Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1526/17.2BELRS
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:UNIDADE FAMILIAR
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Primeiro está o direito (concreto) ao asilo e depois, havendo asilo para alguém na família, surgirá o relevo da unidade familiar.

II - O princípio da proporcionalidade, como guia metódico para legislar, para julgar e para administrar, funciona de modo gradativo e diferente nesses três “escalões” da atividade pública. A sua força aumenta à medida que se vai da lei (do legislador legitimado democraticamente) até à atividade administrativa
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I - RELATÓRIO

SVETLANA ……………, natural da Rússia, casada, NIF ……………., residente em Portugal na Rua ……………, nº 75, ……….., ………….., Cascais, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra ação administrativa de impugnação de ato administrativo emitido ao abrigo do artigo 37º da Lei do Asilo (Lei n.º 27/2008) contra

M.A.I. – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS.

Por sentença de 08 de agosto do corrente ano de 2017, o referido tribunal veio a prolatar a decisão ora recorrida, absolvendo o demandado dos pedidos.

*

Inconformada com tal decisão, a AUTORA interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

« Texto no original»

*

O recorrido MAI contra-alegou, concluindo assim:

« Texto no original»

*

O magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos.

As questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida - estão identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

1. O Autora [A], SVETLANA …………………, natural da Rússia, casada, NIF …………., reside em Portugal na Rua ………………….., nº 75, ……………., Alcabideche, Cascais – PI e PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. A Autora, Svetlana …………………, é portadora do passaporte russo n° ………………, de fls 123/s, doc 1 da PI e fls 8/s do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, válido até 13/07/2021.

3. A 11/05/2017, a Autora requereu no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF], junto do Gabinete de Asilo e Refugiados, o pedido de proteção internacional de fls 4 a 7 do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que tomou o nº 430/2017, o que foi certificado pelas declarações de fls 135, doc 2 da PI, fls 26, 30 e 31 do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. No referido passaporte da A consta que a mesma é titular do visto de curta duração da Finlândia, que o SEF constatou com o pedido de proteção.

5. Em 05/06/2017, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou o pedido de tomada a cargo às autoridades finlandesas, de fls 32/ss do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, invocando o artigo 12-2, do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

6. Em 15/06/2017, o Estado Finlandês aceitou o pedido de tomada a cargo, acabado de referir, constante de fls 41/ss do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. A Autora é casada com Dmitry …………………., portador do passaporte nº ………………, emitido em 27/10/2011, válido até 27/10/2021 [que também pediu proteção internacional] –certificação de fls 136, doc 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. A Autora teve entradas na Finlândia, por diversas ocasiões, onde se dirigiu acompanhada do referido marido, em 2015, 2016 e 2017, por curtos períodos de tempo a saber: 13 a 16/11/2015 (três dias); 17 a 21/11/2016 (cinco dias) e 08 a 7/04/2017 (dez dias), tendo regressado, sempre, no final das estadias, com o marido, ao país da sua nacionalidade, Rússia.

9. O visto que consta no passaporte da A respeita às várias entradas anuais, na Finlândia, por curtos períodos de tempo, nos quais, declaradamente, a A, como membro da Igreja Jeová, viajou quer por lazer quer para participar na sua congregação religiosa Testemunhas de Jeová, como Pastora oradora.

10. Nessas estadias, declaradamente, não só conviveu com outros membros desta Igreja, como também ficou em casa de amigos --declarações nos docs 7/s, 8/s e 9/s da PI, e passaportes, mormente a fls 148, 153, 157, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. A Autora nunca apresentou junto das autoridades finlandesas pedido de asilo ou proteção subsidiária ou proteção internacional e sempre regressou á Rússia no final dessas viagens.

12. Em 09/05/2017, Autora chegou e entrou em Território Nacional, vinda diretamente da Rússia, acompanhada do seu marido, Dmitry ……….., com os bilhetes de voo da TAP, de fls 161 e 162, doc 10 e 11, da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. A Autora entrou em Território Nacional com o visa nº ……………, válido de 27/10/2015 a 26/10/ 2017.

14. Em 09/05/2017, vieram também da Rússia, declaradamente, a sua irmã gémea, ALLA ……………………………., o cunhado PETR ………………, a sobrinha que padece de deficiência NASTASIA …………………., e a mãe desta VALENTINA ………. –identificados nos doc de fls 12 a 28, da PI, fls 163/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Em 23/06/2017, a Junta de freguesia de Alcabideche, Cascais, emitiu o Atestado de fls 163, doc 12 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo qual «atesta e certifica» a residência, há um mês, e o agregado familiar de Petr …………….. Engenheiro, na morada acima referida, constando desse agregado a ora Autora e o marido.

16. O referido PETR ………………… e família são titulares das Autorizações de Residência Provisória [ARP] de fls 164/ss, citados docs 13 a 28 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. Os motivos pelos quais a ora Autora, o marido Dmitry e família, todos testemunhas de Jeová, abandonaram o seu país, a Rússia, consistem, declaradamente, na “perseguição religiosa” das autoridades russas, prendendo e mandando liquidar, com perseguições e aniquilamento dos fiéis desta Igreja Jeová, segundo a A, “sustentada pela Lei n° …………… proferida e aprovada pelo Supremo Tribunal Russo, a qual determina que esta organização religiosa é extremista e que deve ser liquidada” – PI e docs 29 e 30 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. A Impugnante é praticante da Igreja Jeová e jurista, sendo o marido tradutor oficial, conforme declaração de fls 190, doc 31 da PI, da «Congregação das Testemunhas de Jeová» e docs 32 a 35 da PI, fls 191/ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19. Em 19/06/2017, os Serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados do R elaboraram a Informação Nº 719/G AR/2017, de fls 143, doc 5 da PI e 49 e 50 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual ora se destaca o seguinte: «Dos motivos invocados no pedido de transferência Aos 05-06-2017, o GAR apresentou um pedido de tomada a cargo às autoridades da Finlândia, ao abrigo do artigo 12º, Nº 2, do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, uma vez que o (a) cidadão(ã) apresentava no seu passaporte um VCD da Finlândia. Aos 15-06-2017, as autoridades finlandesas aceitaram o pedido de tomada a cargo do (a) cidadão(ã), ao abrigo do preceito legal referido no ponto anterior. Pelo exposto, propõe-se que a Finlândia seja considerada o Estado responsável pela tomada a cargo, ao abrigo do artigo 12º, nº 2 do Regulamento (CE) Nº 604/2013 do Conselho de 26deJunho. (….)».

20. Em 19/06/2017, a Diretora Nacional do SEF proferiu a decisão de fls 46 do PA, fls 142, doc 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual ora se destaca: «(…) PROCESSO Nº 608.17PT. De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1, do artigo 19º-A e no nº 2 do artigo 37º, ambos da Lei nº 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, com base na Informação nº 719/6AR/2017 do Gabinete (…), considero o pedido de proteção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como SVETLANA ……………., nacional da Rússia, inadmissível. Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º, nº 3, da Lei nº 27/08 de 30 de junho, (…), e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para a Finlândia, Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção (…) nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. (….)» [ato impugnado].

21. Em 21/06/2017, o Réu levou ao conhecimento pessoal da Autora a decisão acabada de referir, conforme a certidão de fls 145, doc 6 da PI, e fls 47 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22. Em 28/06/2017 o A deu entrada à presente ação, no TAF de Lisboa -fls 2 e 3.

*

II.2 - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presentes as alegações, cumpre-nos apreciar o seguinte contra a decisão recorrida:

- Erro de julgamento de direito, porque o artigo 12º do Reg. U.E. 604/2013 pressupõe um visto válido (da Finlândia, neste caso);

- Erro de julgamento de direito, porque o ato administrativo impugnado põe em crise a unidade familiar da A.;

- Erro de julgamento de direito, porque a decisão viola a proporcionalidade.

*

Passemos, assim, à análise do mérito do recurso.

1 – Do erro de julgamento de direito, porque o artigo 12º do Reg. U.E. 604/2013 pressupõe um visto válido (da Finlândia, neste caso)

O que está em causa nestes autos é a decisão de 19-06-2017, do SEF, que determinou como Estado responsável pela análise [apreciação do mérito] do pedido de proteção internacional [asilo] da A., o Estado-Membro da Finlândia. E a consequente transferência.

Está em causa, pois, a legalidade do despacho do SEF que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional feito pela autora ao abrigo da Lei nº 27/2008 e do Regulamento U.E. nº 604/2013.

O SEF entendeu assim, porque a autora tinha um visto de curta duração na Finlândia, país que depois aceitou tomar a cargo este pedido.

Relembremos o quadro legal essencial:

Do Regulamento U.E. nº 604/2013 (que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida):

“l) «Título de residência»: uma autorização emitida pelas autoridades de um Estado-Membro que permite a estadia de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida no seu território, incluindo os documentos que comprovam a autorização de se manter no território, no âmbito de um regime de proteção temporária ou até que deixem de se verificar as circunstâncias que obstavam à execução de uma medida de afastamento, com exceção dos vistos e das autorizações de residência emitidos durante o período necessário para determinar o Estado-Membro responsável, em conformidade com o presente regulamento, ou durante a análise de um pedido de proteção internacional ou de uma autorização de residência; “m) «Visto»: uma autorização ou decisão de um Estado-Membro exigida para o trânsito ou a entrada para uma estadia prevista nesse Estado-Membro ou em vários Estados-Membros. A natureza do visto é apreciada em função das seguintes definições: - «visto de longa duração»: uma autorização ou decisão, emitida por um Estado-Membro de acordo com a sua legislação nacional ou com o direito da União, exigida à entrada para uma estadia prevista nesse Estado-Membro por um período superior a três meses, - «visto de curta duração»: uma autorização ou decisão de um Estado-Membro para efeitos de trânsito ou de estadia prevista no território de um ou mais Estados-Membros, ou da sua totalidade, por um período máximo três meses em cada período de seis meses a contar da data da primeira entrada no território dos Estados-Membros, - «visto de trânsito aeroportuário»: um visto válido para transitar pelas zonas de trânsito internacional de um ou mais aeroportos dos Estados-Membros” (artigo 2º);

- “A determinação do Estado-Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado-Membro” (artigo 7º/2);

- “1- Se o requerente for titular de um título de residência válido, o Estado-Membro que o tiver emitido é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. 2- Se o requerente for titular de um visto válido, o Estado-Membro que o tiver emitido é responsável pela análise do pedido de proteção internacional, salvo se o visto tiver sido emitido em nome de outro Estado-Membro ao abrigo de um acordo de representação conforme previsto no artigo 8º do Regulamento (CE) nº 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos. Nesse caso, é o Estado-Membro representado o responsável pela análise do pedido de proteção internacional. (…) 4 - Se o requerente apenas for titular de um ou mais títulos de residência caducados há menos de dois anos, ou de um ou mais vistos caducados há menos de seis meses, que lhe tenham efetivamente permitido a entrada no território de um Estado-Membro, são aplicáveis os nºs 1, 2 e 3 enquanto o requerente não abandonar o território dos Estados-Membros. Se o requerente for titular de um ou mais títulos de residência caducados há mais de dois anos, ou de um ou mais vistos caducados há mais de seis meses, que lhe tenham efetivamente permitido a entrada no território de um Estado-Membro, e se não tiver abandonado o território dos Estados-Membros, é responsável o Estado-Membro em que o pedido de proteção internacional for apresentado. 5 - A circunstância de o título de residência ou o visto ter sido emitido com base numa identidade fictícia ou usurpada ou mediante a apresentação de documentos falsos, falsificados ou não válidos, não obsta à atribuição da responsabilidade ao Estado-Membro que o tiver emitido. Todavia, o Estado-Membro que tiver emitido o título de residência ou o visto não é responsável, se puder provar que a fraude ocorreu posteriormente a essa emissão (artigo 12º).

Da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008):

Artigo 3.º - Concessão do direito de asilo

1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. 2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. 3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional. 4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.

Artigo 4.º - Efeitos da concessão do direito de asilo

A concessão do direito de asilo nos termos do artigo anterior confere ao beneficiado o estatuto de refugiado, nos termos da presente lei, sem prejuízo do disposto em tratados ou convenções internacionais de que Portugal seja parte ou a que adira.

Artigo 5.º - Atos de perseguição

1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais. 2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas: a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual; b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória; c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias; d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória; e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º; f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores. 3 - As informações necessárias para a tomada de decisões sobre o estatuto de proteção internacional não podem ser obtidas de tal forma que os agentes de perseguição fiquem informados sobre o facto de o estatuto estar a ser considerado ou que coloque em perigo a integridade física do requerente ou da sua família em Portugal ou no Estado de origem. 4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.

Artigo 7.º - Proteção subsidiária

1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave. 2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.

Artigo 19.º-A - Pedidos inadmissíveis

1 - O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que: a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV; b) Beneficia do estatuto de proteção internacional noutro Estado membro; c) Um país que não um Estado membro é considerado primeiro país de asilo; d) Um país que não um Estado membro é considerado país terceiro seguro; e) Foi apresentado um pedido subsequente em que não surgiram nem foram apresentados novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar de proteção internacional; f) Foi apresentado um pedido por uma pessoa a cargo do requerente, depois de ter consentido que um anterior pedido fosse apresentado em seu nome e não existam elementos que justifiquem um pedido separado. 2 - Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Artigo 37.º - Pedido de proteção internacional apresentado em Portugal

1 - Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo. 2 - Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente. 3 - A notificação prevista no número anterior é acompanhada da entrega ao requerente de um salvo-conduto, a emitir pelo SEF segundo modelo a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna. 4 - A decisão proferida pelo diretor nacional do SEF é suscetível de impugnação jurisdicional perante os tribunais administrativos no prazo de cinco dias, com efeito suspensivo. 5 - À impugnação jurisdicional referida no número anterior são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no artigo 110.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com exceção do disposto no respetivo n.º 3. 6 - O recurso jurisdicional das decisões respeitantes à impugnação jurisdicional referida no n.º 4 tem efeito suspensivo. 7 - Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do n.º 1, observar-se-á o disposto no capítulo III.

Aqui chegados e constatando (i) que a A. tem um visto emitido pela Finlândia, não caducado, e (ii) que a Finlândia aceitou a responsabilidade ou tomada a cargo, resulta dos artigos 12º do Regulamento citado e 19º-A/1-a)/2 e 37º/1/2 da Lei do Asilo que o Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional é a Finlândia.

E, por isso, que o pedido feito a Portugal é inadmissível, como bem decidiu o SEF.

2 – Do erro de julgamento de direito, porque o ato administrativo impugnado poria em crise a unidade familiar da A.

Esta ilegalidade apontada ao ato administrativo impugnado, que o TAC considerou tema irrelevante em sede de artigo 19º-A da Lei do Asilo, não resulta da factualidade provada.

É verdade que está provado que a A. veio com o seu marido e outros familiares afastados (sua irmã e cunhado; uma sobrinha e respetiva mãe). Mas o que aqui se discute não é o direito de asilo em Portugal da A., mas sim se o seu pedido é sequer admissível. E o Direito diz que não é.

Note-se ainda que dali só o marido é considerado membro da família pelo artigo 2º do cit. Regulamento U.E. Os demais nem cabem no conceito de familiar como definido no mesmo artigo. O que, aliás, se coaduna com a “Convenção sobre a Determinação do Estado Responsável pela Análise de Um Pedido de Asilo Apresentado Num Estado Membro das Comunidades Europeias”, assinada em Dublim, a 15 de junho de 1990, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/92, em 7 de maio de 1992.

E também respeita perfeitamente o artigo 8º da CEDH, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar.

Além disso, nem está provado qual o agregado familiar da A.

Enfim, em todo este contexto, ver aqui um obstáculo familiar seria inverter a ordem legal e lógica das coisas. Primeiro está o direito ao asilo e depois, havendo asilo para alguém na família, surgirá o relevo da unidade familiar.

3 – Do erro de julgamento de direito, porque a decisão administrativa violaria a proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, como guia metódico para legislar, para julgar e para administrar, funciona de modo gradativo e diferente nesses três “escalões” da atividade pública. A sua força aumenta à medida que se vai da lei (do legislador legitimado democraticamente) até à atividade administrativa.

Mas, no caso presente, o ato administrativo impugnado limitou-se a obedecer a uma vinculação legal, não relevando por isso tal guia metódico (previsto no artigo 7º do CPA) no agir administrativo concreto ora sindicado. Aqui, a proporcionalidade é um limite à atividade administrativa em que a lei consinta margem de livre decisão, o que não é o caso presente.

Finalmente, embora não seja claro que a recorrente tenha aqui invocado a vertente constitucional, a verdade é que não o fez na 1ª instância contra a Lei nº 27/2008. Logo, nunca aqui seria objeto de apreciação; sendo, porém, manifesto que as cits. normas da Lei do Asilo não nos surgem como desproporcionadas.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negar provimento ao recurso, julgando-o improcedente.

Sem custas.

Lisboa, 06-12-2017


Paulo H. Pereira Gouveia, relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre