estabelecimento industrial que explora desde 01/06/2015.

28. °- Face ao exposto, submetida que está, no caso em apreço, a atuação do Réu ao princípio da legalidade, por ter sido feita uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, e de modo algum contrária à Constituição e ao Tratado de Funcionamento da União Europeia, verifica-se que não assiste razão ao Recorrente, sendo assim absolutamente válido, legal e isento de qualquer vício o ato praticado pelo Recorrido devendo concluir-se pela improcedência da argumentação expendida.

29.°- De consonância com o disposto no artigo 636° n°1 do CPC , aplicável por remisssão do artigo 140° n°3 do CPTA e artigo 149° n°2 do CPTA, prevenindo a necessidade da sua apreciação, o ora Recorrido solicita que este douto tribunal ad quem conheça dos fundamentos relativos às exceções de inimpugnabilidade do ato e caducidade do direito de ação alegadas em sede de contestação. (…)».

O DMMP junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 147.º, ambos do CPTA, não se pronunciou.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, ao considerar que, no caso em apreço, a cessação do contrato de trabalho por acordo, extravasa a quota disponível para o efeito, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.s 10.º, n.º 4, alínea a), n.º 5 e 63.º, todos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11, assim violando os art.s 8. º, n.º 4 – sobre a aplicação dos tratados que regem a União Europeia -, 13.º - princípio da igualdade - e 80. º, alínea c) – princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista - todos, da Constituição da República Portuguesa e art. 49.º do TFUE, que determina a proibição de restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 193 e ss., do SITAF:

«(…)

1) Em 09/07/2014 foi inscrita no registo comercial a constituição da autora [cf. fls. 11-12, numeração dos autos em suporte de papel].

2) Em 13/04/2015 o quadro de pessoal da S. – C. P. L., CRL era composto por 82 trabalhadores, nas quais de incluía C. B. [cf.fls. 14, verso, 15 e 16, numeração dos autos em suporte de papel].

3) Em 01/06/2015 a autora acordou com a S. – C. P. L., CRL, o trespasse do estabelecimento desta [acordo – facto alegado pela autora e não impugnado pela entidade demandada].

4) Em 31/08/2015 a autora e C. B. assinaram o documento designado por “Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho Por Acordo das Partes”, o qual tem o teor de fls. 7-8, numeração dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido.

5) Em 31/08/2015 a autora assinou o documento designado por “Declaração (nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º e 74.º do DL n.º 220/2006 de 03 de Novembro)”, com o teor de fls. 41-42, numeração dos autos em suporte de papel, do qual consta o seguinte:

«(...)


Original nos autos

(...)».

6) C. B. requereu à entidade demandada a concessão de subsídio de desemprego, o que foi deferido, por um período de 1140 dias no montante diário de €21,79 [cf. fls. 40, verso, e 41, numeração dos autos em suporte de papel].

7) Entre 30/06/2015 e 31/08/2015 a autora acordou a cessão do contrato de trabalho com 5 trabalhadores [cf. fls. 40, numeração dos autos em suporte de papel].

8) A entidade demandada enviou à autora, que recebeu em 01/10/2015, um ofício do qual consta o seguinte:

«(...)




(...) [cf. fls. 7 e 39, verso, numeração dos autos em suporte de papel; em relação à data de recepção atendeu-se à data aposta no carimbo de entrada a fls. 7, numeração dos autos em suporte de papel].

9) A autora apresentou recurso hierárquico da decisão descrita no ponto anterior [acordo].

10) A entidade demandada remeteu ao mandatário da autora, que recebeu, um ofício a coberto do qual lhe comunicou que em 28/10/2015 o recurso hierárquico referido no ponto anterior foi remetido ao seu conselho directivo [cf. fls. 53, verso, numeração dos autos em suporte de papel].

11) Em 03/12/2015 o mandatário da autora remeteu à entidade demandada, através de fax, um requerimento no qual peticionou informações sobre o estado do recurso hierárquico referido em 9), sobre os actos e diligências praticados, as decisões adoptadas e a indicação da data expectável para a prolação de decisão [cf. fls. 52, verso, e 54, numeração dos autos em suporte de papel].

12) A entidade demandada remeteu ao mandatário da autora, que recebeu, um ofício a coberto do qual lhe informou que o pedido descrito no ponto anterior foi encaminhado para o seu conselho directivo [cf. fls. 55, numeração dos autos em suporte de papel].

13) Em 10/12/2015 o mandatário da autora remeteu à entidade demandada, através de fax, um requerimento no qual peticionou que o centro distrital da entidade demandada solicitasse as informações referidas no requerimento descrito em 11) ao conselho directivo, invocando, que o referido conselho não presta informações ao público [cf. fls. 56-57, da numeração dos autos em suporte de papel].

14) Em 16/12/2015 o mandatário da autora remeteu à entidade demandada uma mensagem de correio electrónico pela qual solicitou que a entidade demandada informasse se no âmbito do recurso hierárquico referido no ponto 9) houve lugar à realização de nova instrução ou diligências complementares [cf. fls. 57, numeração dos autos em suporte de papel].

15) Os serviços da entidade demandada remeteram à autora, que recebeu, um ofício do qual consta o seguinte:

«(...)




(...)» [cf. fls. 58, numeração dos autos em suporte de papel].

16) Em 13/01/2016 a entidade remeteu ao mandatário da autora uma mensagem de correio electrónico, da qual consta o seguinte:

«(...)




(...)» [cf. fls. 59, numeração dos autos em suporte de papel].

17) Em 18/01/2016 um vogal do conselho directivo da entidade demandada proferiu o seguinte despacho:

«(...)


Original nos autos

Original nos autos


(...)» [cf. fls. 35-39, numeração dos autos em suporte de papel].

18) Os serviços da entidade demandada enviaram ao mandatário da autora, que recebeu, um ofício, datado de 01/02/2016, a coberto do qual lhe deram a conhecer a decisão descrita no ponto anterior [cf. fls. 8, numeração dos autos em suporte de papel].

19) Em 02/05/2016 a autora remeteu a este tribunal, através do SITAF, a petição inicial do presente processo na qual pede a anulação da decisão descrita em 17) [cf. fls. 2, numeração dos autos em suporte de papel, quanto ao dia e modo de remessa da petição inicial; cf. quanto ao teor da petição inicial e pedido fls. 3-6, numeração dos autos em suporte de papel].

Inexistem outros factos com relevância para a decisão.»


II.2. De Direito
Insurge-se a A., ora Recorrente, contra a decisão recorrida, alegando, em suma, que a interpretação feita pelo tribunal a quo é inconstitucional, porquanto viola os art.s 8.º, n.º 4, 13.º e 80.º, alínea c) da Constituição e art. 49.º do TFUE, ao secundar que no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 22.11, na contagem do triénio previsto no n.º 5 do art. 10.º, de forma regressiva, desde a data de cessação do contrato por acordo, como termo a quo, abarcando o termo ad quem uma data em que a empresa não estava a laborar, o limite a aplicar é o limite absoluto previsto no n.º 4 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, por ser esse o mais benéfico – cfr. 2.ª a 5.ª conclusões de recurso.
Defendendo, ao invés, que as circunstâncias do caso, e os fins que o legislador teve em vista, exigem que a ponderação do período temporal (triénio), visto os princípios da igualdade e da proporcionalidade, considere a possibilidade de o seu cômputo ser efetuado, não de forma regressiva, mas considerando como termo a quo o mês seguinte ao momento em que a empresa passou a possuir um quadro de pessoal e como termo ad quem o momento em que se completariam os três anos sobre aquele primeiro momento, apenas podendo ser considerados, no decurso daquele período e para efeitos do regime jurídico constante do citado Decreto-Lei nº 220/2006, as cessações de contratos de trabalho que, segundo o critério de maior favorabilidade, resultasse da aplicação de um dos critérios de determinação constantes da alínea a) do nº 4 e do nº 5 do art. 10º daquele diploma. – cfr. conclusão n.º 4
E que, alega ainda a Recorrente, teria ainda pleno cabimento a asserção segundo a qual, tendo a A., ora Recorrente, por força do trespasse do estabelecimento, sucedido à S. – C. P. L., CRL, na posição de entidade empregadora e considerando que essa entidade possuía, no início do triénio contabilizado pelo R., ora Recorrido, um quadro de pessoal de 82 trabalhadores, pudesse ser aplicado o critério percentual previsto no art. 10.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03.11, e para efeitos do n.º 1 do mesmo artigo, devendo assim considerar-se desemprego voluntário aquele resultante dos acordos estabelecidos até ao limite de 20 trabalhadores (25% x 82). – cfr. conclusão n.º 10
Pelo que, concluiu, a sentença recorrida não terá feito e melhor interpretação e aplicação do direito aplicável, violando os art.s 10º e 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03.11 e os art.s 8º, nº 4, 13º e 80º, alínea c), da CRP, o art. 49º do TFUE – cfr. conclusão n.º 11 – pois que, «constitui uma restrição intolerável à liberdade de estabelecimento, quando aplicada a empresa sediada noutro Estado-membro que pretendesse estabelecer-se em Portugal, o princípio da igualdade (artigo 13° da Constituição) e o princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial (artigo 80°, alínea c) da Constituição) impõem que, cedendo aquela interpretação perante aquela liberdade, não poderá ser aplicada quando esteja em causa uma empresa nacional, o que, de resto, contraria o espírito de convergência ínsito na Recomendação 92/442/CEE do Conselho, de 27 de Julho de 1992, relativa à convergência dos objectivos e políticas de protecção social.» - cfr. aduz no corpo das alegações de recurso.
Desde já se adianta que a A., ora Recorrente, não tem razão, pois que a sentença recorrida apreciou, sem erro, quer os factos, quer as normas aplicáveis ao caso em apreço, mas vejamos melhor porquê.
Atentemos, pois, no discurso fundamentador da sentença recorrida:
«(…) O enquadramento jurídico relevante para a decisão da questão enunciada resulta, essencialmente, do Regime Jurídico de Protecção no Desemprego, aprovado pelo DL 220/2006, de 03/11, especialmente dos artigos 10.º e 63.º, na redacção dada pelo DL 64/2012, de 15/03.

Vejamos, em seguida, em face do enquadramento jurídico enunciado e dos factos provados, se a autora tem razão quando alega que a entidade demandada errou na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.ºs 4 e 5, do DL 220/2006, de 03/11 [a invocação da violação dos princípios da legalidade, da justiça e da razoabilidade é consumida pela invocação do erro quanto aos pressupostos, atenta a alegação da autora e dado o carácter vinculado da actuação da entidade demandada].

A autora entende que para efeitos do artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do DL 220/2006, de 03/11, quando o acordo de cessação do contrato de trabalho tenha sido celebrado antes da empresa ter completado três anos de actividade, o quadro de pessoal deve ser aferido à data de início de actividade.

Entende a autora que interpretação diversa implica que:

(i) quando o acordo de cessação do contrato de trabalho tenha sido celebrado antes da empresa ter completado três anos de actividade não é possível aplicar o critério percentual previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do DL 220/2006, pois ter-se-ia, como fez a entidade demandada, que ficcionar um triénio de actividade que não existiu [i.e. ter-se-ia que ficcionar que a empresa estava em laboração, quando não estava] e

(ii) se interprete o artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11, como impedindo a cessação do contrato de trabalho por acordo antes de decorridos três anos sobre o início da actividade do empregado e sobre o início da relação laboral.

Em relação a este segundo argumento, desde já se diga que o mesmo não é de acolher, pois, mesmo segundo a interpretação da entidade demandada o artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11, não dispõe sobre a admissibilidade ou validade da cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, matéria que é regulada pelo Código do Trabalho. O referido artigo 10.º limita-se a disciplinar as condições em que tal cessação por mútuo acordo confere ao trabalhador direito a receber o subsídio de desemprego.

Em relação ao primeiro argumento, o mesmo também não merece provimento, pois não tem o acolhimento na letra da lei, a qual nos termos do artigo 9.º do CC, constituiu o ponto de partida e limite da interpretação.

Com efeito, o artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11, estabelece o seguinte:

«(...) 4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio; b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.

5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável. (...)».

Ora, o legislador no n.º 5 define o concreto ponto temporal que releva para apurar o quadro de pessoal para efeitos do n.º 4, determinando que o mesmo é composto pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao do início do triénio, contado de forma regressiva desde a data de cessação do contrato.

A entidade demandada, ao contrário do que entende a autora, não ficcionou qualquer triénio de actividade, limitando-se a aplicar o critério legal previsto no n.º 5 do artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11.

Efectivamente, o legislador para cálculo do triénio não se refere aos três últimos anos de actividade da empresa, mas apenas aos três últimos anos e, do mesmo passo, não distingue conforme o acordo de cessação tenha sido, ou não, celebrado antes de decorridos três anos sob o início da actividade do empregador.

Onde o legislador não distingue, na falta de razões ponderosas, não deve o intérprete distinguir.

O exposto não significa que os trabalhadores que cessem o contrato de trabalho por mútuo acordo antes de decorridos três anos desde o início de laboração da empresa nunca possam aceder ao subsídio de desemprego, sem que, posteriormente, o seu valor venha a ser peticionado pela entidade demandada à entidade empregadora, nos termos o artigo 63.º do DL 220/2006, de 03/11.

Significa apenas que nos casos em que nos três anos, contados de forma regressiva, desde a data de cessação do contrato por mútuo acordo a empresa não estava a laborar e não tinha trabalhadores, o limite percentual previsto no n.º 4 do artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11, não será o mais benéfico, pois x % de 0 é sempre 0.

Neste caso, o limite a aplicar é o limite absoluto previsto no n.º 4 do artigo 10.º do DL 220/2006.

No caso em concreto o acordo de cessação do contrato de trabalho foi celebrado em 31/08/2015, pelo que o triénio, relevante para efeito do artigo 10.º, n.º 4, do DL 220/2006, de 03/11, fixa-se entre 31/08/2012 e 31/08/2015 e o quadro de pessoal relevante para o mesmo efeito é apurado de acordo com o número de trabalhadores da autora em 09/2012.

Ora, como em 09/2012 a autora nem sequer tinha sido constituída, a solução do legislador é aplicar o limite absoluto previsto no artigo 10.º, n.º 4, alínea a), do DL 220/2006, de 03/11.

Deste modo, bem andou a entidade demandada ao decidir como decidiu.

Subsidiariamente, isto é, na hipótese de se considerar que a interpretação e aplicação que a entidade demandada fez do artigo 10.º, n.ºs 4 e 5, do DL 200/2006, de 03/11, está correcta, a autora defende que o quadro de pessoal deve ser aferido em função da cedente do estabelecimento industrial que explora desde 01/06/2015.

Porém, também esta solução não merece acolhimento na lei, que se refere à empresa, identificando-a com entidade empregadora.

Ora, a autora sucedeu na posição da S. – C. P. L., CRL, mas não se confunde com esta, pelo que desde o trespasse referido em 3), dos factos provados, que o estabelecimento industrial que pertenceu à S. – C. P. L., CRL passou a ser explorado pela autora e que os trabalhadores que eram da S. – C. P. L., CRL, passaram a ser trabalhadores da autora, sendo em relação a ela e não à S. – C. P. L., CRL, que se deve aferir do cumprimento dos pressupostos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11.

Provou-se que em 31/08/2015 a autora já tinha cessado por mútuo acordo o contrato de trabalho com mais do que três trabalhadores [cf. ponto 7), dos factos provados], pelo que com a declaração descrita em 5) criou em C. B. a convicção de que teria direito ao subsídio de desemprego nos termos do artigo 10.º do DL 220/2006, de 03/11.

Deste modo, bem andou entidade demandada ao decidir, com fundamento no artigo 63.º do DL 220/2006, de 03/11, conjugado com o artigo 10.º, n.ºs 1, 4, alínea a), e 5), do mesmo diploma, que a autora procedesse ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego atribuído a C. B.. (…)».

O assim decidido é para manter, realçando-se apenas o seguinte:

O R., ora Recorrido, ao contrário do que entende a A., ora Recorrente, não ficcionou qualquer triénio de atividade, limitando-se a aplicar o critério legal previsto no n.º 5 do art.10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11, que não se refere aos três últimos anos de atividade da empresa, mas apenas a um período de três anos, os últimos, a contar da data da cessação do contrato de trabalho em causa.

Ou seja, o que o legislador previu, e definiu, foi um período de três anos para o efeito previsto na norma em apreço, e que não recai sobre a admissibilidade ou validade da cessação do contrato de trabalho por acordo, matéria que é regulada pelo Código do Trabalho, mas sim, e apenas, sobre as condições em que tal cessação por acordo confere ao trabalhador direito a receber o subsídio de desemprego, criando particulares deveres de informação sobre a entidade empregadora, nos termos que constam do art. 63º do mesmo diploma legal, que rege, sob a epigrafe «Responsabilidade pelo pagamento das prestações», o seguinte: «Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.»

Sobre o texto, pretexto e contexto deste Decreto-Lei nº 220/2006, v. a título de exemplo, a doutrina que decorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.05.2019, P. 00531/16.0BEPRT (1) no qual se sumariou que «1. Foi propósito do legislador, conforme decorre dos artigos 9º, nº 1, alínea d) e 10º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei nº 220/2006, o de responsabilizar o empregador pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho. 2. Esta é a solução que, correspondendo aos termos da lei, se enquadra nos objectivos do diploma aqui em causa que pretendendo proteger as situações de trabalhadores no desemprego, visa também combater a fraude e promover a poupança de recursos na segurança social (cfr. respectivo preâmbulo).» e de cuja fundamentação consta, com interesse para a presente decisão, o seguinte «(…) não se descortina excesso nem desequilíbrio entre esta medida legislativa e a necessidade objectiva pública de evitar fraudes ou excessos das entidades patronais neste tipo de cessações do contrato por livre acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, cessações essas que dão naturalmente direito a subsídio de desemprego. É o que resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11: «O regime actual tem-se mostrado pouco eficaz na prevenção de situações de fraude no acesso e na atribuição indevida desta prestação, sendo necessário proceder a alguns ajustamentos e aperfeiçoar conceitos de modo que os mesmos possam ser mais operativos, promovendo-se, por isso, uma maior articulação entre os serviços de emprego e os da segurança social, reforçando e agilizando os canais de comunicação e a partilha de informação entre os mesmos. Destaca-se ainda o facto de as medidas de combate à fraude, para além da promoção da poupança de recursos na segurança social, penalizarem os comportamentos que distorcem a concorrência entre empresas. Assim, são definidas com rigor as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego, pois o sistema de protecção social não deve continuar a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas, sem prejuízo, contudo, da consideração de situações específicas de verdadeira reestruturação das empresas, com vista a garantir a sua viabilidade económica, e, assim, dos postos de trabalho em causa.».

Retomando o nó górdio dos autos, dúvidas não temos que o invocado art. 10.º não distingue, para os efeitos ali previstos, as situações em que o acordo de cessação tenha sido celebrado antes de decorridos três anos sob o início da atividade do empregador, pois que não é isso – três anos de atividade - que está em causa nesta norma, mas apenas a definição de um período, de um limite temporal de três anos, (2) sendo o respetivo termo a quo a data de cessação de cada contrato de trabalho, sem prejuízo deste triénio, em regra, poder coincidir com um efetivo período de laboração da empresa, mas que, em situações como a dos autos pode assim não suceder.

O art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006 rege, apenas, as situações e os moldes em que a cessação por acordo dos contratos de trabalho é considerada uma situação de «desemprego involuntário», para o efeito da atribuição de prestações de desemprego, ao dispor que: «(…) 4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:

a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;

(…)

5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.» (sublinhados nossos).

À luz do acima exposto, verifica-se que, nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo seja fundada em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, a lei prevê limites à consideração de tais cessações de contrato de trabalho como desemprego involuntário.

Ultrapassados os limites do n.º 4 do art. 10.º não pode ser considerada como desemprego involuntário a cessação de contratos de trabalho por acordo, nas situações ali previstas e, consequentemente, os trabalhadores em causa não terão direito às prestações de desemprego.

Do exposto não significa que os trabalhadores que cessem o contrato de trabalho por acordo antes de decorridos três anos desde o início de laboração da empresa não possam aceder ao subsídio de desemprego, por aplicação do art. 10.º, n.ºs 4 e 5, supra citado e transcrito, pois que podem, desde que respeitados os limites nos mesmos previstos e sem prejuízo do disposto no art. 63.º, do mesmo diploma legal.

Significa isto, apenas, que nos casos em que, se no termo ad quem do respetivo triénio, contados de forma regressiva, desde a data de cessação do contrato por acordo, a empresa, embora constituída, não estava ainda a laborar e não tinha, por esse motivo, trabalhadores, o limite a aplicar, previsto no n.º 4 do art. 10.º do citado Decreto-Lei n.º220/2006, será o limite absoluto, no caso, de três trabalhadores, por ser este o mais benéfico – cfr. n.º 5 do mesmo art. 10.º - e não o limite percentual, pois que «x % de 0 é sempre 0».

A norma, assim interpretada que foi pelo tribunal a quo, não viola os invocados princípios constitucionais e nem o art. 49.º do TFUE, pois que não se afigura desproporcional ou desadequada aos fins que visa atingir. (3)

Não errou, assim, o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu.

Não errou também ao ter considerado que será em relação à A., ora Recorrente, e não à S. – C. P. L., CRL, que deve aferir-se do cumprimento dos pressupostos dos n.ºs 4 e 5 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11, pois que o inverso comporta uma solução sem qualquer correspondência na letra da lei, como acabámos de ver.

Não se trata de condicionar qualquer período de atividade da empresa, trata-se, apenas, de aplicar um limite temporal às circunstâncias de facto que se verifiquem nesse período de tempo de três anos, contados de forma regressiva, para o efeito de se aferirem as situações e os moldes em que a cessação por acordo dos contratos de trabalho, são consideradas desemprego involuntário, para os efeitos da atribuição de prestações de desemprego, nos termos gerais.

Tendo resultado provado que em 31.08.2015 a A., ora Recorrente, já tinha cessado por acordo o contrato de trabalho com mais do que três trabalhadores - cfr. facto n.º 7 constante da matéria de facto supra – e que, com a declaração descrita no facto n.º 5, da matéria de facto supra, criou em C. B. a convicção de que teria direito ao subsídio de desemprego nos termos do art. 10.º do citado Decreto-Lei n.º 220/2006 – a decisão recorrida, ao ter mantido o ato em que o R., ora Recorrido, com fundamento nas disposições conjugadas do art. 63.º e art. 10.º, n.ºs 1, 4, alínea a) e n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03.11, determinou que a A., ora Recorrente, procedesse ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego atribuído ao trabalhador C. B., se deve manter também.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recuso e em manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27.04.2023

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira











1) Disponível em www.dsgi.pt
2) Sobre a contagem deste triénio, v. com interesse o ac. TCA Sul, de 24.09.2020, P. 651/12.0BELLE, disponível em www.dgsi.pt
3) Sobre este aspeto, v. também o já citado acórdão do TCA Norte, de 23.05.2019.