Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1079/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA – PROVA
CULPA
Sumário:Resultando provado que o Recorrido representou a sociedade devedora originária em diferentes momentos na qualidade de gerente, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de bastar uma assinatura de um gerente para vincular a sociedade, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por J….., citado, enquanto responsável subsidiário, no processo de execução fiscal [PEF] n.º ….. e apensos – respeitante a dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [IRS] dos exercícios de 2000 a 2005; Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas [IRC], dos exercícios de 2001, 2002 e 2004; Coimas dos exercícios de 2002 a 2004 e 2006; Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA] dos exercícios de 2003 a 2005; e Imposto do Selo do exercício de 2004, no valor de €535.146,76 e onde figura como devedora originária a sociedade ¯S….., Lda.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«A) In casu, com elevado respeito pelo digno Aerópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, considera-se que por aquele, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; art. 13º e 114º do CPPT e art. 99.º da LGT, art. 712.º (actual art. 662º) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT; art. 350.º e 351.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT,
B) assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago, retirando as devidas ilações jurídico-factuais do acervo probatório documental constante dos autos, maxime: uma acta a págs. 67 do SITAF, a declaração de págs. 252 do SITAF, os cheques de fls. 586 a 602 do SITAF, o requerimento de págs. 603 do SITAF,
C) assim como a factualidade dada como assente nos itens 1), 2), 3), 4) e 5) do probatório.
D) Tudo assim, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Princípio do Inquisitório e da Busca da Verdade Material, o Princípio da Aquisição Processual de Prova e dos Factos, o Principio da Justiça, do Princípio das regras da experiência e da lógica das coisas à data dos acontecimentos conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,
E) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, quanto ao segmento decisório aqui sindicado, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de um qualquer incumprimento pela Fazenda Pública, do ónus de prova da gerência de facto do Oponente na devedora originária e consequentemente considerar válida a reversão operada com a concomitante improcedência da Oposição aduzida.
F) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 20º ao 87º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.
G) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Aerópago a quo, preconizou erro de julgamento.
H) O sobredito “erro de julgamento” foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a vexata quaestio recorrida.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»
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O Recorrido, veio oferecer as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A) O Recorrido reside, e sempre residiu com carácter permanente em Espanha, mais concretamente em Madrid, a mais de 600km de Lisboa, país onde exerce a sua atividade laboral.
B) O Recorrido, tendo sido nomeado gerente aquando da constituição da S….. nunca exerceu, de facto, a gerência da S….., não podendo, por isso, ser considerado seu gerente de facto.
C) Em mais de 10 anos de atividade da S….., o Recorrido nunca praticou qualquer ato de gerência, não teve qualquer contacto com trabalhadores, fornecedores ou contabilistas da S….., nem tão pouco recebeu qualquer tipo de remuneração.
D) Não existe no ordenamento jurídico português, uma presunção legal de gerência de facto que se possa inferir a partir da gerência de direito.
E) Na ausência de presunção legal, exige-se a demonstração do exercício de facto das funções de administração pelos gerentes designados como tal no pacto social, sob pena de não ser concretizada a sua responsabilidade, demonstração essa que a Recorrente não logrou provar ao longo deste processo.
F) Competia à Recorrente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, e por isso, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
G) Na falta de comprovação do exercício efetivo do cargo de gestão, tal será valorado em sentido desfavorável para com a administração tributária, nos casos em que subsistam dúvidas sobre o desempenho de funções pelo pretenso responsável subsidiário.
H) A Recorrente, nunca logrou provar o exercício efetivo ou a gerência de facto pelo Recorrido, baseando-se apenas em argumentos meramente formais para procurar demonstrar uma falsa realidade.
I) Ignorando o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, que impõe a Administração Tributária o dever de levar a cabo todas as diligências necessárias à procura da verdade material - que visa na sua génese revelar os factos ocultos à realidade física e materialmente relevante.
J) Não enferma, a douta decisão do Tribunal a quo, de qualquer erro de julgamento, porquanto, faz uma correta interpretação da prova produzida e aplicação do direito aos factos.
K) Norteando a sua decisão à luz dos princípios da livre apreciação da prova, das regras de experiência comum e de lógica.
L) E, por isso, criado a convicção ou certeza prática, com base em pressupostos valorativos como os critérios da experiência comum e da logica do homem médio, de forma racional e fundamentada.
M) Face ao exposto, verifica-se a ilegitimidade do Recorrido na execução sub judice, nos termos do disposto no artigo 204.º n.º 1, alínea b) do CPPT, por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento das dívidas da S…...
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado totalmente improcedente, confirmando-se integralmente a Decisão proferida em sede do Tribunal a quo.
Apenas, assim, se fará a V. costumada JUSTIÇA.»
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Foram os autos a Vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento quanto à subsunção dos factos provados ao regime do artigo 24º da LGT, no tocante à questão da gerência de facto.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. No dia 30 de Setembro de 2001 foi elaborada “Acta n.º 05 (cinco)” da sociedade “S….., Lda.”, onde consta que “Presidiu a esta Assembleia Extraordinária, que foi validamente convocada, o gerente J….. e que tinha a seguinte ordem de trabalhos” – cfr. acta, a págs. 67 SITAF;
2. Em 18 de Dezembro de 2002, a sociedade referida em 1) declarou que “pretende beneficiar do regime de pagamento nos termos diploma de regularização excepcional de dívidas de 14 do Novembro de 2002 – cfr. termo, a págs. 252 SITAF;
3. No dia 15 de Março de 2004 foram emitidos vários cheques da conta da sociedade referida em 1), à ordem da Direcção Geral do Tesouro – cfr. cheques, a págs. 586 a 602 SITAF
4. No dia 02 de Abril de 2004 foi carimbado, na Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento pelo qual o Oponente, pela sociedade referida em 1), pede que “seja dada a oportunidade da S….. pagar as quantias que realmente deve, mas de uma forma faseada garantido o bom funcionamento da empresa, bem como de todos aqueles que dela dependem neste momento” – cfr. requerimento, a págs. 603 SITAF
5. As assinaturas apostas nos escritos referidos em 2), 3) e 4) são similares.
6. No dia 03 de Agosto de 2004 foi emitida a certidão de dívida 2004/225821, no valor de €374,47, referente a IVA do terceiro trimestre do ano de 2003 e à sociedade “S….., Lda.” e que deu origem ao PEF ….., do Serviço de Finanças de Lisboa 10 – cfr. certidão de dívida, a fls. 177 do PEF apenso ao suporte físico dos autos;
7. No dia 18 de Julho de 2007 foi elaborado “TERMO DE APENSAÇÃO” no processo referido em 6), onde consta que “Aos 2006/07/06, o sistema informático do SEF, procedeu à apensação ao processo executivo ….., dos seguintes processos: Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; Proc° Executivo n°…..; – Cfr. termo, a fls. 178 SITAF;
8. No dia 27 de Novembro de 2007 foi elaborada “Informação/auto de diligências” no processo referido em 6), com o teor “Após compulsar os elementos disponíveis no sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos, no sentido de apurar a existência de bens ou rendimentos em nome do(a) executado(a) S….. LDA, NIPC ….., com sede em Largo São Sebastião da Pedreira […]Lisboa, verifiquei, que não existem bens penhoráveis, conforme prints que antecedem, pelo que se aplica o previsto no n.º 2, do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT). 2. Não foi possível contactar o TOC da executada. 3. São sócios/administradores da executadaA….., NIF …..; D….., NIF …..; J….., NIF …..; J….., NIF …..; J….., NIF …... 4. A executada ainda não cessou a actividade e tem declarações em falta. Assim, salvo melhor opinião, deverá preparar-se o processo para a eventual reversão contra o(s) responsáveis subsidiários, nos termos da al. b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT mas V. Ex.” melhor decidirá.” – Cfr. informação, a fls. 179 SITAF;
9. No dia 27 de Novembro de 2007 foi proferido despacho ¯Vistos os Autos referentes a dívidas de IRS, IVA, IRC, Imposto do selo, e coimas fiscais, acrescidos de juros de mora e custas cfr. documentos em anexo; e a informação que antecede, dá-se por provada a insuficiência de bens penhoráveis da executada, bem como, a qualidade de gerentes, dos contribuintes identificados na referida informação, de acordo com constante na base de dados da DGCI e/ou da certidão da Conservatória do Registo Comercial, junto aos autos – Cfr. despacho, a fls. 187 SITAF;
10. O despacho e a informação referidos em 8) e 9) foram enviados ao Oponente em 29 de Novembro de 2007 pelo registo postal ….., com endereço “….., tendo sido devolvidos ao remetente – cfr. talão e sobrescrito, a págs. 193/194 SITAF;
11. No dia 28 de Agosto de 2008 foi elaborado despacho, no processo indicado em 6), onde se decidiu que: “Vistos os autos, onde se dá por suficientemente provada a qualidade de gerente dos responsáveis subsidiários dos contribuintes J….. e J….., durante o período a que as dívidas dizem respeito, assim como durante o período em que ocorreu o prazo de pagamento das mesmas, conforme certidão passada pela Conservatória de Registo Comercial e ainda a inexistência de bens penhoráveis da executada originária. • Notificados os responsáveis para efeitos de audição prévia de acordo com o n.° 4 do art.° 23° e art.° 60° ambos da LGT sobre o projecto de despacho de reversão para efeitos de serem accionados os mecanismos conducentes à efectivação da responsabilidade subsidiária nada disseram conforme informação anexa (presumindo-se as notificações efectuadas a J….. e J….. no 3º dia posterior ao do registo, de harmonia com o n.°1 do art.° 37° do CPPT, pois esta foi efectuada para o domicílio fiscal constante do Cadastro a qual não foi entretanto alterada); • Considerando ainda que nos termos do art.° 32° da LGT lhes incumbia o cumprimento dos deveres tributários da executada; • Conclui-se que os contribuintes acima indicados são responsáveis subsidiários pelas dívidas a que se referem os autos cujo prazo de cobrança se venceu no período em que os mesmos eram gerentes nos termos da alínea b) do art.° 24° da LGT. Assim, converto em definitivo o projecto de decisão de converter a execução contra os acima identificados responsáveis subsidiários. • Proceda-se à citação pessoal dos executados J….. e J….. de acordo com o art.° 160° do CPPT com observância do disposto no art.° 23° da LGT.” – cfr. despacho de reversão, a fls. 203 SITAF;
12. Pelo registo postal ….. foi enviada ao Oponente “Citação” referente ao processo referido em 6), para o endereço “…..”, que foi devolvida ao remetente – cfr. citação e talão de registo, a págs. 205 e 206 SITAF, e devolução, a págs. 213 e 214SITAF;
13. No dia 12 de Setembro de 2008 foi elaborada informação, onde consta que “1. Os presentes autos foram instaurados por dívidas de IRC dos anos de 2001, 2002 e 2004, IRS (Retenções na fonte, J.C. e J.M.) dos anos de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 IS dos anos de 2003, 2004 e 2005 e coimas fiscais dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2006. 2. O executado não foi citado pessoalmente; 3. Não foram encontrados quaisquer bens susceptíveis de penhora; 4. Foi efectivada a reversão contra os gerentes NIF …..e NIF ….., ambos de nacionalidade espanhola que, não tendo sido citados, não possuem quaisquer bens susceptíveis de penhora; Nestes termos, sou de parecer que deverá ser promovida a citação dos responsáveis subsidiários accionando a Comissão Interministerial para Assistência em Matéria de Cobrança, contudo V Exa. bem e melhor decidirá.”, na qual foi aposto despacho concordante do Chefe de Finanças de Lisboa 10 - cfr. informação e despacho, a págs. 207 SITAF;
14. Pelo ofício 383 da Comissão Interministerial para Assistência Mútua em Matéria de Cobrança, de 06 de Outubro de 2008, foi efectuado “Pedido de notificação relativo a J….. Nossa referência: …..Nos termos do art. 5º da Directiva acima mencionada, junto tenho a honra de enviar a V Ex.ª um pedido de notificação remetido pelo Serviço Local de Finanças de Lisboa - 10, relativo ao cidadão acima mencionado. Trata-se do uma notificação/citação por derivação de responsabilidade, devendo ser entregue ao destinatário a documentação anexa ao presente pedido.” – cfr. ofício, a págs. 46 SITAF;
15. No dia 20 de Março de 2009 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, o original da petição inicial do presente processo – cfr. carimbo, a fls. 8 do suporte físico dos autos.
16. O Oponente apresentou, em Espanha, declaração referente ao “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas” nos anos de 1999, 2000, 2002, 2003, 2004, 2005, 2005, 2006, 2007 – cfr. declarações, a págs. 80 a 87 SITAF;

Factos não provados

Não se provou que o Oponente decidisse o dia-a-dia da sociedade devedora originária.

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Motivação da matéria de facto dada como provada

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos.
O facto não provado decorre da total ausência de substrato probatório que o pudesse sustentar.»

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Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

17) Conforme Insc. 1 - Ap.90/980930, os gerentes da sociedade devedora originária S….., LIMITADA, são J…..o e, o ora oponente, J….., sendo que a forma de obrigar é com a assinatura de um gerente, cfr. certidão do registo comercial a fls. 498 e segs. do processo físico.

18) Os documentos referidos em 2), 3) e 4) foram assinados pelo oponente, ora recorrido.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição procedente, com a consequente extinção do processo de execução fiscal contra o oponente. Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«Ou seja, é admissível que a reversão tenha sido efectuada sem a indicação dos factos concretos em que a Administração Fiscal se apoiou, desde que, posteriormente, se comprove aquela alegação.
E os escritos ora apresentados não logram tal desiderato.
Com efeito, a Fazenda Pública apresenta três pontos de contacto entre a sociedade e o Oponente – dois, se considerarmos a proximidade cronológica entre a assinatura de cheques e requerimento, referidos em 3) e 4) – o que se considera manifestamente pouco, tendo em conta que a sociedade esteve em actividade durante vários anos. Mais, os actos apresentados revelam-se meramente formais, redundando na assinatura de escritos, não se demonstrando capacidade decisória, por parte do Oponente, na vida da sociedade.
(…)
Cumpre ainda salientar que, tendo em conta que o Oponente é não residente, facto de que a Fazenda Pública tinha pleno conhecimento, importava que a relação de direcção por parte do Oponente se mostrasse solidamente demonstrada – uma vez que a mera distancia implica uma maior dificuldade no acompanhamento do dia-a-dia da sociedade e, portanto, no exercício da gerência – o que não sucedeu.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando [conclusões de recurso A) a C) que In casu, com elevado respeito pelo digno Aerópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, considera-se que por aquele, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; art. 13º e 114º do CPPT e art. 99.º da LGT, art. 712.º (actual art. 662º) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT; art. 350.º e 351.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT, assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago, retirando as devidas ilações jurídico-factuais do acervo probatório documental constante dos autos, maxime: uma acta a págs. 67 do SITAF, a declaração de págs. 252 do SITAF, os cheques de fls. 586 a 602 do SITAF, o requerimento de págs. 603 do SITAF, assim como a factualidade dada como assente nos itens 1), 2), 3), 4) e 5) do probatório.

Vejamos.
Impõe-se, agora, averiguar se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrido não é parte legítima para a execução.
Importa, pois, saber se o ora Recorrido, exercia as funções de gerência de facto na sociedade executada originária e, em consequência, foi feita a prova prevista no art. 24º nº 1 b) da LGT.
Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº. 24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr. artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.
Comecemos então por verificar se dos autos resulta provado, antes de mais, que o Recorrente preenche o primeiro pressuposto da responsabilidade subsidiária isto é, se a Fazenda Publica logrou provar que o Recorrente exerceu de facto as funções de gerente efectivo da sociedade executada, no período das dívidas exequendas.
Analisando, agora, a matéria de facto dada como assente, deve concluir-se que tal prova foi efectivamente realizada.
Senão vejamos.

Conforme nº 1 do probatório, no dia 30 de Setembro de 2001 foi elaborada “Acta n.º 05 (cinco)” da sociedade “S….., Lda.”, onde consta que “Presidiu a esta Assembleia Extraordinária, que foi validamente convocada, o gerente J….. e que tinha a seguinte ordem de trabalhos”
Está, assim, demonstrado que em 30 de Setembro de 2001, o oponente, na qualidade de gerente, presidiu a uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade devedora originária.

Do mesmo modo, encontra-se provado nos autos (nº 2 do probatório) que em 18 de Dezembro de 2002, a sociedade referida em 1), declarou que “pretende beneficiar do regime de pagamento nos termos diploma de regularização excepcional de dívidas de 14 do Novembro de 2002”, em “Termo de Adesão” assinado pelo oponente.

Conforme nº 4 do probatório, no dia 2 de Abril de 2004 foi carimbado, na Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento pelo qual o Oponente, pela sociedade devedora originária, pede que “seja dada a oportunidade da S….. pagar as quantias que realmente deve, mas de uma forma faseada garantido o bom funcionamento da empresa, bem como de todos aqueles que dela dependem neste momento”

Por último, conforme nº 3 do probatório, no dia 15 de Março de 2004 foram emitidos vários cheques, mais propriamente, vinte (20) cheques da conta da sociedade devedora originária, todos assinados pelo oponente, à ordem da Direcção-Geral do Tesouro.
Verifica-se, pois, que o oponente/recorrido assinou 20 cheques em nome da sociedade executada originária, o que significa que constava como titular da conta bancária e evidencia a prática de actos de representação da sociedade.
Relativamente à assinatura de cheques em sede de reversão, e da prova da gerência de facto, pronunciou-se este Tribunal no Acórdão de 30/10/2014 com o nº 06216/12 onde se pode ler o seguinte:
«Examinando a matéria de facto provada (cfr.nº.15 do probatório), deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr.assinatura de cheques), da sociedade "(…) Lda.", fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
E recorde-se que a assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade faz prova do exercício de facto de poderes de gerência da mesma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 4/5/2004, proc.1179/03; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 7/3/2006, proc.933/05).»

Assim sendo, resultando provado – ao contrário, do decidido na sentença recorrida - que o Recorrido representou a SDO em diferentes momentos na qualidade de gerente, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de bastar uma assinatura de um gerente para vincular a sociedade, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.

Noutra vertente, a alegação de que o oponente não é residente em Portugal é argumento que não colhe dada a proximidade geográfica entre Portugal e Espanha e a, consequente, facilidade de deslocação de um país ao outro. Por outro lado, é perfeitamente exequível exercer a gerência sem estar presente fisicamente, decidindo, dando instruções, ordens, etc, e deslocar-se a Portugal quando tal fosse necessário. Realce-se que a invocada distância não impediu o oponente/recorrido de estar presente na Assembleia Geral da sociedade, nem de assinar documentação diversa e cheques.

Nestes termos, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do oponente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo, contrariamente ao entendido pela decisão recorrida.

Aqui chegados, e quanto às dívidas de imposto - atento o acabado de mencionar e, exercendo o Recorrente funções de gerência nas datas em que terminou o prazo legal de pagamento das dívidas exequendas revertidas, o regime no qual se poderia fundar a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais é o previsto no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., o qual faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto. Concluindo que a sociedade não teria possibilidade de cumprir as suas obrigações tributárias, deveria o Recorrente ter tomado medidas no sentido de obviar a esta situação, maxime, pedindo a declaração de insolvência da empresa atempadamente. Esta forma de actuação era imposta pelo citado critério do bom pai de família, do gerente competente e criterioso.
Não pode, pois, considerar-se que o Recorrido tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.

Já quanto às dívidas provenientes de coimas, analisado o teor do artigo 8.º do RGIT, verifica-se que este, ao contrário do artigo 24º, nº 1, alínea b), da LGT, não prevê qualquer presunção de culpa no que concerne à insuficiência do património da originária devedora de que possa prevalecer-se a administração fiscal, pelo que cabia a esta alegar e demonstrar a culpa do respectivo gerente por essa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. Em suma, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». No caso vertente, compulsado o despacho de reversão, verifica-se, desde logo, que nada foi alegado quanto à culpa do revertido, ora recorrido, na insuficiência do património da sociedade originária devedora ou na falta de pagamento da coima. O que, desde logo, provoca a ilegitimidade do oponente para a execução. E, de todo o modo, à luz da factualidade provada na sentença, verifica-se que nada ficou demonstrado quanto a essa eventual culpa do oponente, pelo que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, deve tal falta de prova ser valorada contra si. (1)
Razão por que se impõe julgar procedente a oposição por ilegitimidade do oponente/recorrido para ser responsabilizado pelas dívidas das coimas.

Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se parcialmente procedente o presente recurso.

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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 535.146,76.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.



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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, e consequentemente:
- revogar a sentença recorrida na parte em que considerou provada a ilegitimidade do oponente quanto à dívida exequenda referente a impostos, e em consequência, julgar a oposição improcedente;
- manter a sentença recorrida quanto à dívida exequenda referente a coimas.

Custas pelas partes na proporção do decaímento, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021


[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]
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(1) Acórdão do STA de 27/09/2017, Proc. 0377/17, disponível em www.dgsi.pt