Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:43/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
PROVA
CDT
REDUÇÃO NA FONTE
Sumário:I-Se o sujeito passivo requereu ao Estado Português, ao abrigo do artigo 10.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá (CDT), o reembolso da diferença da taxa aplicada e da taxa prevista na CDT (15% - art. 10.º, n.º 2, alínea b) e procedeu à junção da declaração Modelo 22-RFI (artigo 90.º-A do CIRC), a qual nunca foi colocada em causa, e demonstra ser sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado nesse país as competentes declarações de rendimento, estão reunidos pressupostos para o reembolso do IRC retido na fonte em excesso;
II. Em caso de dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, competiria à Administração Tributária, em conformidade com o mecanismo próprio preceituado no artigo 25.º da CDT, diligenciar na competente troca de informações.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a ação administrativa especial deduzida pela sociedade denominada “B…..” contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte, proferido em 01 de outubro de 2009, pela Diretora de Serviços das Relações Internacionais.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“-CONCLUSÕES:

1.              A sentença recorrida não pode manter-se, pois que padece de diversos erros de julgamento em matéria de facto, bem como em matéria de direito.

2.              A A. é um "mutual fund" que tem natureza de um trust. Porém - contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida - mesmo estando estas entidades expressamente incluídas no âmbito subjectivo da CDT, a aplicação do respectivo regime dependia da verificação e da prova da verificação de todos os demais requisitos e condições na mesma previstos.

3.              Diversamente do que se parece entender na sentença recorrida - e como decorre seja do então artigo 90º-A do CIRC, seja do 74º da LGT, seja mesmo, diga-se, das regras gerais do ónus da prova, conforme estabelecidas no artigo 342º do Código Civil -, a prova da verificação desses pressupostos da aplicação da Convenção cabia à contribuinte.

4.              A contribuinte, ora recorrida, não fez tal prova, seja em sede administrativa, seja em sede judicial.

5.              Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, o modelo 22-RFI não era - e não é - prova suficiente para deferir a pretensão da A.

6.              Nos termos da CDT com o Canadá, designadamente da alínea a) do nº1 do artigo 4º dessa Convenção, para beneficiar da mesma uma pessoa tem que estar sujeita a imposto por obrigação pessoal ou ilimitada pelo menos num dos Estados contratantes.

7.              Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, a verificação desse pressuposto não decorria provada pelo modelo 22-RFI que foi junto, pois não foi isso que no quadro IV desse Modelo foi atestado pela autoridade fiscal canadiana: diz-se que a entidade em causa está aí "sujeita a imposto sobre o rendimento", mas já não decorre do seu teor se é por obrigação pessoal e ilimitada.

8.              Assim, não foi provado, in casu, a verificação deste pressuposto, pelo que o regime da CDT não era aplicável à situação em apreço nos termos preconizados pela sentença recorrida.

9.              Sendo de aplicar aqui o entendido numa situação semelhante à ora em apreço, em que também só tinha sido apresentado o modelo 22-RFI, no ponto 9 do acórdão proferido no processo arbitral nº73/2012-T (que oportunamente transcrevemos nestas alegações e está publicado em www.caad.org.pt)

10.            O que só por si determina a revogação da sentença recorrida.

11.            Contrariamente ao que decorre da sentença recorrida impunha-se, ainda, comprovar que a entidade em causa não é fiscalmente transparente.

12.            Do texto da CDT e atendendo ao seu objectivo e propósito de evitar a dupla tributação, decorre que, para beneficiar da mesma, a entidade não pode ser fiscalmente transparente, pois caso a tributação não seja feita na esfera da entidade e sim na dos respectivos beneficiários, são estes, na realidade, que podem ser susceptíveis de sofrer dupla tributação.

13.            Assim, não estando demonstrada a verificação deste pressuposto, não cabia aplicar o regime da CDT à situação em apreço, o que também é, só por si, determinante da revogação da sentença recorrida.

14.            Por último - contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, que também aqui errou - não foi também provado, como se impunha nos termos da alínea b) do nº2 do artigo 10.º da CDT, que a ora recorrida era o beneficiário efectivo dos dividendos.

15.            Contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida - que também aí incorre em erro de julgamento em matéria de facto - esse facto não foi e não é aceite pela AT.

16.            E incorre também em erro de julgamento em matéria de facto ao pretender que do modelo 22- RFI decorre feita tal prova, pois a única entidade que, nesse modelo, declarou que assim é, foi a própria A., como decorre claro da leitura do quadro IX (ponto 2) do modelo 22-RFI em causa, nada tendo as autoridades fiscais canadianas atestado/certificado aí sobre essa concreta questão.

17.            Ao que acresce que do teor da supra mencionada declaração de rendimentos de 2008 resulta, precisamente, indiciado o contrário, ou seja não ser a A. a beneficiária efectiva dos dividendos em causa, mas antes que o rendimento é directamente atribuído aos respectivos beneficiários (beneficiários do fundo/trust) e não à A.

18.            Não tendo a ora A., como era seu ónus, provado a verificação deste pressuposto, não podia, também por isso, legalmente - designadamente atendo o mencionado artigo 10.º da CDT- ter lugar o reembolso determinado pela sentença recorrida.

19.            A douta sentença recorrida padece, assim, dos apontados erros de julgamento, apresentando- se, ademais, desconforme com todos os preceitos acima referenciados, e, em consequência, não merece ser mantida.

20.            Devendo, antes, ser confirmado na ordem jurídica o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais que foi impugnado nos presentes autos e que, ao indeferir o pedido de reembolso de imposto efectuado pela ora recorrida, procedeu à devida e correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá

Ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e anulado a douta sentença recorrida, com as legais consequências;

Confirmar-se, atenta a sua manifesta legalidade, o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais impugnado nos autos, como é de Direito e Justiça.”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público apôs o seu visto ao abrigo do disposto no artigo 146.º, nº 1 do CPTA.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) O A. é um Trust, ou fideicomisso, constituído ao abrigo da lei canadiana, sendo, em 2007, residente fiscal em território canadiano, para efeitos de imposto sobre o rendimento (cfr. docs. de fls. 18 a 35, dos autos, e, quanto ao documento consubstanciado na declaração de rendimentos, respetiva tradução, constante de fls. 150 a 179, dos autos, e fls. 10 e 10-verso, do Processo nº ….. apenso ao PA).

B) Em 2007 e 2008, o A. apresentou, no Canadá, declaração de imposto sobre o rendimento (cfr. fls. 20 a 35 e respetiva tradução, constante de fls. 150 a 179 dos autos e fls. não numeradas do PA).

C) No âmbito da participação detida pelo A. numa empresa portuguesa, foi em 07.11.2007 pago por esta o montante de 95.361,41€ a título de dividendos, sobre o qual foi efetuada retenção na fonte à taxa de 20% no montante de 19.072,28€ (cfr. Modelo 22-RFI que constitui o doc. de fls. 18 e 19 dos autos e que consta também a fls. 10 do Processo nº …..apenso ao PA).

D) Em 12.03.2009 foi apresentado em nome da A., junto da Direção de Serviços das Relações Internacionais, pedido de reembolso do imposto retido em excesso, no montante de 4.768,07€, com referência ao rendimento referido na alínea antecedente, pedido efetuado com referência à CDT celebrada entre Portugal e o Canadá (cfr. fls. 9 do Processo nº …..apenso ao PA).

E) Com o requerimento referido na alínea antecedente, foi junta a declaração Modelo 22-RFI, no qual, para além de ser identificado o A. como beneficiário efetivo dos rendimentos (quadro I), e a natureza dos rendimentos com dividendos, respetivo valor, retenção na fonte efetuada e valor a reembolsar (quadro II), consta no quadro IV, reservado à certificação das autoridades fiscais competentes do Estado de residência do beneficiário efetivo, que o A. foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do artigo 4º, da CDT celebrada entre Portugal e Canadá, no ano de 2007, e que aí foi sujeito a imposto sobre o rendimento (cfr. fls. 18 e 19 dos autos e fls. 10 e 10-verso do Processo nº ….. apenso ao PA).

F) Encontra-se aposta, no formulário Mod. 22-RFI mencionado na alínea antecedente, assinatura e carimbo identificando ser do “diretor do gabinete de serviços fiscais”, de Ontário (cfr. fls. 18 e 19 dos autos e fls. 10 e 10-verso do Processo nº …..apenso ao PA).

G) Em 19.08.2009 foi elaborada informação, sancionada por despacho da Diretora de Serviços da DSRI da mesma data, com o seguinte teor:

“1 - IDENTIFICAÇÃO DO PEDIDO DE REEMBOLSO

1.1 - Em 2009-03-11, a entidade não residente B….., com sede em CANADA, solicitou o reembolso de imposto retido na fonte, e relativo a Dividendos, pagos pelo BANCO COMERCIAL PORTUGUES SA, NIPC 501525882, na parte em que o imposto excede o limite previsto na convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e CANADA.

1.2 - Com base nos elementos remetidos a esta Direcção de Serviços (DS), foi instaurado o processo n.º …...

2 - REQUISITOS FORMAIS

2.1 - Tempestividade

Tendo em conta a data em que ocorreu o facto gerador do imposto no pedido e a respectiva data de entrada nos serviços, conclui-se que o mesmo é tempestivo, nos termos do art.º 90-A, do Código do IRC.

3 - ANÁLISE DO PEDIDO

Tratando-se de um fundo, foi, por despacho de 20/11/2008 do Sr. Director Geral dos Impostos, sancionado o entendimento de que, para que este tipo de entidade possa beneficiar de regime previsto em convenção destinada a evitar a dupla tributação, deverá preencher cumulativamente os seguintes requisitos:

a) O fundo deverá ser considerado como "pessoa" para efeitos da convenção.

Para tal, no caso de uma convenção que siga o Modelo OCDE, deverá fazer-se prova de que o fundo é uma "entidade tratada como pessoa colectiva para fins tributários" no seu Estado de residência, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes desse Estado;

b) Deverá fazer-se prova, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência do fundo, de que este está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada ("fully liable to tax") e de que não é fiscalmente transparente (ou seja, de que o fundo, enquanto tal, está aí sujeito a imposto, independentemente da tributação que possa ocorrer na esfera dos respectivos participantes);

c) Estando em causa a limitação da tributação na fonte de dividendos, juros ou royalties, para beneficiar de uma convenção que siga o Modelo de Convenção da OCDE na versão de 1977 ou posterior, deverá obter-se declaração de que o fundo é o "beneficiário efectivo" desses dividendos, juros ou royalties (prevista nos formulários em vigor destinados a aplicar as convenções sobre dupla tributação)".

No presente caso, não existe qualquer prova/informação sobre o regime fiscal a que o fundo está sujeito no Estado de residência.

Consequentemente, a entidade em questão não poderá beneficiar do regime previsto na convenção pelo que o pedido deverá ser objecto de indeferimento, sem prejuízo de, caso em sede de audição prévia, aquela entidade apresentar uma declaração, das autoridades fiscais do Estado de residência comprovando os requisitos previstos nas alíneas a) a c) supra, se rever o sentido de decisão agora proposto.” (cfr. fls. 6 a 8 do Processo nº …..apenso ao PA).

H) Por despacho da Diretora de Serviços da DSRI, foi o pedido de reembolso apresentado pelo A. indeferido, com fundamento na informação nº …..de 30.09.2009, da mesma DSRI, a qual continha o seguinte teor:

“1 - IDENTIFICAÇÃO DO PEDIDO

Em 2009-03-11, a empresa B….., com sede em CANADA, solicitou o reembolso de imposto retido na fonte, e relativo a Dividendos da importância ilíquida total de €95.361,41, e quantidade de acções 59.000, ISIN - PTPTCOAM0009, pagos pelo BANCO COMERCIAL PORTUGUES SA, NIPC 501525882 na parte em que o imposto excede o limite previsto na convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e CANADA.

2 - PROPOSTA DE DECISÃO

Na informação n.º 10119, de 2009-08-19, foi proposto o indeferimento do pedido de reembolso, com os seguintes fundamentos:

Foi por despacho de 20/11/2008 do Sr. Director Geral dos Impostos, sancionado o entendimento de que, para que um Fundo de Investimento ou de Pensões possa beneficiar de regime previsto em convenção destinada a evitar a dupla tributação, deverá preencher cumulativamente os seguintes requisitos:

- Ser considerado como "pessoa" para efeitos da convenção.

- Deverá fazer-se prova, designadamente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais competentes do Estado de residência do fundo, de que este está aí sujeito a imposto por obrigação pessoal e ilimitada ("fully liable to tax") e de que não é fiscalmente transparente (ou seja, de que o fundo, enquanto tal, está aí sujeito a imposto, independentemente da tributação que possa ocorrer na esfera dos respectivos participantes);

- Deverá obter-se declaração de que o fundo é o "beneficiário efectivo" desses dividendos.

No presente caso, não existindo troca de informação e não tendo sido apresentados os meios de prova necessários, propôs-se o indeferimento do pedido.

3 - ALEGAÇÕES EM SEDE DE AUDIÇÃO PRÉVIA

Daquela proposta foi a entidade requerente notificada, por carta registada, (data do registo 2009-08-21), Ofício N.º ….., para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir do 3° dia posterior ao do registo.

Encontrando-se ultrapassado o prazo concedido, o requerente não exerceu, até à presente data, aquele direito.

4 - CONCLUSÃO

Face ao exposto sou de parecer que deverá ser mantida a decisão de indeferimento do pedido reembolso de imposto que incidiu sobre o rendimento de €95.361,41, e quantidade de acções 59.000, ISIN - PTPTCOAM0009.” (cfr. fls. 3 e 4 do Processo nº ….. apenso ao PA).

I) Notificado pelo ofício nº ….. de 01.10.2009, da decisão de indeferimento do pedido de reembolso, o A. apresentou a presente ação em 04.01.2010 (cfr. fls. 37 dos autos e fls. 1 do Processo nº ….. apenso ao PA).


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Na decisão recorrida consta como factualidade não provada:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.

Em concreto quanto ao facto constante da alínea A) do probatório, relativamente à natureza jurídica do A., o mesmo deu-se como provado por se mostrar facto não controvertido, designadamente atenta a posição da DSRI expressa nas informações mencionadas em G) e H) dos factos assentes.

Quanto ao facto dado como assente em B), de que em 2007 e 2008, o A. apresentou, no Canadá, declaração de imposto sobre o rendimento, resultou, como ali referido, do teor de fls. 20 a 35 e respetiva tradução, constante de fls. 150 a 179 dos autos, que, não obstante tratar-se uma declaração de imposto sobre o rendimento respeitante ao período de 16.12.2007 a 15.12.2008, refere expressamente na sua 1ª página que não se tratava da 1ª declaração apresentada pelo A., e que a última havia sido a declaração do ano de 2007.

Estes elementos, em conjunto com a certificação constante do formulário Mod. 22-RFI não deixa dúvidas quanto ao facto dado como provado.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a ação administrativa especial deduzida pela sociedade denominada “b…..” contra o despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte, proferido em 01 de outubro de 2009, pela Diretora de Serviços das Relações Internacionais, tendo condenado a Ré no pagamento do montante de €4.768,07, a título de reembolso de imposto retido na fonte em excesso.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que o modelo 22-RFI traduzia prova suficiente para deferir a pretensão da Recorrida, violando, nessa medida, o consignado nos normativos 90.º A do CIRC, 74.º da LGT e 342.º do CC.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que a decisão recorrida violou os normativos 90.º A do CIRC, 74.º da LGT e 342.º do CC, porquanto a Recorrida não fez prova da verificação dos pressupostos legais para acionar a Convenção de Dupla Tributação e beneficiar da redução na fonte.

Defende, neste particular, que no quadro IV do Modelo 22-RFI pese embora tenha sido atestado pela Autoridade Fiscal Canadiana que a entidade em causa está aí "sujeita a imposto sobre o rendimento", certo é que já não decorre do seu teor se é por obrigação pessoal e ilimitada.

Mais propugna que, contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, impunha-se a prova nos termos da alínea b), do nº2, do artigo 10.º da CDT, ou seja, de que a ora Recorrida era o beneficiário efetivo dos dividendos, o que não foi feito no caso vertente.

O Tribunal a quo, julgou procedente a ação com base na seguinte argumentação:

“[r]esulta da factualidade assente, dos elementos apresentados pelo A. perante a AT portuguesa consta a declaração da AT canadiana no sentido de que o A. se enquadra no conceito de residente, no ano de 2007, para efeitos do art.º 4.º, da CDT Portugal/Canadá.

Ora, esta declaração, cuja autenticidade e veracidade nunca são postas em causa pela AT portuguesa, atesta, precisamente, que o A. é considerado residente para efeitos de aplicação da CDT (o que, atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. a), da mesma, implica ser tributado no Canadá).

Logo, a exigência adicional da AT portuguesa carece de fundamento, porquanto a própria AT canadiana atestou que o A. reunia as condições subjetivas inerentes à aplicação da CDT.

Sempre se refira, adicionalmente que, se dúvidas houvesse e ao contrário do que resulta da informação que fundamenta a decisão de indeferimento, a AT portuguesa poderia ter usado do mecanismo de troca de informações, previsto no art.º 25.º, da CDT, o que não foi feito, tendo aliás sido referido que não existia. Não colhe o argumento, aventado na contestação, de que tal procedimento é demasiado moroso, sob pena de se tratar de letra morta.

Assim, não sendo nunca posta em causa a veracidade da declaração constante da Mod. 22-RFI, aposta pela AT canadiana, a mesma, como já mencionado, respondia às exigências para efeitos de aplicação da CDT: a AT Canadiana expressamente declarou ser o A. residente, para efeitos de aplicação da CDT, e ser sujeito de imposto sobre o rendimento, em 2007. A questão de o A. ser beneficiário efetivo, para além de resultar demonstrada em sede factual, é aceite pela própria AT, como resulta expressamente do teor da informação que fundamenta o indeferimento do pedido de reembolso. Como tal, os elementos adicionais exigidos pela AT portuguesa revelam-se desnecessários, face ao atestado pela AT canadiana que, como já referido, nunca foi posto em causa.

Complementarmente, saliente-se, o A. demonstrou, na presente sede, ser sujeito de imposto sobre o rendimento no Canadá, tendo apresentado as competentes declarações em 2007 e 2008. Como tal, assiste razão ao A.”.

Apreciando.

Importa, desde já, convocar o quadro normativo que releva para a presente lide.

Encontrando-nos, in casu, face a um Trust[1] com sede no Canadá, importa, desde já, convocar a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Canadá[2].

Neste particular, importa ter presente o disposto no artigo 2.º, segundo o qual a presente Convenção aplica-se:

“b) Relativamente a Portugal:
i) O Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares-IRS;
ii) O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas-IRC;
iii) A derrama sobre o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas; (a seguir referidos pela designação de «imposto português).”

Mais importa chamar à colação o consignado no artigo 4.º, n.º 1, al. a), dessa mesma Convenção, o qual preceitua que:

“Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa: a) Qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Todavia, esta expressão não compreende as pessoas que só estão sujeitas a imposto nesse Estado relativamente aos rendimentos de fontes situadas nesse Estado”.

Preceituando, por seu turno, o artigo 3.º, n.º 1, al. d), que:

“[o] termo “pessoa” compreende as pessoas singulares, os fideicomissos, as sociedades ou qualquer outro agrupamento de pessoas”

De convocar, outrossim, o artigo 10.º, o qual relativamente a dividendos, preceitua que:

“1 - Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2-Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas, se o beneficiário efetivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá:

b) 15% do montante bruto dos dividendos, nos restantes casos.”

In fine, importa ter presente o que estatuía o artigo 90.º A do CIRC, sob a epígrafe de dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes:

“1. Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada”.

Ora, visto o quadro legal, e tendo presente o acervo fático dos autos nenhuma censura merece a decisão recorrida porquanto interpretou adequadamente o quadro legal com a devida transposição ao caso sub judice.

Senão vejamos.

Do recorte probatório resulta que a Entidade fideicomisso (Trust), é residente fiscal no Canadá e é a beneficiária efetiva dos Rendimentos em causa, conforme dimana inequívoco da declaração emitida pela Autoridade Canadiana, cuja veracidade e autenticidade nunca foi controvertida.

Com efeito, e conforme resulta claro da alínea E), do probatório-não impugnada-a declaração Modelo 22-RFI, para além de identificar a Recorrida como beneficiário efetivo dos rendimentos (quadro I), e a natureza dos rendimentos como dividendos, respetivo valor, retenção na fonte efetuada e valor a reembolsar (quadro II), consta no quadro IV, reservado à certificação das autoridades fiscais competentes do Estado de residência do beneficiário efetivo, que o A. foi residente no Canadá, para efeitos de aplicação do artigo 4º, da CDT celebrada entre Portugal e Canadá, no ano de 2007, e que aí foi sujeito a imposto sobre o rendimento. Em nada relevando, naturalmente, atenta a data dos rendimentos em contenda, o exposto no ponto 17 das suas alegações relativamente à declaração de rendimentos do ano de 2008.

Mais dimanando que os rendimentos em causa promanam de dividendos derivados de participação social sobre sociedade residente em Portugal.

Ora, face ao quadro legal supra expendido, dimana inequívoco que a retenção na fonte deveria ter-se cifrado nos 15%, face ao acionamento da Convenção de Dupla Tributação.

Note-se que os demais requisitos constantes na informação e, ora, reiterados pela Recorrente não logram provimento, porquanto, e no sentido defendido pelo Tribunal a quo, estão a implementar-se requisitos que não se encontram contemplados na Convenção em apreço.

De resto, como também é salientado na decisão recorrida, por confronto e paralelismo com a Convenção celebrada entre Portugal e o Canadá e a celebrada entre Portugal e os EUA, os requisitos são díspares, não constando este tipo de pressupostos da, ora, visada nos autos. Com efeito, “nesta última, especificamente no respetivo Protocolo, refere-se no ponto 3.a) que a expressão “residente de um Estado Contratante” aplica-se, designadamente, aos fideicomissos apenas na medida em que tais rendimentos estejam sujeitos a imposto neste Estado como rendimentos de um residente, quer na sua titularidade, quer na titularidade dos respetivos beneficiários. Por outro lado, o art.º 17.º, n.º 1, al. d), da CDT Portugal/Estados Unidos da América, refere que um residente de um Estado contratante só tem direito aos benefícios da CDT, no caso de ser um trust, quando um determinado número de participantes sejam residentes desse mesmo Estado contratante também eles com direito aos benefícios da CDT.Ora, este tipo de pressupostos não constam da CDT Portugal / Canadá.”

E por assim ser, linear se torna a assunção de que a citada decisão Arbitral convocada pela Recorrente em nada releva para os presentes autos, precisamente porque circunscrita e concatenada à aplicabilidade da Convenção celebrada com os EUA, como visto, sem paralelismo e identidade com a visada nos autos.

De todo o modo, sempre se dirá que existindo dúvidas competiria à Recorrente o ónus de diligenciar, designadamente, junto da Administração Tributária da residência da entidade beneficiária, no sentido de apurar da realidade da perceção do rendimento em causa, em conformidade com o preceituado no artigo 25.º da CDT, concernente à troca de informações, ónus que, in casu, não cumpriu.

De relevar, in fine, que este foi também o sentido das decisões prolatadas por este Tribunal no âmbito do processo nº 09554/16, datado de 10 de novembro de 2016, no processo nº 47/10, datado de 15 de janeiro de 2018, e bem assim no processo nº 46/10, datado de 08 de fevereiro de 2018, situações em tudo similares à dos autos.

Ora, face a todo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, improcedem, na íntegra, as alegações da Recorrente, mantendo-se, nessa medida, a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 03 de Dezembro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

__________________
[1] “[o] trust é, na sua essência, um desmembramento da propriedade (entre a propriedade legal e a propriedade fiduciária) que se opera por um acto (deed of trust) pelo qual alguém (settlor) confia um bem ou conjunto de bens a outrem (trustee), com a finalidade de fazer beneficiar um terceiro (cestui que trust) (…). A dificuldade existente para a introdução do instituto do trust nos direitos da tradição romana continental encontra-se na inexistência de um conceito de dualidade da propriedade (…).
No trust, coexistem direitos paralelos de propriedade, concebendo-se da parte do trustee um direito de propriedade meramente formal, uma vez que os bens objecto do trust não se confundem com o restante de seu património…” In Alberto Xavier-Direito Tributário Internacional, 2ª ed. atualizada, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 130 e 131.
[2] Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 81/2000, de 6 de dezembro.