Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07094/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/30/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA.
ARTº.60, DA L.G.T.
VIGÊNCIA À FACE DO REGIME PREVISTO NO C.P.TRIBUTÁRIO.
ARTº.60, Nº.2, DA L.G.T. “COM BASE NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE”.
Sumário:1. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
2. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita.
3. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo).
4. Mesmo antes da entrada em vigor da L.G.T., é uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº.100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência.
5. O artº.60, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial (a redacção deste normativo foi alterada pela Lei 53-A/2006, de 29/12), versão aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil), dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte. Aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada, de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr.artº.267, nº.5, da C.R.P.), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico (cfr.v.g.liquidação de I.R.S. estruturada na sequência da entrega da declaração anual de rendimentos pelo sujeito passivo - cfr.artºs.65 e 77, do C.I.R.S.). Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.240 a 247 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação visando liquidação oficiosa de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 8.542,51.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.261 a 266 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por ... , contra a liquidação oficiosa de imposto municipal de SISA e de juros compensatórios, relativos a cessão de posição contratual em contrato-promessa de aquisição de imóvel, ocorrida em 25 de Novembro de 1997;
2-A fundamentação da sentença recorrida, assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual "Não tendo sido assegurado o exercício do direito de audição, de modo a acautelar a reponderação da concreta situação tributária da impugnante, à luz dos elementos e das considerações que esta pudesse, eventualmente, trazer ao procedimento, nos termos do artº.60, da LGT, preteriu-se formalidade essencial do procedimento tributário, determinante da anulação da consequente liquidação oficiosa de SISA aqui impugnada, com prejuízo do conhecimento dos restantes vícios alegados.";
3-Com tal entendimento não se pode esta representação da fazenda pública conformar, porquanto;
4-Nos termos do nº.2, do artº.60, da Lei Geral Tributaria, não há necessidade de promover a audição prévia do sujeito passivo, quando a liquidação é feita com base nos valores declarados por este;
5-Ora, “in casu”, a liquidação tem por base os valores declarados no contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o impugnante, na qualidade de promitente comprador, e a sociedade “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, na qualidade de promitente vendedora;
6-Considerava a lei em vigor à data dos factos que, para efeitos de incidência de SISA, haveria transmissão de propriedade imobiliária logo que houvesse tradição no âmbito de um contrato de promessa de compra e venda;
7-De igual forma, estipula ainda a lei em vigor à data dos factos que, há tradição caso venha a existir ajuste para revenda;
8-Ora tal é o que, indiscutivelmente, se verifica nos autos, pelo que é indiscutível que o imposto é devido;
9-E sendo que o mesmo foi liquidado com base nos valores declarados pelo ora impugnante aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, não se vislumbra a mínima hipótese de em sede de audição prévia vir o mesmo a apresentar argumentos que contrariem os valores contidos no referido documento;
10-Razão pela qual é correcta a aplicação do que previa o nº.2, do artº.60, em vigor a data dos factos, ou seja, "É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.";
11-Porquanto bem andaram os serviços na condução do procedimento e, com o devido respeito, mal decidiu o Tribunal “a quo”;
12-Isto porque admitir que, ainda que de forma ténue, pudesse o contratante, ora impugnante, contraditar, para efeitos de aplicação da lei fiscal tendente a liquidação do tributo, o que consta do contrato por si, livremente, celebrado, seria admitir a incorrecção das afirmações contidas no contrato, coisa que nem o próprio impugnante ousou fazer, uma vez que na sua petição inicial se comprovam todos os factos em que a administração fiscal se baseou na liquidação do imposto;
13-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser reconhecida a legalidade do procedimento e revogada a douta sentença que determinou a anulação da liquidação impugnada.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.267 a 272 dos autos), sustentando, nas Conclusões:
1-A liquidação em causa nos autos é, como se lê na sentença recorrida, uma "liquidação oficiosa, ou seja, uma liquidação com base em montantes não declarados pela impugnante, resultando evidente a necessidade de esta ser ouvida antes da liquidação.";
2-Ao contrário do que pretexta a recorrente, não se trata de uma liquidação efectuada com base em declaração do contribuinte, pelo que não lhe era aplicável a dispensa de audição prévia consignada no nº.2, do artº.60, para o caso de "a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte";
3-Era assim obrigatória a audição prévia do impugnante previamente à liquidação em causa nos autos, ao abrigo do que dispõe o artº.60, da L.G.T., e ainda do que estipulam os princípios e regras consignados no artº.8, do C.P.A., e 267, nº.5, da C.R.P.;
4-Não tendo efectuado a audição prévia do contribuinte previamente à liquidação, a administração fiscal violou os supracitados artºs.60, da L.G.T., 8, do C.P.A., e 267, nº.5, da C.R.P., e ainda o princípio fundamental e inalienável de participação dos cidadãos/administrados nas decisões que lhes dizem respeito;
5-A recorrente pretende ainda fazer crer que a audição prévia seria dispensável, na medida em que "nada há que possibilitasse duvidar que o imposto não seria devido";
6-No entanto, na sua petição inicial o impugnante questiona, por variadas e fundamentadas razões, a legalidade substantiva do acto de liquidação impugnado;
7-Pelo que a administração fiscal tinha amplo espaço de conformação, que lhe possibilitava (e impunha, na óptica do impugnante) uma actuação final diversa daquela que empreendeu, sendo assim absolutamente imperativo que tivesse procedido à audição do impugnante previamente;
8-Pelo que se mostra inválida a liquidação impugnada e, como tal, bem anulada pela sentença recorrida, decisão que deverá ser mantida, com todas as devidas consequências legais, em prol do direito e da justiça que há muito são devidos ao impugnante.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.289 e 290 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.293 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.241 a 243 dos autos - numeração nossa):
1-Entre a sociedade “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, e ... foi, em 27 de Julho de 1997, celebrado um contrato - promessa de compra e venda, através do qual “... - Investimentos Imobiliários, Lda.” prometeu vender, e ... prometeu comprar, a futura fracção autónoma que viria a corresponder ao apartamento do tipo T1, indicado por B, situado no piso 1, bem como ao lugar de estacionamento com o nº.3, situado no piso -2 do Edifício ... , sito na Praça Luís de ... , em Lisboa (cfr.documento junto a fls.35 a 40 dos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante no art.12 da p.i.);
2-Em 23 de Julho de 1997, a “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, representada por “... - Sociedade de Imediação Imobiliária, Lda.”, recebeu de ... a quantia de Esc.246.000$00, correspondente à reserva da fracção autónoma T1B, no 1º. Piso, situada no empreendimento denominado "Edifício ... " (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos);
3-Em 31 de Julho de 1997, ... , ora impugnante, emitiu à ordem de “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de Esc.3.690.000$00 (cfr.documento junto a fls.43 dos presentes autos);
4-Em 20 de Outubro de 1997, o ora impugnante, emitiu à ordem de “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, cheque sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de Esc.1.230.000$00 (cfr.documento junto a fls.44 dos presentes autos);
5-Entre 1 de Abril de 1991 e 1 de Agosto de 2003, o ora impugnante foi arrendatário do 6º. andar direito do prédio com o nº.69, sito na Rua ... , freguesia de Arroios, em Lisboa (cfr.documentos juntos a fls.45 a 56 dos presentes autos);
6-Em 28 de Agosto de 1997, o ora impugnante procedeu à inscrição na respectiva matriz predial urbana do prédio descrito como "parcela de terreno destinada a construção urbana", com a área de 4.378 m2, sito em Macieira, freguesia de Travanca, concelho de ... (cfr.documento junto a fls.57 a 60 dos presentes autos);
7-A autorização do destaque do prédio referido no nº.6 foi certificada por certidão da Câmara Municipal de Vila da Feira em 7 de Julho de 1997 (cfr.documento junto a fls.57 a 60 dos presentes autos);
8-Em 21 de Agosto de 1998 foi emitido alvará de licença de construção, tendo a licença de utilização sido emitida em 18 de Dezembro de 2001 (cfr.documento junto a fls.61 dos presentes autos);
9-Em 25 de Novembro de 1997, ... cedeu a sua posição contratual no contrato-promessa referido no nº.1, a ... , pelo mesmo valor por que tinha prometido comprar, acrescido de uma "mais-valia" de cerca de 1 milhão de escudos (cfr.documento junto a fls.62 dos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante nos artºs.33 e 34 da p.i.);
10-Por carta datada de 25 de Novembro de 1997, o ora impugnante comunicou à “... - Investimentos Imobiliários, Lda.” que, na mesma data, cedeu a sua posição contratual no contrato-promessa referido no nº.1 a ... e que, a partir de então, será da responsabilidade do cessionário o plano de pagamentos (cfr.documento junto a fls.62 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos alegados e não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto ao julgamento da matéria de facto baseou-se nos documentos, não impugnados, constantes dos autos, bem como na confissão do Impugnante…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-Em 2/6/2003, o impugnante, ... , com o n.i.f. 107 711 214, foi notificado pelo 3º. Serviço de Finanças de Lisboa da liquidação oficiosa de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 8.542,51, estruturada ao abrigo do artº.2, § 2, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, incidindo sobre a promessa de compra e venda identificada no nº.1 do probatório e sobre a consequente cedência de posição contratual constante do nº.9 da matéria de facto, mais tendo o termo final do prazo de pagamento voluntário do mesmo acto tributário ocorrido em 2/7/2003 (cfr.documentos juntos a fls.67 a 70 dos presentes autos);
12-No âmbito do procedimento gracioso que originou a liquidação oficiosa identificada no nº.11, a A. Fiscal não promoveu a audição prévia do impugnante, enquanto sujeito passivo de imposto e ao abrigo do artº.60, nº.1, da L.G.T., pretextando que o acto tributário foi estruturado com base nos valores declarados pelo mesmo sujeito passivo (cfr.informação exarada a fls.78 a 82 do processo administrativo apenso).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação mais anulando a liquidação objecto dos presentes autos, tudo em virtude do provimento do fundamento que consistiu na preterição da formalidade de audição prévia do impugnante no procedimento anterior à estruturação do acto tributário.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que nos termos do nº.2, do artº.60, da Lei Geral Tributaria, não há necessidade de promover a audição prévia do sujeito passivo, quando a liquidação é feita com base nos valores declarados por este. “In casu”, a liquidação tem por base os valores declarados no contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o impugnante, na qualidade de promitente comprador, e a sociedade “... - Investimentos Imobiliários, Lda.”, na qualidade de promitente vendedora. Que não se vislumbra a mínima hipótese de, em sede de audição prévia, vir o impugnante a apresentar argumentos que contrariem os valores contidos no referido documento. Razão pela qual é correcta a aplicação do que previa o nº.2, do artº.60, da L.G.T., em vigor à data dos factos, ou seja, "É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.". Que bem andaram os serviços na condução do procedimento e, com o devido respeito, mal decidiu o Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 3 a 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).
Mesmo antes da entrada em vigor da L.G.T., é uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº. 100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/4/2002, rec.26248; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc. 5791/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.424 e seg.).
“In casu”, defende a recorrente que no procedimento gracioso anterior à liquidação oficiosa de Sisa objecto do presente processo não tinha que promover a audição prévia do sujeito passivo, atento o disposto no artº.60, nº.2, da L.G.T., e dado que tal acto tributário foi estruturado com base na declaração do contribuinte.
O apelante não tem razão.
Expliquemos porquê.
O artº.60, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial (a redacção deste normativo foi alterada pela Lei 53-A/2006, de 29/12), versão aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil), dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte.
Aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada, de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artº.267, nº.5, da C.R.P.), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico (cfr.v.g.liquidação de I.R.S. estruturada na sequência da entrega da declaração anual de rendimentos pelo sujeito passivo - cfr.artºs.65 e 77, do C.I.R.S.). Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/6/2004, rec.1877/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.508; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.431 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a A. Fiscal efectuou a liquidação oficiosa de Sisa com base num contrato escrito assinado pelo impugnante/recorrido, mas sem que este tenha apresentado qualquer declaração à Fazenda Pública, visando a mesma liquidação de Sisa. Acresce, que o impugnante nem sequer foi notificado para apresentar qualquer tipo de declaração para efeitos de Imposto Municipal de Sisa.
Concluindo, no caso concreto não se pode defender que existe uma declaração do impugnante, na qual se baseou a liquidação objecto do presente processo, pelo que devia o mesmo ter sido notificado para o exercício do direito de audição, desde logo ao abrigo do artº.60, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, formalidade que não foi realizada e tem por consequência, inexorável, a anulação do apuramento efectuado, conforme mencionado supra.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, visto que a recorrente Fazenda Pública delas estava isenta na data de instauração do presente processo (cfr.artº.3, nº.1, al.a), do R.C.P.T., aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/2).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 30 de Janeiro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)